segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016
Por que a mentira "espírita" insiste em ter pernas longas?
A religião é uma forma de transmitir mitos e ilusões como se fossem "realidade". Isso se comprova quando o histórico da Igreja Católica nos fez acreditar que fenômenos fantásticos e pitorescos, como o Mar Vermelho se "partindo" como se cortasse uma fatia de bolo, eram mesmo verídicos.
Na religião, as mentiras procuram se sustentar de toda forma. Na Idade Média, elas prevaleciam sob a pena de punições severas. Quem não compartilhava das fantasias e mentiras católicas era simplesmente condenado a penas mortais de qualquer tipo, como a forca, o fuzilamento ou a queima em praça pública.
Hoje mudaram-se os contextos, mas o que se observa é que a crise em que passa o "espiritismo" brasileiro ainda é insuficiente para seus líderes adotarem uma postura autocrítica ou simplesmente "saírem do armário" e assumirem que seu negócio nunca foi o pensamento de Allan Kardec.
Muitos líderes "espíritas", em seus artigos, continuam agindo da mesma forma como no auge da fase dúbia, até pouco tempo atrás. Sabe-se que hoje o "espiritismo" vive uma tendência ardilosa, em que o igrejismo roustanguista que sempre norteou o "movimento espírita" é agora dissimulado por um suposto kardecismo, falsamente "autêntico", que se configura num "roustanguismo sem Roustaing".
A mistificação igrejista é misturada com evocações tendenciosas às atividades e ao pensamento científico, até onde se é muito manjado e publicamente conhecido. No entanto, nomes menos conhecidos da Ciência, como o alemão Wolfgang Bargmann, estudioso da glândula pineal nos anos 1940, são tirados de escanteio em nome de falsas façanhas dos ídolos "espíritas".
O caminho para recuperar as bases kardecianas é comprometido por esses "kardecistas autênticos" que, tempos atrás, Carlos Imbassahy, atualizando e adaptando para o contexto brasileiro os avisos de Erasto sobre as deturpações "espíritas", avisou ainda em vida.
Era uma outra etapa da deturpação da Doutrina Espírita, que hoje tornou-se dominante, e que desnorteia aqueles que querem recuperar as bases kardecianas, mas que se deixam seduzir pelo verniz de "amor, bondade e humildade" de certos ídolos mistificadores, a partir dos próprios Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco.
Como pessoas que aceitam que pessoas inúteis sejam hospedadas sem dar uma contribuição e causando problemas e custos graves, esses kardecianos bem intencionados, mas pouco vigilantes, acham que pode-se recuperar as bases originais da Doutrina Espírita mantendo Chico Xavier e Divaldo Franco no pedestal, mesmo que nada se aproveite de expressivo deles.
Há quem os aceite apenas porque "ajudaram muita gente" e aí o edifício das bases kardecianas mantém um "aposento" para os dois supostos médiuns, apenas porque eles são "bonzinhos", sem decidir o que aproveitar deles, tidos como "mestres sem lições".
Vivemos um país estranho, de "mestres sem lições" e "lições sem mestres". O "movimento espírita" descartou Jean-Baptiste Roustaing e no entanto aproveitou a essência de suas más lições, como a própria abordagem moral dos sofrimentos humanos, já que Roustaing semeou nos "espíritas" a Teologia do Sofrimento e Chico Xavier fez a colheita e reforçou a semeadura.
Ou seja, o "movimento espírita" adota a "lição sem mestre" do "roustanguismo sem Roustaing". Já as correntes mais frouxas dos que querem recuperar as bases de Kardec, querem manter os "mestres sem lições", aceitando Chico Xavier e Divaldo Franco "porque sim".
As crises intensas que acontecem, quando as antigas crises são lembradas na Internet e novas crises vêm à tona, e as lideranças "espíritas" parecem estar com a "consciência tranquila", achando que suas visões mistificadoras prevalecerão, usando a "bondade" como desculpa.
E isso é preocupante, porque eles acham que contornarão novos e grandes obstáculos, estão acima da lógica e do bom senso porque eles é que se julgam "dotados de lógica e bom senso", mesmo nas mais delirantes mistificações.
E, num Brasil que vive em crise de valores, cujos paradigmas ainda remanescentes da ditadura militar continuam resistindo apesar do claro perecimento, o "espiritismo" brasileiro não poderia ser diferente, com a ilusão da certeza da invulnerabilidade, da aparente imunidade que a fase dúbia do "movimento espírita" acredita possuir diante do que eles definem como "tempestades da discórdia e da intriga".
Até que ponto eles tentarão implantar pernas longas para suas mentiras mistificadoras não se sabe. O que se sabe é que o Brasil reage à decadência de paradigmas vigentes nos últimos 25, 40 anos, e que não respondem mais às transformações de nossa sociedade, com intransigência e teimosia. Muitos não querem perder as zonas de conforto construídas sob a sombra do "milagre brasileiro" de 1970.
domingo, 28 de fevereiro de 2016
José Medrado lança "romance mediúnico"
Um dos astros do "movimento espírita" baiano, o "médium" José Medrado, lançou um "romance mediúnico" de lições moralistas, mas procurando expressar aspectos do cotidiano da Bahia. O livro é intitulado Interesses, atribuído ao "espírito de Janete".
Ele havia "psicografado" vários livros, como Construção Interior, Cavaleiros da Luz: Missão Socorro e Para Melhor Compreender a Vida, em boa parte livros de auto-ajuda. Tem um programa na Rádio Metrópole, do "barão midiático" Mário Kertèsz, emissora cuja origem está num grave esquema de corrupção feito quando seu dono era prefeito de Salvador.
Ele define o livro como uma "novela". O enredo, que "mistura ficção e realidade" (?!), narra a vida de um jovem louro de uma decadente aristocracia baiana que se envolve com uma moradora negra de um bairro popular de Salvador. Em tese, o livro trabalha temas como conflitos sociais e religiosos, preconceitos e reajustes morais, dentro da ótica moralista do "movimento espírita".
Em evento de lançamento na Livraria Cultura, no Salvador Shopping, anunciou-se que a renda do livro irá para as obras assistenciais da Cidade da Luz. Tá, mas o que se percebe é que José Medrado, cuja profissão é de um simples funcionário público, sempre aparece nas suas chegadas ao "centro espírita" com um carrão.
É também curioso que o romance fale de uma "decadente família aristocrática" e um rapaz louro, já que José Medrado faz piadas preconceituosas sobre pessoas louras para uma plateia em maioria de aristocratas esnobes que vão lá assistir ao espetáculo de suas "palestras".
Além do mais, o livro Interesses é mais um romance moralista e de apelo religioso que se somam aos montes que inflam o já saturado e inchado mercado de livros "espíritas", um amontoado de novelas medíocres de lições moralistas, e quase sempre distantes das verdadeiras lições de Allan Kardec.
Medrado também está associado a pinturas supostamente mediúnicas cujas irregularidades de estilo já analisamos fartamente em vários artigos: 1, 2, 3 e 4. Através dessas análises, consideramos que os comentários positivos das estudiosas de arte Matilde Mattos e Virgínia Muri não procedem, uma vez que são evidentes as disparidades de estilos em relação aos autores originais.
sábado, 27 de fevereiro de 2016
Bondade de Chico Xavier não passou de uma jogada de marketing
Muitos brasileiros têm que deixar de ser infantis e enfrentar certos problemas. O dado surreal da obsessão de muitas pessoas por Chico Xavier é uma aberração emocional que cria posturas insólitas e absurdas, que poderiam muito bem estar em algum filme de Luís Buñuel.
O apego extremado a um ídolo religioso, como é, até hoje, mesmo postumamente, o anti-médium de Minas Gerais, faz com que certas pessoas acreditem em recuperar as bases doutrinárias kardecianas e deixar Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco no pedestal, mesmo que seja para enfeite.
Há também uma boa parcela de brasileiros ateus - ou ao menos que se dizem "ateus, graças a Deus" - que se irritam quando se fala uma vírgula contra o mito de Chico Xavier, sem saber que ele era um dos piores opositores do ateísmo, embora dele se atribui uma estória muito "simpática".
Consta-se que uma pessoa se dirigiu a Chico Xavier e disse que não acreditava em Deus. Com aparente benevolência, o anti-médium, a essas alturas promovido a ídolo máximo pelas graças da Rede Globo de Televisão, respondeu, calmamente: "Não faz mal. Deus acredita em você".
Imaginamos que felicidade é essa de uma parcela de "ateus, graças a Deus" que defendem tanto Chico Xavier e vão para a cama felizes porque um ente no qual dizem não acreditar está apoiando eles. Parecem uns patetas. Christopher Hitchens deve estar se agitando no além.
Os kardecianos autênticos, mas de firmeza frágil, como boas sementes jogadas em terrenos estéreis, e que se limitam apenas a dizer que o "movimento espírita" leu mal os textos de Allan Kardec, são complacentes com o mito de Chico Xavier e pensam que ele havia sido vítima das manobras da Federação "Espírita" Brasileira e acham que ele "pode ser aproveitado" com a recuperação das bases doutrinárias.
Isso é um contrasenso, afinal Chico Xavier sempre foi um católico, beato e ortodoxo em ideias e só diferia na paranormalidade. Há kardecianos autênticos que se contradizem, dizendo que Chico Xavier nunca foi espírita para entender bem a obra de Kardec e, depois, dizer que o "médium" mineiro poderia ter sido um seguidor genuíno do professor francês, "só faltando oportunidade".
UM "LULA" ÀS AVESSAS
É a doutrina da contradição. E, em tempos em que a Operação Lava-Jato tem seu momento "caça às bruxas", querendo criminalizar o ex-presidente Lula de qualquer maneira, considerando qualquer passeio inocente que o petista fizer como um "ato criminoso de roubo do dinheiro público", a complacência em torno de Chico Xavier ocorre em dimensões estratosféricas.
Como um "Lula" às avessas, Chico Xavier, mesmo nos seus mais graves erros, é aceito e respeitado até de forma injustificada. São dois pesos e duas medidas. Lula "comete crime" até quando viaja para Pernambuco visitar parentes e amigos de infância. Chico é inocentado até quando expõe, de forma leviana, as tragédias familiares para servir ao apetite voraz da predadora imprensa sensacionalista.
Isso envolve um jogo de aparências. Os julgamentos moralistas das pessoas, bastante contraditórias - consentem tanto com na leitura de medíocres livros religiosos quanto nas fotos forçadamente sensuais de Mulher Melão, Solange Gomes e similares - , também movem a concepção de estereótipos pessoais que nem sempre correspondem à realidade, mas servem a concepções ideológicas que mostram o que se entende como "bem" ou "mal" numa sociedade maniqueísta como a nossa.
Chico Xavier foi um "caipira simpático", que depois virou um "velhinho frágil", quando a empresa do jornalista Roberto Marinho decidiu "vestir a camisa" da fabricação de um mito religioso aos moldes que Malcolm Muggeridge fez com Madre Teresa de Calcutá.
Já Luís Inácio Lula da Silva tem o estereótipo do antigo operário gordo mas robusto, de jeito enérgico, algo que a chamada "boa sociedade" define como "brutamontes". Há quem faça analogia de Lula ao Brutus, o vilão das estórias de Popeye, o marinheiro popular da cultura infanto-juvenil, sobretudo o dos desenhos animados de 1960-1962 em que o vilão, geralmente um fortão musculoso, foi alterado para ser um gordo bonachão.
Movidos pelas aparências, ninguém vai condenar um "velhinho frágil" de ser plagiador de livros, explorador das tragédias alheias e responsável por fraudes na mediunidade. Mas são as mesmas pessoas que caluniam gratuitamente um "operário robusto" que, com todos os defeitos, pelo menos tentou aumentar a qualidade de vida de brasileiros que viviam no lado de baixo da pirâmide social.
A ESPERTEZA DE WANTUIL
Repetindo. As pessoas deveriam deixar de ser infantis e parar de crer num "médium" de contos-de-fadas, nesse fanatismo chiquista doentio e viciado. A "bondade" que tanto se fala de Chico Xavier nunca passou de uma jogada de marketing, de início fruto da esperteza obstinada de Antônio Wantuil de Freitas, presidente da Federação "Espírita" Brasileira, e depois fruto de uma parceria publicitária da FEB e da Rede Globo para promover um ídolo religioso.
É só observar os aspectos históricos. Chico Xavier nunca foi mais do que um esquisito paranormal que poderia muito bem "repousar" nos almanaques sobre curiosidades pitorescas, e tratado como atração exótica pelo sensacionalismo jornalístico.
Como Chico Xavier era um vendedor de livros habilidoso, Wantuil, membro da roustanguista FEB e "mentor" terreno de Chico Xavier, sempre mexeu as peças para promover seu pupilo como um "caridoso", com a imagem construída de "porta-voz dos mortos".
Isso gerava problemas, porque, observando com muita cautela e isenção, sem as paixões do deslumbramento religioso, as mensagens atribuídas aos espíritos de autores mortos realmente destoavam, até de maneira grosseira, dos estilos que esses autores deixaram em vida.
Humberto de Campos é o exemplo mais ilustrativo disso. Nada de seu estilo pessoal, a não ser certos artifícios de semelhança - quando o falso tenta parecer verdadeiro - , foi observado nos textos "espirituais" trazidos por Chico Xavier. Nada.
Em vez do escritor de texto fluente, um neoparnasiano quase modernista com seus textos cultos mas acessíveis e coloquiais, Humberto de Campos "aparecia" escrevendo de forma rebuscada mas grosseira, com sérios vícios de linguagem, com um texto pesado para se ler e bastante melancólico, que em vez de falar da realidade cultural de seu tempo, apelava para um igrejismo extremado e demodê, coisa que Humberto, que era ateu, não seria capaz de escrever.
Chico Xavier causou escândalos gravíssimos. Coisa de gente irresponsável, mesmo. Pastiches literários que causavam preocupação nos meios intelectuais mais sérios. E Chico Xavier forjava atestados "legitimando" fraudes de materialização diversos.
Wantuil tentou abafar os escândalos da maneira que pôde. Dizem que ele fez até mandinga para isso, já que, em 1953, o presidente da FEB fazia consultas de pais-de-santo para "limpar" o caminho dele e de seus relacionados, constatação baseada no estranho flerte que Wantuil teve com a umbanda, denunciada pelos críticos sérios da deturpação espírita.
Aí houve o afastamento dos contestadores severos - Attila Paes Barreto e Osório Borba se "perderam" no tempo e suas contestações sobre a "mediunidade" de Chico Xavier "morreram" no passar dos anos - , e uma provável "queima de arquivo" contra o sobrinho Amauri Xavier, que iria denunciar as irregularidades da FEB e, por isso, o jovem foi vítima de campanha difamatória do "movimento espírita", teria sido agredido em um sanatório e depois teria morrido envenenado.
A esperteza sem limites de Wantuil só não foi total no caso de Otília Diogo porque o presidente da FEB, muito doente, acabou deixando o cargo, mas a malandragem de dizer que "cúmplice não é culpado" que livrou Chico Xavier de responsabilidade pela farsa, apesar dos fortes indícios de que o "médium" apoiou a fraude do começo ao fim, tentou sustentar o mito, sobretudo quando, um ano após o desfecho em 1970, Chico foi convidado a dar entrevista para um programa de TV.
Quando a TV Tupi de São Paulo, em 1971, transmitiu o programa Pinga-Fogo na edição com Chico Xavier - é bom deixar claro que o programa não era "espírita" e se tratava de um programa de entrevistas comum que a TV Tupi produzia desde os anos 1950 - , o mito do "médium" mineiro começava a ser reconstruído através de um misto de "conselheiro" e "filantropo".
Aí, pronto. A revista O Cruzeiro, que sempre foi hostil a Chico Xavier, decidiu tê-lo como "colaborador". A TV Tupi, que sempre teve o "médium" em boa conta - astros da "casa" como Nair Bello, Ana Rosa e o diretor Augusto César Vannucci eram admiradores e amigos - , fez até uma novela "espírita" inspirada em Nosso Lar, a obra A Viagem, de Ivani Ribeiro.
E o que deram as "boas energias" dos Diários Associados? Na crise financeira que abateu a empresa e fez ela se desfazer tanto da TV Tupi quanto da revista O Cruzeiro. A TV Tupi faliu em 1980, depois de tantos atrasos nos pagamentos dos funcionários (os amigos de Chico Xavier podiam pelo menos ter remunerado os funcionários com "luz", não é mesmo?).
Já a revista mudou seu padrão gráfico e sua linha editorial para uma inexpressiva revista de informação geral, quase uma clone piorada de Visão, com páginas que também lembram aquelas seções de informação geral de revistas pornográficas como Homem e Ele Ela.
O que a FEB fez, então? Foi fazer parceria com a Rede Globo que, tomando conhecimento do documentário Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God), que Malcolm Muggeridge fez para a BBC a respeito de Madre Teresa de Calcutá, estabeleceu os novos moldes para promover o mito de "bondade" que o cidadão comum tanto acredita residir em Chico Xavier.
"BONDADE" DUVIDOSA
O roteiro de Muggeridge foi bem construído. O "filantropo" chega a uma comunidade carente ou para alguma instituição religiosa. É acolhido pela multidão. O "filantropo" fala com velhos miseráveis. Pega bebês no colo. Olha para doentes prostrados na cama. Põe a mão na cabeça de um deles. Acaricia criancinhas tomando uma sopinha, geralmente aguada e insossa. Acolhe fileiras de pessoas que vieram cumprimentar o "filantropo".
Junto a isso, também vieram frases de efeito, vendidas como se fossem "lições de sabedoria". Ilustrações com céu azul e sol brilhante serviam de fundo para inserir as imagens dos "filantropos" com tais frases ou com epítetos relacionados a ideias de "amor" e "caridade".
Madre Teresa de Calcutá e Chico Xavier tornaram-se mitos religiosos bem parecidos. A ideia de alma-gêmea é improcedente, mas se ela existisse, envolveria esses dois. Oficialmente não se reconhece Chico Xavier como adepto da Teologia do Sofrimento (aquela que define que suportar desgraças é um "caminho para Deus"), mas ele foi um de seus seguidores mais extremados.
Madre Teresa foi acusada de praticar a Teologia do Sofrimento ao deixar os doentes à mercê das próprias desgraças, mandando suas ajudantes resolver os flagelos apenas com analgésicos como aspirina e paracetamol. Christopher Hitchens acusava a freira de não confortar os aflitos e, por outro lado, não afligir os confortáveis.
Ele investigou e descobriu que Madre Teresa desviava dinheiro para os cofres pessoais dos sacerdotes do Vaticano, ela se aliava a políticos tiranos e magnatas corruptos para obter esse dinheiro, enquanto os doentes e desamparados eram deixados sem higiene, se contaminando, uns aos outros, e recebendo injeções de seringas já usadas e só "lavadas" com água de torneira, que não é lá esse primor de limpeza.
E a "bondade" de Chico Xavier? Será que ela existiu mesmo? Ele defendeu a ditadura militar no momento em que ela se mostrava mais cruel. Até Alceu Amoroso Lima e Carlos Lacerda (o mais histérico defensor do golpe de 1964) estavam na oposição ao regime, quando Chico pedia para orarmos pelos torturadores e assassinos que, no dizer do "bondoso médium", estavam construindo o "reino de amor" do futuro.
Chico Xavier havia acusado, num livro, as humildes vítimas do incêndio em um circo de Niterói de terem sido romanos sanguinários, e ainda botou tal acusação, bastante perversa, na responsabilidade de Humberto de Campos. Uma dupla crueldade de um "homem perfeitamente bom".
Chico Xavier não cobrava dinheiro e recusava cachê e faturamento pelos livros vendidos. Será? Mas ele transferiu todo o lucro dos seus livros para os cofres da FEB, e seus dirigentes se enriqueceram com isso, sobretudo Wantuil, um verdadeiro tirano e magnata da federação.
E as famílias que perderam entes queridos? Além delas terem sido enganadas pela suposta psicografia de Chico Xavier, que forjava o mesmo estilo de mensagem atribuindo a espíritos diferentes, mas sob a caligrafia e os apelos igrejistas do "médium", elas eram superexpostas à exploração sensacionalista de suas tragédias, ao sabor do propagandismo religioso.
São "bondades" nada bondosas, que o deslumbramento religioso, o fanatismo e a cegueira da fé acobertam com o véu da obsessão e do apego a um ídolo religioso, da parte de pessoas que não podem ser felizes e bondosas por conta própria, e que precisam de uma personificação material da "bondade", através da imagem de um "velhinho frágil".
A "bondade" de Chico Xavier, a exemplo de casos como o do apresentador Luciano Huck nos últimos anos, não passa de uma jogada de marketing que o mercado religioso e o poder midiático articulam para dominar as pessoas. E faz muito sentido esse mito de "bondade" de Chico Xavier ter sido reforçado na época da crise da ditadura militar, criando uma figura "filantrópica" para intimidar a população, evitando a mobilização popular e subordinando o povo ao fanatismo religioso.
Em nome desse estereótipo do "bom velhinho frágil", se consente em tudo: mentir, realizar fraudes, explorar as pessoas, desde que seja "bonzinho". Não importa lógica, não importa ética, não importa coerência nem bom senso. As pessoas acreditam que, pela ideia de que o "amor", em tese, "pode tudo", acham possível a bondade ser desonesta, ilógica e surreal. Quanta ingenuidade.
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
Previsão de Nibiru é dada por cientistas de universidade pouco conceituada
Mais um sensacionalismo de cunho pretensamente científico é divulgado pela mídia. A chegada, em março próximo, do suposto planeta Nibiru, conhecido também como "Planeta X", que se chocará com a terra e, em torno desse suposto astro, há outros dois planetas de sua órbita.
Aparentemente, cientistas de uma universidade da Espanha disseram ter observado padrões orbitais estranhos e dois objetos rochosos na proximidade de Plutão, o que, para eles, pode ser indício de existência de dois planetas que orbitam em volta de Nibiru.
Segundo eles, a movimentação de Nibiru e seus dois planetas "auxiliares" estariam se deslocando em direção à órbita terrestre. Segundo eles, Nibiru teria cerca de dez vezes a massa da Terra e sua órbita é feita a cerca de 250 vezes a distância entre a Terra e o Sol.
As "previsões" dos cientistas são altamente duvidosas, levando em conta que a Universidade Complutense de Madrid não parece destacada no meio acadêmico, o que sugere ser uma instituição de ensino pouco conceituada, ou, pelo menos, há o pouco conceito da parte dos cientistas que divulgaram essa hipótese.
O "planeta" Nibiru, conhecido também como Planeta X, é originário de uma lenda surgida por astrônomos da Babilônia, influenciados pela religião monoteísta cuja ideia de Deus está representada pela entidade Marduk. Nibiru teria sido a morada de Marduk, tido como "governante do universo".
A ideia também foi difundida pelo arqueólogo do Azerbaijão, Zecharia Sitchin (1920-2010), que apostava na teoria de antigos astronautas (ou seja, de que a humanidade da Terra descende de extraterrestres), que, com base em crenças dos povos sumérios, atribuía a Nibiru a origem da espécie humana no nosso planeta.
"ESPÍRITAS" ABRAÇAM A TESE
A "vinda" de Nibiru para próximo da Terra, "agendado" para março de 2016, é uma ideia festejada por vários setores do "movimento espírita", com base em relatos divulgados pelo "médium" baiano Divaldo Pereira Franco, muito identificado com Esoterismo e outras pseudociências.
Mas a ideia também era, de uma forma ou de outra, associada a Francisco Cândido Xavier. A ideia de Chico Xavier "prever" o "fim do velho mundo" e acreditar que os extraterrestres iriam "compensar" as lacunas que o mundo desenvolvido deixaria depois de destruído também se refere de uma forma ou de outra à crença no "Planeta X", também definido como "planeta-chupão".
A tese dos "espíritas" consiste em atribuir a Nibiru uma espécie de "aspirador de pó" da humanidade da Terra. Segundo eles, Nibiru seria um planeta que "acolheria" espíritos considerados de baixo nível de evolução, "limpando" a humanidade para que só restem pessoas "comprometidas com a fraternidade".
A hipótese é altamente discutível, pois ela mistura alegações pseudocientíficas, suposições astronômicas e moralismo religioso. A ideia de quem "deveria ir para Nibiru" é tão confusa quanto a ideia de "crianças-índigo".
Afinal, quem é que "merece" ir para Nibiru? Artistas ateus ou homicidas religiosos? Se o artista tem um nível humanista admirável, um talento peculiar, uma contribuição imensurável à humanidade, mas não crê em Deus ele é mais desgraçado que alguém que cometeu um homicídio e mal consegue se arrepender dele, mesmo quando impune, só porque vai a uma igreja ou "centro espírita"?
A "vinda de Nibiru" já havia sido anunciada pelos místicos para dezembro de 2012. Até Divaldo Franco de uma forma ou de outra anunciou o "fim do mundo" com aquele seu "otimismo" natural, com sua voz de padre e sua encenação discursiva, para aquele mês, como um "momento de transformação" para a "regeneração" da humanidade da Terra.
Até agora, nada aconteceu. E, se aconteceu, foi pior. De 2012 para cá, por exemplo, o bullying digital dos trolls de Internet, que humilhava pessoas que não aceitavam valores pré-estabelecidos - desde visões racistas até gírias impostas pela mídia como o jargão "balada" - , cresceu do simples ataque virtual a pessoas comuns até as humilhações virtuais a famosos e, daí, para conflitos públicos, como as humilhações a Chico Buarque e Jorge Ben Jor.
Aliás, outra confusão "espírita" é quanto a quem pode ser considerado "índigo". Se são meninos-prodígio ou garotos-problemas, se são adolescentes de profundo saber intelectual ou troleiros de Internet. Se são líderes humanitários ou chefes de violentas torcidas de futebol. E as "crianças-cristais"? E as "crianças-estrelas"? Seriam coroinhas de igreja ou o Movimento Brasil Livre de Kim Kataguiri? Na religião, tudo é confusão.
REGENERAÇÃO?
E isso ainda é fichinha diante dos dois ataques terroristas que atingiram Paris em 2015, um contra jornalistas do periódico Charlie Hebdo e outra contra frequentadores de casas noturnas bastante badaladas. Que tipo de "regeneração" planetária se espera disso?
Os próprios "espíritas" ficam muito confusos quando se fala em períodos de "regeneração". Num momento, dizem que a "regeneração" da humanidade "já chegou", em outro momento dizem que ela "demorará a chegar". Ficam fixando datas prévias e depois ficam desmentindo, dizendo que os "espíritos benfeitores" tiveram que mudar datas para a transformação da Terra, devido a acontecimentos desagradáveis etc etc.
Eles também tentam puxar a brasa para suas sardinhas e afirmam que a "regeneração já está ocorrendo" através dos "centros espíritas", onde há "vários exemplos" de atividades ligadas ao "amor ao próximo", com "doações de roupa" e "sopas" oferecidas de graça aos pobres e desamparados, deixando clara a propaganda religiosa mais tendenciosa.
Portanto, essa fantasia de "planetas chupões", "crianças astrais" ou coisa parecida, só serve para produzir sensacionalismo pseudocientífico que é um prato cheio para a imprensa medíocre que está mais voltada a interesses comerciais do que no compromisso com a informação.
A mesma fantasia também serve para despertar nos líderes religiosos um moralismo religioso travestido de advertências sérias, se aproveitando da postura de falsos profetas para dominar a humanidade pelo medo ou pelo deslumbramento, enquanto alimentam vaidades pessoais com tais manobras.
Como bem disse Neil deGrasse Tyson, renomado cientista dos EUA, Nibiru não passa de uma bela e bem elaborada obra de ficção. E, uma coisa está certa: a Terra não será atingida pelo "planeta chupão", e o próximo mês ocorrerá mais ou menos como ocorre atualmente.
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016
Os atropelos do PMDB carioca
Não bastassem os terríveis ônibus padronizados que escondem diferentes empresas de ônibus sob uma mesma pintura, causando confusão, desconforto e insegurança para os passageiros de ônibus e favorecendo a corrupção político empresarial, e não fossem suficientes a demissão de cobradores de ônibus por causa do acúmulo da função para os motoristas e a extinção ou esquartejamento de linhas de ônibus importantes para forçar a baldeação, o grupo político de Eduardo Paes se atropela em mil incidentes.
Há o conflito do grupo com seu ex-aliado, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que tenta mexer as varetas para evitar sua cassação, algo insólito no país, porque se fosse no Primeiro Mundo, Eduardo Cunha nem deputado mais seria, e sim um presidiário e cumprir o resto de seus dias numa cela.
Há, também, a tendenciosa mudança de postura da família Picciani, uma das mais ricas do Estado do Rio de Janeiro, que, depois de ter feito campanha para Aécio Neves em 2014 e manter alianças quase simbióticas com Eduardo Cunha, passou a se opor a este e a defender Dilma Rousseff. De repente, Leonardo Picciani virou o "herói da pátria" que vai desenhar o ocaso político do seu antigo protetor.
O perigo é que essa postura "progressista" de Leonardo Picciani possa se transferir para o irmão Rafael, que, como secretário de Transportes do município do Rio de Janeiro, impõe medidas dignas de um Eduardo Cunha da mobilidade urbana. E não é só para impedir o povo da Zona Norte de frequentar as praias da Zona Sul, se contentando (Chico Xavier iria adorar!) com a pequena praia de Rocha Miranda, uma aberração que tem horário limitado, de 9h às 20h, tempo que foge às recomendações médicas, já que 9h é horário de intensificação de raios ultravioleta. A praia de Rocha Miranda já começa o expediente (?!) sob o risco do câncer de pele.
Os estudantes da PUC que moram na Zona Norte e os estudantes da UERJ que moram na Zona Sul agora têm que pegar dois ônibus, viajar no segundo ônibus quase sempre a pé, e, se o Bilhete Único se esgotar, pagar duas passagens, cerca de R$ 3.040 por mês (mal dá para o salário dos trabalhadores de classe média), ida e volta, o que é capim para um Rafael Picciani com um patrimônio de quase dez milhões de reais.
A opinião pública de esquerda deve, portanto, tomar muito cuidado com a família Picciani, para que não veja como "progressista" medidas como impedir que moradores do Méier e da Penha continuem se deslocando diretamente para Copacabana e Ipanema, mesmo que seja a trabalho.
O grupo político de Eduardo Paes, prefeito da cidade do Rio de Janeiro, e Luiz Fernando Pezão, governador do correspondente Estado, é marcado por uma centena de atitudes desastrosas, que dariam um grande livro, só para citar todas. E o próprio grupo começa a se desentender, quando o secretário estadual de Transportes, Carlos Roberto Osório - que, dizem, é capaz de impor padronização visual até para uniformes de futebol - , está sendo sondado por Aécio Neves para migrar para o PSDB e virar candidato tucano à sucessão de Paes.
Paes chegou a pedir para Aécio Neves barrar a mudança de partido a Osório, o que seria uma compensação para a perda do apoio de Picciani - que, para não perder sua fortuna, passou a elogiar Dilma Rousseff para que ela pagasse os custos da crise financeira nos cofres cariocas - , mas o ex-governador de Minas Gerais disse não.
Enquanto isso, o Rio de Janeiro é denunciado por diversas instituições estrangeiras e até pelos meios de comunicação no exterior por causa da poluição da Baía da Guanabara, da violência policial que mata moradores da favela inocentes, do descado geral das autoridades cariocas, que tudo falam e prometem mas nada fazem de realmente positivo, e da expulsão de moradores, sem aviso nem indenização devidos, de áreas destinadas às Olimpíadas.
Enquanto isso, os incautos não percebem a decadência vertiginosa que atinge o Estado do Rio de Janeiro, que não pode ser encarada como efeito natural da complexidade urbana. Até porque a decadência é resultado de retrocessos graves que, em muitos aspectos, deixam a cidade do Rio de Janeiro com um provincianismo comparável ao de capitais nordestinas no auge do coronelismo. E isso, em boa parte, se deve ao PMDB carioca, em sua atuação simplesmente vergonhosa e desastrosa.
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016
O Brasil da mediocridade e o desperdício de talentos
SE FOSSE BRASILEIRO, CHRISTOPHER HITCHENS NÃO TERIA A VISIBILIDADE E O PRESTÍGIO QUE OBTEVE AO LONGO DA VIDA.
O Brasil vive uma crise que vai além da economia. É uma crise de valores. Uma crise não sentida pela própria "boa sociedade" que permanece nas suas zonas-de-conforto. Há um apego a um modelo de país sonhado nos tempos do general Emílio Médici, ou, na melhor das hipóteses, no do general Ernesto Geisel.
As soluções e paradigmas são ainda os de 40 anos atrás. A corrupção dissimulada, o pragmatismo (ou seja, preferir as medidas e valores que atendem apenas ao mais básico dos básicos), a fuga dupla da religiosidade extrema e da permissividade brega, o Brasil que aprecia a "cultura popular" que explora o ridículo é o mesmo que exige rigor extremo para outras coisas.
O país tornou-se difícil para pessoas diferenciadas viverem. Uma considerável parcela de personalidades e artistas que conseguem contribuir com coisas elevadas de diversos tipos tende a morrer mais cedo ou, pelo menos, no auge de sua produtividade, deixando lacunas irreparáveis para o Brasil.
E olha que essas pessoas vieram de outros tempos, em que se permitia uma ascensão social. Hoje, época de mediocridade extrema, as pessoas com um mínimo de diferenciação têm dificuldade para se ascenderem e precisam ter um pacto com a mediocridade para subir alguns degraus da pirâmide social.
É o caso de pessoas progressistas que precisam obter visibilidade na mídia reacionária. Ou de pessoas emergentes que precisam ter patrões medíocres e corruptos para terem algum espaço no mercado de trabalho. Para vencer na vida, muitos apelam para os próprios algozes ou canastrões para terem algum "lugar" na sociedade.
A vida no Brasil impõe obstáculos difíceis para quem não "segue o rebanho". Ideologicamente, o Brasil, por não abrir mão de antigos entulhos ideológicos e apreciar valores novos sob o filtro de antigos paradigmas, impede seu próprio desenvolvimento, porque não consegue acolher novas ideias, novas práticas e novos personagens sem romper com o que há de antiquado e retrógrado, o que não deve ser confundido com velhas e boas tradições, muito mais progressistas que certas "novidades" que pintam por aí.
Afinal, tínhamos momentos em que propostas, práticas e pessoas mais progressistas e modernas tinham mais espaço. Foi no começo da década de 1960, quando, ainda no governo de Juscelino Kubitschek, se debatia desde os rumos da cultura brasileira até métodos de combater o analfabetismo adulto. A televisão tinha uma programação bem mais inteligente, da qual pouco se restou de arquivos. A música brasileira, em 1960, permitia que artistas de grande talento fizessem sucesso nas rádios.
Hoje, no entanto, a mediocridade atinge graus extremos. Valores retrógrados crescem feito bola de neve de tal forma que se adquire até uma moral estranha, em que a sociedade passa a sentir a "síndrome de Estocolmo" até por feminicidas conjugais, que exterminavam esposas e namoradas em nome da tal "defesa da honra masculina" e por isso saíram impunes.
Já surgem rumores de que alguns feminicidas mais velhos (na virada dos 70 para os 80), e alguns nem tanto (na casa dos 40 aos 60), que viraram notícia no país, estão sofrendo doenças graves, e a sociedade moralista, em vez de se preparar para o inevitável ("também morre quem atira", como diz a canção de O Rappa), reage com revolta dizendo que tais rumores são "ofensivos" e "preconceituosos" contra quem "precisa viver em paz".
É esse dado surreal, que faria o franco-atirador do filme O Fantasma da Liberdade (de Luís Buñuel) babar de inveja, que mostra o grau de moralismo vesgo que prevalece no Brasil, em que se fala num "feminismo" de glúteos, em que determinadas mulheres-objeto que fazem sucesso na "cultura popular" - não fazem outra coisa a não ser "sensualizar" e "mostrar demais" - se autoproclamam "feministas" porque não têm namorados ou maridos.
Há manifestações de racismo e machismo que explodem nas mídias sociais. Há sutis apologias ao racismo e ao machismo em ritmos "populares" como o "pagodão" da Bahia e o "funk carioca". Há músicas "sertanejas" que defendem abertamente a embriaguez e não medem escrúpulos para exaltar também os carrões, sendo uma propaganda subliminar a favor da trágica combinação entre álcool e volante, num gênero que, ironicamente, teve um ídolo emergente, Cristiano Araújo, morto em um acidente de carro junto com a namorada.
Temos um dos piores sistemas de comunicação do país, cujas empresas se ascenderam durante a ditadura militar ou cujos veículos cresceram através do clientelismo político do governo José Sarney. É uma mídia ideologicamente fechada, que influencia um mercado cinematográfico castrador e inspira uma intelectualidade (jornalistas culturais, cineastas e cientistas sociais) que defende a degradação cultural do país porque acha ótimo o povo pobre fazer papel de ridículo.
É um quadro bastante estarrecedor, e que é responsável pela estupidez em doses surreais que atinge o país, em que uma gíria fabricada pela grande mídia, "balada", tenta se espalhar como se não fosse gíria e nem se voltasse a um público específico (como deveria ser uma gíria, expressão linguística de um grupo social).
A coisa é tão preocupante quando comparada aos EUA, já que as corporações de mídia lá existentes, com toda a voracidade comercial que possuem, capaz de ceifar seriados de TV de conteúdo excelente só porque tiveram baixa audiência, permitem que se critiquem certos fenômenos sociais. Reality shows, sensacionalismo jornalístico, fanatismo religioso, esses temas conseguem aparecer até nos mais comerciais filmes do cinema de Hollywood.
No Brasil, é o inverso. Nem o chamado cinema independente se encoraja a romper a camisa-de-força ideológica, contestando totens religiosos, midiáticos, políticos. A política de patrocínios mais parece uma operação de sequestro, em que o produtor cinematográfico é refém de um status quo que não permite contestar certos valores e personalidades.
Nos EUA, se contestava até o esquema de jabaculê que girava em torno da soul music, um estilo musical considerado um dos mais apreciados no mundo. Mesmo a Motown, principal gravadora do gênero, era acusada de tais práticas, num país em que o padrinho do rock'n'roll, o radialista Alan Freed, entrou em decadência com o chamado "escândalo da payola" ('payola' é o que se conhece por "jabaculê" nos EUA).
Aqui, experimente alguém fazer um documentário ou um livro sobre os esquemas de jabaculê do "funk carioca", ritmo que nasceu comercial depois que, em 1990, rompeu com qualquer influência do funk autêntico de James Brown e derivados. Ninguém vai patrocinar, ninguém vai publicar. Soa "discriminatório".
Há um medo de fazer o estabelecido ruir. Há um medo de se derrubarem totens e valores pré-estabelecidos, por mais injustos que fossem. E isso influi num mercado de trabalho e num meio acadêmico que simplesmente boicotam quem tem talento diferenciado.
Os meios acadêmicos boicotam pessoas do nível intelectual de um Noam Chomsky e Christopher Hitchens. Eles não chegam sequer a ser alunos-ouvintes de mestrado. Houve denúncias de que uma universidade pública, vendo que, na lista de 30 vagas para alunos-ouvintes, havia alguém "muito contestador" das coisas, decidiu fechar a turma com 29 e deixar o candidato de fora.
Fenômenos aberrantes de degradação sócio-cultural e deslumbramento religioso chegam a ser corroborados por acadêmicos tidos como "sérios". O "funk" trata o povo pobre de maneira pejorativa e os acadêmicos defendem o ritmo degradante. E, no exterior, um mito religioso mais verossímil, como Madre Teresa de Calcutá, foi bem mais fácil de ser derrubado do que Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier de seus seguidores.
Um Christopher Hitchens brasileiro mal consegue passar por um Bacharelado e conseguir uma pálida visibilidade em um blogue de Internet. Não pode fazer monografias nem documentários, não pode influenciar a opinião pública revelando fraudes e irregularidades diversas.
As pessoas diferenciadas só ganham espaço no mercado de trabalho quando patrões medíocres precisam de uma forma ou de outra se autopromoverem às custas do talento refinado de alguém. E isso é terrível, porque nem por esta oportunidade a pessoa talentosa encontra grande chance de crescimento, se tornando apenas veículo para a vaidade pessoal do patrão pretensioso.
Assim o Brasil não resolve seus problemas de incompetência, intolerância social, intransigência cultural e outros vícios. É um país viciado, que pensa as soluções para seus problemas com fórmulas de 40 anos atrás (isso quando o fanatismo religioso não apela para receitas que só faziam sentido dois milênios atrás). E tudo isso acaba travando o progresso e deixando o país no marasmo de sempre.
O Brasil vive uma crise que vai além da economia. É uma crise de valores. Uma crise não sentida pela própria "boa sociedade" que permanece nas suas zonas-de-conforto. Há um apego a um modelo de país sonhado nos tempos do general Emílio Médici, ou, na melhor das hipóteses, no do general Ernesto Geisel.
As soluções e paradigmas são ainda os de 40 anos atrás. A corrupção dissimulada, o pragmatismo (ou seja, preferir as medidas e valores que atendem apenas ao mais básico dos básicos), a fuga dupla da religiosidade extrema e da permissividade brega, o Brasil que aprecia a "cultura popular" que explora o ridículo é o mesmo que exige rigor extremo para outras coisas.
O país tornou-se difícil para pessoas diferenciadas viverem. Uma considerável parcela de personalidades e artistas que conseguem contribuir com coisas elevadas de diversos tipos tende a morrer mais cedo ou, pelo menos, no auge de sua produtividade, deixando lacunas irreparáveis para o Brasil.
E olha que essas pessoas vieram de outros tempos, em que se permitia uma ascensão social. Hoje, época de mediocridade extrema, as pessoas com um mínimo de diferenciação têm dificuldade para se ascenderem e precisam ter um pacto com a mediocridade para subir alguns degraus da pirâmide social.
É o caso de pessoas progressistas que precisam obter visibilidade na mídia reacionária. Ou de pessoas emergentes que precisam ter patrões medíocres e corruptos para terem algum espaço no mercado de trabalho. Para vencer na vida, muitos apelam para os próprios algozes ou canastrões para terem algum "lugar" na sociedade.
A vida no Brasil impõe obstáculos difíceis para quem não "segue o rebanho". Ideologicamente, o Brasil, por não abrir mão de antigos entulhos ideológicos e apreciar valores novos sob o filtro de antigos paradigmas, impede seu próprio desenvolvimento, porque não consegue acolher novas ideias, novas práticas e novos personagens sem romper com o que há de antiquado e retrógrado, o que não deve ser confundido com velhas e boas tradições, muito mais progressistas que certas "novidades" que pintam por aí.
Afinal, tínhamos momentos em que propostas, práticas e pessoas mais progressistas e modernas tinham mais espaço. Foi no começo da década de 1960, quando, ainda no governo de Juscelino Kubitschek, se debatia desde os rumos da cultura brasileira até métodos de combater o analfabetismo adulto. A televisão tinha uma programação bem mais inteligente, da qual pouco se restou de arquivos. A música brasileira, em 1960, permitia que artistas de grande talento fizessem sucesso nas rádios.
Hoje, no entanto, a mediocridade atinge graus extremos. Valores retrógrados crescem feito bola de neve de tal forma que se adquire até uma moral estranha, em que a sociedade passa a sentir a "síndrome de Estocolmo" até por feminicidas conjugais, que exterminavam esposas e namoradas em nome da tal "defesa da honra masculina" e por isso saíram impunes.
Já surgem rumores de que alguns feminicidas mais velhos (na virada dos 70 para os 80), e alguns nem tanto (na casa dos 40 aos 60), que viraram notícia no país, estão sofrendo doenças graves, e a sociedade moralista, em vez de se preparar para o inevitável ("também morre quem atira", como diz a canção de O Rappa), reage com revolta dizendo que tais rumores são "ofensivos" e "preconceituosos" contra quem "precisa viver em paz".
É esse dado surreal, que faria o franco-atirador do filme O Fantasma da Liberdade (de Luís Buñuel) babar de inveja, que mostra o grau de moralismo vesgo que prevalece no Brasil, em que se fala num "feminismo" de glúteos, em que determinadas mulheres-objeto que fazem sucesso na "cultura popular" - não fazem outra coisa a não ser "sensualizar" e "mostrar demais" - se autoproclamam "feministas" porque não têm namorados ou maridos.
Há manifestações de racismo e machismo que explodem nas mídias sociais. Há sutis apologias ao racismo e ao machismo em ritmos "populares" como o "pagodão" da Bahia e o "funk carioca". Há músicas "sertanejas" que defendem abertamente a embriaguez e não medem escrúpulos para exaltar também os carrões, sendo uma propaganda subliminar a favor da trágica combinação entre álcool e volante, num gênero que, ironicamente, teve um ídolo emergente, Cristiano Araújo, morto em um acidente de carro junto com a namorada.
Temos um dos piores sistemas de comunicação do país, cujas empresas se ascenderam durante a ditadura militar ou cujos veículos cresceram através do clientelismo político do governo José Sarney. É uma mídia ideologicamente fechada, que influencia um mercado cinematográfico castrador e inspira uma intelectualidade (jornalistas culturais, cineastas e cientistas sociais) que defende a degradação cultural do país porque acha ótimo o povo pobre fazer papel de ridículo.
É um quadro bastante estarrecedor, e que é responsável pela estupidez em doses surreais que atinge o país, em que uma gíria fabricada pela grande mídia, "balada", tenta se espalhar como se não fosse gíria e nem se voltasse a um público específico (como deveria ser uma gíria, expressão linguística de um grupo social).
A coisa é tão preocupante quando comparada aos EUA, já que as corporações de mídia lá existentes, com toda a voracidade comercial que possuem, capaz de ceifar seriados de TV de conteúdo excelente só porque tiveram baixa audiência, permitem que se critiquem certos fenômenos sociais. Reality shows, sensacionalismo jornalístico, fanatismo religioso, esses temas conseguem aparecer até nos mais comerciais filmes do cinema de Hollywood.
No Brasil, é o inverso. Nem o chamado cinema independente se encoraja a romper a camisa-de-força ideológica, contestando totens religiosos, midiáticos, políticos. A política de patrocínios mais parece uma operação de sequestro, em que o produtor cinematográfico é refém de um status quo que não permite contestar certos valores e personalidades.
Nos EUA, se contestava até o esquema de jabaculê que girava em torno da soul music, um estilo musical considerado um dos mais apreciados no mundo. Mesmo a Motown, principal gravadora do gênero, era acusada de tais práticas, num país em que o padrinho do rock'n'roll, o radialista Alan Freed, entrou em decadência com o chamado "escândalo da payola" ('payola' é o que se conhece por "jabaculê" nos EUA).
Aqui, experimente alguém fazer um documentário ou um livro sobre os esquemas de jabaculê do "funk carioca", ritmo que nasceu comercial depois que, em 1990, rompeu com qualquer influência do funk autêntico de James Brown e derivados. Ninguém vai patrocinar, ninguém vai publicar. Soa "discriminatório".
Há um medo de fazer o estabelecido ruir. Há um medo de se derrubarem totens e valores pré-estabelecidos, por mais injustos que fossem. E isso influi num mercado de trabalho e num meio acadêmico que simplesmente boicotam quem tem talento diferenciado.
Os meios acadêmicos boicotam pessoas do nível intelectual de um Noam Chomsky e Christopher Hitchens. Eles não chegam sequer a ser alunos-ouvintes de mestrado. Houve denúncias de que uma universidade pública, vendo que, na lista de 30 vagas para alunos-ouvintes, havia alguém "muito contestador" das coisas, decidiu fechar a turma com 29 e deixar o candidato de fora.
Fenômenos aberrantes de degradação sócio-cultural e deslumbramento religioso chegam a ser corroborados por acadêmicos tidos como "sérios". O "funk" trata o povo pobre de maneira pejorativa e os acadêmicos defendem o ritmo degradante. E, no exterior, um mito religioso mais verossímil, como Madre Teresa de Calcutá, foi bem mais fácil de ser derrubado do que Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier de seus seguidores.
Um Christopher Hitchens brasileiro mal consegue passar por um Bacharelado e conseguir uma pálida visibilidade em um blogue de Internet. Não pode fazer monografias nem documentários, não pode influenciar a opinião pública revelando fraudes e irregularidades diversas.
As pessoas diferenciadas só ganham espaço no mercado de trabalho quando patrões medíocres precisam de uma forma ou de outra se autopromoverem às custas do talento refinado de alguém. E isso é terrível, porque nem por esta oportunidade a pessoa talentosa encontra grande chance de crescimento, se tornando apenas veículo para a vaidade pessoal do patrão pretensioso.
Assim o Brasil não resolve seus problemas de incompetência, intolerância social, intransigência cultural e outros vícios. É um país viciado, que pensa as soluções para seus problemas com fórmulas de 40 anos atrás (isso quando o fanatismo religioso não apela para receitas que só faziam sentido dois milênios atrás). E tudo isso acaba travando o progresso e deixando o país no marasmo de sempre.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
Chico Xavier previu água na Lua? Nem em sonhos!!
ASTRONAUTA ESTADUNIDENSE NO SOLO LUNAR, EM 1969 - Fato influenciou o "sonho profético" de Chico Xavier.
Os "espíritas", tão tolamente, atribuem a Francisco Cândido Xavier qualquer "pioneirismo". De repente, ele "previu" tudo: água e vida humana em Marte, água no solo da Lua, Terceira Guerra Mundial, só faltando dizer que Chico Xavier previu a extinção dos dinossauros. Como o pessoal quer que um caipira de Pedro Leopoldo seja considerado um "cientista".
Esse é o Brasil Anedótico de hoje. Mas o pessoal quer levar a sério essa grande tolice que causa desentendimentos até dentro dos seguidores de Chico Xavier, quando uns querem que ele seja um misto de "profeta" e "cientista" e outros se recusam firmemente a isso, limitando-se a vê-lo como um "filantropo" e um "mensageiro da paz".
No livro Data-Limite Segundo Chico Xavier, o produtor responsável pela Pozati Filmes, Juliano Pozati, que aposta na ideia infantil de transformar o "médium" num suposto cientista, usou uma declaração do seu ídolo no programa Pinga-Fogo, transmitido em 1971 pela TV Tupi de São Paulo, para supor que ele tenha "previsto" a existência de água no solo lunar:
"Nós não podemos também acusar os nossos irmãos que estão se dirigindo à Lua para pesquisas que devem ser consideradas de máxima importância para o nosso progresso futuro, porque as despesas efetuadas com isso serão naturalmente compensadas com, talvez, a tranquilidade para uma sociedade mais pacífica na Terra, porque se não entrarmos, por exemplo, num conflito de proporções imensas, então, na Lua, é possível que o homem construa as cidades de vidro, as cidades-estufas, onde cientistas possam estabelecer pontos de apoio para observação de nossa galáxia. Essas cidades não são sonhos da ciência! Essas cidades, naturalmente, com muito sacrifício da humanidade terrestre, podem ser feitas e, provavelmente, vamos dizer, vai se obter azoto e oxigênio e usinas, vamos dizer, de alumínio, e formações de vidro e matéria plástica da própria Lua para construção destes redutos da ciência terrestre e, provavelmente, a água será fornecida pelo próprio solo lunar".
Juliano Pozati comemorou citando um plano de cientistas de construir estações de pesquisa na Lua em 2006, e outro fator, como a descoberta de vestígios de água numa rocha colhida do solo lunar em 13 de novembro de 2009, para "afirmar" que Chico Xavier "previu a existência de água" no satélite natural vizinho à Terra.
Ora, ora, ora. A possibilidade de haver água na Lua é um tema muito antigo, discutido no século XIX, portanto bem antes de Chico Xavier nascer. Na sua ficção científica, Jules Verne (1828-1905), já descrevia indícios de água no solo lunar, em À Volta da Lua (Autour de la Lune), curiosamente lançado no mesmo ano de falecimento de Allan Kardec, 1869.
E não são meras divagações imaginárias. Para escrever o referido livro, Verne, como todo habilidoso escritor de ficção científica, se baseava em pesquisas científicas difundidas na época. e em determinada passagem, os astronautas que chegaram à Lua por meio de um projetil gigante descobriram que, numa parte do satéliteo oculta à Terra, havia vegetação e água.
Isto indica que o assunto era discutido na época, embora, durante muito tempo, prevaleceu a tese de que não havia vestígios de água ou gelo no solo lunar. E o que muitas pessoas se esquecem é que teses científicas, muitas vezes, são debatidas e analisadas à revelia do público.
Daí o caso da glândula pineal, que os "espíritas" tão tolamente atribuem pioneirismo a Chico Xavier e seu (fictício) amigo "espiritual", André Luiz. Além de autores como o alemão Wolfgang Bargmann, que mal consegue ser conhecido no próprio país, terem se dedicado intensamente ao assunto, na década de 1940, havia pesquisas em andamento até mesmo bem antes dessa época.
Quem é que pode atribuir a Chico Xavier pioneirismo a coisas que aconteciam antes, que eram discutidas até mesmo antes dele nascer? É assim que o "espiritismo" brasileiro valoriza o Conhecimento científico, "roubando" de cientistas renomados, consagrados ou anônimos, façanhas que são divulgadas de forma leviana como "de responsabilidade" do anti-médium?
Os "espíritas" veem a ciência pelos olhos de fora, de quem não entende do assunto e trata as personalidades científicas como se fossem personagens de Walt Disney. Há uma espetacularização da ciência, que age contra a sua própria natureza, e há todo um falatório sobre "busca do Conhecimento" e "valorização do Saber", que não encontra sentido prático algum.
Daí que, com toda certeza, Juliano Pozati está completamente errado nessa sua impressão. O cara é um jovem que não deve conhecer sequer 0,5% das atividades científicas ao longo do tempo. Um cara que não consegue ler com atenção O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec, que em muitos pontos simplesmente desmascara Chico Xavier, também não pode compreender o que fazem os cientistas.
Portanto, asseguramos. Chico Xavier NÃO previu água na Lua. Nem em sonhos, nem através da prece. Se os "espíritas" acreditam nessa tese, damos nossos pêsames, porque o assunto já era velho e, quatro décadas antes do "médium" nascer, até Jules Verne escreveu sobre o assunto. Não dá para enfiar Chico Xavier num trem da História que havia partido bem antes.
Os "espíritas", tão tolamente, atribuem a Francisco Cândido Xavier qualquer "pioneirismo". De repente, ele "previu" tudo: água e vida humana em Marte, água no solo da Lua, Terceira Guerra Mundial, só faltando dizer que Chico Xavier previu a extinção dos dinossauros. Como o pessoal quer que um caipira de Pedro Leopoldo seja considerado um "cientista".
Esse é o Brasil Anedótico de hoje. Mas o pessoal quer levar a sério essa grande tolice que causa desentendimentos até dentro dos seguidores de Chico Xavier, quando uns querem que ele seja um misto de "profeta" e "cientista" e outros se recusam firmemente a isso, limitando-se a vê-lo como um "filantropo" e um "mensageiro da paz".
No livro Data-Limite Segundo Chico Xavier, o produtor responsável pela Pozati Filmes, Juliano Pozati, que aposta na ideia infantil de transformar o "médium" num suposto cientista, usou uma declaração do seu ídolo no programa Pinga-Fogo, transmitido em 1971 pela TV Tupi de São Paulo, para supor que ele tenha "previsto" a existência de água no solo lunar:
"Nós não podemos também acusar os nossos irmãos que estão se dirigindo à Lua para pesquisas que devem ser consideradas de máxima importância para o nosso progresso futuro, porque as despesas efetuadas com isso serão naturalmente compensadas com, talvez, a tranquilidade para uma sociedade mais pacífica na Terra, porque se não entrarmos, por exemplo, num conflito de proporções imensas, então, na Lua, é possível que o homem construa as cidades de vidro, as cidades-estufas, onde cientistas possam estabelecer pontos de apoio para observação de nossa galáxia. Essas cidades não são sonhos da ciência! Essas cidades, naturalmente, com muito sacrifício da humanidade terrestre, podem ser feitas e, provavelmente, vamos dizer, vai se obter azoto e oxigênio e usinas, vamos dizer, de alumínio, e formações de vidro e matéria plástica da própria Lua para construção destes redutos da ciência terrestre e, provavelmente, a água será fornecida pelo próprio solo lunar".
Juliano Pozati comemorou citando um plano de cientistas de construir estações de pesquisa na Lua em 2006, e outro fator, como a descoberta de vestígios de água numa rocha colhida do solo lunar em 13 de novembro de 2009, para "afirmar" que Chico Xavier "previu a existência de água" no satélite natural vizinho à Terra.
Ora, ora, ora. A possibilidade de haver água na Lua é um tema muito antigo, discutido no século XIX, portanto bem antes de Chico Xavier nascer. Na sua ficção científica, Jules Verne (1828-1905), já descrevia indícios de água no solo lunar, em À Volta da Lua (Autour de la Lune), curiosamente lançado no mesmo ano de falecimento de Allan Kardec, 1869.
E não são meras divagações imaginárias. Para escrever o referido livro, Verne, como todo habilidoso escritor de ficção científica, se baseava em pesquisas científicas difundidas na época. e em determinada passagem, os astronautas que chegaram à Lua por meio de um projetil gigante descobriram que, numa parte do satéliteo oculta à Terra, havia vegetação e água.
Isto indica que o assunto era discutido na época, embora, durante muito tempo, prevaleceu a tese de que não havia vestígios de água ou gelo no solo lunar. E o que muitas pessoas se esquecem é que teses científicas, muitas vezes, são debatidas e analisadas à revelia do público.
Daí o caso da glândula pineal, que os "espíritas" tão tolamente atribuem pioneirismo a Chico Xavier e seu (fictício) amigo "espiritual", André Luiz. Além de autores como o alemão Wolfgang Bargmann, que mal consegue ser conhecido no próprio país, terem se dedicado intensamente ao assunto, na década de 1940, havia pesquisas em andamento até mesmo bem antes dessa época.
Quem é que pode atribuir a Chico Xavier pioneirismo a coisas que aconteciam antes, que eram discutidas até mesmo antes dele nascer? É assim que o "espiritismo" brasileiro valoriza o Conhecimento científico, "roubando" de cientistas renomados, consagrados ou anônimos, façanhas que são divulgadas de forma leviana como "de responsabilidade" do anti-médium?
Os "espíritas" veem a ciência pelos olhos de fora, de quem não entende do assunto e trata as personalidades científicas como se fossem personagens de Walt Disney. Há uma espetacularização da ciência, que age contra a sua própria natureza, e há todo um falatório sobre "busca do Conhecimento" e "valorização do Saber", que não encontra sentido prático algum.
Daí que, com toda certeza, Juliano Pozati está completamente errado nessa sua impressão. O cara é um jovem que não deve conhecer sequer 0,5% das atividades científicas ao longo do tempo. Um cara que não consegue ler com atenção O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec, que em muitos pontos simplesmente desmascara Chico Xavier, também não pode compreender o que fazem os cientistas.
Portanto, asseguramos. Chico Xavier NÃO previu água na Lua. Nem em sonhos, nem através da prece. Se os "espíritas" acreditam nessa tese, damos nossos pêsames, porque o assunto já era velho e, quatro décadas antes do "médium" nascer, até Jules Verne escreveu sobre o assunto. Não dá para enfiar Chico Xavier num trem da História que havia partido bem antes.
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016
Suposta profecia da Data-Limite é uma grande aberração
O JESUS CRISTO "ESPÍRITA", A SUPREMA AUTORIDADE UNIVERSAL QUE NÃO SABIA ONDE FICAVA O BRASIL.
A suposta profecia da Data-Limite, que é o tema do documentário de Fábio Medeiros e, agora, de seu livro derivado, ambos intitulados Data-Limite Segundo Chico Xavier, é uma grande aberração, um festival de asneiras. Dito isso, os "espíritas" se derramam em lágrimas desesperadas, em muito pânico, achando que se tratam de acusações rancorosas, manifestos de intolerância religiosa e perseguições contra "obreiros do amor".
Nada disso. A constatação de que a suposta profecia que Chico Xavier teve num sonho em 1969 depois que astronautas dos EUA viajaram para a Lua, é um festival de asneiras se vale não só pela observação apurada mas pela comparação que tais visões e abordagens trazem com as ideias que Allan Kardec deixou em sua bibliografia.
Em primeiro lugar, observa-se que Chico Xavier descreve a Geraldo Lemos Neto uma "reunião" que "confirmaria" o que o espírito do jesuíta Emmanuel havia dito: a "terceira reunião" que se sucederia a duas, a que preparava o surgimento da Terra, a que preparava a encarnação de Jesus, e uma que viria depois num "momento oportuno". Foi no livro A Caminho da Luz, de 1939.
E qual o sentido de asneira nessa "reunião"? Simples. Ela apela para a descrição materialista de uma reunião política, só que envolvendo, em vez de autoridades nacionais, supostos governantes de vários planetas. temerosos com supostos conflitos bélicos que ameaçam ocorrer na Terra, um pequeno ponto no universo.
Isso é comparável a uma hipotética reunião das autoridades da Organização das Nações Unidas (ONU) a respeito de uma briga de gangues de um pequeno bairro do interior de São Paulo, já que, a níveis de universo, uma guerra nuclear na Terra não corresponde à dimensão universal, mas uma ocorrência regional que só vale para sua região.
Além disso, a "reunião política" seria reprovada por Allan Kardec. Até porque ele nos advertiu que, até agora, não se tem uma ideia sequer aproximada do que é o mundo espiritual. Se essa ideia nos é estranha, como atribuir como verídica uma reunião política descrita em detalhes tão patéticos, e vindas apenas de um sonho de alguém que dorme?
A "reunião" ainda é motivada por um medinho. Um medo de que uma expedição à Lua fosse necessariamente criar uma guerra nuclear. Não necessariamente. Ela alimenta a disputa espacial entre os EUA e a URSS, que pode até incluir essa ameaça, mas, pelo menos da parte da NASA, a agência espacial estadunidense, não haveria necessidade para tanto.
Além disso, a expedição à Lua pode incluir também intenções de pesquisas e estudos diversos. Mas aí é outra história. O que se observa é que, no relato "espírita", fala-se da "ameaça nuclear" como num desses catastrofismos que pessoas reacionárias tanto falam às pessoas e são comparáveis à nossa infância, quando nossos pais falavam no "bicho-papão" e no "homem do saco".
Outra asneira chega em seguida. O Jesus abobalhado de Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, tido como uma das autoridades supremas do universo, mas que não sabia onde ficava o Brasil, discutia com vários líderes de outros planetas a ameaça nuclear e houve consenso de que deveria ser feita uma moratória de 50 anos para a Terra não sucumbir à autodestruição.
Explicando com mais clareza: em 1969, decidiu-se que a humanidade da Terra, pelo menos as autoridades e as pessoas consideradas mais influentes, tenham que se comportar direitinho e desistir de jogar bombas ou armas de todo tipo. Se todo mundo passar a dar as mãos, sorrir, balançar a cabecinha e cantar "Let the Sunshine In" e músicas religiosas, o mundo estará salvo.
Caso contrário, se as autoridades insistirem em promover o terrorismo, a guerra e outras batalhas, Deus irá castigar e fará o "velho mundo" explodir em catástrofes e deixar o Hemisfério Norte ficar inabitável.
Haverá um êxodo de "grandes personalidades" - astros de reality shows, cantores e atores canastrões, lutadores de MMA, moças assistentes de palco de torneios UFC, esportistas fanfarrões, intelectuais lunáticos, especuladores financeiros, mafiosos - para o Hemisfério Sul, com a missão de dar ou receber "lições de amor e fraternidade" da nação brasileira, promovida a "líder do planeta".
Aí temos mais asneiras. Atribuir a um determinado país, e quando mais uma nação problemática e confusa como o Brasil, uma tarefa de "comandar o planeta", além de ser um desvario materialista, é um contrassenso por não corresponder a lógica de que transformações da humanidade não têm a ver com esta ou aquela nação.
Só um exemplo. Houve a Revolução Francesa, em 1789, que deu por superada a supremacia das políticas medievais - defendidas também pela Igreja Católica - que, pelo nome, ocorreu na França. Houve a Revolução Industrial, na Grã-Bretanha, em 1750. Combinados os dois fatos, poderia se supor que uma nação-líder se daria com a fusão do Reino Unido com a França, correto?
Errado. Os dois países continuam separados até hoje (aliás a Grã-Bretanha é um grupo de alguns países autônomos, entre os quais a Inglaterra). E, com os rumos que, aos poucos, fizeram a França deixar de ser o centro cultural do mundo e a Inglaterra, o centro político e econômico, a combinação dos dois fatores fizeram outro país, os Estados Unidos da América, se tornarem o centro do mundo.
A geopolítica é uma atividade terrena, e não há qualquer indício que ela se estenda ao plano espiritual. Dele não temos ideias plausíveis, porque há muito mistério a ser desvendado. Para piorar, os desvarios igrejistas e pseudocientíficos de Chico Xavier fizeram complicar as coisas, porque recusou-se a todo tipo de estudo e preferiu-se supor um mundo espiritual que fosse de acordo com os umbigos dos "espíritas".
Ou seja, o aspecto de asneira não corresponde a qualquer sentimento de ódio, rancor, raiva, perseguição nem intolerância. É questão de observação calma, tranquila e isenta. É porque tudo que Chico Xavier fez, em tese, "em prol da Doutrina Espírita", foram aberrações doutrinárias que simplesmente deixariam Allan Kardec envergonhado.
É só observar o que Allan Kardec escreveu claramente em seus livros. Se os textos do pedagogo francês fossem lidos com atenção e sem a paixão cega dos deslumbrados da fé religiosa, vamos ver que Kardec simplesmente reprovaria Chico Xavier em praticamente tudo. Por uma simples questão de raciocínio lógico.
A suposta profecia da Data-Limite, que é o tema do documentário de Fábio Medeiros e, agora, de seu livro derivado, ambos intitulados Data-Limite Segundo Chico Xavier, é uma grande aberração, um festival de asneiras. Dito isso, os "espíritas" se derramam em lágrimas desesperadas, em muito pânico, achando que se tratam de acusações rancorosas, manifestos de intolerância religiosa e perseguições contra "obreiros do amor".
Nada disso. A constatação de que a suposta profecia que Chico Xavier teve num sonho em 1969 depois que astronautas dos EUA viajaram para a Lua, é um festival de asneiras se vale não só pela observação apurada mas pela comparação que tais visões e abordagens trazem com as ideias que Allan Kardec deixou em sua bibliografia.
Em primeiro lugar, observa-se que Chico Xavier descreve a Geraldo Lemos Neto uma "reunião" que "confirmaria" o que o espírito do jesuíta Emmanuel havia dito: a "terceira reunião" que se sucederia a duas, a que preparava o surgimento da Terra, a que preparava a encarnação de Jesus, e uma que viria depois num "momento oportuno". Foi no livro A Caminho da Luz, de 1939.
E qual o sentido de asneira nessa "reunião"? Simples. Ela apela para a descrição materialista de uma reunião política, só que envolvendo, em vez de autoridades nacionais, supostos governantes de vários planetas. temerosos com supostos conflitos bélicos que ameaçam ocorrer na Terra, um pequeno ponto no universo.
Isso é comparável a uma hipotética reunião das autoridades da Organização das Nações Unidas (ONU) a respeito de uma briga de gangues de um pequeno bairro do interior de São Paulo, já que, a níveis de universo, uma guerra nuclear na Terra não corresponde à dimensão universal, mas uma ocorrência regional que só vale para sua região.
Além disso, a "reunião política" seria reprovada por Allan Kardec. Até porque ele nos advertiu que, até agora, não se tem uma ideia sequer aproximada do que é o mundo espiritual. Se essa ideia nos é estranha, como atribuir como verídica uma reunião política descrita em detalhes tão patéticos, e vindas apenas de um sonho de alguém que dorme?
A "reunião" ainda é motivada por um medinho. Um medo de que uma expedição à Lua fosse necessariamente criar uma guerra nuclear. Não necessariamente. Ela alimenta a disputa espacial entre os EUA e a URSS, que pode até incluir essa ameaça, mas, pelo menos da parte da NASA, a agência espacial estadunidense, não haveria necessidade para tanto.
Além disso, a expedição à Lua pode incluir também intenções de pesquisas e estudos diversos. Mas aí é outra história. O que se observa é que, no relato "espírita", fala-se da "ameaça nuclear" como num desses catastrofismos que pessoas reacionárias tanto falam às pessoas e são comparáveis à nossa infância, quando nossos pais falavam no "bicho-papão" e no "homem do saco".
Outra asneira chega em seguida. O Jesus abobalhado de Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, tido como uma das autoridades supremas do universo, mas que não sabia onde ficava o Brasil, discutia com vários líderes de outros planetas a ameaça nuclear e houve consenso de que deveria ser feita uma moratória de 50 anos para a Terra não sucumbir à autodestruição.
Explicando com mais clareza: em 1969, decidiu-se que a humanidade da Terra, pelo menos as autoridades e as pessoas consideradas mais influentes, tenham que se comportar direitinho e desistir de jogar bombas ou armas de todo tipo. Se todo mundo passar a dar as mãos, sorrir, balançar a cabecinha e cantar "Let the Sunshine In" e músicas religiosas, o mundo estará salvo.
Caso contrário, se as autoridades insistirem em promover o terrorismo, a guerra e outras batalhas, Deus irá castigar e fará o "velho mundo" explodir em catástrofes e deixar o Hemisfério Norte ficar inabitável.
Haverá um êxodo de "grandes personalidades" - astros de reality shows, cantores e atores canastrões, lutadores de MMA, moças assistentes de palco de torneios UFC, esportistas fanfarrões, intelectuais lunáticos, especuladores financeiros, mafiosos - para o Hemisfério Sul, com a missão de dar ou receber "lições de amor e fraternidade" da nação brasileira, promovida a "líder do planeta".
Aí temos mais asneiras. Atribuir a um determinado país, e quando mais uma nação problemática e confusa como o Brasil, uma tarefa de "comandar o planeta", além de ser um desvario materialista, é um contrassenso por não corresponder a lógica de que transformações da humanidade não têm a ver com esta ou aquela nação.
Só um exemplo. Houve a Revolução Francesa, em 1789, que deu por superada a supremacia das políticas medievais - defendidas também pela Igreja Católica - que, pelo nome, ocorreu na França. Houve a Revolução Industrial, na Grã-Bretanha, em 1750. Combinados os dois fatos, poderia se supor que uma nação-líder se daria com a fusão do Reino Unido com a França, correto?
Errado. Os dois países continuam separados até hoje (aliás a Grã-Bretanha é um grupo de alguns países autônomos, entre os quais a Inglaterra). E, com os rumos que, aos poucos, fizeram a França deixar de ser o centro cultural do mundo e a Inglaterra, o centro político e econômico, a combinação dos dois fatores fizeram outro país, os Estados Unidos da América, se tornarem o centro do mundo.
A geopolítica é uma atividade terrena, e não há qualquer indício que ela se estenda ao plano espiritual. Dele não temos ideias plausíveis, porque há muito mistério a ser desvendado. Para piorar, os desvarios igrejistas e pseudocientíficos de Chico Xavier fizeram complicar as coisas, porque recusou-se a todo tipo de estudo e preferiu-se supor um mundo espiritual que fosse de acordo com os umbigos dos "espíritas".
Ou seja, o aspecto de asneira não corresponde a qualquer sentimento de ódio, rancor, raiva, perseguição nem intolerância. É questão de observação calma, tranquila e isenta. É porque tudo que Chico Xavier fez, em tese, "em prol da Doutrina Espírita", foram aberrações doutrinárias que simplesmente deixariam Allan Kardec envergonhado.
É só observar o que Allan Kardec escreveu claramente em seus livros. Se os textos do pedagogo francês fossem lidos com atenção e sem a paixão cega dos deslumbrados da fé religiosa, vamos ver que Kardec simplesmente reprovaria Chico Xavier em praticamente tudo. Por uma simples questão de raciocínio lógico.
domingo, 21 de fevereiro de 2016
De Leopoldo Machado a Juliano Pozati: longo caminho de uma patriotada religiosa
LEOPOLDO MACHADO E JULIANO POZATI - Em diferentes tempos, a mesma desculpa do Brasil como "coração do mundo".
O "movimento espírita" sempre se apoiou na patriotada religiosa. A ideia de ver o Brasil liderando uma "missão de amor e fraternidade" a outros povos do planeta, está descrita até mesmo num poema em 1932 que Francisco Cândido Xavier atribuiu a Olavo Bilac, mas que não condiz ao estilo deste, no livro Parnaso de Além-Túmulo.
A pretensa "profecia" de Chico Xavier, de que uma nova era planetária surgiria e o Brasil seria o centro de irradiação de "novas energias espirituais", na verdade percorreu um longo caminho. Descontando o poema do pseudo-Olavo Bilac, que poderia "morrer" ali mesmo, na paródia do ufanismo do escritor fundador da Academia Brasileira de Letras, que também teve Humberto de Campos como membro, a "bandeira" do "Brasil Coração do Mundo" tem 82 anos.
Afinal, foi a partir de um discurso do dirigente "espírita" Leopoldo Machado, realizado em 09 de setembro de 1934, que se iniciou um caminho que resultou, atualmente, no livro Data-Limite Segundo Chico Xavier, de Juliano Pozati e Rebeca Casagrande, co-produtores do documentário homônimo de Fábio Medeiros.
Isso mostra os sucessivos subprodutos de uma campanha ufanista-religiosa, que nem de longe pode ser considerada relevante ou séria, até por contrariar os ensinamentos de Allan Kardec, que nunca iria determinar uma pátria ou uma data determinada para o anúncio de novas eras planetárias.
O discurso de Leopoldo Machado, intitulado "Brasil, Berço da Humanidade, Pátria dos Evangelhos", foi lido numa conferência da Federação "Espírita Brasileira", na referida data de 1934, e um trecho remete à ideia do Brasil como um país comandando o planeta:
"Irmãos meus em humanidade e provações terrenas, Jesus ilumine os nossos Espíritos, cristianize os vossos corações. (…)
A despeito de assim pensarmos, de sentirmos assim, não sabemos, de nossa parte, por que singular preferência de nosso espirito, porque sentimos congênito e secreto de nosso coração, queremos mais, muito mais, ao Brasil, a porção maravilhosa do Planeta em que tivemos a dita de nascer! E a nossa alma vibra, malgrado, ás vezes, ao nosso desejo, por tudo o que é brasileiro, que fala do Brasil. Sentimos que amamos á terra que nos é berço com um amor que é, talvez, a maior manifestação emotiva do nosso espírito. Este amor, em nós, é, porém, muito diferente desse jacobinismo, desses bairrismos por aí campeantes, que procuram, vangloriosos, que pensam, exclusivistas, que tudo de grande, de bom, de belo, de maravilhoso se restringe ou se deve restringir, só se contém ou se deve conter a dentro das fronteiras de sua Pátria! Nosso amor ao Brasil é o de quem sente e sabe a sua Pátria destinada a desempenhar uma gloriosa e providencial função dentro da Vida. É o afeto de quem sente e sabe que o Senhor de Todas as Coisas confiou á sua terra a mais bela função, que um povo e uma nacionalidade podem desempenhar, qual a de serem verdadeiros intérpretes da Doutrina luz, amor e verdade, emanada dos Evangelhos de Jesus! (…) "
Em seguida, veio um subproduto dessa retórica ufanista, produzido em 1937 e 1938 e daí então lançado, o livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, uma colcha de retalhos com plágios e pastiches diversos, que Chico Xavier e o presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, escreveram a quatro mãos, usando tendenciosamente o nome do falecido Humberto de Campos. O trecho copiado do discurso de Leopoldo é este:
"Meus caros filhos. Venho falar-vos do trabalho em que agora colaborais com o nosso amigo desencarnado, no sentido de esclarecer as origens remotas da formação da Pátria do Evangelho a que tantas vezes nos referimos em nossos diversos comunicados. O nosso irmão Humberto tem, nesse assunto, largo campo de trabalho a percorrer, com as suas facilidades de expressão e com o espírito de simpatia de que dispõe, como escritor, em face da mentalidade geral do Brasil. (…)
O Brasil não está somente destinado a suprir as necessidades materiais dos povos mais pobres do planeta, mas, também, a facultar ao mundo inteiro uma expressão consoladora de crença e de fé raciocinada e a ser o maior celeiro de claridades espirituais do orbe inteiro. (…)
Se outros povos atestaram o progresso, pelas expressões materializadas e transitórias, o Brasil terá a sua expressão imortal na vida do espírito, representando a fonte de um pensamento novo, sem as ideologias de separatividade, e inundando todos os campos das atividades humanas com uma nova luz."
O "movimento espírita" sempre se apoiou na patriotada religiosa. A ideia de ver o Brasil liderando uma "missão de amor e fraternidade" a outros povos do planeta, está descrita até mesmo num poema em 1932 que Francisco Cândido Xavier atribuiu a Olavo Bilac, mas que não condiz ao estilo deste, no livro Parnaso de Além-Túmulo.
A pretensa "profecia" de Chico Xavier, de que uma nova era planetária surgiria e o Brasil seria o centro de irradiação de "novas energias espirituais", na verdade percorreu um longo caminho. Descontando o poema do pseudo-Olavo Bilac, que poderia "morrer" ali mesmo, na paródia do ufanismo do escritor fundador da Academia Brasileira de Letras, que também teve Humberto de Campos como membro, a "bandeira" do "Brasil Coração do Mundo" tem 82 anos.
Afinal, foi a partir de um discurso do dirigente "espírita" Leopoldo Machado, realizado em 09 de setembro de 1934, que se iniciou um caminho que resultou, atualmente, no livro Data-Limite Segundo Chico Xavier, de Juliano Pozati e Rebeca Casagrande, co-produtores do documentário homônimo de Fábio Medeiros.
Isso mostra os sucessivos subprodutos de uma campanha ufanista-religiosa, que nem de longe pode ser considerada relevante ou séria, até por contrariar os ensinamentos de Allan Kardec, que nunca iria determinar uma pátria ou uma data determinada para o anúncio de novas eras planetárias.
O discurso de Leopoldo Machado, intitulado "Brasil, Berço da Humanidade, Pátria dos Evangelhos", foi lido numa conferência da Federação "Espírita Brasileira", na referida data de 1934, e um trecho remete à ideia do Brasil como um país comandando o planeta:
"Irmãos meus em humanidade e provações terrenas, Jesus ilumine os nossos Espíritos, cristianize os vossos corações. (…)
A despeito de assim pensarmos, de sentirmos assim, não sabemos, de nossa parte, por que singular preferência de nosso espirito, porque sentimos congênito e secreto de nosso coração, queremos mais, muito mais, ao Brasil, a porção maravilhosa do Planeta em que tivemos a dita de nascer! E a nossa alma vibra, malgrado, ás vezes, ao nosso desejo, por tudo o que é brasileiro, que fala do Brasil. Sentimos que amamos á terra que nos é berço com um amor que é, talvez, a maior manifestação emotiva do nosso espírito. Este amor, em nós, é, porém, muito diferente desse jacobinismo, desses bairrismos por aí campeantes, que procuram, vangloriosos, que pensam, exclusivistas, que tudo de grande, de bom, de belo, de maravilhoso se restringe ou se deve restringir, só se contém ou se deve conter a dentro das fronteiras de sua Pátria! Nosso amor ao Brasil é o de quem sente e sabe a sua Pátria destinada a desempenhar uma gloriosa e providencial função dentro da Vida. É o afeto de quem sente e sabe que o Senhor de Todas as Coisas confiou á sua terra a mais bela função, que um povo e uma nacionalidade podem desempenhar, qual a de serem verdadeiros intérpretes da Doutrina luz, amor e verdade, emanada dos Evangelhos de Jesus! (…) "
Em seguida, veio um subproduto dessa retórica ufanista, produzido em 1937 e 1938 e daí então lançado, o livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, uma colcha de retalhos com plágios e pastiches diversos, que Chico Xavier e o presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, escreveram a quatro mãos, usando tendenciosamente o nome do falecido Humberto de Campos. O trecho copiado do discurso de Leopoldo é este:
"Meus caros filhos. Venho falar-vos do trabalho em que agora colaborais com o nosso amigo desencarnado, no sentido de esclarecer as origens remotas da formação da Pátria do Evangelho a que tantas vezes nos referimos em nossos diversos comunicados. O nosso irmão Humberto tem, nesse assunto, largo campo de trabalho a percorrer, com as suas facilidades de expressão e com o espírito de simpatia de que dispõe, como escritor, em face da mentalidade geral do Brasil. (…)
O Brasil não está somente destinado a suprir as necessidades materiais dos povos mais pobres do planeta, mas, também, a facultar ao mundo inteiro uma expressão consoladora de crença e de fé raciocinada e a ser o maior celeiro de claridades espirituais do orbe inteiro. (…)
Se outros povos atestaram o progresso, pelas expressões materializadas e transitórias, o Brasil terá a sua expressão imortal na vida do espírito, representando a fonte de um pensamento novo, sem as ideologias de separatividade, e inundando todos os campos das atividades humanas com uma nova luz."
Juntando a "previsão" de que o Brasil "está destinado" a ser uma nação central do planeta, há tambem o tal anúncio da "terceira reunião" de Jesus Cristo com as maiores lideranças do universo, assistidas por Chico Xavier (!) e também por Emmanuel, que, ditando a seu subordinado de Pedro Leopoldo, pregou o seguinte no livro A Caminho da Luz, de 1939:
"CAPÍTULO I - A GÊNESE PLANETÁRIA - A Comunidade dos Espíritos Puros
Rezam as tradições do mundo espiritual que na direção de todos os fenômenos, do nosso sistema, existe uma Comunidade de Espíritos Puros e Eleitos pelo Senhor Supremo do Universo, em cujas mãos se conservam as rédeas diretoras da vida de todas as coletividades planetárias. Essa Comunidade de seres angélicos e perfeitos, da qual é Jesus um dos membros divinos, ao que nos foi dado saber, apenas já se reuniu, nas proximidades da Terra, para a solução de problemas decisivos da organização e da direção do nosso planeta, por duas vezes no curso os milênios conhecidos.
A primeira, verificou-se quando o orbe terrestre se desprendia da nebulosa solar, a fim de que se lançassem, no Tempo e no Espaço, as balizas do nosso sistema cosmogônico e os pródromos da vida na matéria em ignição, do planeta, e a segunda, quando se decidia a vinda do Senhor à face da Terra, trazendo à família humana a lição imortal do seu Evangelho de amor e redenção.
CAPÍTULO XXIV - O ESPIRITISMO (SIC) E AS GRANDES TRANSIÇÕES - Jesus
Espíritos abnegados e esclarecidos falam-nos de uma nova reunião da comunidade das potências angélicas do sistema solar, da qual é Jesus um dos membros divinos. Reunir-se-á, de novo, a sociedade celeste, pela terceira vez, na atmosfera terrestre, desde que o Cristo recebeu a sagrada missão de abraçar e redimir a nossa Humanidade, decidindo novamente sobre os destinos do nosso mundo. Que resultará desse conclave dos Anjos do Infinito? Deus o sabe. Nas grandes transições do século que passa, aguardemos o seu amor e a sua misericórdia."
E aí vemos Chico Xavier dando um depoimento para a Legião da Boa Vontade - religião ecumênica que aposta numa espécie de "caridade-ostentação", ou seja, transforma a filantropia num exibicionismo publicitário - , em 05 de janeiro de 1954 e publicado na quarta edição (ano I) da Revista da Boa Vontade de outubro de 1956, e que já fala na mesma predestinação da "fraternidade da Terra".
Nesse trecho não cita a "missão" do Brasil, mas isso fica latente no depoimento, que acrescenta a vinda de ETs criando, junto com os livros acima citados, o "roteiro" de "previsões" para a "data-limite" de 2019:
"Cabe-nos, então, sentir e, mais ainda, reconhecer que os fenômenos da vida moderna e as modificações a que o nosso habitat terreal vem apresentando nos indicam a vizinhança de atividades renovadoras de considerável extensão.
Daí esse afeito de revelações, de vida extraterrestre, incluído sobre as cogitações dos homens; esses apelos reiterados do mundo dos espíritos; essa manifestação ostensiva, daqueles que, supostamente mortos na Terra, estão vivos na eternidade, companheiros dos homens em outras faixas vibratórias do campo em que a humanidade evolui.
Se não entrarmos numa guerra de exterminio nos próximos 50 anos, então, nós podemos esperar realizações extraordinárias da ciência humana partindo da Terra."
A partir de tudo isso, Chico Xavier criou um "roteiro" que mais parece uma novela. E foi dada numa conversa com Geraldo Lemos Neto, pouco depois do "médium" mineiro ter um sonho após saber da notícia da viagem de astronautas da NASA (agência espacial estadunidense) para a Lua, em 1969.
Segundo esse sonho, Chico Xavier, que estava presente na tal "terceira reunião" anunciada por Emmanuel, observava Jesus Cristo (um "líder do universo" que de início não sabia onde ficava o Brasil!) discutir com as grandes lideranças cósmicas o risco de uma nova guerra nuclear simbolizado pela corrida espacial entre EUA e URSS (era o tempo da guerra fria).
Aí, houve a constatação dos reunidos de que a Terra teria uma moratória de 50 anos, a partir daquele dia de 1969. Se as grandes nações desistirem de criar uma guerra nuclear - a chamada "terceira guerra mundial" - e os terroristas do Oriente Médio pararem de fazer sua carnificina, a humanidade entrará numa era de "muito amor e fraternidade".
Caso a guerra e o terrorismo não forem evitados, no concluir do prazo da "data-limite", Deus castigará os malcriados do "velho mundo" com as piores catástrofes naturais, que farão o Hemisfério Norte se tornar uma região inabitável. Vulcões explodirão em lavas, terremotos rasgarão ruas, ondas gigantescas soterrarão metrópoles, trovões irão eletrocutar celebridades e intelectuais aqui e ali, enchentes afogarão tudo quanto é multidão na América do Norte, Europa, Ásia e norte da África.
Não sobrará Hollywood para contar história e, além disso, o Círculo de Fogo do Pacífico, que naturalmente atingiria o Chile com tanta voracidade que o Japão e a Califórnia, não se sabe por que cargas d'água irá poupar o país sul-americano, como se as catástrofes, normalmente imprevisíveis e sem considerar limites imaginários de meridianos e trópicos, respeitassem a linha do Equador. Um trecho do relato de Chico Xavier a Geraldo Lemos Neto:
"Caso a humanidade encarnada decida seguir o infeliz caminho da III Guerra mundial, uma guerra nuclear de consequências imprevisíveis e desastrosas, aí então a própria mãe Terra, sob os auspícios da Vida Maior, reagirá com violência imprevista pelos nossos homens de ciência. O homem começaria a III Guerra, mas quem iria terminá-la seriam as forças telúricas da natureza, da própria Terra cansada dos desmandos humanos, e seríamos defrontados então com terremotos gigantescos; maremotos e ondas (tsunamis) consequentes; veríamos a explosão de vulcões há muito extintos; enfrentaríamos degelos arrasadores que avassalariam os povos do globo com trágicos resultados para as zonas costeiras, devido à elevação dos mares; e, neste caso, as cinzas vulcânicas associadas às irradiações nucleares nefastas acabariam por tomar totalmente inabitável todo o Hemisfério Norte de nosso globo terrestre".
Antes de voltarmos a Lemos Neto, citaremos o que Chico Xavier disse na entrevista no programa Pinga-Fogo, da TV Tupi de São Paulo, a respeito da tal "profecia" e da "moratória de 50 anos" que teria a Terra para desistir de conflitos bélicos de grande envergadura:
"Se os países mais cultos do globo puderem suportar a pressão dos seus próprios problemas, sem entrar em choques destrutivos, como, por exemplo: guerras de extermínio, que deixarão conseqüências imprevisíveis para nós todos no planeta, então veremos uma era extraordinariamente maravilhosa".
Aí, vemos que o relato de Geraldo Lemos Neto foi divulgado em 1986 e virou livro em 2011, chamado Não Será em 2012, em parceria com Marlene Nobre, que havia feito entrevista com Geraldo. e aí o grande público teve conhecimento das "profecias" de Chico Xavier, falecido em 2002 no dia em que os brasileiros (leia-se os dirigentes esportivos da CBF e FIFA) "estavam muito felizes".
Em 2014, Fábio Medeiros e sua equipe - como a dupla Juliano e Rebeca, co-produtores - fizeram o documentário Data-Limite Segundo Chico Xavier, uma abordagem pseudocientífica das pregações igrejistas e catastrofistas do anti-médium mineiro, entrevistando várias personalidades, inclusive um Divaldo Franco que adora pseudociência e delírios místicos e esotéricos aqui e ali.
E aí, este ano, veio o livro com o mesmo título do documentário, escrito em maior parte por Juliano Pozati, mas com a colaboração de Rebeca Casagrande. que tem muito mais enrolação e empulhação em 350 páginas onde há muita pregação pseudocientífica e corroboração das mistificações "espíritas" de sempre.
E aí vemos esse longo caminho em que se construiu uma novelinha na qual a Terra passaria por guerras e catástrofes e, depois, com o planeta em boa parte destruído - leia-se "boa parte" no sentido qualitativo, com a longa experiência do "velho mundo" reduzida a cinzas e ruínas - , surgiria tolamente o Brasil para promover "amor e fraternidade" através do Evangelho, comandando o planeta através desse instrumento bíblico.
Tudo isso se resume a uma só ideia: moralismo igrejista. Junta-se a ojeriza em relação aos progressos do "velho mundo", experiente e independente de delírios religiosos (há muito superados em vários de seus países), um delírio pseudocientífico aqui e ali, um deslumbramento religioso e um ufanismo de ver o Brasil liderando qualquer coisa. O que, em tempos de crise, é impossível de se acontecer.
sábado, 20 de fevereiro de 2016
A mania do Brasil ser e não ser ao mesmo tempo
O Brasil sofre uma grave crise por causa da hipocrisia que contamina muitas pessoas. Uma sucessão de faz-de-conta, intrigas, fingimentos e pretensões, que mascara muitas pessoas dotadas de caráter medíocre, leviano ou mesmo perverso, cria um quadro no qual os processos viciados mais diversos começam a perder sentido, e isso desnorteia muitas pessoas.
Ilusões eram construídas e totens se ascenderam nos últimos 50 anos. Vivemos paradigmas que foram construídos e consolidados pela ditadura militar, desenvolvemos um conjunto de valores moralistas, reacionários, vingativos e cafajestes que são dissimulados de uma forma aqui e ali.
Num sentido, se é reacionário "em nome da democracia". Se defende a degradação da cultura popular sob o pretexto de ser "progressista". Se defende o egoísmo sob a desculpa do "altruísmo mediante sacrifícios necessários", e faz-se a corrupção sob o véu da "transparência", entre tantas coisas.
A crise de valores mostra que o Brasil se tornou mais do que o roqueiro Raul Seixas definiu, "uma charrete que perdeu o condutor". A essas alturas, a charrete perdeu os cavalos e desce sem freio ladeira abaixo, já que hoje os totens e paradigmas antes sólidos e firmes começam a cair de vez.
A trolagem na Internet, último recurso desesperado de defesa de antigos paradigmas e velhos totens, vindas de internautas reacionários que se passavam por "modernos" com uma falsa descontração e um jeito pretensamente "divertido", que no primeiro momento atraiu seguidores por pura simpatia, começa a causar problemas para seus responsáveis, como feitiços que se voltam contra os feiticeiros.
A grande imprensa mostra a sua decadência, depois de uma breve supremacia nos anos 90 e 2000, sem poder mais influir sobre a opinião pública, embora esta permaneça um tanto desnorteada e confusa. Vendo os paradigmas em crise, muitos se refugiam na zona do conforto do WhatsApp, em postagens "divertidas" e "positivas", temerosos de ver seus velhos ideais caírem.
Velhos "caciques" políticos que não podem desaparecer de cena, velhos machistas assassinos que "não podem" morrer, subcelebridades e cantores canastrões que "não podem" ir para o ostracismo, revistas reacionárias que "não podem" falir (o Grupo Abril extinguiu ou se livrou de tudo quanto é revista, mas mantém a truculenta Veja intata), velhas ideias que "não podem" perder o valor, tudo isso é reflexo de uma paranoia social ante ao velho Brasil que não quer acabar.
Tem-se até medo de ver empresas de ônibus de São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e, agora, Rio de Janeiro, voltarem um dia a exibir suas respectivas identidades visuais, deixando para trás o "histórico" mascaramento visual através de "pinturas de consórcios" que refletem mais as imagens de prefeituras e governos estaduais que "partidarizam" os sistemas de ônibus municipais ou metropolitanos.
Há um medo da Rádio Cidade, no Rio de Janeiro, deixar seu estilo "Dr. Jekyll e Mr. Hyde" de ser, uma rádio pop que "só toca rock", que num momento faz programa sobre os mais tolos chiliques amorosos, noutra acha que pode tocar até King Diamond (nome do heavy metal dinamarquês) na programação normal, e passar a tocar as mesmas coisas alegres da concorrente Mix FM.
Há muito medo de que velhos paradigmas vindos da ditadura militar ou de governos civis ideologicamente derivados, como os de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, perderem o sentido, derrubando totens que com muito "esforço" (leia-se um poderoso lobby político, financeiro e midiático) se tornaram consolidados até pouco tempo atrás.
Há medo até de ver uma Solange Gomes - uma das "musas" do carnaval carioca - de repente se casar com um empresário e deixar suas exibições forçadamente sensuais na mídia, mesmo sabendo que ela completa 42 anos este ano e sua aparência soa envelhecida com plásticas e um físico inflado com muito silicone.
Em primeiro momento, a ação de troleiros (trolls), que acima citamos, refletia esse medo. Equivalentes contemporâneos do velho Comando de Caça aos Comunistas, os internautas digitais que não tinham escrúpulos para ofender e difamar pessoas, reagiu para tentar proteger, de forma "marginal" e "mafiosa", os valores retrógrados e os totens dominantes dos quais acreditavam.
Daí as calúnias que iam das mídias sociais e fóruns digitais a blogues e fotologues especializados em ofender alguém. Mas neste Brasil em crise, os troleiros, de cães-de-guarda se transformam em "pés-frios" e vários deles têm que apagar páginas ofensivas, mudar de residência e tomar outras providências de fuga, porque plantaram briga e colheram ameaças. Compraram tanta briga que já começam a receber ameaças de morte de alguns ofendidos.
As "monoculturas" da música dita "muito popular" financiadas pelo coronelismo no Norte, Nordeste e Centro-Oeste e os "revivais" tendenciosos de ídolos cafonas do período ditatorial, travestidos de "vanguarda pós-tropicalista", também decaem quando vários ídolos do brega, do "sertanejo", do "forró eletrônico" e da axé-music chegam a cancelar apresentações por falta de público.
Até o "saudosismo" dos anos 90, que tentou fazer os "filhotes da ditadura" Fernando Collor e Mário Kertèsz "queridos" pelas esquerdas, que tentou dar a outro "filhote", o arquiteto Jaime Lerner, uma reputação maior que a de Oscar Niemeyer, e que tenta a todo custo manter Gugu Liberato, Solange Gomes, grupo Raça Negra e Chitãozinho & Xororó em alta, começa a ser abalado.
Da mesma forma, o Big Brother Brasil 16 não tem mais o sucesso das edições anteriores, deixando os executivos do entretenimento "popular" de cabelos em pé, não podendo mais lançar subcelebridades que em quantidades industriais povoaram a mídia nos últimos anos.
E o machismo recreativo das "mulheres-frutas", como Mulher Melão e Mulher Melancia, também não consegue mais entusiasmar muitos homens, graças às críticas negativas que elas recebem. Ou um inexpressivo Luciano Huck que mal sabe ser apresentador de TV e quer ser até dublê de filantropo.
O Brasil em crise vive a primeira instância de tentar proteger seus totens de qualquer maneira. Um Brasil velho que teima em se manter vivo, mesmo perecendo de vez. E é sintomático que até o "espiritismo" brasileiro, que comprovou ser uma versão repaginada do antigo Catolicismo jesuíta português, tenta se manter em pé querendo ser e não ser ao mesmo tempo.
Pois é isso que mantinha os velhos totens, sempre com um quê de reacionários fingindo ser progressistas, machistas fingindo um novo feminismo, ditatoriais metidos a democráticos, decadentes que querem se manter em alta, restritivos que se fazem de satisfatórios, a sucessão de exemplos sobre ser o que não é e não ser o que acaba sendo provoca a crise de valores que atinge o Brasil.
É como uma velha casa montada num precipício que, pela sua estrutura apodrecida, ameaça cair e todo esforço é feito para que isso nunca acontecesse, nem sob a pressão da pior tempestade e da erosão mais acelerada do barranco. O Brasil está assim, um velho país montado pela ditadura militar que começa a perder o sentido mas muitas pessoas insistem em mantê-lo, como um prego enferrujado que demora para ser arrancado do lugar.
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016
A vitória de um Picciani e o sinal amarelo da situação política
OS IRMÃOS LEONARDO E RAFAEL PICCIANI.
No último dia 17, ocorreu a votação no PMDB para a escolha do líder do partido na Câmara dos Deputados. A vitória do carioca Leonardo Picciani contra o piauiense Hugo Motta pode até ser um sinal de declínio do poder do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, por ele defender o candidato derrotado.
Eduardo Cunha, famoso por suas propostas reacionárias, era apoiado pela família Picciani, representada politicamente pelo presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Jorge Picciani, e seus filhos, Leonardo, que reconquistou o cargo que antes exercia, e Rafael, deputado estadual licenciado por ser secretário de Transportes da Prefeitura do Rio de Janeiro.
No primeiro momento, a vitória de um Picciani é positiva, por significar o declínio de um deputado como Cunha, que ameaçava romper com conquistas sociais defendidas pela Constituição Federal. A comissão que analisava o pedido de impeachment de Cunha também sofreu a baixa de um deputado integrante que na verdade era um aliado do presidente da Câmara Federal.
No entanto, se a situação favorece o governo de Dilma Rousseff, que vê se distanciar a ameaça de impeachment com o declínio de Cunha, ela representa um sinal amarelo para as causas sociais, não apenas pelo fato da família Picciani ser, segundo reportagem de O Estado de São Paulo, uma das mais ricas do Estado do Rio de Janeiro e detentora de grandes propriedades de terras.
MEDIDAS AUTORITÁRIAS
Afinal, não é porque a chamada "nata" do PMDB carioca - o grupo político do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e do governador fluminense Luiz Fernando Pezão - rompeu com Eduardo Cunha e passou a dar o "apoio irrestrito" à presidenta Dilma Rousseff que se tornou um grupo de fato progressista. O grupo político é famoso por adotar medidas de forma não menos autoritária que o deputado das "pautas-bomba".
Se, como líder do PMDB na Câmara Federal, Leonardo Picciani estabelecerá contatos e articulações para manter o Governo Federal até o fim, já que o PMDB faz parte da base aliada do governo Dilma e é o partido do vice, Michel Temer, o irmão Rafael, no cargo de secretário de Transportes carioca, está à frente de medidas reacionárias defendidas sob falsos pretextos técnicos de "otimizar" e "racionalizar" o sistema de ônibus carioca.
Empenhado em extinguir as linhas de ônibus que fazem ligação direta entre as zonas Norte e Sul do município do Rio de Janeiro, que aos poucos reduzem seus itinerários - as linhas para Zona Sul via Centro vão para a Praça 15, as que passam pelo Túnel Santa Bárbara vão para a estação Siqueira Campos em Copacabana, quase no lado do Leme e as do Leblon e Jardim de Alah vão para Siqueira Campos ou Botafogo - , Rafael também quer ver menos ônibus circulando nas ruas cariocas.
Com isso, vê-se a diferença. Para pior. Ônibus que saíam da Central semi-vazios, com cerca de dez passageiros, possibilitando uma lotação menos incômoda quando seguem pelo Aterro ou pela Av. Beira-Mar para a Zona Sul, hoje saem do famoso terminal rodoviário junto à estação de trem já com uma média de dez passageiros em pé, com todos os demais sentados.
Imagine se o plano de redução de itinerários e extinção de linhas concluir e 700 ônibus saírem das ruas do Rio se concluir. No que diz à ocupação do espaço em uma rua, um ônibus equivale a cerca de dois automóveis, só que transporta uma lotação que corresponde a cerca de 40 ou 50 automóveis. A retirada de um único ônibus nas ruas terá de ser compensada por um acréscimo de 50 automóveis, que ocupariam o espaço correspondente a 25 ônibus.
MENOS ÔNIBUS NAS RUAS SIGNIFICAM MAIS AUTOMÓVEIS CIRCULANDO
Se 700 ônibus forem retirados em circulação, um número estimado de 35 mil automóveis serão acrescidos nas ruas, e esse dado não leva em conta a influência publicitária dos comerciais de automóveis que congestionam os intervalos dos programas de televisão. Rafael fala em eliminar itinerários "sobrepostos", mas se esquece da sobreposição de propagandas de automóveis na televisão, em que um só intervalo de cinco minutos chega a mostrar até três ou quatro comerciais de marcas de carros.
Quando houve o escândalo da repressão policial a jovens moradores da Zona Norte que se dirigiam em praias da Zona Sul - bastava não estar com documento de identidade para ser detido pela Polícia Militar - , surgiram denúncias de que o fim das linhas diretas entre as duas zonas cariocas era um processo de discriminação social que prejudicava a ida e volta por ônibus da população suburbana, que teria que gastar mais em passagem, já que os percursos não cobriam o limite de horário do Bilhete Único.
As autoridades tentaram desmentir que o fim das linhas diretas - substituídas por "alimentadoras" Zona Norte X Centro e "troncais" Centro X Zona Sul - eram uma medida de "limpeza social" e que a medida seria para "otimizar" o sistema de ônibus. Houve até o paliativo de se criar uma "praia artificial" para os suburbanos "não precisarem" ir para a Zona Sul e a Barra da Tijuca (o corredor Barra-Madureira-Penha-Fundão também sofreu drásticas reduções de itinerários, eliminando linhas tradicionais e funcionais em prol de "alimentadoras" e "troncais"), a Praia da Rocha Miranda, no Parque Madureira.
"PRAIA DOS SUBURBANOS" TEM ÁREA EQUIVALENTE A 1/8 DE COPACABANA
Só que a "admirável medida", que em tese seria uma boa opção de lazer para os suburbanos, não passou de um grande fiasco. A "praia" que iria receber toda a população dos subúrbios - uma área que vai de São Cristóvão e Tijuca a Campo Grande e de Jacarepaguá ao entorno de Vicente de Carvalho a Inhaúma - não passa de uma pequena área de 500 m, cerca de um oitavo da extensão de Copacabana, o que não comporta uma demanda tão grande e bem maior do que os moradores da Zona Sul que querem ter exclusividade na praia junto, quando muito, aos turistas.
Como 500m de extensão, com um pequeno lago e as chamadas "cachoeiras artificiais" - na verdade um agrupamento de chuveiros - , o Parque Madureira ainda tem como defeito o horário limitado de funcionamento, de 9h às 20h. Esse horário, além de não permitir sequer caminhadas matinais e luaus noturnos, vai contra as recomendações médicas, já que o "grosso" do funcionamento da praia se dá em horários de sol mais forte, o que pode causar os conhecidos malefícios para a pele.
Mas as autoridades não querem saber disso. O Rio de Janeiro é decidido por uma minoria de políticos, empresários, dirigentes esportivos, executivos de mídia e publicitários. A "boa sociedade" é que aceita tudo isso numa boa, por achar que os "de cima" estão sempre com a razão.
Daí a cautela que se tem com o caso Picciani. Em primeiro momento, se aplaude a vitória de um antigo aliado que passou a ser opositor. Mas, em segundo momento, os cariocas não poderão mais comemorar alguma coisa na Zona Sul e nem o Reveillon será mais aberto ao povo, pois os moradores da Zona Norte vão ter que se contentar em festejar o Ano Novo no Piscinão de Ramos, na prainha de Rocha Miranda ou, quando muito, em algum boteco na Av. Pres. Vargas.
A vitória de Leonardo Picciani pode ter sido um fator para o gradual afastamento do poder do prepotente Eduardo Cunha mas traz o sinal amarelo da ascensão dos Picciani diante das arbitrariedades do irmão Rafael contra os suburbanos que vão e vêm de ônibus no Rio, que dão um verdadeiro sinal vermelho para a mobilidade urbana, tema tão falado e tão pouco compreendido.
No último dia 17, ocorreu a votação no PMDB para a escolha do líder do partido na Câmara dos Deputados. A vitória do carioca Leonardo Picciani contra o piauiense Hugo Motta pode até ser um sinal de declínio do poder do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, por ele defender o candidato derrotado.
Eduardo Cunha, famoso por suas propostas reacionárias, era apoiado pela família Picciani, representada politicamente pelo presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Jorge Picciani, e seus filhos, Leonardo, que reconquistou o cargo que antes exercia, e Rafael, deputado estadual licenciado por ser secretário de Transportes da Prefeitura do Rio de Janeiro.
No primeiro momento, a vitória de um Picciani é positiva, por significar o declínio de um deputado como Cunha, que ameaçava romper com conquistas sociais defendidas pela Constituição Federal. A comissão que analisava o pedido de impeachment de Cunha também sofreu a baixa de um deputado integrante que na verdade era um aliado do presidente da Câmara Federal.
No entanto, se a situação favorece o governo de Dilma Rousseff, que vê se distanciar a ameaça de impeachment com o declínio de Cunha, ela representa um sinal amarelo para as causas sociais, não apenas pelo fato da família Picciani ser, segundo reportagem de O Estado de São Paulo, uma das mais ricas do Estado do Rio de Janeiro e detentora de grandes propriedades de terras.
MEDIDAS AUTORITÁRIAS
Afinal, não é porque a chamada "nata" do PMDB carioca - o grupo político do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e do governador fluminense Luiz Fernando Pezão - rompeu com Eduardo Cunha e passou a dar o "apoio irrestrito" à presidenta Dilma Rousseff que se tornou um grupo de fato progressista. O grupo político é famoso por adotar medidas de forma não menos autoritária que o deputado das "pautas-bomba".
Se, como líder do PMDB na Câmara Federal, Leonardo Picciani estabelecerá contatos e articulações para manter o Governo Federal até o fim, já que o PMDB faz parte da base aliada do governo Dilma e é o partido do vice, Michel Temer, o irmão Rafael, no cargo de secretário de Transportes carioca, está à frente de medidas reacionárias defendidas sob falsos pretextos técnicos de "otimizar" e "racionalizar" o sistema de ônibus carioca.
Empenhado em extinguir as linhas de ônibus que fazem ligação direta entre as zonas Norte e Sul do município do Rio de Janeiro, que aos poucos reduzem seus itinerários - as linhas para Zona Sul via Centro vão para a Praça 15, as que passam pelo Túnel Santa Bárbara vão para a estação Siqueira Campos em Copacabana, quase no lado do Leme e as do Leblon e Jardim de Alah vão para Siqueira Campos ou Botafogo - , Rafael também quer ver menos ônibus circulando nas ruas cariocas.
Com isso, vê-se a diferença. Para pior. Ônibus que saíam da Central semi-vazios, com cerca de dez passageiros, possibilitando uma lotação menos incômoda quando seguem pelo Aterro ou pela Av. Beira-Mar para a Zona Sul, hoje saem do famoso terminal rodoviário junto à estação de trem já com uma média de dez passageiros em pé, com todos os demais sentados.
Imagine se o plano de redução de itinerários e extinção de linhas concluir e 700 ônibus saírem das ruas do Rio se concluir. No que diz à ocupação do espaço em uma rua, um ônibus equivale a cerca de dois automóveis, só que transporta uma lotação que corresponde a cerca de 40 ou 50 automóveis. A retirada de um único ônibus nas ruas terá de ser compensada por um acréscimo de 50 automóveis, que ocupariam o espaço correspondente a 25 ônibus.
MENOS ÔNIBUS NAS RUAS SIGNIFICAM MAIS AUTOMÓVEIS CIRCULANDO
Se 700 ônibus forem retirados em circulação, um número estimado de 35 mil automóveis serão acrescidos nas ruas, e esse dado não leva em conta a influência publicitária dos comerciais de automóveis que congestionam os intervalos dos programas de televisão. Rafael fala em eliminar itinerários "sobrepostos", mas se esquece da sobreposição de propagandas de automóveis na televisão, em que um só intervalo de cinco minutos chega a mostrar até três ou quatro comerciais de marcas de carros.
Quando houve o escândalo da repressão policial a jovens moradores da Zona Norte que se dirigiam em praias da Zona Sul - bastava não estar com documento de identidade para ser detido pela Polícia Militar - , surgiram denúncias de que o fim das linhas diretas entre as duas zonas cariocas era um processo de discriminação social que prejudicava a ida e volta por ônibus da população suburbana, que teria que gastar mais em passagem, já que os percursos não cobriam o limite de horário do Bilhete Único.
As autoridades tentaram desmentir que o fim das linhas diretas - substituídas por "alimentadoras" Zona Norte X Centro e "troncais" Centro X Zona Sul - eram uma medida de "limpeza social" e que a medida seria para "otimizar" o sistema de ônibus. Houve até o paliativo de se criar uma "praia artificial" para os suburbanos "não precisarem" ir para a Zona Sul e a Barra da Tijuca (o corredor Barra-Madureira-Penha-Fundão também sofreu drásticas reduções de itinerários, eliminando linhas tradicionais e funcionais em prol de "alimentadoras" e "troncais"), a Praia da Rocha Miranda, no Parque Madureira.
"PRAIA DOS SUBURBANOS" TEM ÁREA EQUIVALENTE A 1/8 DE COPACABANA
Só que a "admirável medida", que em tese seria uma boa opção de lazer para os suburbanos, não passou de um grande fiasco. A "praia" que iria receber toda a população dos subúrbios - uma área que vai de São Cristóvão e Tijuca a Campo Grande e de Jacarepaguá ao entorno de Vicente de Carvalho a Inhaúma - não passa de uma pequena área de 500 m, cerca de um oitavo da extensão de Copacabana, o que não comporta uma demanda tão grande e bem maior do que os moradores da Zona Sul que querem ter exclusividade na praia junto, quando muito, aos turistas.
Como 500m de extensão, com um pequeno lago e as chamadas "cachoeiras artificiais" - na verdade um agrupamento de chuveiros - , o Parque Madureira ainda tem como defeito o horário limitado de funcionamento, de 9h às 20h. Esse horário, além de não permitir sequer caminhadas matinais e luaus noturnos, vai contra as recomendações médicas, já que o "grosso" do funcionamento da praia se dá em horários de sol mais forte, o que pode causar os conhecidos malefícios para a pele.
Mas as autoridades não querem saber disso. O Rio de Janeiro é decidido por uma minoria de políticos, empresários, dirigentes esportivos, executivos de mídia e publicitários. A "boa sociedade" é que aceita tudo isso numa boa, por achar que os "de cima" estão sempre com a razão.
Daí a cautela que se tem com o caso Picciani. Em primeiro momento, se aplaude a vitória de um antigo aliado que passou a ser opositor. Mas, em segundo momento, os cariocas não poderão mais comemorar alguma coisa na Zona Sul e nem o Reveillon será mais aberto ao povo, pois os moradores da Zona Norte vão ter que se contentar em festejar o Ano Novo no Piscinão de Ramos, na prainha de Rocha Miranda ou, quando muito, em algum boteco na Av. Pres. Vargas.
A vitória de Leonardo Picciani pode ter sido um fator para o gradual afastamento do poder do prepotente Eduardo Cunha mas traz o sinal amarelo da ascensão dos Picciani diante das arbitrariedades do irmão Rafael contra os suburbanos que vão e vêm de ônibus no Rio, que dão um verdadeiro sinal vermelho para a mobilidade urbana, tema tão falado e tão pouco compreendido.
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016
"Espiritismo" e a discriminação à razão humana
METIDO A SER "CIENTÍFICO", O "ESPIRITISMO" BRASILEIRO TENDE A CONDENAR O QUE DEFINE COMO "EXCESSOS" DO RACIOCÍNIO HUMANO.
O "espiritismo" brasileiro é uma doutrina marcada pela dissimulação e pelo falseamento. Há um grande malabarismo discursivo, há o ilusionismo pretensamente mediúnico, e um igrejismo falsamente científico que, de vez em quando, "criminaliza" o raciocínio humano.
Nas mídias sociais, houve um dado surreal de "espíritas" condenarem o "excesso de ciência" do pensamento de Allan Kardec. "Ciência demais", "excesso de raciocínio" e até a "criminalização" do próprio ato de pensar, quando ele pede provas e mantém o ceticismo até buscar o rigor da certeza e da coerência de uma ideia.
Um dos pontos que derruba essa fachada "científica" do "movimento espírita" é a ênfase que se tem no verbo "acreditar", em detrimento ao verbo "saber". Há um desequilíbrio, na doutrina brasileira, em relação aos três princípios que Allan Kardec lançou na Doutrina Espírita: Ciência, Filosofia e Moral.
Primeiro, porque o terceiro item, Moral, foi substituído por Religião. Segundo, porque o item Religião se sobrepôs aos outros dois, de forma que, se houver uma mistificação que distorce a realidade filosófica ou científica, os "espíritas" ficam na mistificação, por ela ser feita sob o pretexto do "amor", da "bondade", da "fraternidade" e da "caridade".
Com isso, criam-se distorções severas que as pessoas aceitam porque acham que confusões místicas e sentimentalistas podem promover o "equilíbrio" entre fé e ciência, como se contradição, confusão e obscurantismo fossem sinônimos de "moderação" e "bom senso".
A razão humana é discriminada. Os "espíritas" só aceitam a ciência quando ela se ajoelha diante da fé religiosa, ou quando suas atividades não interferem no terreno da mistificação. Se, por exemplo, as atividades científicas são feitas para estudar a cura da AIDS ou avaliar doenças que atingem a gravidez, por exemplo, ou para analisar a existência de novos planetas, a Ciência é bem vinda.
Mas se a Ciência passa a questionar os "milagres" e as "curas espirituais", pondo em xeque mitos religiosos bastante agradáveis, os "espíritas" logo a definem como maliciosa, perniciosa, "inquisidora", que é o que se faz para promover o raciocínio humano como bode expiatório para as confusões e crises vividas no âmbito religioso.
Aí, observa-se que o "espiritismo", que vemos ser tão inclinado nas crenças medievais herdadas pelo Catolicismo português, que forneceu as bases para a religiosidade brasileira, acusar de "medievais" aqueles que contrariam o "contexto harmonioso" da "fé espírita"
Se alguém contesta demais os mitos "espíritas", já que o "espiritismo" brasileiro, uma espécie de versão repaginada do Catolicismo português diante das primeiras modernizações da Igreja Católica - o que é grave, pois o "movimento espírita" aproveitou o que o Catolicismo começava a descartar - , os contestadores são logo chamados de "inquisidores".
Quem questiona é "inquisidor". Quem sofre demais é "romano". E quem acredita nestas acusações "espíritas" pensa que a religião "espiritualista" rompeu com a essência do Catolicismo medieval, que se tornou uma doutrina futurista etc etc.
Grande engano. O igrejismo "espírita" chega a ser mais entusiasmado que o do Catolicismo brasileiro. Sim, os "espíritas" se consideram mais católicos que os católicos. A citação de casos milagrosos, ícones religiosos e dogmas da fé chega a ser além da conta, principalmente através de relatos deixados por Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco.
Chico Xavier e Divaldo Franco sempre foram católicos fervorosos. Chico, então, era um adorador de imagens de santos e um rezador exemplar de terços e novenas. Mas Divaldo, mesmo com sua postura "professoral" e seus arroubos de pseudocientista, também é do tipo que adora se ajoelhar numa igreja e fazer o "senta-e-levanta" nas missas católicas. E ainda fala como padre.
A prática desmascara a teoria, os detalhes desmascaram o enunciado, o conteúdo simplesmente rasga a bela embalagem que o esconde. Assim, a postura supostamente "científica" do "espiritismo" se desmascara com sua essência igrejista, seu deslumbramento religioso que dá surtos extremos mesmo quando supostas façanhas científicas são citadas.
Daí que a falecida "espírita" Marlene Nobre, quando soube que uma revista científica - na verdade um periódico de segunda categoria - publicou um artigo de "cientistas espíritas" que teriam "provado" o suposto pioneirismo do "espírito André Luiz" nas descobertas sobre glândula pineal. Marlene trocava mensagens piegas com seus pares e todos tinham um entusiasmo tipicamente católico de quem comemora não um reconhecimento científico, mas um milagre religioso.
Coitado do Wolfgang Bargmann, biólogo que mal consegue ser conhecido na própria Alemanha. Ele, que identificamos ter sido um dos principais estudiosos da glândula pineal nos anos 1940, foi "passado para trás" por um fictício personagem de Chico Xavier, que em tolas descrições foi chamado de "pioneiro" por ter supostamente antecipado em seis décadas algumas das descobertas sobre a glândula, no livro Missionários da Luz, de 1945.
Mais risível foi atribuir a Chico Xavier e seus "amigos do além" - a mãe, Maria João de Deus, e um falso Humberto de Campos que escreve textos pesados com linguagem de padre - um suposto pioneirismo de até 80 anos em relação à descoberta de vida humana e água em Marte.
Um radialista carioca, destacado figurão "espírita", se deixou valer pelo prestígio fácil e pela reputação aparentemente inabalável de sua doutrina, o conhecido Gerson Simões Monteiro, inventou o factoide ignorando que cometeu uma grande gafe.
Afinal, muito antes de Chico Xavier nascer, já se discutia tudo que havia em suas "pioneiras revelações" sobre Marte: civilizações adiantadas, construção de canais, existência de vida humana, tudo isso estava na pauta dos debates científicos mais sérios, no século XIX e ainda com Allan Kardec vivo. O próprio amigo dele, Camille Flamarion, foi um dos estudiosos.
O que melhor sistematizou tais abordagens foi o astrônomo estadunidense Percival Lowell, que em três livros, lançados em 1895, 1906 e 1908 - portanto, até dois anos antes de Chico Xavier nascer (foi em 1910) - , analisou todos os elementos que os brasileiros acreditam terem sido "pioneiramente" lançados pelo "médium" brasileiro em livros de 1935 e 1939
As pessoas não conseguem perceber que o assunto da possibilidade de haver vida em Marte estava tão batido nos anos 1930 que a ficção científica já abordava a era espacial, em gibis e filmes, mesmo os de baixo orçamento, e até o criador de Tarzan, Edgar Rice Burroughs, também fez obras sobre o "planeta vermelho".
O Brasil comete gafes com seu nível de incompreensão, tão típico num país que, de vez em quando, tem dificuldades para entender o mundo. Distorções existem aqui e ali, e o Brasil é o paraíso tanto para especuladores financeiros, corruptos e ladrões estrangeiros quando de ídolos musicais decadentes que, quando chegam aqui, são tratados como "deuses".
As pessoas combinam deslumbramento fácil, zonas de conforto, juízos de valor e outros preconceitos tão arraigados que até mesmo uma parcela de intelectuais tidos como "desprovidos de todo tipo de preconceito", ao defender a chamada bregalização da cultura popular, estavam expressando uma série de preconceitos cruéis contra as classes populares, vistas de maneira caricatural e pejorativa.
O "espiritismo" vende a imagem de "vanguarda espiritualista", mas demonstra, na verdade, o contrário disso, sendo uma doutrina neo-medieval, uma espécie de versão de "baixo orçamento" da Cientologia, E mostra que seu compromisso não é com a busca do conhecimento, mas com a pregação de valores místicos e moralistas não muito diferentes que o Catolicismo havia feito.
Apenas existe uma mudança de contexto. Evidentemente o "espiritismo" não vai lançar hereges para fogueiras montadas em praça pública ou decapitar e enforcar os céticos. Mas a religião brasileira se apega à Teologia do Sofrimento - ideologia que defende que os sofredores permaneçam nas suas desgraças - até com mais apetite que o Catolicismo, sob o agravante de supor encarnações anteriores de pessoas aqui e ali.
E aí vemos que, no fundo, o "espiritismo" discrimina a razão humana. Em primeira instância, preferiu o pensamento igrejista de Jean-Baptiste Roustaing ao cientificismo de Allan Kardec. Só depois decidiu dissimular tais opções e defender um "roustanguismo sem Roustaing" e um "kardecismo com Chico Xavier" (Chico foi o Roustaing brasileiro), se consolidando com a tendência dúbia dos dias de hoje, quando membros essencialmente roustanguistas fingem "absoluta fidelidade a Kardec".
Por isso, falar é fácil. No harmonioso baile das palavras, pode-se lançar ideias que a prática desmente. A teoria e prática entram em conflito, mas o que é dito tenta prevalecer sobre o que é feito. O que é feito não pode ser explicado nem questionado.
Daí que o "espiritismo" fala que certos procedimentos "não precisam de provas", ou estão "acima de qualquer prova". Porque provar é fazer um atestado de coerência ou incoerência de algo, e isso pode desqualificar dogmas e ritos "espíritas", assim como derrubar a reputação de muitos de seus ídolos.
Mas se "acreditar", em vez de "saber", dispensa o exame e a busca de provas, porque "o amor em si prova tudo", a verdade que isso tudo não é demonstração de amor, mas de omissão, e, portanto, de desonestidade e recusa em assumir suas irregularidades diversas.
O "espiritismo" brasileiro é uma doutrina marcada pela dissimulação e pelo falseamento. Há um grande malabarismo discursivo, há o ilusionismo pretensamente mediúnico, e um igrejismo falsamente científico que, de vez em quando, "criminaliza" o raciocínio humano.
Nas mídias sociais, houve um dado surreal de "espíritas" condenarem o "excesso de ciência" do pensamento de Allan Kardec. "Ciência demais", "excesso de raciocínio" e até a "criminalização" do próprio ato de pensar, quando ele pede provas e mantém o ceticismo até buscar o rigor da certeza e da coerência de uma ideia.
Um dos pontos que derruba essa fachada "científica" do "movimento espírita" é a ênfase que se tem no verbo "acreditar", em detrimento ao verbo "saber". Há um desequilíbrio, na doutrina brasileira, em relação aos três princípios que Allan Kardec lançou na Doutrina Espírita: Ciência, Filosofia e Moral.
Primeiro, porque o terceiro item, Moral, foi substituído por Religião. Segundo, porque o item Religião se sobrepôs aos outros dois, de forma que, se houver uma mistificação que distorce a realidade filosófica ou científica, os "espíritas" ficam na mistificação, por ela ser feita sob o pretexto do "amor", da "bondade", da "fraternidade" e da "caridade".
Com isso, criam-se distorções severas que as pessoas aceitam porque acham que confusões místicas e sentimentalistas podem promover o "equilíbrio" entre fé e ciência, como se contradição, confusão e obscurantismo fossem sinônimos de "moderação" e "bom senso".
A razão humana é discriminada. Os "espíritas" só aceitam a ciência quando ela se ajoelha diante da fé religiosa, ou quando suas atividades não interferem no terreno da mistificação. Se, por exemplo, as atividades científicas são feitas para estudar a cura da AIDS ou avaliar doenças que atingem a gravidez, por exemplo, ou para analisar a existência de novos planetas, a Ciência é bem vinda.
Mas se a Ciência passa a questionar os "milagres" e as "curas espirituais", pondo em xeque mitos religiosos bastante agradáveis, os "espíritas" logo a definem como maliciosa, perniciosa, "inquisidora", que é o que se faz para promover o raciocínio humano como bode expiatório para as confusões e crises vividas no âmbito religioso.
Aí, observa-se que o "espiritismo", que vemos ser tão inclinado nas crenças medievais herdadas pelo Catolicismo português, que forneceu as bases para a religiosidade brasileira, acusar de "medievais" aqueles que contrariam o "contexto harmonioso" da "fé espírita"
Se alguém contesta demais os mitos "espíritas", já que o "espiritismo" brasileiro, uma espécie de versão repaginada do Catolicismo português diante das primeiras modernizações da Igreja Católica - o que é grave, pois o "movimento espírita" aproveitou o que o Catolicismo começava a descartar - , os contestadores são logo chamados de "inquisidores".
Quem questiona é "inquisidor". Quem sofre demais é "romano". E quem acredita nestas acusações "espíritas" pensa que a religião "espiritualista" rompeu com a essência do Catolicismo medieval, que se tornou uma doutrina futurista etc etc.
Grande engano. O igrejismo "espírita" chega a ser mais entusiasmado que o do Catolicismo brasileiro. Sim, os "espíritas" se consideram mais católicos que os católicos. A citação de casos milagrosos, ícones religiosos e dogmas da fé chega a ser além da conta, principalmente através de relatos deixados por Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco.
Chico Xavier e Divaldo Franco sempre foram católicos fervorosos. Chico, então, era um adorador de imagens de santos e um rezador exemplar de terços e novenas. Mas Divaldo, mesmo com sua postura "professoral" e seus arroubos de pseudocientista, também é do tipo que adora se ajoelhar numa igreja e fazer o "senta-e-levanta" nas missas católicas. E ainda fala como padre.
A prática desmascara a teoria, os detalhes desmascaram o enunciado, o conteúdo simplesmente rasga a bela embalagem que o esconde. Assim, a postura supostamente "científica" do "espiritismo" se desmascara com sua essência igrejista, seu deslumbramento religioso que dá surtos extremos mesmo quando supostas façanhas científicas são citadas.
Daí que a falecida "espírita" Marlene Nobre, quando soube que uma revista científica - na verdade um periódico de segunda categoria - publicou um artigo de "cientistas espíritas" que teriam "provado" o suposto pioneirismo do "espírito André Luiz" nas descobertas sobre glândula pineal. Marlene trocava mensagens piegas com seus pares e todos tinham um entusiasmo tipicamente católico de quem comemora não um reconhecimento científico, mas um milagre religioso.
Coitado do Wolfgang Bargmann, biólogo que mal consegue ser conhecido na própria Alemanha. Ele, que identificamos ter sido um dos principais estudiosos da glândula pineal nos anos 1940, foi "passado para trás" por um fictício personagem de Chico Xavier, que em tolas descrições foi chamado de "pioneiro" por ter supostamente antecipado em seis décadas algumas das descobertas sobre a glândula, no livro Missionários da Luz, de 1945.
Mais risível foi atribuir a Chico Xavier e seus "amigos do além" - a mãe, Maria João de Deus, e um falso Humberto de Campos que escreve textos pesados com linguagem de padre - um suposto pioneirismo de até 80 anos em relação à descoberta de vida humana e água em Marte.
Um radialista carioca, destacado figurão "espírita", se deixou valer pelo prestígio fácil e pela reputação aparentemente inabalável de sua doutrina, o conhecido Gerson Simões Monteiro, inventou o factoide ignorando que cometeu uma grande gafe.
Afinal, muito antes de Chico Xavier nascer, já se discutia tudo que havia em suas "pioneiras revelações" sobre Marte: civilizações adiantadas, construção de canais, existência de vida humana, tudo isso estava na pauta dos debates científicos mais sérios, no século XIX e ainda com Allan Kardec vivo. O próprio amigo dele, Camille Flamarion, foi um dos estudiosos.
O que melhor sistematizou tais abordagens foi o astrônomo estadunidense Percival Lowell, que em três livros, lançados em 1895, 1906 e 1908 - portanto, até dois anos antes de Chico Xavier nascer (foi em 1910) - , analisou todos os elementos que os brasileiros acreditam terem sido "pioneiramente" lançados pelo "médium" brasileiro em livros de 1935 e 1939
As pessoas não conseguem perceber que o assunto da possibilidade de haver vida em Marte estava tão batido nos anos 1930 que a ficção científica já abordava a era espacial, em gibis e filmes, mesmo os de baixo orçamento, e até o criador de Tarzan, Edgar Rice Burroughs, também fez obras sobre o "planeta vermelho".
O Brasil comete gafes com seu nível de incompreensão, tão típico num país que, de vez em quando, tem dificuldades para entender o mundo. Distorções existem aqui e ali, e o Brasil é o paraíso tanto para especuladores financeiros, corruptos e ladrões estrangeiros quando de ídolos musicais decadentes que, quando chegam aqui, são tratados como "deuses".
As pessoas combinam deslumbramento fácil, zonas de conforto, juízos de valor e outros preconceitos tão arraigados que até mesmo uma parcela de intelectuais tidos como "desprovidos de todo tipo de preconceito", ao defender a chamada bregalização da cultura popular, estavam expressando uma série de preconceitos cruéis contra as classes populares, vistas de maneira caricatural e pejorativa.
O "espiritismo" vende a imagem de "vanguarda espiritualista", mas demonstra, na verdade, o contrário disso, sendo uma doutrina neo-medieval, uma espécie de versão de "baixo orçamento" da Cientologia, E mostra que seu compromisso não é com a busca do conhecimento, mas com a pregação de valores místicos e moralistas não muito diferentes que o Catolicismo havia feito.
Apenas existe uma mudança de contexto. Evidentemente o "espiritismo" não vai lançar hereges para fogueiras montadas em praça pública ou decapitar e enforcar os céticos. Mas a religião brasileira se apega à Teologia do Sofrimento - ideologia que defende que os sofredores permaneçam nas suas desgraças - até com mais apetite que o Catolicismo, sob o agravante de supor encarnações anteriores de pessoas aqui e ali.
E aí vemos que, no fundo, o "espiritismo" discrimina a razão humana. Em primeira instância, preferiu o pensamento igrejista de Jean-Baptiste Roustaing ao cientificismo de Allan Kardec. Só depois decidiu dissimular tais opções e defender um "roustanguismo sem Roustaing" e um "kardecismo com Chico Xavier" (Chico foi o Roustaing brasileiro), se consolidando com a tendência dúbia dos dias de hoje, quando membros essencialmente roustanguistas fingem "absoluta fidelidade a Kardec".
Por isso, falar é fácil. No harmonioso baile das palavras, pode-se lançar ideias que a prática desmente. A teoria e prática entram em conflito, mas o que é dito tenta prevalecer sobre o que é feito. O que é feito não pode ser explicado nem questionado.
Daí que o "espiritismo" fala que certos procedimentos "não precisam de provas", ou estão "acima de qualquer prova". Porque provar é fazer um atestado de coerência ou incoerência de algo, e isso pode desqualificar dogmas e ritos "espíritas", assim como derrubar a reputação de muitos de seus ídolos.
Mas se "acreditar", em vez de "saber", dispensa o exame e a busca de provas, porque "o amor em si prova tudo", a verdade que isso tudo não é demonstração de amor, mas de omissão, e, portanto, de desonestidade e recusa em assumir suas irregularidades diversas.
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