segunda-feira, 30 de junho de 2014
Roustaing é o "maior herói" do filme 'Causa e Efeito'
Jean-Baptiste Roustaing é personagem destacado do filme Causa e Efeito, de André Marouço. Ele não aparece propriamente na sua pessoa física, e nem o seu nome aparece, mas sua essência é aproveitada no filme, que é patrocinado pela Federação "Espírita" Brasileira.
A FEB, que se baseou no livro Os Quatro Evangelhos de Roustaing para estabelecer suas diretrizes, até hoje publica o livro. Descontados aspectos polêmicos como o "Jesus fluídico" e a reencarnação de humanos na forma de seres irracionais, a FEB sempre manteve a diretriz "espiritualista" lançada pelo advogado de Bordeaux, França.
Através de Roustaing, a Doutrina Espírita se diluiu num neo-catolicismo espiritualista, com algumas matizes copiadas do Protestantismo, e outras de tendências esotéricas, inclusive Astrologia. A esse engodo religioso se juntaram também arremedos muito mal assimilados de ciência, como Psicologia e Física, que caricaturalmente se juntam a essa mistura de crenças e dogmas.
Em Causa e Efeito, Roustaing aparece na forma de três diferentes religiosos, o padre católico, o pastor evangélico e o líder "espírita", que assistem o personagem Paulo (sutilmente inspirado, no filme, no personagem bíblico) e convertem ele, um policial transformado em pistoleiro de aluguel, num militante religioso.
A união das três religiões, na perspectiva "espiritualista" da FEB, em que moralismo religioso e misticismo andam de mãos dadas e a ciência só aparece para "assinar embaixo", muito mal aproveitada pelos ditos "espíritas" brasileiros, é o legado de Roustaing no filme.
Roustaing queria, com o famoso livrão em vários volumes, criar uma "religião-síntese" em que, sob o pretexto de uma "nova espiritualidade", se juntassem elementos de várias crenças religiosas para desenvolver um "novo Espiritismo"... dotado de princípios fundamentalmente católicos.
Esse legado já foi retrabalhado pela FEB, que colocou os pontos polêmicos debaixo do tapete. O Espiritolicismo não defende mais que Jesus era mero fluído ou que a humanidade poderá reencarnar como lesmas, podendo até contestar essas duas ideias com certa firmeza, mas a supremacia do moralismo religioso sobre o raciocínio lógico é o legado integralmente preservado de Roustaing.
A diferença é que agora Allan Kardec é obrigado a assumir a responsabilidade pelo que Roustaing havia feito e defendido. Enquanto o nome de Roustaing repousa tranquilo no semi-anonimato, devido ao desconhecimento de muitos adeptos do Espiritolicismo.
sábado, 28 de junho de 2014
Não é fácil ser Raul Seixas. Ainda mais depois de morto
Em 1976, Raul Seixas gravou a música "Eu Também Quero Reclamar", no qual se queixava da banalização da canção de protesto. De um jeito bastante cínico, ele cantava o verso "Todo mundo quer é reclamar" num tempo em que o hippismo, já superado nos EUA - os antigos hippies haviam se transformado em pais de família "caretas" ou quase isso - , ainda era intenso no Brasil.
Era uma época em que a bregalização musical crescia, mas não tinha a força quase totalitária dos dias de hoje, ameaçando derrubar a MPB e todo seu legado, e o Brasil ainda vivia a ditadura militar, já em processo de crise política.
Raul Seixas teve uma experiência mística nos anos 70, por influência de seu parceiro e amigo Paulo Coelho, o mesmo que hoje é conhecido escritor de best sellers. No entanto, sempre fez canções de rock ou baladas que falassem ora de problemas existenciais, ora de alegorias críticas (como "Al Capone" e, mais tarde, "Carimbador Maluco"), ora ácidas críticas sociais.
Falecido em 1989, depois de atravessar quase toda a década de 80 abrindo mão do misticismo e vendo o país de maneira cética, antevendo a mediocrização que se tornaria dominante a partir dos anos 90, e que não raro inclui bajulações e apropriações indevidas do carisma do cantor baiano.
Não é fácil ser Raul Seixas. Ainda mais morto. Raul, natural de Salvador, era, como roqueiro baiano, uma figura vista como excêntrica e desprezado pela sociedade. Afinal, ele foi um dos poucos brasileiros que acertou o relógio com a história do rock, já que era fã do estilo já em 1955, época do estouro de "Rock Around The Clock", de Bill Haley & His Comets, gravada no ano anterior.
Raul Seixas tão cedo formou sua banda, Raulzito e Seus Panteras, mas que levou anos para lançar seu primeiro LP, que se deu em 1967. E, apesar do sucesso comercial, Raul era considerado de personalidade difícil, tanto que até o fim da vida resolveu migrar para São Paulo seguir sua carreira musical.
IGNORADO EM VIDA, BAJULADO POST-MORTEM
Pior do que ser visto com estranheza e desprezo pela sociedade, é, depois de falecido, ser bajulado e usurpado por essa mesma sociedade que o desprezou e repudiou, e com a qual o próprio falecido, em vida, também não se identificava.
Raul Seixas passou a ser bajulado por aqueles que ele não gostaria sequer de receber apoio. Ele estava acostumado com o desprezo da mídia e da sociedade e achava mais sincero que, depois de morto, ele pudesse pelo menos ser ignorado por essa parcela da sociedade.
Todavia, Raul recebeu a bajulação até mesmo de estilos musicais que o cantor baiano simplesmente detestava, como a axé-music e o breganejo. Foi preciso que a viúva e parceira Kika Seixas movesse uma ação judicial para impedir que fosse produzido um CD de axé-music em "homenagem" ao roqueiro.
Mas não ficou por aí. Chitãozinho & Xororó, dois dos canastrões da falsa música caipira brasileira, passaram a falar nas entrevistas, com muita presunção, que persistem em suas carreiras por causa da canção "Tente Outra Vez", de Raul.
Por sua vez, Zezé di Camargo & Luciano, outros canastrões do gênero, anunciaram, recentemente, que fizeram uma canção chamada "Teorias de Raul", título do mais novo álbum, com frases e referências extraídas de canções de Raul Seixas. Puro oportunismo.
Em 1988, numa entrevista à revista Bizz, Raul Seixas reclamava de ser contratado pela Copacabana Discos, uma "gravadora de música caipira", como havia dito pejorativamente. Esse foi o tom que Raul deu àqueles que hoje se autoproclamam "influenciados por ele", fazendo o que Marcelo Nova, discípulo e último parceiro de Raul, definiu como "pegar carona na cauda do cometa".
O ESPIRITOLICISMO
E o "espiritismo" brasileiro, óbvio, não deixa de tirar uma casquinha no carisma de Raul. Nelson Moraes investiu no "espírito Zílio", supostamente atribuído ao roqueiro baiano, que ainda estava preso em um misticismo religioso que já não fazia a cabeça do cantor nos seus últimos anos de vida.
O "Raul Seixas" de Nelson Moraes passou a fazer proselitismo religioso, mostrando uma personalidade estereotipada, ora por demais desesperada, em relação aos "sofrimentos espirituais", ora por demais infantilizada, destoando, e muito, da personalidade que o roqueiro teve em vida.
Além de Nelson, não houve outras investidas na usurpação do nome do roqueiro baiano. Mas tais investidas que foram feitas já são de uma grande gravidade, apostando em clichês colhidos da abordagem que Raul Seixas recebia da grande mídia (sobretudo Rede Globo), como um misto de louco, místico, drogado, clichês que serviram para "construir" o perfil de Zílio.
Raul Seixas, como espírito, teria dado sequência à sua visão cética sobre o mundo. Não teria se transformado num propagandista religioso, que é a imagem que os falecidos recebem das abordagens "espíritas" realizadas no Brasil. Todo mundo fazendo propaganda de "amor, fé e caridade", com panfletarismo e proselitismo.
Não se pode ser laico ou mesmo profano no além. Ou melhor, não se pode admitir, aqui na Terra, que os espíritos são laicos e não passam o tempo todo orando e recebendo bênçãos. O mundo espiritual não é um mosteiro, e isso é o que os "espíritas" brasileiros não querem admitir. E eles ainda se acham no direito de usurpar do carisma de falecidos ilustres.
Raul Seixas está em outra. Talvez ele até se divirta mais diante de metáforas como as do amigo Marcelo Nova, dadas no programa "Let's Rock" da Transamérica FM, nos anos 90. Nova disse que os roqueiros em geral, inclusive Elvis Presley e Raul Seixas, estão "no inferno".
Pode ser uma alegoria exagerada e que provoque interpretações equivocadas, mas o comentário de Marcelo Nova condiz muito mais à natureza de Raul Seixas, um rebelde do rock, do que sua imagem ao mesmo tempo adocicada e debiloide que o Espiritolicismo trabalha dele a partir da mesma caricatura midiática que permite também, que breganejos peguem carona no carisma do cantor.
sexta-feira, 27 de junho de 2014
"Causa e Efeito" investe na visão espiritólica dos "resgates espirituais"
Reforçando a série de filmes "espíritas", é lançado o filme Causa e Efeito, do diretor, co-produtor e roteirista André Marouço, o mesmo diretor de O Filme dos Espíritos, que a publicidade enganosa inventou ser "inspirada" no famoso livro de Allan Kardec.
A sinopse se baseia na vida de um policial chamado Paulo que, num acidente de carro causado por outro homem alcoolizado, perde mulher e filho e, revoltado pelo fato do responsável da tragédia não ter sido punido pela Justiça, decide se transformar num pistoleiro de aluguel e chega a eliminar algumas pessoas.
De repente, ele é designado a matar uma prostituta, mas quando se chegou a ela, é informado de sua vida triste. A personagem se chama Madalena e Paulo acaba se apaixonando por ela, enquanto também encontra, no seu caminho, um padre, um pastor e um "espírita".
Segundo o enredo, Paulo aprende, com o contato com os três religiosos, todos idosos, a natureza de sua encarnação passada e o auxílio fraterno que os três realizam juntos. A ideia parece bem-intencionada, se levarmos em conta as declarações do cineasta de defender o amor e a espiritualidade em detrimento das paixões materiais.
No entanto, o filme - que parece fazer uma ligeira alusão a Paulo de Tarso, o assassino de cristãos primitivos que se converteu a Jesus, e a Maria Madalena, suposta meretriz que virou discípula do mestre judeu e foi assistir a leprosos (hoje conhecidos como doentes da hanseníase) - peca pelo moralismo religioso.
Não existe uma postura firme contra as injustiças humanas, já que a ênfase é sempre nas tais "reformas íntimas", no "autoconhecimento", que é um eufemismo espiritólico para conformismo. Só a própria pessoa deve se mudar, aceitando problemas e imposições, a pretexto de serem "resgates espirituais".
A lei de causa e efeito, citada por Allan Kardec na Doutrina Espírita, é tratada pelo filme dentro da perspectiva que se conhece do "espiritismo" brasileiro, baseada no moralismo religioso. As injustiças existem, não tem jeito, a pessoa é que tem que se reformar e viver "como se pode", o que o anedotário popular define como "engolir sapos".
Nada se prega, por exemplo, a respeito da questão de álcool ou volante, ou do problema das leis humanas. Fica muito fácil pedir às pessoas que sofrem aceitarem os sofrimentos, porque pimenta nos olhos dos outros é refresco. As lideranças "espíritas", sobretudo as da FEB, que patrocina o filme, é que podem viver do conforto às custas de pregações de moralismo religioso dito "espiritualista".
O filme anterior, O Filme dos Espíritos, também se valia do moralismo religioso. Além do mais, ambos os filmes têm aquele clima sisudo, um tanto assistencialista, que mais parece deprimir do que consolar. Quem não é espiritólico, ao ver O Filme dos Espíritos, fica mais triste ainda.
A impressão que se tem é que a vida não é para ser vivida com prazer e alegria. Nós temos que sofrer, suportar as injustiças e os prejuízos, e se a humanidade retrocede, temos que aceitar, amar, orar, dizer amém. Que alegria poderemos ter, senão a falsa alegria que tão somente acoberta a depressão, esse masoquismo espiritualista que o "espiritismo" brasileiro tanto quer de nós?
Observando filmes "espíritas" desse porte - para não dizer blockbusters como Chico Xavier e Nosso Lar - , dotados de um moralismo religioso, nós nos reduzimos a meros endividados existenciais, sem podermos ter desejos nem vontades, porque a nós só nos cabe sobreviver sem intervir para melhorias profundas, apenas aceitando tudo e anestesiando nossas consciências.
quinta-feira, 26 de junho de 2014
"Cidade do Além" tentou reforçar mito de "Nosso Lar"
Em 1983, quinze anos depois de encerrado o "ciclo André Luiz", um livro havia sido publicado para reforçar o mito das "colônias espirituais" divulgado 40 anos antes, através do livro Nosso Lar, que inaugurou a linhagem dos livros que Chico Xavier psicografou do espírito do suposto médico.
Trata-se do livro que, em quatro mãos e de autoria atribuída aos espíritos de André e de Lucius - misteriosamente, é o mesmo nome do suposto orientador espiritual de Zíbia Gasparetto, então ligada ao Espiritolicismo da FEB, do qual rompeu anos depois - , intitulado Cidade no Além, que aparentemente tenta "explicar" a natureza das tais "cidades espirituais".
Chico Xavier teria psicografado o livro, de acordo com os dados oficiais, junto à médium Heigorina Cunha (1923-2013), respectivamente recebendo André e Lucius, e Heigorina havia feito desenhos que seriam das tais colônias espirituais descritas no livro.
Heigorina foi sobrinha, por parte de mãe, do professor e jornalista espiritólico Eurípedes Barsanulfo, que viveu muitos anos na mesma Uberaba que se tornaria depois a cidade adotiva de Chico Xavier, depois que ele foi excomungado por católicos ortodoxos na sua cidade natal, a também mineira Pedro Leopoldo.
Eurípedes Barsanulfo era católico de origem e havia conhecido o Espiritolicismo através de Leon Denis. Também era admirador de Adolfo Bezerra de Menezes. Era também médium e ancorava seus ideais religiosos na Evangelização, termo emprestado do Catolicismo.
Euripedes, que teve também uma breve carreira política, faleceu aos 38 anos vítima de gripe espanhola, doença que assolou o país em 1918, doença que no ano seguinte matou também o então presidente da República Rodrigues Alves e, entre esses dois anos, deixou cerca de 300 mil mortos.
Heigorina herdou a missão evangelizadora do tio e no referido livro buscou reforçar tudo o que havia descrito no livro Nosso Lar, inclusive na suposta estrutura urbana e política das "colônias espirituais" a partir da que dá nome ao famoso livro, inclusive com seis ministérios (!): da Encarnação, União Divina, Regeneração, Comunicação, Auxílio e Elevação.
A QUESTÃO DAS "CIDADES ESPIRITUAIS"
É bastante duvidoso que tais cidades realmente existam. Nada relativo a isso foi mencionado por Allan Kardec em suas obras. E nem mesmo se tem certeza que os chamados mundos superiores tenham realmente essa estrutura.
Portanto, isso é um grande mistério. O mundo espiritual é até hoje um enigma irresolúvel, o que fica ainda mais complicado diante do engodo que mistura misticismo ocultista, moralismo religioso e pseudo-ciência, que tomam o incerto como se fosse certo.
O que se pode inferir é que, se existem "cidades espirituais", pode ser de um estágio espiritual inferior, com espíritos ainda dotados de um fortíssimo materialismo, ainda pouco acostumados com a verdadeira vida espiritual. Mas mesmo a maneira como "forjam" virtualmente as "cidades espirituais" é ainda um grande mistério. Não seriam elas um "joguinho" compartilhado por espíritos afins?
A falta de estudos sérios, fora do ranço místico-religioso que corrompe as mais pretensiosas evocações à ciência no Espiritolicismo, faz com que a vida espiritual se torne um grande mistério. O que esperar do mundo espiritual? Nada, a rigor. O mistério continua sem solução, porque o dito "espiritismo" brasileiro não tem credibilidade científica para falar do "outro lado".
quarta-feira, 25 de junho de 2014
Que Pátria Espiritual é esta? Suposta mensagem de Renato Russo segue panfletarismo religioso
PARECE APARIÇÃO ESPIRITUAL DE RENATO RUSSO (DE ÓCULOS), MAS ELE ESTAVA VIVO E ATIVO NA ÉPOCA DESTE DISCO DA LEGIÃO URBANA, QUE PAÍS É ESTE? 1978-1987.
Não bastasse a luta que dois dos três remanescentes do grupo de rock Legião Urbana, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, para serem responsáveis pela marca e pelo espólio deixado pela extinta banda, os aproveitadores do Espiritolicismo também embarcam na carona do prestígio do finado vocalista Renato Russo.
O suposto médium Wilton Oliver, através do portal Luz Espírita, divulgou duas supostas mensagens do espírito Renato Russo, que teriam sido recebidas em 13 de junho de 2011, que destoam da personalidade do cantor, mesmo nos seus momentos mais sentimentais.
"O suposto Espírito disse em um momento estar perturbado pelo passado, falou-nos do seu despertar no plano espiritual, em perturbação de inicio, por conflitos íntimos e lembranças de dissabores colhidos na pele do famoso cantor e compositor", promete o texto publicado no portal, entendendo por "suposto" não da forma contestatória que adotamos.
As duas mensagens foram publicadas em forma de poemas, e embora sejam carregadas de lirismo, melancolia e uma certa coloquialidade, elas pouco têm do estilo poético conhecido pelo autor de letras conhecidas como "Faroeste Caboclo", "Será", "Tempo Perdido" e "Que País é Este?".
Uma delas estranhamente é uma letra de música, "Menos Ateu", numa postura bastante estranha de Renato Russo porque, independente dele ter sido religioso ou não - ele se inspirou, por exemplo, na carta de São Paulo aos Coríntios para compor alguns versos de "Monte Castelo" - , nunca iria fazer uma letra apelando para outros deixarem de ser ateus.
Aqui estão as duas letras. Uma é uma mensagem intitulada "Hoje Mais Que Ontem", outra a letra da suposta canção.
HOJE MAIS QUE ONTEM
Bom olhar o sol nascer
além das montanhas
e afastar a sombra pra lá de mim.
Bom ver o mar e o céu azul
num rosto amigo ver Jesus.
Bom saber que o amor está aqui.
Quantos segredos guardei
e poucas vezes perdoei.
Quantos erros esqueci de perdoar.
Eu poderia lamentar,
mas prefiro tentar outra vez.
Tudo se renova em espírito e verdade,
mais justiça,
enfim, mais amor em mim.
Vejo mais fraternidade,
não estamos sós,
na beleza do infinito eu estou aqui.
Acredite em mim,
simplesmente vivo.
Só a verdade me liberta.
Eu tenho sede,
eu tenho pressa,
eu acredito na promessa,
acredito nas palavras de amor e fé,
meu coração guarda as tuas palavras.
Não existe perigo,
tu estás comigo
e com meus irmãos.
MENOS ATEU
Eu só desejo a você o que for necessário
É o que desejo a você.
A primeira vez era só incompreensão
A gente não sabia, mas alguém falou da lei de amor
E nos mostrou então a salvação é caridade
E desde então escolhemos a verdade.
Olha, o sol já vem, já vem, já vem
Vem, vem somar o sorriso teu
Do primogênito ao derradeiro,
Somos todos filhos de Deus - Refrão
Eu só desejo a você o que for necessário
É o que desejo a você
Que a paciência que te falta hoje,
amanhã você possa ter
Que você possa plantar a felicidade
E você saiba doar tudo aquilo que se tem
Que você faça somente o bem
Olha, o sol já vem, outra vez já vem
Vamos brincar no quintal de Deus
Vamos ser mais honestos
Vamos ser menos ateus.
O que nasce do amor só pode ter bondade
Não acredito na imperfeição
Não acredito na maldade
Eu sei, temos nosso ninho
Mas, se vamos brincar no quintal de Deus
Vamos ser mais honestos
Vamos ser menos ateus.
"TIRAM TODAS AS MINHAS ARMAS. COMO POSSO ME DEFENDER?"
O subtítulo acima, extraído da letra de "O Reggae", gravada pela Legião Urbana em 1984, ilustra bem o caso de usurpar os espíritos falecidos para produzir pregações religiosas que tentam prevalecer até mesmo sobre a luz de qualquer desmascaramento, como se a caridade pudesse estar acima da ética.
Se na vida material o filho de Renato Russo, Giuliano Manfredini, com toda a afeição sincera que tem pelo pai, comete irregularidades nas homenagens feitas ao cantor, escalando até o arroz-de-festa Ivete Sangalo (que adora pegar carona em qualquer coisa para obter visibilidade), imagine os supostos representantes da espiritualidade do além?
O Espiritolicismo usou Renato Russo, nestas duas mensagens, para fazer proselitismo religioso, seja em "Hoje Mais Que Ontem", de claro teor panfletário, que investe nos clichês de "amor e fé", "fraternidade" e "amor próprio" que, em termos de expressão da personalidade de Renato Russo, soa bastante oca, vazia e improcedente.
Em outras palavras, "Hoje Mais Que Ontem" poderia ser feito por qualquer um, até por um compositor brega da espécie de um José Augusto, tão carregada de pieguice. Só não seria feita pelo próprio Renato Russo, que, mesmo na sua emotividade mais carregada, nunca escreveria um texto desses que nada diz a respeito de sua personalidade e estilo.
Mais grave ainda é o caso de "Menos Ateu", um título cuja expressão "ateu" remete, no sentido estrutural, não a uma música da Legião Urbana, mas a do Finis Africae ("Deus Ateu"), outro grupo de rock brasiliense, e cuja letra, além de evocar o mesmo panfletarismo religioso da outra mensagem, pede para que sejamos "menos ateus", algo que Renato Russo nunca iria pedir.
Ele respeitaria o ateísmo de outras pessoas. Nos últimos anos de vida, Renato Russo estava até cético, pouco inclinado a mergulhar numa viagem "místico-religiosa" que Wilton Oliver divulgou nas mensagens supostamente atribuídas ao cantor.
Tudo indica que os textos teriam sido escritos pelo próprio Oliver, que botou na "conta" de Renato Russo porque ele não está aí para se defender, e apenas "Menos Ateu" parece uma imitação "mais cuidada" da poética do cantor, sobretudo no verso "vamos brincar no quintal de Deus", mas isso em nada contribui para dar autenticidade à presumida autoria.
Pelo contrário. A imitação tem desses detalhes. Às vezes ela imita com perfeição alguns aspectos, embora seu caráter de fraude sempre apareça em outros aspectos mal imitados, já que a interferência de outra pessoa se passando por um artista ou mensageiro não substitui o trabalho original.
Toda falsificação tem por fim se passar por verdadeira. Mas ela, na sua intenção de copiar as caraterísticas da fonte original, só consegue acertar parcialmente na reprodução de seus elementos. Só que, como não se trata do próprio autor original, ela sempre falha em outros aspectos, e a fraude sempre aparece, mesmo nas mais habilidosas sutilezas.
No caso de Renato Russo, nem deu para convencer muito. Um poema oco, "Hoje Mais Que Ontem", que nada diz da personalidade do cantor, e outro, "Menos Ateu", que até tenta imitar o estilo de Renato, mas investe em um apelo que o falecido vocalista da Legião Urbana não faria, porque Renato respeitaria os ateus.
Portanto, para aqueles que não conhecem o Espiritismo e embarcam numa cilada dessas, no primeiro momento de desconfiança serão capazes de perguntar: "Que Pátria Espiritual é esta?", horrorizados com o panfletarismo religioso e com as mensagens toscas atribuídas aos falecidos, mensagens que têm mais pregação religiosa do que qualquer traço de personalidade dos autores a elas atribuídos.
Não bastasse a luta que dois dos três remanescentes do grupo de rock Legião Urbana, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, para serem responsáveis pela marca e pelo espólio deixado pela extinta banda, os aproveitadores do Espiritolicismo também embarcam na carona do prestígio do finado vocalista Renato Russo.
O suposto médium Wilton Oliver, através do portal Luz Espírita, divulgou duas supostas mensagens do espírito Renato Russo, que teriam sido recebidas em 13 de junho de 2011, que destoam da personalidade do cantor, mesmo nos seus momentos mais sentimentais.
"O suposto Espírito disse em um momento estar perturbado pelo passado, falou-nos do seu despertar no plano espiritual, em perturbação de inicio, por conflitos íntimos e lembranças de dissabores colhidos na pele do famoso cantor e compositor", promete o texto publicado no portal, entendendo por "suposto" não da forma contestatória que adotamos.
As duas mensagens foram publicadas em forma de poemas, e embora sejam carregadas de lirismo, melancolia e uma certa coloquialidade, elas pouco têm do estilo poético conhecido pelo autor de letras conhecidas como "Faroeste Caboclo", "Será", "Tempo Perdido" e "Que País é Este?".
Uma delas estranhamente é uma letra de música, "Menos Ateu", numa postura bastante estranha de Renato Russo porque, independente dele ter sido religioso ou não - ele se inspirou, por exemplo, na carta de São Paulo aos Coríntios para compor alguns versos de "Monte Castelo" - , nunca iria fazer uma letra apelando para outros deixarem de ser ateus.
Aqui estão as duas letras. Uma é uma mensagem intitulada "Hoje Mais Que Ontem", outra a letra da suposta canção.
HOJE MAIS QUE ONTEM
Bom olhar o sol nascer
além das montanhas
e afastar a sombra pra lá de mim.
Bom ver o mar e o céu azul
num rosto amigo ver Jesus.
Bom saber que o amor está aqui.
Quantos segredos guardei
e poucas vezes perdoei.
Quantos erros esqueci de perdoar.
Eu poderia lamentar,
mas prefiro tentar outra vez.
Tudo se renova em espírito e verdade,
mais justiça,
enfim, mais amor em mim.
Vejo mais fraternidade,
não estamos sós,
na beleza do infinito eu estou aqui.
Acredite em mim,
simplesmente vivo.
Só a verdade me liberta.
Eu tenho sede,
eu tenho pressa,
eu acredito na promessa,
acredito nas palavras de amor e fé,
meu coração guarda as tuas palavras.
Não existe perigo,
tu estás comigo
e com meus irmãos.
MENOS ATEU
Eu só desejo a você o que for necessário
É o que desejo a você.
A primeira vez era só incompreensão
A gente não sabia, mas alguém falou da lei de amor
E nos mostrou então a salvação é caridade
E desde então escolhemos a verdade.
Olha, o sol já vem, já vem, já vem
Vem, vem somar o sorriso teu
Do primogênito ao derradeiro,
Somos todos filhos de Deus - Refrão
Eu só desejo a você o que for necessário
É o que desejo a você
Que a paciência que te falta hoje,
amanhã você possa ter
Que você possa plantar a felicidade
E você saiba doar tudo aquilo que se tem
Que você faça somente o bem
Olha, o sol já vem, outra vez já vem
Vamos brincar no quintal de Deus
Vamos ser mais honestos
Vamos ser menos ateus.
O que nasce do amor só pode ter bondade
Não acredito na imperfeição
Não acredito na maldade
Eu sei, temos nosso ninho
Mas, se vamos brincar no quintal de Deus
Vamos ser mais honestos
Vamos ser menos ateus.
"TIRAM TODAS AS MINHAS ARMAS. COMO POSSO ME DEFENDER?"
O subtítulo acima, extraído da letra de "O Reggae", gravada pela Legião Urbana em 1984, ilustra bem o caso de usurpar os espíritos falecidos para produzir pregações religiosas que tentam prevalecer até mesmo sobre a luz de qualquer desmascaramento, como se a caridade pudesse estar acima da ética.
Se na vida material o filho de Renato Russo, Giuliano Manfredini, com toda a afeição sincera que tem pelo pai, comete irregularidades nas homenagens feitas ao cantor, escalando até o arroz-de-festa Ivete Sangalo (que adora pegar carona em qualquer coisa para obter visibilidade), imagine os supostos representantes da espiritualidade do além?
O Espiritolicismo usou Renato Russo, nestas duas mensagens, para fazer proselitismo religioso, seja em "Hoje Mais Que Ontem", de claro teor panfletário, que investe nos clichês de "amor e fé", "fraternidade" e "amor próprio" que, em termos de expressão da personalidade de Renato Russo, soa bastante oca, vazia e improcedente.
Em outras palavras, "Hoje Mais Que Ontem" poderia ser feito por qualquer um, até por um compositor brega da espécie de um José Augusto, tão carregada de pieguice. Só não seria feita pelo próprio Renato Russo, que, mesmo na sua emotividade mais carregada, nunca escreveria um texto desses que nada diz a respeito de sua personalidade e estilo.
Mais grave ainda é o caso de "Menos Ateu", um título cuja expressão "ateu" remete, no sentido estrutural, não a uma música da Legião Urbana, mas a do Finis Africae ("Deus Ateu"), outro grupo de rock brasiliense, e cuja letra, além de evocar o mesmo panfletarismo religioso da outra mensagem, pede para que sejamos "menos ateus", algo que Renato Russo nunca iria pedir.
Ele respeitaria o ateísmo de outras pessoas. Nos últimos anos de vida, Renato Russo estava até cético, pouco inclinado a mergulhar numa viagem "místico-religiosa" que Wilton Oliver divulgou nas mensagens supostamente atribuídas ao cantor.
Tudo indica que os textos teriam sido escritos pelo próprio Oliver, que botou na "conta" de Renato Russo porque ele não está aí para se defender, e apenas "Menos Ateu" parece uma imitação "mais cuidada" da poética do cantor, sobretudo no verso "vamos brincar no quintal de Deus", mas isso em nada contribui para dar autenticidade à presumida autoria.
Pelo contrário. A imitação tem desses detalhes. Às vezes ela imita com perfeição alguns aspectos, embora seu caráter de fraude sempre apareça em outros aspectos mal imitados, já que a interferência de outra pessoa se passando por um artista ou mensageiro não substitui o trabalho original.
Toda falsificação tem por fim se passar por verdadeira. Mas ela, na sua intenção de copiar as caraterísticas da fonte original, só consegue acertar parcialmente na reprodução de seus elementos. Só que, como não se trata do próprio autor original, ela sempre falha em outros aspectos, e a fraude sempre aparece, mesmo nas mais habilidosas sutilezas.
No caso de Renato Russo, nem deu para convencer muito. Um poema oco, "Hoje Mais Que Ontem", que nada diz da personalidade do cantor, e outro, "Menos Ateu", que até tenta imitar o estilo de Renato, mas investe em um apelo que o falecido vocalista da Legião Urbana não faria, porque Renato respeitaria os ateus.
Portanto, para aqueles que não conhecem o Espiritismo e embarcam numa cilada dessas, no primeiro momento de desconfiança serão capazes de perguntar: "Que Pátria Espiritual é esta?", horrorizados com o panfletarismo religioso e com as mensagens toscas atribuídas aos falecidos, mensagens que têm mais pregação religiosa do que qualquer traço de personalidade dos autores a elas atribuídos.
terça-feira, 24 de junho de 2014
New York Times havia escrito texto sobre falsificação de pinturas
NO BRASIL, CÂNDIDO PORTINARI É UM DOS PINTORES MAIS ATINGIDOS PELA FALSIFICAÇÃO. JOSÉ MEDRADO É APENAS UM EXEMPLO MAIS TOSCO.
Pode ser uma simples coincidência. Mas o New York Times, numa época próxima a quando este blogue publicou textos sobre a falsificação de pinturas a pretexto da mediunidade, havia publicado uma reportagem sobre o silêncio que é marcado no mercado de artes plásticas quanto ao comércio de obras falsificadas.
Sim, porque se preocupa bastante o silêncio que existe em torno de obras falsificadas, atribuídas supostamente a espíritos de pintores famosos falecidos, tudo a pretexto da "caridade" e da "assistência aos necessitados", da mesma forma é gravíssima a pouca preocupação em combater a falsificação e o comércio dessas obras.
A reportagem do New York Times, de autoria de Patricia Cohen e intitulada "Selling a Fake Painting Takes More Than a Good Artist" - que a Folha de São Paulo traduziu sob o título "Silêncio no mercado contribui para falsificação de pinturas" - , foi publicada no dia 02 de maio último, quando já começávamos a questionar as pinturas ditas "mediúnicas" de José Medrado.
Segundo a reportagem, o escândalo do mercado de falsificação, incluindo a conivência de especialistas, se deu a partir da prisão de dois irmãos espanhóis envolvidos na comercialização de obras falsas como se fossem originais, que revelou um esquema que existe há cerca de 15 anos e desmoralizou a antes conceituada Knoedler & Company, a mais antiga galeria de artes de Nova York.
De acordo com documentos judiciais relacionados com o caso, esse ambicioso esquema de corrupção se desenvolve não apenas por uma operação conjunta ou imitadores talentosos, mas também pelo apoio de especialistas que deem credibilidade a essas falsificações.
Esses especialistas foram pagos pela galeria para legitimar tais obras. Mas a coisa não ficou por aí. Outros especialistas, que identificavam a falsidade dessas obras eram pressionados para não darem qualquer opinião, sob pena de serem processados.
O problema não é novo. Segundo o professor Stephen Urice, da Faculdade de Direito da Universidade de Miami, nos EUA, esquemas como este acontecem há muitas décadas, e citou um despacho judicial de um escândalo que derrubou a reputação de especialistas em obras de arte, em 1978.
No caso da Knoedler & Company, o escândalo envolveu os irmãos José Carlos e Jesus Angel Bergantiños Diaz, que depois de presos foram soltos sob fiança, a marchand de Long Island Glafira Rosales e o imitador Pen-Sien Qian. Somente Glafira (namorada de José Carlos) foi condenada, declarando-se culpada de fraude no fim de 2013.
Por sua vez, a ex-presidente da Knoedler, Ann Freedman e Julian Weissman, especialista em obras de arte, que estavam envolvidos na comercialização das obras, continuaram declarando que acreditavam na veracidade das mesmas.
Jack Flam, presidente da Fundação Dedalus, instituição fundada em 1981 por Robert Motherwell (1915-1991), um dos pintores cujas obras foram falsificadas sob o respaldo da Knoedler (outros foram Jackson Pollock e Mark Rothko), foi um dos que desconfiaram das fraudes nas obras comercializadas por Rosales e denunciou o esquema de silêncio entre os especialistas.
"Se você me pergunta quais são os maiores fatores por trás de algo que aconteceu durante muito tempo, digo em primeiro lugar que todos têm medo de serem processados. Pessoas dão credibilidade a esses trabalhos inadvertidamente mantendo o silêncio", disse Flam.
Coleções pessoais são montadas com várias dessas obras falsificadas e vários colecionadores nem têm ideia dessas falsificações, porque, além do próprio acervo, de obras verdadeiras ou falsas, galerias como a Knoedler intermediam a venda de obras de outras galerias.
BRASILEIROS
No caso do Brasil, o pintor mais atingido pelas falsificações de obras é Cândido Portinari, com 672 falsificações identificadas em 2010. Depois dele, Tarsila do Amaral, Alfredo Volpi e Eliseu Visconti estão entre os autores com obras falsificadas.
Mas, do contrário que no exterior, muitas dessas obras pecam pela falta de sutileza nas imitações, sendo reproduções de baixa qualidade, dotadas de falhas bastante grotescas. Há falta de perspectivas e de proporções nos desenhos copiados, e mesmo assim várias dessas obras são tidas como "verdadeiras", estando em circulação no mercado de obras de arte.
Portinari e Tarsila estão entre os pintores supostamente psicografados por José Medrado e outros médiuns ou ditos médiuns. Mesmo quando são obras inéditas, que não reproduzem obras originais publicadas em vida, a falsidade ideológica confrontada com aspectos estilísticos dos trabalhos originais já é uma fraude, se equiparando às imitações feitas por falsários.
Isso porque de uma certa forma ocorre a fraude, uma vez que é, em todo caso, um trabalho de terceiros que se passam pelos pintores originais falecidos, supostamente enviados para o trabalho espiritual. Se são trabalhos inéditos ou reprodução de obras originais - o São Francisco de Assis do "Portinari" de José Medrado é um exemplo, e por sinal tosco e malfeito - , a falsidade ocorre de qualquer maneira.
Os especialistas já começam a se preocupar com esse mercado movido pela impunidade. Sejam as falsificações feitas no contexto da vida terrena, sejam aquelas cometidas sob o verniz da "espiritualidade" e sob o pretexto da "caridade". De todo modo, são crimes e merecem a atenção de juristas e advogados, para que se elaborem leis que prevejam condenações justas a esses crimes.
Pode ser uma simples coincidência. Mas o New York Times, numa época próxima a quando este blogue publicou textos sobre a falsificação de pinturas a pretexto da mediunidade, havia publicado uma reportagem sobre o silêncio que é marcado no mercado de artes plásticas quanto ao comércio de obras falsificadas.
Sim, porque se preocupa bastante o silêncio que existe em torno de obras falsificadas, atribuídas supostamente a espíritos de pintores famosos falecidos, tudo a pretexto da "caridade" e da "assistência aos necessitados", da mesma forma é gravíssima a pouca preocupação em combater a falsificação e o comércio dessas obras.
A reportagem do New York Times, de autoria de Patricia Cohen e intitulada "Selling a Fake Painting Takes More Than a Good Artist" - que a Folha de São Paulo traduziu sob o título "Silêncio no mercado contribui para falsificação de pinturas" - , foi publicada no dia 02 de maio último, quando já começávamos a questionar as pinturas ditas "mediúnicas" de José Medrado.
Segundo a reportagem, o escândalo do mercado de falsificação, incluindo a conivência de especialistas, se deu a partir da prisão de dois irmãos espanhóis envolvidos na comercialização de obras falsas como se fossem originais, que revelou um esquema que existe há cerca de 15 anos e desmoralizou a antes conceituada Knoedler & Company, a mais antiga galeria de artes de Nova York.
De acordo com documentos judiciais relacionados com o caso, esse ambicioso esquema de corrupção se desenvolve não apenas por uma operação conjunta ou imitadores talentosos, mas também pelo apoio de especialistas que deem credibilidade a essas falsificações.
Esses especialistas foram pagos pela galeria para legitimar tais obras. Mas a coisa não ficou por aí. Outros especialistas, que identificavam a falsidade dessas obras eram pressionados para não darem qualquer opinião, sob pena de serem processados.
O problema não é novo. Segundo o professor Stephen Urice, da Faculdade de Direito da Universidade de Miami, nos EUA, esquemas como este acontecem há muitas décadas, e citou um despacho judicial de um escândalo que derrubou a reputação de especialistas em obras de arte, em 1978.
No caso da Knoedler & Company, o escândalo envolveu os irmãos José Carlos e Jesus Angel Bergantiños Diaz, que depois de presos foram soltos sob fiança, a marchand de Long Island Glafira Rosales e o imitador Pen-Sien Qian. Somente Glafira (namorada de José Carlos) foi condenada, declarando-se culpada de fraude no fim de 2013.
Por sua vez, a ex-presidente da Knoedler, Ann Freedman e Julian Weissman, especialista em obras de arte, que estavam envolvidos na comercialização das obras, continuaram declarando que acreditavam na veracidade das mesmas.
Jack Flam, presidente da Fundação Dedalus, instituição fundada em 1981 por Robert Motherwell (1915-1991), um dos pintores cujas obras foram falsificadas sob o respaldo da Knoedler (outros foram Jackson Pollock e Mark Rothko), foi um dos que desconfiaram das fraudes nas obras comercializadas por Rosales e denunciou o esquema de silêncio entre os especialistas.
"Se você me pergunta quais são os maiores fatores por trás de algo que aconteceu durante muito tempo, digo em primeiro lugar que todos têm medo de serem processados. Pessoas dão credibilidade a esses trabalhos inadvertidamente mantendo o silêncio", disse Flam.
Coleções pessoais são montadas com várias dessas obras falsificadas e vários colecionadores nem têm ideia dessas falsificações, porque, além do próprio acervo, de obras verdadeiras ou falsas, galerias como a Knoedler intermediam a venda de obras de outras galerias.
BRASILEIROS
No caso do Brasil, o pintor mais atingido pelas falsificações de obras é Cândido Portinari, com 672 falsificações identificadas em 2010. Depois dele, Tarsila do Amaral, Alfredo Volpi e Eliseu Visconti estão entre os autores com obras falsificadas.
Mas, do contrário que no exterior, muitas dessas obras pecam pela falta de sutileza nas imitações, sendo reproduções de baixa qualidade, dotadas de falhas bastante grotescas. Há falta de perspectivas e de proporções nos desenhos copiados, e mesmo assim várias dessas obras são tidas como "verdadeiras", estando em circulação no mercado de obras de arte.
Portinari e Tarsila estão entre os pintores supostamente psicografados por José Medrado e outros médiuns ou ditos médiuns. Mesmo quando são obras inéditas, que não reproduzem obras originais publicadas em vida, a falsidade ideológica confrontada com aspectos estilísticos dos trabalhos originais já é uma fraude, se equiparando às imitações feitas por falsários.
Isso porque de uma certa forma ocorre a fraude, uma vez que é, em todo caso, um trabalho de terceiros que se passam pelos pintores originais falecidos, supostamente enviados para o trabalho espiritual. Se são trabalhos inéditos ou reprodução de obras originais - o São Francisco de Assis do "Portinari" de José Medrado é um exemplo, e por sinal tosco e malfeito - , a falsidade ocorre de qualquer maneira.
Os especialistas já começam a se preocupar com esse mercado movido pela impunidade. Sejam as falsificações feitas no contexto da vida terrena, sejam aquelas cometidas sob o verniz da "espiritualidade" e sob o pretexto da "caridade". De todo modo, são crimes e merecem a atenção de juristas e advogados, para que se elaborem leis que prevejam condenações justas a esses crimes.
segunda-feira, 23 de junho de 2014
A Justiça não pode ser conivente com a fraude espiritólica
Escrevemos aqui que as "palavras de amor" não podem servir de pretexto para todo tipo de fraude usada sob o pretexto da "atividade espírita". A impunidade também torna-se injusta mesmo quando atos fraudulentos e mentirosos são utilizados em pretensa finalidade filantrópica, mesmo quando tudo parece cheio de "boas energias" e "muito amor".
A justiça dos homens pode ser cheia de falhas, e mesmo as leis encontram brechas que mais favorecem injustiças do que as eliminam. Mesmo assim, poderia haver um esforço para combater a fraude, mesmo usada sob o verniz da "fé religiosa", porque a liberdade religiosa é respeitável e digna, desde que ela não sirva de estímulo para fraudes que se protegem sob dogmas e outras alegações.
É verdade que o tema da espiritualidade é algo novo. Tão novo que, há exatos 70 anos atrás, a ação judicial que os herdeiros de Humberto de Campos moveram contra Chico Xavier, que havia usado o nome do falecido escritor como suposta autoria espiritual de seus livros terminou em empate.
Só que o empate acabou rendendo pontos ao anti-médium mineiro. O juiz na época do processo desconhecia a problemática dos direitos autorais em obras do além, elas só valiam em relação ao que eles produziram em vida. E mesmo as leis também não previam qualquer caso desse tipo.
Com isso, nada foi provado na época contra Chico Xavier e tudo ficou como se nada tivesse acontecido, embora os familiares tivessem recorrido algumas vezes, a ponto do suposto espírito de Humberto de Campos ter mudado seu nome para "Irmão X".
Só que isso não é desculpa para que usemos a caridade para justificar qualquer fraude, qualquer abuso cometido sob o manto do "espiritismo". Os advogados e juízes deveriam mesmo enfrentar a situação e se confrontar até mesmo com figurões "tarimbados" do dito "espiritismo" brasileiro, sem temer derrubar reputações ou mesmo comprometer ações filantrópicas.
Isso porque a desonestidade e a fraude não podem estar acima da caridade. Sacrificar a honestidade e a transparência em nome da "ajuda ao próximo" em nada contribui para a realização da verdadeira caridade, antes fosse um agravante em que a mentira se torna deplorável a cada tentativa de se passar por verdade tida como indiscutível.
Basta deixarmos isso para lá e "acreditarmos" na função "caridosa" de uma fraude "espírita"? De uma pintura, obra literária ou musical ou uma mensagem produzidas supostamente do além que destoam das caraterísticas pessoais do que os falecidos eram em vida? Usar como desculpas um suposto "nervosismo" ou outras alegações absurdas para dar veracidade a essas mentiras "astrais"?
Acreditar nessas manifestações duvidosas não é dar-lhes confiabilidade. Essas obras que destoam das caraterísticas pessoais dos falecidos, ainda que por meio de aspectos sutis, não se tornam mais confiáveis pelo consentimento. Se acreditamos nelas, não lhes damos confiabilidade, mas credulidade, por mais que muitos de nós aleguem veracidade e tantas outras desculpas "bonitas".
130 ANOS DE FRAUDES, MENTIRAS E DETURPAÇÕES
A Justiça, com "j" maiúsculo, como instituição para regular os desequilíbrios e conflitos na sociedade moderna, não deve ficar indiferente às fraudes que acontecem sob o rótulo de "espíritas", e que tantas mágoas causam, provavelmente, aos espíritos do além, que são impedidos de se comunicar conosco de uma forma ou de outra, porque outros se passam por eles e fica por isso mesmo.
O "espiritismo" brasileiro realizou 130 anos de fraudes, mentiras, deturpações sérias, a tal ponto que a mediunidade feita no Brasil é uma prática quase que totalmente desmoralizada, em que a irregularidade se tornou a regra.
Qualquer um que tenha popularidade num amplo círculo social pode usar o nome de um falecido, copiar superficialmente suas caraterísticas e informações e mandar uma mensagem de pregação religiosa, e, infelizmente, muitos acreditam e o farsante acaba ficando impune pelo resto da vida. Mesmo as piores mentiras, neste sentido, conseguem passar incólumes durante décadas.
Por isso, seria melhor avaliarmos as fraudes "espíritas" e buscarmos apoio da Justiça. A coisa está séria. Os falecidos são impedidos de se comunicar conosco, porque outros "o fazem por eles", e por isso se afastam, constrangidos e envergonhados diante de processos descontrolados aqui feitos.
Isso é tão ruim quanto o que se faz na Terra. Recentemente, quatro jovens em Niterói foram assaltados durante a noite e os ladrões, se passando pelas vítimas, mandaram mensagens ofensivas no Facebook através dos celulares roubados.
Mas mesmo as mensagens "espirituais" sendo "amorosas" e "cheias de caridade" não escapam desse processo mesquinho e traiçoeiro. É uma forma de enganação, tão ruim quanto despejar ofensas usando o nome de alguém, apenas se muda o método criminoso.
Há até um agravante óbvio. Se o ato dos assaltantes com os celulares das vítimas é uma maldade, pelo menos ela é fácil de se reconhecer. Mas a farsa que se apoia no pretexto da espiritualidade é mais grave no sentido de ser uma crueldade que se impõe como "caridade", como se fosse um "ato de amor", enquanto impostores se beneficiam diante dessa retórica "bondosa" e "dócil".
É preciso que se faça alguma coisa, porque não somente as lições de Allan Kardec foram seriamente prejudicadas com 130 anos de deturpações, mas é a verdadeira caridade com os espíritos do além que é ameaçada, com esse espetáculo da falsidade ideológica apoiado pela impunidade que é lamentavelmente um aspecto típico em nosso país.
Convém combater tudo isso, sem temer derrubar reputações, até porque não se deve zelar por prestígios conquistados às custas da mentira e da falsidade, mesmo usada "em favor do próximo".
domingo, 22 de junho de 2014
A mediunidade e seus limites praticados no Brasil
LIVRO PARNASO DE ALÉM-TÚMULO É UM EXEMPLO DE OBRA QUE PODE NÃO TER SIDO PSICOGRAFADA.
Pode ocorrer mediunidade a todo momento? Dependendo da pessoa, sim. E a mediunidade se manifesta sempre com eficácia? Talvez, se depender da pessoa. Mas, embora sejam coisas possíveis, há o outro lado também do dom mediúnico, que parece bem sucedido num momento, falhar em outro.
Observamos dois dos principais astros do "espiritismo" brasileiro, Chico Xavier e Divaldo Franco. Os dois são famosos por terem desenvolvido, pelo menos aparentemente, o dom de se comunicarem com espíritos falecidos. Pode ser, e é muito provável que sim, que eles tenham esse dom, mas por suas naturezas pessoais, eles nem sempre se manifestaram como se supôs tiverem sido.
Quanto a Chico Xavier, é notório que uma parte, ainda não devidamente estimada, dos livros tidos como psicografados não tenha sofrido esse processo e, muito provavelmente, não tiveram sequer a sua participação.
Primeiro, porque era impossível que Chico, com seus muitos compromissos de receber as pessoas, dar entrevistas e ir a eventos diversos, tivesse rigorosamente escrito todos os livros num curtíssimo prazo de tempo. Alguns desses livros podem ter sido escritos por outrem e Chico apenas contribuiu emprestando seu nome a eles, como em muitos livros de auto-ajuda.
Quem sabe o que é o trabalho de um escritor, percebe que mesmo um livro de 90 páginas não se faz num relampejo. E isso quando alguém se sobrecarrega de compromissos, contatos, viajando aqui e ali. Se um livro de 250 páginas leva, em média, cinco meses para ser escrito, isso equivaleria a 1,6 página por dia, se o trabalho fosse rigorosamente em dias consecutivos, e dificilmente é.
Segundo, por causa das irregularidades observadas nas obras "espíritas", que apresentam contradições nas mensagens e obras espirituais atribuídas aos falecidos ao que eles fizeram ou representaram em vida.
Exemplos disso são os livros Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, atribuído ao espírito do escritor Humberto de Campos, e Parnaso de Além-Túmulo, atribuído aos espíritos de diversos poetas e prosadores, não necessariamente ligados ao Parnasianismo brasileiro.
Os dois livros não teriam sido feitos pelos espíritos a eles atribuídos. Isso é quase certo, faltando uma comprovação oficial científica, que ainda não foi feita. Mas tudo indica que não foi, uma vez que Humberto de Campos não teria escrito um livro fantasioso e poetas como Casimiro de Abreu e Olavo Bilac não aparecem com suas caraterísticas estilísticas precisas nos poemas a eles atribuídos.
Houve até mesmo denúncia de que Chico Xavier teria trocado os estilos de Augusto dos Anjos com o de Antero de Quental, conforme analisaram especialistas literários. E, mais tarde, um sobrinho denunciou dizendo que foi ele que escreveu os poemas "espirituais" publicados aos poucos, de 1932 até 1955, quando saiu a edição definitiva do livro.
Chico também é acusado de plagiar obras - em Brasil, Coração do Mundo... ele teria plagiado até o livro humorístico de Humberto, O Brasil Anedótico - , acusação que também foi dada contra Divaldo Franco, o que põe a atividade mediúnica em xeque. Mas por que será?
Eles não são médiuns? São, mas eles, além de serem médiuns anti-médiuns, porque não são os intermediários das comunicações espirituais - comparados aos discretíssimos médiuns consultados por Allan Kardec, Chico e Divaldo são meros popstars - , a mediunidade deles, até pelas suas fraquezas pessoais notórias, não raro falhavam em muitos instantes.
A concentração falhava, e muitas vezes havia até mesmo o "animismo", a "mediunidade de si mesmo", ou a simples questão da imaginação fértil e alucinada que pensa ser mediunidade. Juntando esses lapsos com as falhas pessoais, a vontade de plagiar, de enganar e se aproveitar da boa-fé dos incautos, então a coisa fica muito séria.
Em muitos momentos, falta aquela receptividade espiritual que muitos atribuem ser uma constante em Chico e Divaldo, mas que "desaparece" nos momentos mais necessários. Tomados de paixões materiais, os dois católicos "dissidentes" no Espiritolicismo só conseguem receber seus respectivos "mentores" espirituais, autoritários a ponto de intimidar a chegada de outros espíritos aos médiuns.
Sim, é como se, por exemplo, estivermos diante da entrada de uma boate e lá está o "leão-de-chácara", espécie de guarda ou porteiro considerado de perfil bastante agressivo e ameaçador. Se a presença dele intimida as pessoas, pela ameaça que sua força física representa, não chegaremos à boate para curtirmos os embalos noturnos, certo?
É talvez o caso de Divaldo e Chico, tomados pela prepotência dos católicos Joana de Angelis (que pode não ter sido Joana Angélica) e Emmanuel (que, em contrapartida, pode ter sido mesmo o neo-medieval Padre Manoel da Nóbrega), que nem sempre puderam ou mesmo quiseram exercer a mediunidade de forma constante e responsável.
Chegaram momentos em que eles não tinham concentração alguma para receber outros espíritos. É possível que se sentiam frustrados com isso, ou talvez aliviados, se a mediunidade lhes significa mais trabalho e compromissos. Mas, em nome do sensacionalismo religioso, tinham que dar a impressão de que recebiam todos os falecidos do mundo inteiro 24 horas por dia, sete dias por semana.
Falam que até Marilyn Monroe mandou recado para Chico Xavier. Nada disso. No livro Estantes da Vida, a suposta entrevista com Marilyn pode ter sido apenas um devaneio sensual de Chico que, como tantos que conheceram a atriz em seu auge, ficaram tristes com seu falecimento prematuro.
Imagine então outros médiuns ou supostos médiuns, com mania de receber qualquer um que lhe vier à cabeça, mas dotados de uma mediunidade ainda mais frágil e inconstante, divulgarem mensagens duvidosas que pelo seu caráter irregular - como apresentar caraterísticas que contradizem aspectos pessoais dos espíritos atribuídos a tais mensagens - já denunciam não serem mediunidade alguma.
No entanto, o "espiritismo" brasileiro, com seu provincianismo, com sua religiosidade anacrônica e seu moralismo retrógrado, com sua credibilidade bastante duvidosa, não iria atrair o mundo para si, e nem os espíritos do além se interessariam a chegar a ele, sequer pela porta dos fundos.
A imaginação fértil que "socorre" diante dos lapsos de mediunidade, a invigilância no caráter, as paixões pessoais por prestígio e visibilidade os descuidos com o dom mediúnico fazem com que o trabalho espiritualista, mesmo da parte de gente badalada como Chico Xavier e Divaldo Franco, se torne bastante irregular.
Era esse perigo que Allan Kardec já alertou em seus livros. A disciplina do dom mediúnico não foi exercida no Brasil, o que permitiu ao desenvolvimento, no país, de um "espiritismo" caricato, frouxo, excessivamente místico e moralista, que praticamente nada contribuiu para o advento de uma nova espiritualidade, antes às muitas fraudes e falhas graves cometidas.
Pode ocorrer mediunidade a todo momento? Dependendo da pessoa, sim. E a mediunidade se manifesta sempre com eficácia? Talvez, se depender da pessoa. Mas, embora sejam coisas possíveis, há o outro lado também do dom mediúnico, que parece bem sucedido num momento, falhar em outro.
Observamos dois dos principais astros do "espiritismo" brasileiro, Chico Xavier e Divaldo Franco. Os dois são famosos por terem desenvolvido, pelo menos aparentemente, o dom de se comunicarem com espíritos falecidos. Pode ser, e é muito provável que sim, que eles tenham esse dom, mas por suas naturezas pessoais, eles nem sempre se manifestaram como se supôs tiverem sido.
Quanto a Chico Xavier, é notório que uma parte, ainda não devidamente estimada, dos livros tidos como psicografados não tenha sofrido esse processo e, muito provavelmente, não tiveram sequer a sua participação.
Primeiro, porque era impossível que Chico, com seus muitos compromissos de receber as pessoas, dar entrevistas e ir a eventos diversos, tivesse rigorosamente escrito todos os livros num curtíssimo prazo de tempo. Alguns desses livros podem ter sido escritos por outrem e Chico apenas contribuiu emprestando seu nome a eles, como em muitos livros de auto-ajuda.
Quem sabe o que é o trabalho de um escritor, percebe que mesmo um livro de 90 páginas não se faz num relampejo. E isso quando alguém se sobrecarrega de compromissos, contatos, viajando aqui e ali. Se um livro de 250 páginas leva, em média, cinco meses para ser escrito, isso equivaleria a 1,6 página por dia, se o trabalho fosse rigorosamente em dias consecutivos, e dificilmente é.
Segundo, por causa das irregularidades observadas nas obras "espíritas", que apresentam contradições nas mensagens e obras espirituais atribuídas aos falecidos ao que eles fizeram ou representaram em vida.
Exemplos disso são os livros Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, atribuído ao espírito do escritor Humberto de Campos, e Parnaso de Além-Túmulo, atribuído aos espíritos de diversos poetas e prosadores, não necessariamente ligados ao Parnasianismo brasileiro.
Os dois livros não teriam sido feitos pelos espíritos a eles atribuídos. Isso é quase certo, faltando uma comprovação oficial científica, que ainda não foi feita. Mas tudo indica que não foi, uma vez que Humberto de Campos não teria escrito um livro fantasioso e poetas como Casimiro de Abreu e Olavo Bilac não aparecem com suas caraterísticas estilísticas precisas nos poemas a eles atribuídos.
Houve até mesmo denúncia de que Chico Xavier teria trocado os estilos de Augusto dos Anjos com o de Antero de Quental, conforme analisaram especialistas literários. E, mais tarde, um sobrinho denunciou dizendo que foi ele que escreveu os poemas "espirituais" publicados aos poucos, de 1932 até 1955, quando saiu a edição definitiva do livro.
Chico também é acusado de plagiar obras - em Brasil, Coração do Mundo... ele teria plagiado até o livro humorístico de Humberto, O Brasil Anedótico - , acusação que também foi dada contra Divaldo Franco, o que põe a atividade mediúnica em xeque. Mas por que será?
Eles não são médiuns? São, mas eles, além de serem médiuns anti-médiuns, porque não são os intermediários das comunicações espirituais - comparados aos discretíssimos médiuns consultados por Allan Kardec, Chico e Divaldo são meros popstars - , a mediunidade deles, até pelas suas fraquezas pessoais notórias, não raro falhavam em muitos instantes.
A concentração falhava, e muitas vezes havia até mesmo o "animismo", a "mediunidade de si mesmo", ou a simples questão da imaginação fértil e alucinada que pensa ser mediunidade. Juntando esses lapsos com as falhas pessoais, a vontade de plagiar, de enganar e se aproveitar da boa-fé dos incautos, então a coisa fica muito séria.
Em muitos momentos, falta aquela receptividade espiritual que muitos atribuem ser uma constante em Chico e Divaldo, mas que "desaparece" nos momentos mais necessários. Tomados de paixões materiais, os dois católicos "dissidentes" no Espiritolicismo só conseguem receber seus respectivos "mentores" espirituais, autoritários a ponto de intimidar a chegada de outros espíritos aos médiuns.
Sim, é como se, por exemplo, estivermos diante da entrada de uma boate e lá está o "leão-de-chácara", espécie de guarda ou porteiro considerado de perfil bastante agressivo e ameaçador. Se a presença dele intimida as pessoas, pela ameaça que sua força física representa, não chegaremos à boate para curtirmos os embalos noturnos, certo?
É talvez o caso de Divaldo e Chico, tomados pela prepotência dos católicos Joana de Angelis (que pode não ter sido Joana Angélica) e Emmanuel (que, em contrapartida, pode ter sido mesmo o neo-medieval Padre Manoel da Nóbrega), que nem sempre puderam ou mesmo quiseram exercer a mediunidade de forma constante e responsável.
Chegaram momentos em que eles não tinham concentração alguma para receber outros espíritos. É possível que se sentiam frustrados com isso, ou talvez aliviados, se a mediunidade lhes significa mais trabalho e compromissos. Mas, em nome do sensacionalismo religioso, tinham que dar a impressão de que recebiam todos os falecidos do mundo inteiro 24 horas por dia, sete dias por semana.
Falam que até Marilyn Monroe mandou recado para Chico Xavier. Nada disso. No livro Estantes da Vida, a suposta entrevista com Marilyn pode ter sido apenas um devaneio sensual de Chico que, como tantos que conheceram a atriz em seu auge, ficaram tristes com seu falecimento prematuro.
Imagine então outros médiuns ou supostos médiuns, com mania de receber qualquer um que lhe vier à cabeça, mas dotados de uma mediunidade ainda mais frágil e inconstante, divulgarem mensagens duvidosas que pelo seu caráter irregular - como apresentar caraterísticas que contradizem aspectos pessoais dos espíritos atribuídos a tais mensagens - já denunciam não serem mediunidade alguma.
No entanto, o "espiritismo" brasileiro, com seu provincianismo, com sua religiosidade anacrônica e seu moralismo retrógrado, com sua credibilidade bastante duvidosa, não iria atrair o mundo para si, e nem os espíritos do além se interessariam a chegar a ele, sequer pela porta dos fundos.
A imaginação fértil que "socorre" diante dos lapsos de mediunidade, a invigilância no caráter, as paixões pessoais por prestígio e visibilidade os descuidos com o dom mediúnico fazem com que o trabalho espiritualista, mesmo da parte de gente badalada como Chico Xavier e Divaldo Franco, se torne bastante irregular.
Era esse perigo que Allan Kardec já alertou em seus livros. A disciplina do dom mediúnico não foi exercida no Brasil, o que permitiu ao desenvolvimento, no país, de um "espiritismo" caricato, frouxo, excessivamente místico e moralista, que praticamente nada contribuiu para o advento de uma nova espiritualidade, antes às muitas fraudes e falhas graves cometidas.
sábado, 21 de junho de 2014
A pieguice "espírita"
A pieguice é um dos instrumentos mais utilizados pelo "espiritismo" brasileiro para seduzir adeptos e fiéis, sobretudo os mais idosos, considerados pessoas dotadas de maior sensibilidade emocional. Daí a maior presença dessas pessoas nesse sistema de crenças duvidoso.
Mas o que é mesmo a pieguice? Segundo vários dicionários, pieguice é um estado de sentimentalismo excessivo ou ridículo, de emotividade exagerada que, numa comparação metafórica, corresponde ao sentido poético do diabetes, por causa do excesso de açúcar, de doçura, só para dizer de maneira mais informal.
Isso é que anda atraindo muita gente, até com facilidade. Quem é que não se sente seduzido por tanta emotividade? Só aqueles que são capazes de ponderar as coisas com algum discernimento. Mas quem não chega a tanto se sente facilmente seduzido por esse astral piegas, de emotividade carregada que entorpece até mesmo a razão.
Mesmo as evocações tendenciosas de "nosso espiritismo" à ciência e seus valores são muito carregadas de pieguice. Os seminários "espíritas" cujos cartazes são ilustrados de desenhos geométricos da anatomia humana, ou de desenhos do universo com seus planetas, satélites e estrelas, também se inserem nesse contexto.
A evocação à Ciência é feita para disfarçar o tom de pieguice, mas a própria natureza do Espiritolicismo, que mistura moralismo religioso, misticismo e clichês da espiritualidade, não consegue exercer o raciocínio científico, expresso muitas vezes de forma pedante e superficial pelos seus pregadores, em apressadas pesquisas bibliográficas.
O desfile de cientistas e de ideias científicas que volta e meia "recheiam" os textos "espíritas", dessa forma, apenas dá um verniz racional a uma doutrina marcada pelo sentimentalismo extremo. E mostram o que é o discurso confuso, típico de sociedades marcadas pela mediocridade cultural, cheio de contradições e métodos tendenciosos.
O "espiritismo" brasileiro usa esse discurso confuso porque, como em toda armadilha discursiva, se serve de uma retórica inovadora para defender um conservadorismo ideológico. Sua finalidade é pregar o misticismo religioso até mais retrógrado que o do Catolicismo de hoje, mas disfarçado de vanguarda espiritualista de orientação racional e quase científica.
E essa pieguice também se carrega de clichês simbólicos, perfeitos para seduzir quem ainda não está preparado para desconfiar de certas coisas. Vários aspectos são bem conhecidos, e vale aqui mencioná-los como exemplos mais típicos.
É a figura de Chico Xavier, com aqueles elementos ideológicos do velhinho de aparência frágil, índole supostamente humilde e ingênua, associado a um espiritualismo pretensamente sábio. Na sua imagem ideológica, juntam-se elementos aparentemente opostos ligados a sabedoria, humildade, velhice, que se tornam elementos de propaganda para o dito "espiritismo" brasileiro.
Para "diversificar" as coisas, há a figura também idosa de Divaldo Franco, com roupas de professor à moda antiga, com um discurso verborrágico e prolixo que lembra os antigos catedráticos, e que também serve de propaganda ideológica, com ênfase nos estereótipos relacionados à sabedoria e à hierarquia educacional antiga.
Outros elementos ideológicos são as rodas musicais, com jovens dotados de alguma descontração e informalidade que interpretam canções espiritualistas, geralmente acompanhados de um violão ou teclado. Tentam reproduzir os ambientes de recreio universitário ou luaus juvenis nas praias, com músicas cantadas em coro dentro de um clima emotivo que busca tranquilizar os mais velhos.
Há também o tradicional misticismo religioso, além da "tranquilidade" paternalista dos passes, entre outras atividades em que todo o verniz ideológico de ideias como "amor, caridade, luz e fraternidade" se constitui num elemento apelativo para atrair cada vez mais fiéis para os "centros espíritas".
E tudo isso por conta de uma pieguice, de uma emotividade bastante carregada que acoberta até mesmo as inúmeras irregularidades cometidas pelo cotidiano "espírita" brasileiro, já que se trata da supremacia da emoção sobre a razão, por mais que se use a "ciência" como pretexto em muitos momentos.
quinta-feira, 19 de junho de 2014
Vale acreditar em qualquer coisa por causa das "palavras de amor"?
O "espiritismo" brasileiro cria ciladas para as pessoas, que abrem mão de tudo, de veracidade, de autenticidade e outras coisas em nome das "palavras de amor" veiculadas, que para seus adeptos estão acima até mesmo da ética, por causa das tais palavras de "amor e caridade".
Denunciar fraudes e outras irregularidades lhes torna inútil, e não raro as pessoas reagem com revolta, tristeza e indignação quando são alertadas por esses aspectos negativos que ocorrem com muita frequência no Espiritolicismo.
Sim, é desagradável ter que despertar essas pessoas, inebriadas e seduzidas por todo esse clima de "luz e fraternidade" forjado pelos ambientes e atividades "espíritas" no Brasil, esse verdadeiro astral da perdição disfarçado de "energias positivas" e "fluídos benfeitores".
O choque é inevitável. Imaginemos. Doutrinárias que incluem números musicais, canções bonitas, ou então aquele fundo musical relaxante tocado em fita ou CD, com sonoridades relaxantes. Aquelas palestras cheias de "harmonia", as obras anunciadas como "destinadas à caridade".
Para muitos, fica impossível acreditar que existe um lado sombrio de todo esse processo. Imagine questionar a "força" do "bom velhinho" Chico Xavier, ou contestar a "sabedoria" eloquente de Divaldo Franco? Ou como contestar o charlatanismo artístico de José Medrado, mesmo quando ele nem sequer consegue ser convincente nas imitações dos estilos de pintores já falecidos?
Como questionar tudo isso se é o "amor" que importa? "Ah, se eles erram, tudo bem, vamos perdoá-los, orá-los e amá-los", dirá alguém, indiferente aos danos que tais mentiras e irregularidades podem causar. Nunca se seduziu tanto como no dito "espiritismo" brasileiro!!
A situação é muito grave, porque os espíritos do além-túmulo, que estão no outro lado, sabem o drama que sofrem sem poder contar para viva alma. Afinal, o que chega aqui sob o rótulo de "mensagens espirituais" e "arte espírita" é, na sua quase totalidade, de gosto e credibilidade bastante duvidosos, que só são aceitos por gente com pouca capacidade de discernimento no ramo.
Em muitos casos, é preciso até tomar cuidado, porque, contraditoriamente, as pessoas que se envolvem nas "energias de amor" do Espiritolicismo são as que mais provavelmente reagem de forma ríspida ou desesperada diante das advertências alheias.
É como num entorpecimento. As pessoas ficam felizes quando envolvidas em energias alucinantes, sedutoras, que parecem encantadoras e fascinantes, e quando são contrariadas dessa fantasia, se sentem inseguras e, por isso, reagem de forma agressiva, preferindo ficarem na credulidade, na zona de conforto que lhe garante alegria e aparente paz de espírito.
Só que isso não vale a pena. O "espiritismo" brasileiro é cheio de coisas sinistras, até um tanto macabras, por trás dessa "esfera de amor e luz". As pessoas que aderem a isso tudo podem se sentir bem, em primeira instância, mas depois sofrem algum efeito danoso por conta dessa ilusão cheia de mentiras, e que traz uma lição dolorosa mas muito mais realista.
Essa lição é a de que não vale acreditar em qualquer coisa por causa das "palavras de amor". A verdadeira caridade não se serve necessariamente de palavras dóceis ou simulacros de energias positivas, mas em honestidade e em ações que procurem trazer o melhor benefício para as pessoas, sem recorrer à enganação e à esperteza.
quarta-feira, 18 de junho de 2014
Espírito pode mudar, mas dentro do contexto de sua personalidade
Um comentário numa comunidade relacionada ao Espiritismo nas mídias sociais chamou a atenção, a respeito do suposto José do Patrocínio da mensagem da FEB, quanto à hipótese de que, no passado, o abolicionista teria sido um manifestante junto à sua Guarda Negra, realizando protestos de rua contra os arbítrios do governo do então presidente Floriano Peixoto, o "marechal de ferro".
O internauta disse que José do Patrocínio teria "mudado de postura" e, por isso, "fazia sentido" ele agora pedir para que "oremos pela paz". Tudo bem que mudanças de postura são possíveis, mas o contexto da mensagem indica se essa mudança tem ou não a ver com a personalidade do falecido em relação ao que ele era na sua famosa encarnação.
Pode ser que José do Patrocínio não decidisse por fazer protestos de rua, se estivesse vivo hoje. Mas não é provável que ele as condenasse no seu todo, preferindo, pelo contexto do país hoje, que as pessoas fizessem protestos, sim, mas sem provocar desordem.
No entanto, é bem menos provável que o suposto José do Patrocínio da FEB seja, a partir dessa postura, o verdadeiro espírito do abolicionista. Isso porque outros elementos bastante duvidosos aparecem na famosa mensagem, já reproduzida aqui, cujo tom religioso e paroquial destoam do discurso usado pelo líder abolicionista, famoso pelos seus textos contra a escravidão.
Imaginemos por exemplo uma suposta psicografia de uma composição de Cazuza, já que ele foi assunto de uma postagem mais recente. Digamos que essa composição seja uma MPB tradicional, sem qualquer sombra de uma sonoridade roqueira.
Se for por esse aspecto apenas, isso faria um bom sentido, porque sabemos que Cazuza foi capaz de faixas assim. "Faz Parte do Meu Show" e "Codinome Beija-Flor" são exemplos mais famosos. Cazuza, além disso, já gravou música de Cartola e compôs com Gilberto Gil. A "mudança" não destoaria do que o cantor e compositor seria capaz de fazer.
Agora se as letras fossem carregadas de mensagens "fraternais", de panfletarismo religioso, a desconfiança seria inevitável, porque sairia do contexto da personalidade do cantor, seria uma postura que, por mais "positiva" que possa fazer, soa bastante falsa.
Nota-se que as mensagens da FEB atribuídas a diferentes espíritos soam bastante padronizadas. O próprio panfletarismo religioso já é, em si, uma padronização, como se não pudesse haver uma mensagem espiritual laica.
É claro que as críticas recebidas pelos supostos médiuns - ou mesmo por médiuns "anti-médiuns" (não-intermediários) - fizeram com que os livros "espirituais" tivessem uma diversidade discursiva maior. Já não era mais uma mesma obra com diferentes personalidades, mas diferentes obras de uma mesma pregação religiosa.
A imaginação dos "médiuns" teria que ser caprichada. Se é para imitar Juscelino Kubitschek, que se vá, por exemplo, às edições da revista Manchete e aos livros de Ronaldo Costa Couto e Maria Victoria Benevides sobre o ex-presidente e ver alguns vídeos no YouTube, e assim caprichar na imitação discursiva do político mineiro.
Se é para imitar Cazuza, deve-se evitar os "micos" da pseudo-psicografia de Raul Seixas (o tal "Zílio"), criando uma linguagem jovial e próxima da realidade mais recente do ídolo, ainda que continuasse o preço da pregação religiosa.
Claro que é difícil lançar supostas mensagens espirituais de Ronnie James Dio, famoso roqueiro inglês, de Adam Yauch, rapper dos Beastie Boys e do músico punk paulistano Redson, da banda Cólera. Adam e Redson foram conhecidos por suas posições pacifistas, mas nunca seriam capazes de fazer um discurso de panfletarismo religioso no estilo que se conhece nas mensagens "espíritas".
Portanto, é preciso cautela quando se observam possíveis mudanças de posições dos espíritos dos falecidos. Essas mudanças não podem fugir dos contextos de suas personalidades, as pessoas mudam posições mas não fogem de sua essência.
Espíritos do além podem até aprender muito o que em vida não souberam, mas nunca iriam fugir de suas marcas pessoais. Se a mensagem "espiritual" foge da essência da personalidade que lhe é atribuída, ela é falsa. E foi o caso do "José do Patrocínio" da FEB, cuja mensagem está mais próxima do estilo de um cardeal de segunda categoria do que de um histórico ativista contra a escravidão.
terça-feira, 17 de junho de 2014
Livro sobre suposta vida espiritual de Cazuza havia sido lançado faz tempo
A "fábrica" de livros espiritólicos é imensa que vários livros haviam sido lançados. Só pude me informar de um livro sobre Cazuza mais recentemente, mas o romance Faz Parte do Meu Show já havia sido lançado em 2004, portanto há dez anos atrás, e provavelmente "corrigindo" as falhas do livro Um Roqueiro no Além, de Nelson Moraes.
O livro Faz Parte do Meu Show, registrado por Robson Pinheiro sob ditado do "espírito" Ângelo Inácio, segue o proselitismo religioso, mas tenta usar uma linguagem mais "descontraída" e se aproximar de uma realidade menos mística e vinculada aos fatos da vida terrena.
Há controvérsias de que o suposto Ângelo Inácio seria atribuído ao suposto espírito de Cazuza ou seria um suposto mensageiro do roqueiro. Mas o livro, em que pese algumas "modernices" narrativas, não foge do tom duvidoso das supostas psicografias de gente famosa.
Robson Pinheiro é conhecido pelo livro A Força Eterna do Amor, atribuído ao espírito de Madre Teresa de Calcutá, lançado em 2009. Pinheiro também havia escrito livros atribuídos a espíritos de umbandistas.
Faz Parte do Meu Show tenta narrar a suposta vida espiritual de Cazuza. Ida a vales de espíritos sofredores, socorro em colônias espirituais, missão de usar seu talento em prol da religião etc etc etc. Nisso o livro condiz à regra dos livros espiritólicos, que dificilmente narram alguma lição laica.
O livro é ainda recheado de encontros "bacanas", mas tendenciosos e tão gratuitos que causam até desconfiança. Que garantia tem um encontro de Cazuza com Carlos Drummond de Andrade? É até menos fácil do que jogar um ator da Globo ao lado de um astro de Hollywood, embora neste caso a revista Caras tente algum esforço nesse sentido.
Isso porque não se garante se pessoas assim são capazes de se encontrarem. Espíritos se dispersam para lugares inimagináveis. Ou alguém imaginaria que, por exemplo, Paul Walker, James Gandolfini, Michael Clarke Duncan, Cory Monteith e Philip Seymour Hoffman, só para citar atores falecidos há pouco tempo, estariam necessariamente juntos jogando baralho no além?
Talvez seja até legal que esses cinco estivessem juntos, e até seria possível que eles se encontrassem. Mas é difícil, diante da complexidade da vida espiritual. Se, aqui na Terra, é difícil reunir rigorosamente todos os colegas dos tempos antigos da escola, imagine então no mundo espiritual em que compromissos e inclinações pessoais dispersam gente aqui e ali.
Daí soar muito tendencioso, também, um Cassino do Chacrinha do além, com Clara Nunes, Elis Regina e similares. Se fosse em 2014, teria também Jair Rodrigues e Emílio Santiago? Muito simplório e fácil demais.
Quem curte rock até fantasia um mundo espiritual com Jimi Hendrix, Keith Moon, John Entwistle, Phil Lynott, Jon Lord, Ronnie James Dio, George Harrison, John Lennon, Bon Scott etc, talvez uma banda com Hendrix, Moon e Lynott, ou o próprio Jimi Hendrix Experience, já que todos os três membros originais (os outros são Noel Redding e Mitch Mitchell) também estão no além.
Mas mesmo assim é difícil que isso ocorra assim tão facilmente. A vida espiritual é um mistério e quase sempre não é possível juntar fulano e sicrano como quem pega um bonequinho de índio apache aqui e junta a um boneco de coelhinho, outro de duende, outro de cavaleiro medieval e uma boneca de pano. Não dá para fazer um Toy Story com gente do além.
Além desses pontos, o livro mostra um Cazuza caricato, por mais que pareça verossímil na linguagem e em algumas informações. Isso porque é muito difícil, no espiritolicismo de tantas fraudes, que um espírito de alguém falecido realmente se manifeste. As vibrações espiritólicas são terríveis, mesmo quando parecem "boas", pois são como um sol artificial sob nuvens trovejantes.
Muitos do que leram o livro não viram autenticidade alguma, quem conhece Cazuza garante que o livro é superficial e nada recomendável. E que dá indícios de uma única coisa: Robson Pinheiro deve ter lido Só As Mães São Felizes, de Regina Echeverria, biografia oficial de Cazuza, para lançar o tal "romance mediúnico".
Sem qualquer regulação do processo de mediunidade, que no Brasil é feito ao "deus-dará", qualquer um faz uma pesquisa superficial sobre um falecido, forja uma biografia mediúnica dentro do roteiro umbral-colônia espiritual-missão religiosa e pronto. O livro venderá como água, devido à mistura de sensacionalismo com "mensagens de amor e paz". É a mina de ouro do "espiritismo" brasileiro.
domingo, 15 de junho de 2014
O Espiritolicismo e a sua incapacidade de consolar, de fato, as pessoas
O "espiritismo" brasileiro não consola. Consolar não é apenas oferecer o lenço para enxugar as lágrimas dos outros, seja na forma literal, seja na forma metafórica de supostos textos espirituais que mais parecem consolos tardios depois da tragédia ocorrida.
É como tentar consolar alguém pelo leite derramado. Prejuízo feito, a vida em si já nos ensina a lidar com essa realidade com paciência, e aí vem aquele "espírita" querendo atrapalhar as coisas, dizendo "palavras de conforto" que não confortam.
Falsas mensagens espirituais, estranhamente padronizadas, dotadas sempre de um tom piegas, com pregação religiosa, por vezes sutil e por meio de expressões de cunho místico, como "luz", "preces" e outras coisas, foram outros aspectos estranhos às personalidades dos falecidos. Se são "palavras de amor", vale até falsidade ideológica.
Isso transforma as pessoas? Não. Às vezes até perturba, cria falsas surpresas, as pessoas levam gato por lebre e recebem mensagens supostamente de seu ente querido que, na verdade, teriam sido enviadas por um farsante de lá ou de cá (neste caso o suposto médium).
Um "médium" anti-médium - porque, em vez de ser o intermédiário dos contatos com o além, acaba sendo o centro do espetáculo "espírita" - não realiza grandes transformações só porque divulgou uma suposta mensagem de alguém.
Se fosse realmente uma mensagem de um espírito falecido, sem que esta necessariamente seja dotada de algum tom docilmente religioso e restrito ao panfletarismo espiritualista, tudo bem. Como as mensagens que os médiuns consultados por Allan Kardec haviam feito e que ele registrou nos seus famosos livros.
Mas o que se vê no "espiritismo" brasileiro é uma indústria de "consolos" fáceis, em que o teor de novidade e um certo ranço sensacionalista aliado ao clima de emotividade forjado fazem com que as pessoas se comovam facilmente com as coisas.
Se, por exemplo, vier o espírito de um farsante, habilidoso imitador da voz de Jair Rodrigues, entrar numa psicofonia e, emulando os trejeitos do saudoso cantor, vier a cantar "Disparada", pouco importando os detalhes que indicam que a voz não é de Jair, mas de um imitador. Se a mensagem é "carregada de amor e paz", para os espiritólicos vale tudo.
E que transformação faz apenas divulgar mensagens espirituais? Há uma centena de homens, alguns deles ateus e outros bem menos badalados, que fizeram muito mais do que Chico Xavier, o "homem-amor" que culpou as pobres vítimas do incêndio do Gran Circo Norte-Americano, em Niterói, em 1961, de terem sido romanos sanguinários, coisa que o Profeta Gentileza não faria.
Há homens que, mais do que consolar, trabalhavam para melhorar as pessoas, educando, resolvendo injustiças, dando um incentivo que vai muito além das letras mortas da suposta fraternidade espiritualista. Gente que liderava multirões, que lançava projetos de emancipação social, que divulgava ideias e convidava seus leitores e ouvintes a pensar, gente que fez muito, muito mais pelo próximo.
Se é apenas para alguém dizer "não chore", diante de alguém angustiado, então é melhor que não se diga. Fica a mesma coisa patética de quando o repórter chega a alguém que está sofrendo e pergunta "por que você sofre?".
Quanto se ouviu, das pregações "espíritas", de pretensas mensagens de consolo que mais parecem acintosas ou constrangedoras, porque, numa sutil hipocrisia, menosprezam o sofrimento das pessoas com declarações de um otimismo que soa cínico, do tipo "não sofra, você já recebe muitas bênçãos", "não fique triste, seu ente querido vive".
A primeira frase nem é para ser dita, porque o "espírita" acaba sendo ofensivo quando declara que as pessoas sofredoras são "abençoadas" ou que "receberão a luz do Alto", porque soam como mensagens de ânimo que apenas agridem as pessoas que, por enquanto, só conseguem reagir em prantos diante da tragédia repentina.
Já a segunda frase é como chover no molhado e pouco diz à tristeza da pessoa. Até porque perder um ente muitas vezes não é só perder uma pessoa, mas afetar toda uma rotina de vida, criando complicações e desprazeres, deixando "lacunas" irreparáveis que só serão parcialmente resolvidas, se forem, por outra companhia.
Por isso o Espiritolicismo, quando quer consolar, acaba desolando. E ainda temos uma Joana de Ângelis que não suporta ver gente chorando. Qualquer Amigo da Onça é capaz de mensagens assim, e quando se tenta consolar alguém desse modo, se está mais atrapalhando do que ajudando.
É muito melhor deixar a pessoa no silêncio de sua tristeza e auxiliá-la na companhia discreta. Seria melhor não tentarmos insistir com palavras de consolo, só esperando que a pessoa supere sua tristeza profunda para dar algum conforto. Até porque é muito chato alguém, na sua tristeza profunda, ouvir de outra pessoa coisas como "não fique triste, amigo", que mais constrangem do que consolam.
Muitas vezes somente os sofredores sabem das razões de suas tristezas e toda ajuda, sim, é necessária para consolá-lo, mas não necessariamente com palavras prontas. Devemos respeitar a tristeza sofrida e criar condições para que ela seja superada, tomando cuidado e sem forçar alguma alegria, otimismo ou conformação quando a angústia e as lágrimas tomam conta da pessoa que sofre.
A alegria forçada intimida, constrange e, não raro, entristece cada vez mais e o consolo forçado mais leva a pessoa à depressão, com o sofrimento ignorado por outrem que se limita a transmitir ao sofredor palavras "afetuosas" que se tornam impróprias, até porque é preciso que respeitemos as pessoas sofredoras em suas tristezas para depois estimulá-las, com muito cuidado, a se recuperarem.
Deve-se ajudar na proteção, na assistência, no amparo, no socorro, mas sem dizer coisas como "a tristeza de hoje é a semente da felicidade futura". Fiquemos discretos e respeitemos as lágrimas alheias, até porque será a própria pessoa, no seu livre arbítrio, que irá dizer se tem ou não condições de superar suas próprias tristezas.
sábado, 14 de junho de 2014
Espiritismo autêntico deu lição de moral a Emmanuel
Só mesmo recorrendo ao Espiritismo original, analisado por Allan Kardec, para demonstrarmos o fundamento das fraudes cometidas pelo "espiritismo" brasileiro, as distorções e desvios imensos cometidos por seus dirigentes ao longo dos 130 anos da FEB e o uso abusivo dos pretextos de "amor, caridade e fraternidade" para todo e qualquer tipo de leviandade.
Num dos contatos feitos com o Espírito da Verdade, guia espiritual que coordenou as mensagens registradas nos livros organizados por Allan Kardec, o professor lionês fez o seguinte diálogo, recebendo a resposta generosa, paciente e tolerante do espírito, que educadamente apenas deu sua recomendação ao interlocutor, sem no entanto forçá-lo a fazer coisa alguma.
Segue o diálogo, correspondente à missão que o então conhecido professor Rivail recebeu para estabelecer o caminho da análise dos fenômenos espirituais através da Doutrina Espírita:
KARDEC - Neste caso eu reclamo a tua assistência e a dos Espíritos bons, no sentido de me ajudarem e me ampararem na minha tarefa.
ESPÍRITO DA VERDADE - A nossa assistência não te faltará, mas será inútil se, de teu lado, não fizeres o que for necessário. Tens teu livre-arbítrio, do qual podes usar o que bem entenderes. Nenhum homem é fatalmente constrangido a fazer coisa alguma.
É uma grande diferença em relação ao diálogo que Emmanuel teve com Chico Xavier, registrado no livro As Vidas de Chico Xavier, escrito por Marcelo Souto Maior e publicado pela Editora Planeta em 2003, no qual o espírito do padre jesuíta, tido como "mentor" do "médium" mineiro, age de forma autoritária e ameaçadora diante da questão de Chico não aceitar a tarefa que lhe é ordenada a fazer.
O próprio diálogo dá conta do autoritarismo de Emmanuel, próprio do proselitismo austero e vingativo herdado dos tempos em que era o antigo Padre Manoel da Nóbrega. Vejamos:
- Devo trabalhar na recepção de mensagens e livros até o fim da minha vida atual?
- Sim, não temos outra alternativa.
O autor dos cem livros insistiu.
- E se eu não quiser? A doutrina espírita ensina que somos portadores do livre-arbítrio para decidir sobre nossos próprios caminhos.
Emmanuel sorriu e deu o veredito:
- A instrução a que me refiro é semelhante a um decreto de desapropriação, quando lançado por autoridade na Terra. Se você recusar o serviço a que me reporto, os orientadores dessa obra de nos dedicarmos ao cristianismo redivivo terão autoridade para TIRAR VOCÊ DE SEU ATUAL CORPO FÍSICO.
Como se viu, Emmanuel fez uma ameaça de morte a Chico Xavier, caso ele não aceitasse fazer a tarefa que o fez ficar famoso. Uma verdadeira demonstração de intolerância, autoritarismo e abuso de poder que contraria completamente os princípios de amor, caridade e fraternidade que a verdadeira Doutrina Espírita defende, sem sucumbir à pieguice mística e viscosamente religiosa.
Ponto para o Espírito da Verdade, que deu a sua lição de tolerância, paciência e respeito ao livre-arbítrio, oferecendo o seu próprio exemplo à caridade que deseja dos outros. Já Emmanuel, que tanto fala de amor, caridade e fraternidade quando é para os outros, não deu seu exemplo, agindo de forma sarcástica ao saber de uma possível recusa de Chico Xavier.
À atitude de Emmanuel, pelo seu tom de ameaça e pelo rigor que impõe às sobrecarregadas tarefas de Xavier, podemos definir com um nome: EGOÍSMO.
sexta-feira, 13 de junho de 2014
Michael Jackson pode não ter cantado em faixas de CD póstumo. Só não recorram à FEB para averiguar!!
A CAPA DO CD, QUE CONTÉM TRÊS FAIXAS QUE PODERIAM TER SIDO GRAVADAS POR UM IMITADOR, E NÃO POR MICHAEL.
Só recentemente foi lançado o verdadeiro álbum póstumo do ídolo pop Michael Jackson, falecido há cinco anos. Intitulado XScape, o disco é uma síntese dos vários álbuns que Michael havia gravado em sua carreira solo pela Epic Records (Sony Music), indo das influências disco ao hip hop.
Já o anterior, Michael, lançado em 2010, embora tenha também faixas inéditas gravadas pelo cantor, incluiu três que são consideradas suspeitas, de acordo com um processo movido por uma fã, que disse que elas não haviam sido gravadas pelo finado cantor.
A ação judicial é respaldada pela filha do cantor, Paris Jackson, que declarou em uma entrevista realizada em 2012 que as músicas "Breaking News", "Monster" e "Keep Your Head Up" teriam sido, na verdade, gravadas por um imitador, Jason Malachi.
Paris declarou, a respeito da situação, que se sente capaz de afirmar que a voz nas três canções não é a de seu pai, porque ele sempre cantava para ela as canções que ele criava, e nenhuma das três músicas lhe foi apresentada. Paris também estranhou a voz que foi registrada nas três canções.
Outros familiares de Jackson, incluindo o irmão Randy, colega do cantor na banda The Jacksons, além de gente que trabalhou com ele, como o rapper will.i.am, do grupo Black Eyed Peas, também disseram que a voz cantada nas três faixas não é de Michael. No entanto, advogados dos produtores relacionados às faixas juram que a voz gravada nas três músicas é do falecido cantor.
Malachi, que numa entrevista assumiu ter gravado a voz para as três canções, é surpreendentemente um habilidoso imitador de Michael. Ouvindo, por exemplo, uma canção como "Mamacita" - sucesso de 2007 disponível no YouTube - , Jason, norte-americano de ascendência italiana, tenta imitar o timbre e os maneirismos vocais do falecido astro pop.
A fã entrou em processo contra os produtores das três faixas, conforme noticiou o New Musical Express. Se a ação obtiver êxito, os fãs poderão processar a Sony Music e receber a indenização pelo dano causado com a possível fraude.
PARECE ESPIRITOLICISMO
Como comparar a possível fraude, acima descrita, com a que observamos no que acontece no "espiritismo" brasileiro, em que todos os principais "médiuns" - ou anti-médiuns, porque fogem da função intermediária que o termo "médium" indica e são as atrações principais do espetáculo "espírita" - foram envolvidos em fraudes tremendas?
Chico Xavier, Divaldo Franco e José Medrado, além de gente menos badalada como Nelson Moraes, investiram em graves delitos, uns envolvendo com plágios de obras literárias, outros com falsificação grotesca de pinturas e outros ainda evocando famosos falecidos expressos de forma caricatural e estereotipada.
Até determinado ponto, eles tentam enganar, sobretudo aqueles que não conhecem profundamente a personalidade e o estilo dos respectivos falecidos. Isso porque o que eles investem é o que a teoria da linguagem mais básica define como "imitação".
Na imitação, alguém imita outra pessoa, seja no comportamento ou em alguma atividade marcada por esta, copiando o maior número possível de caraterísticas. Mas, como em toda imitação, tudo tem limites e mesmo a imitação mais perfeita não consegue substituir totalmente a fonte de imitação, que é única, é de cada pessoa.
Muitas vezes as diferenças entre imitação e fonte não parecem perceptíveis à primeira vista, e no próprio "espiritismo" brasileiro seus astros primeiro deixam o público se envolver numa aura de emotividade e compaixão para que assim possam enganar sem poderem ser denunciados.
No entanto, quem conhece a fundo a obra de alguém sabe bem dessas diferenças, não raro sutis, mas que, uma vez descobertas, derrubam de vez a suposta manifestação espiritual atribuída ao falecido, coisa que nem "palavras de amor" ou "ações de caridade" conseguem resolver ou justificar.
Seja na poesia do suposto Olavo Bilac de Parnaso de Além-Túmulo, desprovido da métrica poética utilizada pelo intelectual parnasiano, seja o suposto Raul Seixas travestido de Zílio e provido de um misticismo que o cantor baiano havia abandonado no final da vida, também não é difícil notar que muitas manifestações supostamente espirituais não são mais do que uma farsa.
Em outras, nem sutileza acontece, como nas pinturas do suposto Cândido Portinari feitas por José Medrado, que causam constrangimento se comparadas com a obra que o saudoso pintor deixou em vida, já que até como imitação soam grosseiras, malfeitas e não conseguem, mesmo de leve, imitar sequer o estilo do autor original.
Portanto, o "espiritismo" brasileiro se serve de gente tão esperta quanto Jason Malachi. Eu mesmo ouvi as três faixas e também notei a estranheza, já que elas estão mais próximas do imitador do que do próprio Michael. Da mesma forma, as distorções das mensagens supostamente espirituais também indicam que dificilmente os próprios espíritos tenham sido seus autores.
Ninguém, na plenitude do mundo espiritual, da recuperação da memória das vidas passadas e do fim das limitações mentais da estrutura do corpo físico, iria regredir de tal forma a trair seu estilo e sua personalidade para divulgar uma mensagem para nós aqui na Terra. Isso seria impossível, porque foge completamente à lógica.
Só recentemente foi lançado o verdadeiro álbum póstumo do ídolo pop Michael Jackson, falecido há cinco anos. Intitulado XScape, o disco é uma síntese dos vários álbuns que Michael havia gravado em sua carreira solo pela Epic Records (Sony Music), indo das influências disco ao hip hop.
Já o anterior, Michael, lançado em 2010, embora tenha também faixas inéditas gravadas pelo cantor, incluiu três que são consideradas suspeitas, de acordo com um processo movido por uma fã, que disse que elas não haviam sido gravadas pelo finado cantor.
A ação judicial é respaldada pela filha do cantor, Paris Jackson, que declarou em uma entrevista realizada em 2012 que as músicas "Breaking News", "Monster" e "Keep Your Head Up" teriam sido, na verdade, gravadas por um imitador, Jason Malachi.
Paris declarou, a respeito da situação, que se sente capaz de afirmar que a voz nas três canções não é a de seu pai, porque ele sempre cantava para ela as canções que ele criava, e nenhuma das três músicas lhe foi apresentada. Paris também estranhou a voz que foi registrada nas três canções.
Outros familiares de Jackson, incluindo o irmão Randy, colega do cantor na banda The Jacksons, além de gente que trabalhou com ele, como o rapper will.i.am, do grupo Black Eyed Peas, também disseram que a voz cantada nas três faixas não é de Michael. No entanto, advogados dos produtores relacionados às faixas juram que a voz gravada nas três músicas é do falecido cantor.
Malachi, que numa entrevista assumiu ter gravado a voz para as três canções, é surpreendentemente um habilidoso imitador de Michael. Ouvindo, por exemplo, uma canção como "Mamacita" - sucesso de 2007 disponível no YouTube - , Jason, norte-americano de ascendência italiana, tenta imitar o timbre e os maneirismos vocais do falecido astro pop.
A fã entrou em processo contra os produtores das três faixas, conforme noticiou o New Musical Express. Se a ação obtiver êxito, os fãs poderão processar a Sony Music e receber a indenização pelo dano causado com a possível fraude.
PARECE ESPIRITOLICISMO
Como comparar a possível fraude, acima descrita, com a que observamos no que acontece no "espiritismo" brasileiro, em que todos os principais "médiuns" - ou anti-médiuns, porque fogem da função intermediária que o termo "médium" indica e são as atrações principais do espetáculo "espírita" - foram envolvidos em fraudes tremendas?
Chico Xavier, Divaldo Franco e José Medrado, além de gente menos badalada como Nelson Moraes, investiram em graves delitos, uns envolvendo com plágios de obras literárias, outros com falsificação grotesca de pinturas e outros ainda evocando famosos falecidos expressos de forma caricatural e estereotipada.
Até determinado ponto, eles tentam enganar, sobretudo aqueles que não conhecem profundamente a personalidade e o estilo dos respectivos falecidos. Isso porque o que eles investem é o que a teoria da linguagem mais básica define como "imitação".
Na imitação, alguém imita outra pessoa, seja no comportamento ou em alguma atividade marcada por esta, copiando o maior número possível de caraterísticas. Mas, como em toda imitação, tudo tem limites e mesmo a imitação mais perfeita não consegue substituir totalmente a fonte de imitação, que é única, é de cada pessoa.
Muitas vezes as diferenças entre imitação e fonte não parecem perceptíveis à primeira vista, e no próprio "espiritismo" brasileiro seus astros primeiro deixam o público se envolver numa aura de emotividade e compaixão para que assim possam enganar sem poderem ser denunciados.
No entanto, quem conhece a fundo a obra de alguém sabe bem dessas diferenças, não raro sutis, mas que, uma vez descobertas, derrubam de vez a suposta manifestação espiritual atribuída ao falecido, coisa que nem "palavras de amor" ou "ações de caridade" conseguem resolver ou justificar.
Seja na poesia do suposto Olavo Bilac de Parnaso de Além-Túmulo, desprovido da métrica poética utilizada pelo intelectual parnasiano, seja o suposto Raul Seixas travestido de Zílio e provido de um misticismo que o cantor baiano havia abandonado no final da vida, também não é difícil notar que muitas manifestações supostamente espirituais não são mais do que uma farsa.
Em outras, nem sutileza acontece, como nas pinturas do suposto Cândido Portinari feitas por José Medrado, que causam constrangimento se comparadas com a obra que o saudoso pintor deixou em vida, já que até como imitação soam grosseiras, malfeitas e não conseguem, mesmo de leve, imitar sequer o estilo do autor original.
Portanto, o "espiritismo" brasileiro se serve de gente tão esperta quanto Jason Malachi. Eu mesmo ouvi as três faixas e também notei a estranheza, já que elas estão mais próximas do imitador do que do próprio Michael. Da mesma forma, as distorções das mensagens supostamente espirituais também indicam que dificilmente os próprios espíritos tenham sido seus autores.
Ninguém, na plenitude do mundo espiritual, da recuperação da memória das vidas passadas e do fim das limitações mentais da estrutura do corpo físico, iria regredir de tal forma a trair seu estilo e sua personalidade para divulgar uma mensagem para nós aqui na Terra. Isso seria impossível, porque foge completamente à lógica.
quinta-feira, 12 de junho de 2014
Copa de 2014 não tem a ver com predestinação espiritual
O Espiritolicismo tenta nos fazer convencer que o evento da Copa do Mundo FIFA 2014 tem a ver com o cumprimento das promessas escritas no livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, que Chico Xavier lançou usando o nome de Humberto de Campos (que nunca iria escrever um livro desses), anunciadas pelo "anjo" Ismael.
Segundo essas promessas, o Brasil seria o "reino de luz" que guiaria a humanidade futura, espécie de "terra prometida" da era moderna e referencial de suposto desenvolvimento social e moral pleno, como o país supostamente escolhido por Jesus para ser a vanguarda moral da Terra.
Junta-se as perspectivas das chamadas classes dirigentes, que acreditam que o Brasil está prestes a entrar no Primeiro Mundo, com as das lideranças "espíritas", que creem que o nosso país irá comandar o progresso da humanidade, e soma-se tudo isso ao oba-oba da Copa, com o primeiro jogo já ganho entre a seleção brasileira contra a seleção da Croácia, por 3 a 1. Ilusão na certa.
Primeiro, porque o Brasil ainda é um país muito problemático, embora tido como um dos favoritos dos BRICS. Houve quem apostasse que o país sul-americano iria ser o primeiro a se tornar potência do grupo de "emergentes" - compostos, além do Brasil (B), de Rússia (R), Índia (I), China (C) e África do Sul (S, do inglês South Africa) - , mas a China, ainda ditatorial, já passou a dianteira.
Segundo, porque a desordem em que ainda vive nosso país, com desigualdades, injustiças e violências, ainda impede que o Brasil seja sinônimo tanto de desenvolvimento sócio-econômico, como querem os analistas político-econômicos mais otimistas, como de desenvolvimento moral, como querem os espiritólicos.
O Brasil ainda não atingiu um estágio de desenvolvimento sócio-econômico dos países desenvolvidos, e muitos de seus valores, procedimentos e crenças viciados ainda mantém o país num estágio bastante atrasado. Uma amostra disso é a mania que uma boa parcela da intelectualidade cultural do país tem de acreditar que a pobreza das periferias é "coisa linda de se ver".
O que se viu na realização da Copa do Mundo FIFA 2014 no Brasil foi apenas uma escolha de um livre-arbítrio de empresários, políticos e dirigentes esportivos que achou por bem realizar eventos esportivos no país. Teremos ainda as Olimpíadas de 2016.
Foi apenas uma afinidade de interesses que esteve em jogo, mas também uma questão do poder político exercido por pessoas como Ricardo Teixeira e Joseph Blatter, por exemplo. Nada que tivesse reação com supostas profecias sobre a transformação do Brasil na nação-guia da humanidade futura.
É até estranho que a FEB, tão declarada espiritualista, queira tanto essa ideia materialista de creditar um país como guia da humanidade, quando sabemos que a evolução da humanidade está acima das nações e das fronteiras geográficas que são fruto dos interesses materiais dos homens, que até têm sua validade sócio-cultural, mas são completamente nulas no âmbito do mundo espiritual.
quarta-feira, 11 de junho de 2014
Espíritismo e direita brasileira
Os críticos das distorções causadas pelo "espiritismo" brasileiro devem prestar muita atenção nos valores ideológicos que professam fora do tema. Vários críticos das deturpações promovidas pela FEB professam sua (boa) fé na doutrina capitalista, sendo hostis ao mais moderado progressismo de esquerda.
Há quem cometa a contradição de reclamar, dos "espíritas" brasileiros, a maior fidelidade possível às ideias de Allan Kardec, mas se rende ao materialismo mais rasteiro do capitalismo neoliberal, num extremo ao stalinismo que realmente foi lamentável no âmbito das esquerdas, mas virou pretexto para condenar qualquer projeto que se volte para a justiça social autêntica.
Virou moda ser de direita, até pela oposição a mais de dez anos de governo petista. Até certo ponto, é salutar criticar e se opor ao PT, é opção garantida pela democracia. Mas a onda da oposição ao chamado "lulo-petismo" chega aos níveis de uma direita conservadora, cega e histérica, indiferente aos verdadeiros problemas que cercam a nossa sociedade.
São vistos até mesmo capitalistas fanáticos, intransigentes, que no âmbito da análise espírita defendem visões de justiça social que lhes causam alergia quando o aspecto vai ao lado político. Reclamam das desigualdades sociais que o Espiritolicismo não consegue combater, mas se incomodam quando se fala, por exemplo, em reforma agrária para melhor distribuir terras para os necessitados.
É uma contradição muito séria e que causa sérios equívocos no bem-intencionado manifestante, porque uma observação muito apurada constata que o Espiritolicismo apoiou a ditadura militar, defendida até por Chico Xavier, e já havia enviado representantes para as Marchas da Família realizadas em 1964.
...E COM PERFIL NO PORTAL DO REACIONÁRIO INSTITUTO MILLENIUM.
O que a direita burra e estúpida, capaz de atribuir ao judeu Karl Marx a "paternidade" de um movimento político alemão e antissemita, de triste memória, ignora é que um dos principais militantes do Espiritolicismo, o ator Carlos Vereza, que encarnou (no sentido da dramaturgia) o médico Adolfo Bezerra de Menezes, é membro atuante do Instituto Millenium.
Para quem não sabe, o Instituto Millenium foi criado em 2005 nos mesmos moldes dos antigos IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), surgidos na virada dos anos 50 e 60. São institutos de fachada, financiados pelo capital estrangeiro, que pregam uma ideologia conservadora que defende os privilégios das chamadas "classes dirigentes".
A própria FEB esteve ao lado do IPES na campanha contra João Goulart. A própria presença da FEB nas Marchas da Família dá o tom do conservadorismo espiritólico, que prefere se limitar a "pedir paz", uma paz nunca devidamente esclarecida, do que defender os movimentos sociais que possam, mesmo com algum conflito, combater as injustiças sociais.
Em contrapartida, sabe-se que Allan Kardec tinha uma visão bastante progressista da justiça social, defendendo causas como a Educação gratuita de qualidade e a luta pela emancipação das mulheres. Altruísta, ele estava sintonizado com os debates filosóficos de seu tempo.
Portanto, é estranho que boa parte das pessoas no Brasil defenda uma espiritualidade autêntica, enquanto se contenta em admirar ideologias que só servem para atender a interesses materiais de uma minoria de pessoas. Assim, a visão de caridade e justiça humana fica só pela metade.
terça-feira, 10 de junho de 2014
Chico Xavier e mais uma marcação de data para a "evolução" da humanidade
Uma suposta reunião espiritual realizada em 1969, motivada pela viagem de um grupo de astronautas norte-americanos à Lua, significa, para o Espiritolicismo, mais uma marcação de data para a pretensa evolução da humanidade na Terra.
Depois que o anti-médium Divaldo Franco, adaptando as famosas previsões "apocalípticas" para 21 de dezembro de 2012, fracassou ao não ver realizada sua "profecia" de que a humanidade iria passar por um momento de "reestruturação" de ordem moral e social, entre outros aspectos, o Espiritolicismo retrocede no tempo para atribuir a data agora para o ano de 2019.
A "profecia" foi anunciada em uma entrevista em 1986 com Chico Xavier, guardado em segredo por 25 anos e só publicada na Folha Espírita de maio de 2011 e reproduzida no livro Não Será em 2012, de Geraldo Lemos Neto e Marlene Nobre.
Xavier disse que havia recebido do espírito Emmanuel a "previsão", em 1938, de que o homem iria pisar no solo da Lua, o que nada tem de excepcional, uma vez que Jules Verne, o notório romancista francês do século XIX, já havia imaginado tal hipótese e adaptado à sua ficção científica em 1865. Qualquer outra pessoa, baseada no livro, iria supor que essa viagem se realizaria um dia.
Realizada a viagem à Lua, Chico Xavier, segundo seu relato, teria sido "convidado" para uma reunião com espíritos do além, comandada por Jesus Cristo, sob o pretexto de que a viagem à Lua colocaria o homem no caminho de sua universalidade e, por isso, seriam reavaliados os rumos da humanidade terrena.
Através dessa reunião, Jesus, esse ilustre personagem do livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, diferente do Jesus que se perdeu na Antiguidade e que clama por ser redescoberto por arqueólogos e historiadores, havia dado um prazo para a transformação da humanidade no planeta. Esse prazo seria de 50 anos depois do 20 de julho de 1969, data da viagem humana à Lua.
O apelo dado na ocasião era de que a humanidade, nesse prazo de 50 anos, efetuasse seu plano de paz entre os povos, para que assim a Terra possa dar continuidade a seu curso, se configurando num "reino de luz" que se tornasse guia para outras orbes do universo.
Parece lindo, mas é bastante superficial. Afinal, que paz é essa que falam, se não se fala na superação de injustiças sociais? Será que simplesmente dizer "a lei de Deus" é suficiente para convencer a humanidade dessa "missão de paz"? Não se leva em conta o fato de que diferentes povos acreditam em diferentes deuses e profetas, ou às vezes em deus nenhum?
E que paz é essa? Que perdão, que piedade? Numa sociedade de interesses complexos, e no Brasil em que a mediocridade e a estupidez vêm em primeiro lugar, em que a parte que cede nem sempre é a que garante maior vantagem, é mais provável haver maiores dificuldades de resolver conflitos.
Portanto, o recado, com toda sua pretensão "profética", mais parece uma súplica de cunho moralista-religioso. E, além disso, não existem datas marcadas para a evolução planetária. Tudo é imprevisível na humanidade, convém apenas promovermos a ação humana para que possamos combater injustiças e abusos cometidos pelo livre arbítrio.
domingo, 8 de junho de 2014
Caso Legião Urbana e a questão das famílias
À ESQUERDA, DADO VILLA-LOBOS E MARCELO BONFÁ, DOIS DOS TRÊS EX-MEMBROS VIVOS DA LEGIÃO URBANA. À DIREITA, O FILHO DE RENATO RUSSO, GIULIANO MANFREDINI.
Nos últimos anos, acontece uma batalha judicial envolvendo dois dos três ex-membros vivos da Legião Urbana, o guitarrista Dado Villa-Lobos e o baterista Marcelo Bonfá, e o filho de Renato Russo, Giuliano Manfredini, por causa do espólio do extinto grupo brasiliense.
O grupo acabou em 11 de outubro de 1996, pouco depois de lançar o álbum A Tempestade, com o falecimento do cantor e letrista Renato Manfredini Jr., o Renato Russo, por doenças agravadas pela ação do vírus HIV. Ele tinha 36 anos.
Atualmente a família disputa com os dois músicos - os únicos que, junto a Renato, levaram a Legião até o fim (o outro remanescente, o ex-baixista Renato Rocha, recentemente foi visto em situação de miséria) - os direitos de uso da marca Legião Urbana. Atualmente, o representante da família, Giuliano, leva vantagem jurídica na disputa.
Giuliano teria nascido de uma relação de Renato com uma fã, Rafaela Bueno, que teria falecido depois num acidente de trânsito. Essa informação é controversa. Há quem diga que Giuliano é filho adotivo. Em todo caso, ele foi criado por Renato Russo, que, homossexual, permaneceu solteiro até o fim da vida.
Giuliano tem 25 anos e é guitarrista de uma banda de rock. No entanto, ele, apesar do mérito da profunda afeição que tem do pai e ser admirador da Legião Urbana, não teve bagagem suficiente para se equiparar ao perfil do pai e era muito pequeno quando o pai havia falecido.
Renato Russo vivenciou a fase do rock em que o progressivo decadente cedia terreno para o punk rock, paralelamente ao rock psicodélico que empolgava os jovens brasileiros nos anos 70 e as experimentações pós-punk só eram apreciadas por meia-dúzia de "iniciados".
MÚSICOS CONVIVERAM MELHOR COM RENATO RUSSO
Por sua vez, Giuliano mal conseguia apreciar o rock pós-grunge que tocava em rádios comerciais como 89 FM (SP) e Rádio Cidade (RJ), artisticamente superficial e sem muita criatividade. Artisticamente, Giuliano mais parece "filho" de Chorão, o falecido cantor do Charlie Brown Jr., bem mais fechado nos aspectos "pragmáticos" da "cultura rock" de seu tempo.
Por outro lado, Marcelo Bonfá e Dado Villa-Lobos são amigos de juventude de Renato Russo e conviveram com ele não só nas atividades profissionais da banda, mas em muitas diversões de amigos. Eles é que teriam direito ao uso do nome Legião Urbana, o que deixaram claro quando encerraram um comunicado com a seguinte fórmula:
RENATO RUSSO = RENATO RUSSO
LEGIÃO URBANA = DADO VILLA-LOBOS + RENATO RUSSO + MARCELO BONFÁ
NEM SEMPRE PARENTE É CÚMPLICE
A lição que o episódio conta é que nem sempre alguém da família é capaz de compreender a natureza da personalidade do ente que se foi, e o tipo de convívio familiar não necessariamente corresponde à mesma natureza de um convívio entre colegas e amigos fora do círculo familiar.
Afinal, são atividades diferentes, experiências sociais diferentes. Nem sempre pais ou filhos compartilharam das mesmas experiências sociais dos indivíduos falecidos, e muitos casos heranças se tornam bastante problemáticas, independente do ente ter morrido ou não.
Só para citar, por exemplo, o cineasta Walter Salles Jr., ele não optou por seguir a atividade de banqueiro do pai, Walter Moreira Salles, apesar de ter herdado o nome. Walter decidiu ser cineasta e buscar para si questões progressistas que diferem do universo ideológico vivenciado pelo pai, que faleceu em 2001.
Já no caso da Legião Urbana, como é que um rapaz que não tem a mesma vivência sócio-cultural de Renato Russo será responsável pelo legado dele e de seu grupo? Neste sentido, o mérito está nos dois músicos da banda, apesar deles terem sido derrotados na Justiça. Na luta para ganhar a disputa, Dado e Marcelo contaram com o apoio dos colegas dos Paralamas do Sucesso.
A vida é muito complexa. É muito fácil fulano que é pai, mãe, filho ou irmão de alguém falecido ser tido como cúmplice ou especialista do ente finado, mas não é sempre assim. Às vezes irmãos podem se discordar seriamente.
Exemplos não faltam. Uma irmã de Fidel Castro não concordava com sua adesão ao comunismo. Os irmãos Gallagher, do Oasis, são marcados por sérias divergências. Carlos Lacerda bem que tentou, mas rompeu bruscamente com a herança ideológica do pai comunista, o jornalista Maurício Lacerda. A discreta atriz Mariska Hargitay não herdou o estilo sexy da mãe Jayne Mansfield.
A experiência de vida oferece contextos diversos. Em muitos casos, pai, mãe ou filho está (ou estão) distantes de uma atividade social de alguém. A afeição é justa, mas ela não substitui a vivência não-compartilhada, os familiares se sentem bem menos herdeiros do legado de seu ente, caso ele esteja falecido.
Confundir afeição com experiência social cria distorções sérias que fazem com que os próprios familiares, no caso do "espiritismo" brasileiro, se deixem cair em inúmeras armadilhas. Se fora dessa doutrina, há casos como o próprio tributo a Renato Russo organizado por Giuliano, às custas de um discutível holograma e duetos duvidosos como os de Ivete Sangalo, imagine dentro dela.
Aí se vê mensagens de farsantes carregadas de "palavras de amor", só porque imitam aspectos superficiais dos entes falecidos. Se vê homenagens que de nenhum modo agradariam o falecido, vinda de gente da qual o falecido não se interessaria em fazer uma profunda e sincera amizade.
Por isso, nem sempre os parentes têm mérito para herdar o espólio do ente falecido. A herança só é possível dentro de alguns limites, como a compreensão exata do legado do falecido e evitar a pretensão do ente querido ser "especialista" de sua trajetória, a não ser quando a situação e o contexto permitem, como no caso de Erik Rocha, filho do cineasta baiano Glauber Rocha.
Em muitas situações, são colegas de trabalho ou de escola que melhor representariam o legado de alguém que faleceu, por conta da natureza das atividades compartilhadas ou, pelo menos, com a identificação plena àquilo que o falecido fazia e representou, coisa que não é fácil, porque não basta somente a admiração subjetiva ou a compreensão superficial da trajetória do finado.
O "espiritismo", que superestima a missão das famílias terrenas, passa longe dessas questões. E, se for por esta doutrina, a causa sempre será ganha no lado de Giuliano Manfredini. No entanto, a vida mostra que o legado da Legião Urbana é melhor representado por Dado e Marcelo, estes sim que tiveram a vivência compartilhada das atividades realizadas por Renato Russo.
Nos últimos anos, acontece uma batalha judicial envolvendo dois dos três ex-membros vivos da Legião Urbana, o guitarrista Dado Villa-Lobos e o baterista Marcelo Bonfá, e o filho de Renato Russo, Giuliano Manfredini, por causa do espólio do extinto grupo brasiliense.
O grupo acabou em 11 de outubro de 1996, pouco depois de lançar o álbum A Tempestade, com o falecimento do cantor e letrista Renato Manfredini Jr., o Renato Russo, por doenças agravadas pela ação do vírus HIV. Ele tinha 36 anos.
Atualmente a família disputa com os dois músicos - os únicos que, junto a Renato, levaram a Legião até o fim (o outro remanescente, o ex-baixista Renato Rocha, recentemente foi visto em situação de miséria) - os direitos de uso da marca Legião Urbana. Atualmente, o representante da família, Giuliano, leva vantagem jurídica na disputa.
Giuliano teria nascido de uma relação de Renato com uma fã, Rafaela Bueno, que teria falecido depois num acidente de trânsito. Essa informação é controversa. Há quem diga que Giuliano é filho adotivo. Em todo caso, ele foi criado por Renato Russo, que, homossexual, permaneceu solteiro até o fim da vida.
Giuliano tem 25 anos e é guitarrista de uma banda de rock. No entanto, ele, apesar do mérito da profunda afeição que tem do pai e ser admirador da Legião Urbana, não teve bagagem suficiente para se equiparar ao perfil do pai e era muito pequeno quando o pai havia falecido.
Renato Russo vivenciou a fase do rock em que o progressivo decadente cedia terreno para o punk rock, paralelamente ao rock psicodélico que empolgava os jovens brasileiros nos anos 70 e as experimentações pós-punk só eram apreciadas por meia-dúzia de "iniciados".
MÚSICOS CONVIVERAM MELHOR COM RENATO RUSSO
Por sua vez, Giuliano mal conseguia apreciar o rock pós-grunge que tocava em rádios comerciais como 89 FM (SP) e Rádio Cidade (RJ), artisticamente superficial e sem muita criatividade. Artisticamente, Giuliano mais parece "filho" de Chorão, o falecido cantor do Charlie Brown Jr., bem mais fechado nos aspectos "pragmáticos" da "cultura rock" de seu tempo.
Por outro lado, Marcelo Bonfá e Dado Villa-Lobos são amigos de juventude de Renato Russo e conviveram com ele não só nas atividades profissionais da banda, mas em muitas diversões de amigos. Eles é que teriam direito ao uso do nome Legião Urbana, o que deixaram claro quando encerraram um comunicado com a seguinte fórmula:
RENATO RUSSO = RENATO RUSSO
LEGIÃO URBANA = DADO VILLA-LOBOS + RENATO RUSSO + MARCELO BONFÁ
NEM SEMPRE PARENTE É CÚMPLICE
A lição que o episódio conta é que nem sempre alguém da família é capaz de compreender a natureza da personalidade do ente que se foi, e o tipo de convívio familiar não necessariamente corresponde à mesma natureza de um convívio entre colegas e amigos fora do círculo familiar.
Afinal, são atividades diferentes, experiências sociais diferentes. Nem sempre pais ou filhos compartilharam das mesmas experiências sociais dos indivíduos falecidos, e muitos casos heranças se tornam bastante problemáticas, independente do ente ter morrido ou não.
Só para citar, por exemplo, o cineasta Walter Salles Jr., ele não optou por seguir a atividade de banqueiro do pai, Walter Moreira Salles, apesar de ter herdado o nome. Walter decidiu ser cineasta e buscar para si questões progressistas que diferem do universo ideológico vivenciado pelo pai, que faleceu em 2001.
Já no caso da Legião Urbana, como é que um rapaz que não tem a mesma vivência sócio-cultural de Renato Russo será responsável pelo legado dele e de seu grupo? Neste sentido, o mérito está nos dois músicos da banda, apesar deles terem sido derrotados na Justiça. Na luta para ganhar a disputa, Dado e Marcelo contaram com o apoio dos colegas dos Paralamas do Sucesso.
A vida é muito complexa. É muito fácil fulano que é pai, mãe, filho ou irmão de alguém falecido ser tido como cúmplice ou especialista do ente finado, mas não é sempre assim. Às vezes irmãos podem se discordar seriamente.
Exemplos não faltam. Uma irmã de Fidel Castro não concordava com sua adesão ao comunismo. Os irmãos Gallagher, do Oasis, são marcados por sérias divergências. Carlos Lacerda bem que tentou, mas rompeu bruscamente com a herança ideológica do pai comunista, o jornalista Maurício Lacerda. A discreta atriz Mariska Hargitay não herdou o estilo sexy da mãe Jayne Mansfield.
A experiência de vida oferece contextos diversos. Em muitos casos, pai, mãe ou filho está (ou estão) distantes de uma atividade social de alguém. A afeição é justa, mas ela não substitui a vivência não-compartilhada, os familiares se sentem bem menos herdeiros do legado de seu ente, caso ele esteja falecido.
Confundir afeição com experiência social cria distorções sérias que fazem com que os próprios familiares, no caso do "espiritismo" brasileiro, se deixem cair em inúmeras armadilhas. Se fora dessa doutrina, há casos como o próprio tributo a Renato Russo organizado por Giuliano, às custas de um discutível holograma e duetos duvidosos como os de Ivete Sangalo, imagine dentro dela.
Aí se vê mensagens de farsantes carregadas de "palavras de amor", só porque imitam aspectos superficiais dos entes falecidos. Se vê homenagens que de nenhum modo agradariam o falecido, vinda de gente da qual o falecido não se interessaria em fazer uma profunda e sincera amizade.
Por isso, nem sempre os parentes têm mérito para herdar o espólio do ente falecido. A herança só é possível dentro de alguns limites, como a compreensão exata do legado do falecido e evitar a pretensão do ente querido ser "especialista" de sua trajetória, a não ser quando a situação e o contexto permitem, como no caso de Erik Rocha, filho do cineasta baiano Glauber Rocha.
Em muitas situações, são colegas de trabalho ou de escola que melhor representariam o legado de alguém que faleceu, por conta da natureza das atividades compartilhadas ou, pelo menos, com a identificação plena àquilo que o falecido fazia e representou, coisa que não é fácil, porque não basta somente a admiração subjetiva ou a compreensão superficial da trajetória do finado.
O "espiritismo", que superestima a missão das famílias terrenas, passa longe dessas questões. E, se for por esta doutrina, a causa sempre será ganha no lado de Giuliano Manfredini. No entanto, a vida mostra que o legado da Legião Urbana é melhor representado por Dado e Marcelo, estes sim que tiveram a vivência compartilhada das atividades realizadas por Renato Russo.
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