terça-feira, 4 de julho de 2017

"Espíritas" pedem paciência para os outros, mas são impacientes em si


Em vários textos e palestras, o "movimento espírita" faz apelos, de certa forma enérgicos e persuasivos, para os sofredores terem "paciência" para tudo. Um exemplo disso é a edição deste mês do "Correio Espírita", jornal fluminense, que no texto intitulado "Impaciência" reprova o desespero daqueles que querem que as coisas se realizem "em tempo recorde".

Sabe-se que o "movimento espírita" está apoiando subliminarmente o governo Michel Temer e suas terríveis reformas, a trabalhista (que fará os empregados trabalharem mais e receberem menos) e previdenciária (que adiará a aposentadoria para o além-túmulo, com os proventos sendo liberados postumamente).

Para os "espíritas", isso é ótimo. A reforma trabalhista enfatiza o "espírito de renúncia" que o "espiritismo" brasileiro recomenda às pessoas, que devem abrir mão até de suas necessidades para vencer na vida. Os "espíritas" brasileiros, em seus postulados que deixariam Allan Kardec passando a mão no rosto de tanta vergonha, falam até na falácia do "inimigo de si mesmo", uma leviandade moralista que nada traz de incentivo às pessoas.

Assim, será ótimo, à "luz" do "espiritismo" brasileiro, que o empregado aumente sua carga de trabalho, perca seus encargos e garantias sociais, receba um salário menor, bastando a ele apenas dividir sua mente entre a concentração no trabalho desgastante e na elaboração da prece. Com tantas contas a pagar, é só reduzir a alimentação a quase nada e se sustentar com "luz". Os "espíritas" falam que seus livros são "um alimento para a alma", talvez tenhamos que aprender a comer papel.

E a reforma previdenciária, melhor ainda, porque a aposentadoria virá depois que o beneficiado, com tantas energias gastas no trabalho sobrecarregado, tiver retornado para a pátria espiritual. Desta forma, os proventos serão liberados postumamente, e quem sabe o "médium" de plantão possa ser solicitado a produzir uma mensagem fake atribuída ao falecido agradecendo tal oportunidade e pedindo para os familiares "se unirem na fraternidade em Cristo"?

Os "espíritas" pedem paciência a quem sofre de maneira insuperável, com dificuldades de obter uma superação. Mas tudo isso que os "espíritas" pedem, além de ser uma atitude de muito mau gosto e de falta de sensibilidade com o sofrimento alheio, já é praticado pelos infortunados da sorte.

Os sofredores já fizeram de tudo: mudaram os pensamentos, cultivando o otimismo, desenvolveram fé, fizeram preces, tiveram jogo de cintura, mudaram seus projetos de vida, meteram a cara nos esforços para vencer na vida. Fizeram tudo e nada aconteceu, e os benefícios lhes escapavam do alcance como água caindo das mãos.

As pessoas reclamam muito, e com razão. Viram brinquedos das adversidades da vida, e quando recorrem ao "espiritismo", autocelebrado "a religião da bondade", os "espíritas" ainda não gostam: pedem mais paciência, mais resignação e ainda falam em "combater o pior inimigo que é si mesmo".

Ah, mas, para os próprios pregadores "espíritas", sempre intransigentes em cobrar dos outros uma paciência de quem vê uma barra de chumbo esmagar os pés e não poder gemer de dor, a coisa não é a mesma. Afinal, os "espíritas" são os mais impacientes, e seus mais destacados palestrantes e pregadores em geral, os mais afobados possíveis.

Vamos pensar no processo linguístico. Note-se que os "espíritas" sempre dizem "o 'eu' peca por cobrar demais e nada fazer, sempre esperando que o 'outro' lhe estenda a mão". Eles falam que "nós" devamos aguentar os sofrimentos e, se possível, reduzir nossos planos de vida para quase nada, e pedem para que ninguém reclame e até as orações devam ser feitas em silêncio.

Devemos observar, no entanto, que os pregadores "espíritas" é que estão na condição de "eu". Quando nós lemos seus textos, até pensamos que o "eu" somos "nós" e que devamos ser "inimigos de nós mesmos" para vencermos na vida. Caímos como patinhos, com certeza não o "pato da FIESP" que talvez certos "espíritas" julgassem ser a reencarnação da "pomba da paz" que anunciou a vinda de Jesus Cristo, segundo a lenda católica.

Os "espíritas" é que cobram demais dos outros, e pouco se importam se o sofredor perderá uma ou duas encarnações inteiras sem poder trabalhar seus projetos de vida, com as adversidades impedindo-o até de ajudar os outros da melhor forma. Chegam a aconselhar o sofredor a ser mais submisso, subordinado e até abrir mão de suas habilidades, o que mostra o desprezo que o "espiritismo" tem à individualidade humana.

Mas os pregadores "espíritas", quando as coisas se voltam para eles, têm pressa em alcançar o céu e o "reino dos puros". Precisam caprichar no seu teatro de "amor e bondade", buscando exercer boas energias, citar só belas palavras e ter bons sentimentos não de maneira espontânea, mas quase como um "esporte", visando apenas um simulacro de "bom caráter" e "elevação moral" para assim conquistar a simpatia da sociedade e ter a impressão de que o caminho para o "céu" será mais curto.

Quantos pregadores "espíritas" não morderam os beiços e fizeram comentários maledicentes, na sua intimidade ou mesmo num pensamento oculto, quando são questionados ou até mesmo acusados de roustanguistas?

Mesmo pessoas como Divaldo Franco são capazes de ferir com palavras, quando ele, mesmo com sua voz "dócil", acusou os pobres refugiados do Oriente Médio de terem sido "tiranos colonizadores" em outra encarnação, um juízo de valor que pode gerar danos morais. Atitude semelhante rendeu condenação a uma pediatra de Rondonópolis que recusou atender uma criança vítima de estupro por julgar que ela foi uma "cortesã" em outra encarnação.

Vemos pregadores "espíritas" produzindo textos em belas palavras, mas não raro contraditórios - quando alternam entre uma "correta" apreciação do Espiritismo original e a exaltação do igrejismo catolicizador - , num esforço olímpico de ficar com a palavra final através de um verdadeiro triatlo de "mensagens positivas".

Em muitos casos, livros são produzidos em quantidades industriais, turnês são feitas para exibição de um verdadeiro balé de palavras, ainda que sejam congressos "espíritas" que trabalhem os mesmos temas tolos sobre "família" e "felicidade", destes que não precisam de duas horas de divagação a preços caros de inscrição, pois seus problemas podem ser resolvidos, de graça, com três minutos de conversas.

Mesmo os exercícios constantes de manter calma, respirar fundo, preservar "boas energias" e só dizer "belas palavras" não impedem que os palestrantes "espíritas" tenham pressa em alcançar o "reino dos puros" ou, na mais modesta das hipóteses, até porque todo esse teatro de "elevação de caráter" é desprovido de espontaneidade, sendo mais uma "ginástica religiosa" para promover bom-mocismo e dar a impressão de que tais pessoas estão com o passaporte para o Reino de Deus nas mãos.

Só que isso acaba significando, também, uma competição desleal. Os pregadores "espíritas" acham que os sofredores podem desperdiçar uma ou duas encarnações com sofrimentos e por isso lhes pedem paciência extrema.

Mas os pregadores não querem perder tempo para encurtar o caminho de acesso ao "reino dos puros", criando todo um jogo de cena que lhes garanta a imagem, a "mais unânime possível", de "bondosos". Os "médiuns espíritas" são o exemplo desse jogo de cena, mas é de todo pregador do igrejismo "espírita".

Mas, sem saber, eles acabam trapaceando, passando a perna nos infortunados na medida em que os pregadores querem alcançar o céu às custas da desgraça alheia. Que amigos se espera daqueles, que na nossa maior dificuldade, pedem apenas para que aguentemos as desgraças até não se sabe quando?

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