quinta-feira, 31 de agosto de 2017
O que pensa o topo da pirâmide social?
O que pensa o topo da pirâmide social quanto ao futuro? Sabe-se que esse topo corresponde a uma parcela da sociedade se julga privilegiada e predestinada, por atributos que vão do porte de armas ao prestígio religioso, passando pelo dinheiro, pela fama, pelo diploma, pelo poder político e empresarial, e por aí vai.
Há um ano, a presidenta Dilma Rousseff foi definitivamente afastada da Presidência da República, consagrando o poder de uma elite que não aceitava as transformações sociais obtidas. Vários agentes sociais, como rentistas, machistas, racistas, fascistas, criminosos ricos e até ídolos religiosos (que se autoproclamam estarem a um passo de Deus ou, ao menos, num caminho menos longo a ele) reclamaram a recuperação de antigos privilégios.
O topo da pirâmide mostrou ser um repositório da sordidez humana. Vários escândalos e crimes e inúmeras irregularidades das mais graves - como um juiz feminicida que, mesmo afastado do emprego, ganha R$ 307 mil na função - permanecem e não causam muita revolta (fora o "ativismo de sofá" das redes sociais, que não traz resultados concretos), isso num país em que as pessoas se irritaram facilmente ao verem um membro do Partido dos Trabalhadores (PT) em ação.
O topo da pirâmide social apodrece e se torna mofado e velho. Mostra sua decadência, sua obsolescência, seu ocaso. Ultimamente há um clima de "ninguém sai", como no famoso conto de Luiz Fernando Veríssimo sobre um jogo de baralho, pois as velhas ordens sociais, mesmo acumulando encrencas e escândalos, faz todo o possível para se permanecer em pé.
Inferindo nos pontos de vista dos detentores dos mais diversos privilégios sociais, nota-se que eles se consideram pessoas "modernas" que conquistaram o poder social pleno por volta de 1974, quando aquilo que entendiam ser um período de "limpeza dos excessos sociais" - eles podem ser tanto o comunismo quanto movimento hippie, por exemplo - , foi consolidado.
Mesmo os crimes cometidos são feitos mediante alegações que remetem a "busca de facilidades" (corrupção) ou juízos de valor (homicídios), e não é surpresa que o topo da pirâmide sempre age de imediato para garantir a proteção social e os menores danos sociais a seus detentores. Daí os casos de impunidade não só na Justiça, como também na preocupação mais recente de criminosos e corruptos de elite obterem também a simpatia da sociedade.
No "espiritismo", há até um famoso "médium" que lança quadros de pintura fake, que não correspondem aos estilos originais dos pintores mortos e, invariavelmente, apresentam apenas a caligrafia pessoal do "espírita" em questão. Ele expôs um dos quadros abertamente num programa de TV, como se fosse um troféu, e a Justiça não mexe com ele. Juízes e advogados só se aproximam do "médium" para lhe abraçarem, posarem para fotos e, pasmem, até para pedir conselhos.
Os critérios éticos, estéticos, morais e sociais do topo da pirâmide se tornam desgastados. O velho moralismo, o darwinismo social, vícios tipicamente brasileiros como o "jeitinho" e a "memória curta" (que protege antigos algozes da decadência, mudando sua imagem social perante a sociedade) tentam a todo custo livrar a plutocracia (o conjunto de privilegiados que ocupa a parte superior da pirâmide) do prejuízo sócio-econômico, do desprezo público e até da morte.
Sim, porque, aparentemente, o topo da pirâmide social não pode ter mortos prematuros e seus detentores, mesmo com problemas de saúde, têm quase sempre esforços hercúleos para adiarem o falecimento para o mais tarde possível, mesmo quando o organismo "pede pra sair" há décadas. Há dois políticos famosos da ditadura militar e três famosos homicidas (estes com histórico de sérios problemas de saúde) que, mesmo idosos, em tese, não parecem destinados a morrer tão cedo.
Políticos conservadores também tentam a todo custo abafar encrencas e infortúnios, tentando sobreviver a escândalos e impasses diversos. Seja o presidente Michel Temer ou os parlamentares Aécio Neves e Jair Bolsonaro (e os filhos deste, Flávio e Eduardo), seja o jurista Gilmar Mendes, entre outros, há todo um esforço de abafar situações negativas e sobreviver quase ileso no cume da pirâmide social.
E mesmo em religiões como as seitas neopentecostais (como a Igreja Universal do Reino de Deus) e até o "espiritismo", as confusões em que se metem seus ídolos religiosos sempre são abafadas. Sobretudo os "médiuns espíritas", de trajetória cheia de confusões graves nos bastidores, mas sempre se empenhando em passar, para a sociedade, uma imagem "limpa" de pretensos filantropos e uma reputação comparável à de fadas-madrinhas de contos de fadas.
Isso é um reflexo de uma mentalidade na qual a plutocracia não querer sequer perder seus totens. Há um tipo de sociedade marcada pela obtenção de privilégios elevados e métodos confusos e desonestos de ascensão social, nos padrões que fariam mais sentido nos anos 1970, que não quer que seus ilustres ídolos se tornem coisas do passado.
O medo que essa sociedade tem de ser passada para trás, de ver, mesmo nos seus membros mais idosos, a sombra do passado batendo suas portas, deixando que os privilegiados de toda ordem obtenham protagonismo ou mesmo coadjuvação para o futuro, pelo menos como "modelos a serem seguidos" pelos futuros privilegiados.
O topo da pirâmide social vive sua decadência, quando os diversos setores de privilégios sociais mostram toda a sua sordidez. O velho conservadorismo social que parecia liquidado nos anos 1960 mas retomou seu caminho na década seguinte luta para sobreviver nos tempos atuais, reclamando para si uma "modernidade" que lhes escapa das mãos.
É por isso que as velhas ordens sociais tentam a todo custo permanecer no "barco", evitando sua própria ruína e buscando a maior totalidade de "sobreviventes" possível, nesses tempos de impasses e inseguranças. E, com isso, revelam o medo de, perdendo a posse antecipada do futuro, serem tragadas pelo passado, deixando de exercer influência dominante na sociedade.
terça-feira, 29 de agosto de 2017
Por deturpação, "espiritismo" brasileiro pode estar perdendo adeptos
Oficialmente, o "espiritismo" brasileiro tem como seguidores 2% da população brasileira. Mas esse índice pode ser bem menor porque os critérios adotados são bastante flexíveis e confusos, podendo incluir "espíritas" ocasionais - pessoas fora da religião que recorrem, por exemplo, a tratamentos espirituais - até mesmo umbandistas intimidados com o racismo na sociedade.
Se considerar o termo "kardecista", a coisa não se resolve, porque o termo, apesar de ser derivativo do nome Allan Kardec, nada tem a ver com ele, sendo na verdade a definição da "fase dúbia" do "movimento espírita", que em tese evoca Kardec, mas na prática segue J. B. Roustaing.
Diante disso, o número de seguidores genuínos do legado kardeciano - é bom lembrar que se deve excluir os deturpadores que o bajulam e fingem apreciar a teoria espírita original - chega a ser inferior até mesmo a 0,1%, porque a maioria que se diz "espírita" é adepta de ideias roustanguistas, mesmo alegando "fidelidade absoluta" ao legado de Kardec.
Mas mesmo os roustanguistas enrustidos ("enroustanguidos"?) também são em menor número, diante de tantas contradições e pelo fato do "espiritismo", até por se tornar um clone da Igreja Católica, nunca oferecer um diferencial expressivo como religião.
O "espiritismo" apenas atrai, em maioria, um público bastante idoso, sendo na prática um "catolicismo" para exaustos, porque dispensa a ginástica do senta-e-levanta das missas católicas e dispensa compromissos formais associados ao Catolicismo propriamente dito.
ÁGUA COM AÇÚCAR
A maioria das atividades "espíritas" não oferece condições para o verdadeiro entendimento da Doutrina Espírita. Isso é menos mal, porque, quando a teoria espírita original é exposta, ela vem de deturpadores que não seguem rigorosamente as lições que divulgam em palestras, livros e depoimentos.
A Ciência Espírita tem, da parte destes palestrantes - uma elite de escritores e "médiuns" que bancam os "intelectuais" do "espiritismo" brasileiro - , uma exposição teórica razoável, mas que não diz muita coisa. Isso é notório, se observarmos, por exemplo, que a obra de Franz Anton Mesmer, autor do qual Kardec usou como ponto de partida para sua teoria espírita, não tem obras publicadas no Brasil.
Para piorar, há toda uma teoria de "mediunidade" que tem até pontos corretos, mas que os próprios "médiuns" não seguem. Se valendo do vício típico do povo brasileiro, a falta de concentração (que no cotidiano impede as pessoas de ouvirem música com atenção e se dedicarem à leitura regular de livros), a quase totalidade dos trabalhos "mediúnicos" é fake, pela incapacidade de obter a real comunicação com os espíritos.
Aliás, os espíritos desencarnados são os que menos se sentem inclinados a entrar em contato com os "médiuns espíritas". Isto é fato, porque o conteúdo do que entendemos, aqui, como mensagens "espirituais", não condiz com aspectos pessoais dos supostos autores, o que, para nós, é um processo fraudulento, mas, no mundo espiritual, é uma desonestidade maior ainda: no além-túmulo, a ideia é que os "médiuns", em vez de representar os mortos, decidem "falar por eles".
Isso é ofensivo, para os espíritos do além, porque não há a sintonia verdadeira das pessoas da Terra com eles, e não há coisa mais humilhante para alguém que gostaria de dizer alguma coisa que a de ver outra pessoa se passando por ele, escrevendo mensagem usando o seu nome.
Para piorar, as mensagens "espirituais" seguem sempre o mesmo conteúdo água-com-açúcar, completamente igrejista, que domina a maior parte das palestras "espíritas". Isso é como uma brincadeira de mau gosto, porque nem todo mundo está disposto a virar garoto-propaganda religioso, a fazer mershandising cristão, pois a maioria das "cartas psicográficas" apela para "nos unirmos na fraternidade em Cristo".
"CATOLICISMO" JESUÍTA
O que impede o "espiritismo" de aumentar sua popularidade, apesar de ser a religião mais blindada do país - em padrões que se comparam, na política, ao PSDB - , apoiada pela maior corporação de mídia do país, as Organizações Globo, é que seu conteúdo nem de longe empolga, porque soa como uma espécie de "catolicismo à paisana".
Observando com muita atenção o conteúdo do "espiritismo" em suas atividades e obras, nota-se que ele se tornou, na verdade, uma doutrina afastada, de maneira negativamente surpreendente, dos postulados espíritas originais. A alegada "fidelidade absoluta" a Kardec e até a apelos forçadamente hipócritas como "vamos viver Kardec" mais parecem conversas para boi dormir, cortinas de fumaça para tentar dissimular esse afastamento.
A coisa ocorre de tal forma que a evocação de padres, freiras, sacerdotes e outros figurões católicos na quase totalidade das "casas espíritas" - o precedente foi aberto com Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier, que evocou o padre Manuel da Nóbrega, renomeado Emmanuel - demonstra que o "espiritismo" brasileiro caminhou para ser uma versão repaginada do Catolicismo jesuíta, que vigorou no período colonial.
Na prática, o "espiritismo" brasileiro rompeu com Kardec porque seu conteúdo remete ao Catolicismo jesuíta, difundido pelo próprio Manuel da Nóbrega em seu tempo. O Catolicismo difundido pelo catecismo da Companhia de Jesus vem de Portugal, que manteve durante muito tempo dogmas e práticas medievais, praticando inquisições até mesmo na época da Revolução Francesa, no final do século XVIII.
Ideias como a apologia ao sofrimento humano, que remetem à Teologia do Sofrimento, são acolhidas pelos "espíritas" com mais entusiasmo do que os católicos. Além disso, os "espíritas" acabam defendendo valores moralistas mais conservadores e se alinhando até em manifestações sócio-políticas reacionárias, como os protestos contra Dilma Rousseff.
De maneira subliminar, identificou-se também, nos textos "espíritas", o apoio às reformas excludentes do governo Michel Temer, como a reforma trabalhista e a reforma da previdência. Apelos para os sofredores aceitarem o sofrimento, abrirem mão de desejos e necessidades mais fundamentais e se conformarem com as adversidades da vida tornaram-se mais frequentes, em diversas publicações e eventos "espíritas".
RAZÕES DA DECADÊNCIA
Em princípio, o que faz o "espiritismo" perder adeptos é a falta de um grande diferencial religioso, até porque a doutrina brasileira prefere imitar o Catolicismo até em ritos e dogmas, como no caso da água benta (pelo redundante nome de "água fluidificada"), o confessionário ("auxílio fraterno") e dogmas como a "data-limite" de Chico Xavier, imitação do "juízo final" católico.
Além disso, a aproximação do "espiritismo" com o Catolicismo jesuíta - que nem a suposta "fidelidade a Kardec" consegue disfarçar, porque o termo "kardequizar" é uma corruptela do termo "catequizar" - e a velha pieguice moralista dos romances "espíritas" pode fazer o "espiritismo" bastante agradável a pessoas com mais de 70 anos, mas muito deprimente e entediante para quem é mais jovem.
Mesmo as figuras dos "médiuns", em que pese a falsa atribuição de "futurismo" e "modernidade" dada aos mesmos, não deixam de serem antiquadas. O visual de Chico Xavier chegava a ser cafona, com sua peruca e seus óculos escuros. Como personalidades, Chico e seu principal seguidor, Divaldo Franco, remetem a velhas e antiquadas figuras do começo do século XX, ou talvez até de antes.
Chico Xavier era um caipira ultraconservador, como era em seu meio. Isso não é juízo de valor, é um fato confirmado sociologicamente. Como um caipira ultraconservador, ele era um beato católico, que em crenças era bastante ortodoxo. Sua ortodoxia só era "quebrada" formalmente pela aparente paranormalidade, bem mais precária do que se pode imaginar. Chico ia muito pouco além da "façanha" de conversar com a falecida mãe e com um antigo padre jesuíta.
Divaldo Franco, que já investe, na Mansão do Caminho, um projeto pedagógico bem de acordo com a Escola Sem Partido (curiosamente, a sigla ESP corresponde às três primeiras letras de "espiritismo"), remete ao velho e obsoleto estilo do professor verborrágico, aristocrático, símbolo de um saber hierarquizado e dotado de um discurso rebuscado de ideias prolixas.
Só para ter noção de como o perfil de Divaldo Franco é bastante antiquado, é só ver o livro O Ateneu, de Raul Pompeia (1863-1895), famoso escritor carioca. O modelo hierarquizado do professor "catedrático", personificado pelo diretor da escola, o pedagogo Aristarco, já era considerado decadente no ano em que a obra foi publicada, 1888.
Se confrontarmos os perfis de Divaldo com o do francês Allan Kardec, a coisa ainda se complica para o lado do "médium" baiano, definido pelo estudioso da Doutrina Espírita, José Herculano Pires, como roustanguista. Apesar das poses de "rigoroso discípulo de Kardec", o "médium" baiano difunde ideias que se chocam com os postulados espíritas originais, por mais que fale na tão alegada "fidelidade absoluta" ao pedagogo de Lyon.
Dá pena ver que muitos consideram Divaldo Franco "ultramoderno" e "futurista" e que muitos atribuem a ele e Chico Xavier a posse não só da verdade, como do futuro da humanidade. Logo eles, que sempre foram deturpadores severos e graves da Doutrina Espírita, católicos ortodoxos, figuras conservadoras e antiquadas no conjunto da obra.
É por isso que se vê que o "espiritismo" brasileiro perde adeptos, com "casas espíritas" se esvaziando constantemente. Em Salvador, houve caso de debandada de mais de 40 pessoas de uma única "casa espírita". Houve até rumores de que o "Centro Espírita Paulo e Estêvão", em Amaralina, iria se desfazer de parte de suas instalações, reduzindo seu espaço para conter despesas. A coisa está feia para aqueles que deturparam o trabalhoso legado de Kardec...
sábado, 26 de agosto de 2017
Deturpação do Espiritismo é muito mais grave do que se pensa
Deturpar a Doutrina Espírita, como se faz no Brasil, é um erro muito mais grave do que se pode imaginar, sendo uma vergonhosa desonra ao trabalho árduo de Allan Kardec.
quinta-feira, 24 de agosto de 2017
Sociedade não entendeu que feminicidas também produzem sua tragédia
A VIOLÊNCIA MACHISTA NÃO É TRÁGICA SÓ PARA AS VÍTIMAS, MAS TAMBÉM PARA OS PRÓPRIOS AGRESSORES.
A sociedade não entendeu quando, em textos na Internet, se fala que os homens que praticam violência contra a mulher, seja com amigas, colegas, estranhas ou as próprias companheiras, produzem também tragédia para si mesmos.
Num país patriarcal, moralista e complacente com os algozes - numa moral estranha em que se defende a punição às vítimas e o indulto aos algozes, dentro da perspectiva da Teologia do Sofrimento - , que no "espiritismo" inclui até a crença no "fiado moral", na qual o cometedor de injustiças e prejuízo alheio só "pagará pelo que fez" na próxima encarnação, há uma reação muitíssimo estranha quando se fala que feminicidas também podem morrer.
Há dois feminicidas famosíssimos, já idosos, que apresentam indícios de graves doenças, um por um passado de intenso tabagismo e uso de cocaina (só a cocaína foi deixada de lado, depos) e outro por overdose de comprimidos depois de matar uma namorada. Do primeiro, amigos já manifestaram preocupação pelo intenso tabagismo. Do segundo, uma reportagem já citou que ele estaria sofrendo de câncer na próstata e também de uma forma avançada de diabates, que o deixou quase cego.
Apesar disso, muitos imaginam ofensivo cogitar que um feminicida possa falecer um dia, em muitos casos, até de forma prematura, antes dos 60 anos de idade. Mais escandaloso do que alguém falar que "quem matou vai morrer um dia" é ver pessoas amedrontadas pela simples hipótese de que assassinos de classes privilegiadas, sobretudo feminicidas, também adoecem, sofrem acidentes e morrem.
A coisa é tão surreal que, apesar do horror que muitos atos feminicidas provocam, com a chocante decisão de homens considerados "de bem" de matarem, até com crueldade e frieza, suas próprias companheiras, há um apego estranho de parte da sociedade a eles, e o mínimo que esta parcela pode admitir é que o falecimento deles, se ocorrer, tenha o silêncio da imprensa.
Isso contradiz o próprio contexto de liberdade e amplitude de informações. Em outros tempos, era mais fácil noticiar o falecimento de um homicida, seja feminicida ou não. Nomes como Leopoldo Heitor, Michel Frank e Otto Willy Jordan, entre os feminicidas, e um serial killer como o estadunidense Ed Gein, puderam ter seus falecimentos divulgados pela imprensa.
Hoje há um estranho fenômeno que os obituários publicados na mídia brasileira são um "quase paraíso". Grandes artistas, ativistas sociais, políticos veteranos de perfil mais moderado, fazem dos obituários uma lista de "quase anjos" que, mesmo com aspectos pessoais sombrios, são mais marcados por qualidades positivas.
No exterior, pelo menos divulgam-se eventualmente falecimentos de assassinos, como o britânico Ian Brady, um dos moors murderers que assassinaram crianças e adolescentes em Saddleworth Moor, em Manchester, falecido este ano. Sua parceira nos crimes, Myra Hindley, faleceu em 2002. Na Itália, também foi noticiada a morte de Pino Pelosi, assassino do cineasta Pier Paolo Pasolini.
No Brasil, o último grande assassino de grande repercussão a falecer foi Carlos Eduardo Nunes, o Cadu, que matou o cartunista Glauco Villas Boas (de personagens como Geraldão, Casal Neuras, Doy Jorge e Dona Marta). Ele teria sido assassinado devido a uma briga na prisão.
Na busca do Google, as tragédias dos homicidas, potenciais ou consumadas, só são noticiadas quando o criminoso não é ligado a um privilégio social. Quando o homicida é um privilegiado, em que pese seu crime ter comovido o país e o julgamento do mesmo ter sido noticiado em redes nacionais de televisão, sua tragédia quase nunca é noticiada.
É só perceber como a Agência O Globo noticiou os casos dos assassinatos da atriz Luz Del Fuego, em 1967, e da socialite Ângela Diniz, em 1976. Dois dois casos, o primeiro noticiou o paradeiro dos assassinos da atriz, que ao longo dos anos morreram assassinados. Eram dois pescadores que estavam de olho nos patrimônios da atriz, que era rica. Um morreu na prisão e outro, solto, numa emboscada.
No caso de Ângela Diniz, assassinada pelo playboy Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street, ligado a uma poderosa família de empresários, não se menciona o paradeiro dele, em tese com 83 anos de idade hoje. A notícia mais recente dele foi quando ele divulgou, em 2006, na imprensa seu livro Mea Culpa (que encalhou nas livrarias), no qual ele, livre da prisão, dava sua versão para o crime. A julgar pelo texto, não se sabe se Doca ainda está vivo ou se já morreu.
Por ironia, em 2016 o cantor canadense Leonard Cohen, nascido na mesma época que Doca, ao ser diagnosticado de séria doença, finalizou seu último álbum de estúdio e declarou "estar pronto para morrer". Faleceu pouco depois, ainda nesse ano. Pelo histórico de intenso tabagismo agravado pelo uso de cocaína, seria lógico que Doca estivesse, ao menos, em tratamento contra um câncer. Mas um texto que falou dessa hipótese foi definido pelo portal de "mídia independente" como "preconceituoso".
Doca é um dos três assassinos idosos com indícios de grave doença, e um de dois feminicidas (o outro, o ex-jornalista Antônio Pimenta Neves, foi noticiado como portador de câncer na próstata e diabetes). Fora do feminicídio, outro assassino idoso, o fazendeiro Darly Alves, mandante do assassinato do seringueiro Chico Mendes, apresentava constantes problemas de úlceras que o levaram várias vezes ao hospital.
TENSÕES DIVERSAS
O assassino em geral que é dotado de algum privilégio na sociedade não mata outra pessoa por uma simples questão de desabafo, tirando a vida de alguém e, depois disso, viver uma realidade zen, sobretudo sob a impunidade da justiça. Ele sofre pressões emocionais sérias, que o acompanham desde o desejo de tirar a vida do outro até depois de sofrer os efeitos sociais do crime cometido.
Há muito nervosismo e também a noção do risco de cometer um ato extremamente egoísta e danoso a outra pessoa e seus amigos, porque o criminoso tem noção do quanto o ato que quer cometer é extremamente errado e causará intensos prejuízos não só ao morto, mas àqueles que conviveram com ele. Contrariando a recomendação moral de não cometer o crime, o criminoso "esclarecido das coisas" fez justamente aquilo que não deveria fazer e sofre as consequências.
Recentemente, o assassinato da violonista Mayara Amaral, em Mato Grosso do Sul, pelo ciúme doentio do namorado músico Luiz Alberto Barros e dois comparsas com passagens na polícia por tráfico e roubo, abortou para sempre a conclusão de um trabalho de mestrado sobre mulheres violonistas e uma carreira musical de qualidade, um sério prejuízo para a cultura brasileira. Ela foi morta e ainda teve seu corpo queimado.
Em contrapartida, porém, se caso os três homicidas, por alguma brecha judicial, forem soltos da cadeia, há o risco do próprio mandante do crime, Luiz Alberto, ser morto pelos outros dois mediante uma briga, sobretudo quando, nestas ocasiões, o mandante quer sempre levar a melhor do que seus executores. E Luiz Alberto ainda seria um usuário de drogas, daí o contato com os comparsas.
É um risco que poderia acontecer ao ex-promotor de Atibaia, Igor Ferreira da Silva (que em 1998 mandou matar a esposa, Patrícia Aggio Longo, grávida), hoje solto, se o executor do crime também deixar a prisão, geralmente para acertar contas com o mandante que o deixou "na pior".
O assassino, na maioria das vezes consciente do erro que seu ato representa, sofre um violento impacto emocional já quando seu crime ainda era só um desejo. Depois de um homicídio, o organismo reage com um impacto comparável ao de uma única ingestão de crack, e doses pesadas de adrenalina são despejadas no sangue.
Com o ato consumado e com as consequências do crime cometido ocorridas, o assassino agrava suas pressões emocionais, o que influi no organismo que é seriamente abalado com isso, praticamente abreviando a expectativa de vida de um homicida de condições sociais relativamente prósperas.
Um homicida nessas condições tem, geralmente, de 15 a 20 anos de vida inferiores do que a expectativa de vida de um brasileiro comum, de 75 anos. Normalmente, estima-se em apenas 60 anos para um homicida dotado de um privilégio social completar seu ciclo de vida. Algo que choca a parcela da sociedade moralista que acredita que criminosos assim possam chegar "inteiros" aos 93 anos (!).
O ato cometido por um homicida provoca revolta em boa parte da sociedade. Sofre pressões emocionais contraditórias, alternando irritação com depressão e sentimentos de orgulho com os de vergonha. A reação acaba sendo bastante traumática, sobretudo pela noção do ato que ele tinha consciência de que não deveria ter cometido.
Estima-se que os males fatais mais potenciais para assassinos são câncer, infarto e acidentes de trânsito, quando os próprios assassinos pegam no volante e percorrem rodovias movimentadas. Em temos de convulsões sociais na Internet, redutos de profundo ódio, assassinos ricos e impunes estão entre os que mais recebem ameaças de morte nas redes sociais.
A ideia é, claro, ninguém matar os homicidas. É fundamental e justo que deixemos eles tanto viverem quanto morrerem em paz, independente do tempo de vida que alcançam. Mas se os homicidas, pela natureza dos seus atos e pelos contextos em que vivem, produziram sua própria tragédia, não se deve omitir isso, mesmo quando seus crimes foram feitos sobre "bandeiras morais" como "legítima defesa da honra" e "direito à propriedade".
Da mesma forma como não se pode dizer que ninguém se suicida por diversão - como acreditam os "espíritas" - , ninguém mata o outro por mero desabafo. E o homicídio, ato mais extremo do egoísmo humano, quase sempre traz ao seu autor as pressões sociais que abalam o organismo, fragilizando sua saúde. Ninguém tira a vida do outro e volta para a casa com a consciência tranquila, com toda a frieza que muitos cometem este crime.
E se a imprensa é capaz de noticiar falecimento, por infarto, de jogadores de pequenos times de futebol e anônimos morrendo durante treinos militares, por que não noticiar, se houver, as tragédias de homicidas que chamaram a atenção de todo o país com os crimes que cometeram?
A sociedade não entendeu quando, em textos na Internet, se fala que os homens que praticam violência contra a mulher, seja com amigas, colegas, estranhas ou as próprias companheiras, produzem também tragédia para si mesmos.
Num país patriarcal, moralista e complacente com os algozes - numa moral estranha em que se defende a punição às vítimas e o indulto aos algozes, dentro da perspectiva da Teologia do Sofrimento - , que no "espiritismo" inclui até a crença no "fiado moral", na qual o cometedor de injustiças e prejuízo alheio só "pagará pelo que fez" na próxima encarnação, há uma reação muitíssimo estranha quando se fala que feminicidas também podem morrer.
Há dois feminicidas famosíssimos, já idosos, que apresentam indícios de graves doenças, um por um passado de intenso tabagismo e uso de cocaina (só a cocaína foi deixada de lado, depos) e outro por overdose de comprimidos depois de matar uma namorada. Do primeiro, amigos já manifestaram preocupação pelo intenso tabagismo. Do segundo, uma reportagem já citou que ele estaria sofrendo de câncer na próstata e também de uma forma avançada de diabates, que o deixou quase cego.
Apesar disso, muitos imaginam ofensivo cogitar que um feminicida possa falecer um dia, em muitos casos, até de forma prematura, antes dos 60 anos de idade. Mais escandaloso do que alguém falar que "quem matou vai morrer um dia" é ver pessoas amedrontadas pela simples hipótese de que assassinos de classes privilegiadas, sobretudo feminicidas, também adoecem, sofrem acidentes e morrem.
A coisa é tão surreal que, apesar do horror que muitos atos feminicidas provocam, com a chocante decisão de homens considerados "de bem" de matarem, até com crueldade e frieza, suas próprias companheiras, há um apego estranho de parte da sociedade a eles, e o mínimo que esta parcela pode admitir é que o falecimento deles, se ocorrer, tenha o silêncio da imprensa.
Isso contradiz o próprio contexto de liberdade e amplitude de informações. Em outros tempos, era mais fácil noticiar o falecimento de um homicida, seja feminicida ou não. Nomes como Leopoldo Heitor, Michel Frank e Otto Willy Jordan, entre os feminicidas, e um serial killer como o estadunidense Ed Gein, puderam ter seus falecimentos divulgados pela imprensa.
Hoje há um estranho fenômeno que os obituários publicados na mídia brasileira são um "quase paraíso". Grandes artistas, ativistas sociais, políticos veteranos de perfil mais moderado, fazem dos obituários uma lista de "quase anjos" que, mesmo com aspectos pessoais sombrios, são mais marcados por qualidades positivas.
No exterior, pelo menos divulgam-se eventualmente falecimentos de assassinos, como o britânico Ian Brady, um dos moors murderers que assassinaram crianças e adolescentes em Saddleworth Moor, em Manchester, falecido este ano. Sua parceira nos crimes, Myra Hindley, faleceu em 2002. Na Itália, também foi noticiada a morte de Pino Pelosi, assassino do cineasta Pier Paolo Pasolini.
No Brasil, o último grande assassino de grande repercussão a falecer foi Carlos Eduardo Nunes, o Cadu, que matou o cartunista Glauco Villas Boas (de personagens como Geraldão, Casal Neuras, Doy Jorge e Dona Marta). Ele teria sido assassinado devido a uma briga na prisão.
Na busca do Google, as tragédias dos homicidas, potenciais ou consumadas, só são noticiadas quando o criminoso não é ligado a um privilégio social. Quando o homicida é um privilegiado, em que pese seu crime ter comovido o país e o julgamento do mesmo ter sido noticiado em redes nacionais de televisão, sua tragédia quase nunca é noticiada.
É só perceber como a Agência O Globo noticiou os casos dos assassinatos da atriz Luz Del Fuego, em 1967, e da socialite Ângela Diniz, em 1976. Dois dois casos, o primeiro noticiou o paradeiro dos assassinos da atriz, que ao longo dos anos morreram assassinados. Eram dois pescadores que estavam de olho nos patrimônios da atriz, que era rica. Um morreu na prisão e outro, solto, numa emboscada.
No caso de Ângela Diniz, assassinada pelo playboy Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street, ligado a uma poderosa família de empresários, não se menciona o paradeiro dele, em tese com 83 anos de idade hoje. A notícia mais recente dele foi quando ele divulgou, em 2006, na imprensa seu livro Mea Culpa (que encalhou nas livrarias), no qual ele, livre da prisão, dava sua versão para o crime. A julgar pelo texto, não se sabe se Doca ainda está vivo ou se já morreu.
Por ironia, em 2016 o cantor canadense Leonard Cohen, nascido na mesma época que Doca, ao ser diagnosticado de séria doença, finalizou seu último álbum de estúdio e declarou "estar pronto para morrer". Faleceu pouco depois, ainda nesse ano. Pelo histórico de intenso tabagismo agravado pelo uso de cocaína, seria lógico que Doca estivesse, ao menos, em tratamento contra um câncer. Mas um texto que falou dessa hipótese foi definido pelo portal de "mídia independente" como "preconceituoso".
Doca é um dos três assassinos idosos com indícios de grave doença, e um de dois feminicidas (o outro, o ex-jornalista Antônio Pimenta Neves, foi noticiado como portador de câncer na próstata e diabetes). Fora do feminicídio, outro assassino idoso, o fazendeiro Darly Alves, mandante do assassinato do seringueiro Chico Mendes, apresentava constantes problemas de úlceras que o levaram várias vezes ao hospital.
TENSÕES DIVERSAS
O assassino em geral que é dotado de algum privilégio na sociedade não mata outra pessoa por uma simples questão de desabafo, tirando a vida de alguém e, depois disso, viver uma realidade zen, sobretudo sob a impunidade da justiça. Ele sofre pressões emocionais sérias, que o acompanham desde o desejo de tirar a vida do outro até depois de sofrer os efeitos sociais do crime cometido.
Há muito nervosismo e também a noção do risco de cometer um ato extremamente egoísta e danoso a outra pessoa e seus amigos, porque o criminoso tem noção do quanto o ato que quer cometer é extremamente errado e causará intensos prejuízos não só ao morto, mas àqueles que conviveram com ele. Contrariando a recomendação moral de não cometer o crime, o criminoso "esclarecido das coisas" fez justamente aquilo que não deveria fazer e sofre as consequências.
Recentemente, o assassinato da violonista Mayara Amaral, em Mato Grosso do Sul, pelo ciúme doentio do namorado músico Luiz Alberto Barros e dois comparsas com passagens na polícia por tráfico e roubo, abortou para sempre a conclusão de um trabalho de mestrado sobre mulheres violonistas e uma carreira musical de qualidade, um sério prejuízo para a cultura brasileira. Ela foi morta e ainda teve seu corpo queimado.
Em contrapartida, porém, se caso os três homicidas, por alguma brecha judicial, forem soltos da cadeia, há o risco do próprio mandante do crime, Luiz Alberto, ser morto pelos outros dois mediante uma briga, sobretudo quando, nestas ocasiões, o mandante quer sempre levar a melhor do que seus executores. E Luiz Alberto ainda seria um usuário de drogas, daí o contato com os comparsas.
É um risco que poderia acontecer ao ex-promotor de Atibaia, Igor Ferreira da Silva (que em 1998 mandou matar a esposa, Patrícia Aggio Longo, grávida), hoje solto, se o executor do crime também deixar a prisão, geralmente para acertar contas com o mandante que o deixou "na pior".
O assassino, na maioria das vezes consciente do erro que seu ato representa, sofre um violento impacto emocional já quando seu crime ainda era só um desejo. Depois de um homicídio, o organismo reage com um impacto comparável ao de uma única ingestão de crack, e doses pesadas de adrenalina são despejadas no sangue.
Com o ato consumado e com as consequências do crime cometido ocorridas, o assassino agrava suas pressões emocionais, o que influi no organismo que é seriamente abalado com isso, praticamente abreviando a expectativa de vida de um homicida de condições sociais relativamente prósperas.
Um homicida nessas condições tem, geralmente, de 15 a 20 anos de vida inferiores do que a expectativa de vida de um brasileiro comum, de 75 anos. Normalmente, estima-se em apenas 60 anos para um homicida dotado de um privilégio social completar seu ciclo de vida. Algo que choca a parcela da sociedade moralista que acredita que criminosos assim possam chegar "inteiros" aos 93 anos (!).
O ato cometido por um homicida provoca revolta em boa parte da sociedade. Sofre pressões emocionais contraditórias, alternando irritação com depressão e sentimentos de orgulho com os de vergonha. A reação acaba sendo bastante traumática, sobretudo pela noção do ato que ele tinha consciência de que não deveria ter cometido.
Estima-se que os males fatais mais potenciais para assassinos são câncer, infarto e acidentes de trânsito, quando os próprios assassinos pegam no volante e percorrem rodovias movimentadas. Em temos de convulsões sociais na Internet, redutos de profundo ódio, assassinos ricos e impunes estão entre os que mais recebem ameaças de morte nas redes sociais.
A ideia é, claro, ninguém matar os homicidas. É fundamental e justo que deixemos eles tanto viverem quanto morrerem em paz, independente do tempo de vida que alcançam. Mas se os homicidas, pela natureza dos seus atos e pelos contextos em que vivem, produziram sua própria tragédia, não se deve omitir isso, mesmo quando seus crimes foram feitos sobre "bandeiras morais" como "legítima defesa da honra" e "direito à propriedade".
Da mesma forma como não se pode dizer que ninguém se suicida por diversão - como acreditam os "espíritas" - , ninguém mata o outro por mero desabafo. E o homicídio, ato mais extremo do egoísmo humano, quase sempre traz ao seu autor as pressões sociais que abalam o organismo, fragilizando sua saúde. Ninguém tira a vida do outro e volta para a casa com a consciência tranquila, com toda a frieza que muitos cometem este crime.
E se a imprensa é capaz de noticiar falecimento, por infarto, de jogadores de pequenos times de futebol e anônimos morrendo durante treinos militares, por que não noticiar, se houver, as tragédias de homicidas que chamaram a atenção de todo o país com os crimes que cometeram?
terça-feira, 22 de agosto de 2017
A indiferença generalizada com o atual momento
"Puxa, quer dizer que não posso ser feliz, na moral?", diz o cidadão médio, quando questionado por outrem sobre a alegria extrema que vive nos últimos momentos, desde quando, em maio de 2016, o governo Dilma Rousseff se encerrou de forma abrupta, forçada pela pressão oposicionista exercida pelos poderes Legislativo e Judiciário.
O momento atual é de profundos retrocessos sociais e não há como ser feliz num momento desses, se comportando como se o país vivesse a melhor fase de sua História. Não vive, e tal felicidade mais parece uma sensação de egoísmo do que de otimismo.
Os retrocessos são imensos. A economia do Brasil irá se enfraquecer, com o "crescimento" só se refletindo para as elites financeiras e uma parcela da classe média conservadora. As conquistas sociais estão sendo desfeitas uma a uma. Mulheres e negros estão cada vez mais atingidos pela violência que voltou com tudo. E reacionários de extrema-direita parecem cada vez mais esperançosos em conquistar o poder.
O momento é de reflexão, de apreensão e até de indignação. Se as pessoas tivessem vontade de se unir para protestar contra Michel Temer com maior intensidade do que andaram fazendo, seria melhor. Mas Temer está feliz, governando às costas do povo, derrubando obstáculos jurídicos que poderiam afastá-lo do governo, impondo uma pauta que trará danos irreparáveis nas vidas de muitos brasileiros.
E o "espiritismo", que estufa o peito para declarar "fidelidade absoluta" a Allan Kardec, mas a este comete traições, "oito dias por semana", com postulados igrejeiros medievais, nem está aí. Os "espíritas" apoiam Temer, não pela declaração explícita, mas pelos apelos insistentes para os infortunados "amarem o sofrimento" e manterem fé mesmo na pior das agonias.
Esses apelos demonstram o quanto o "espiritismo" vestiu a camisa da Teologia do Sofrimento, a corrente católica medieval que nem todos os católicos aceitam, mas os "espíritas" em sua grande maioria defendem, sem declarar explicitamente. Aliás, no discurso, os "espíritas" se dizem "surpresos" com tal constatação, pois se acham "progressistas" e nunca assumiriam teoricamente a apologia ao sofrimento humano.
É aquela coisa. Praticam, mas não assumem. Defendem, apelam, apoiam a tese da "aceitação do sofrimento", desenvolvem as falácias do "inimigo de si mesmo", que só empurram o sofredor para o suicídio (para este, tudo é pior seja na vida ou na morte), e fazem isso com todas as palavras e pontuações.
Mas quando alguém melhor informado lhes diz "Isso é Teologia do Sofrimento, é catolicismo medieval", os "espíritas" choram aos berros e tentam dizer "não é bem assim". Só que até os católicos que assumem a Teologia do Sofrimento também vêm com esse papo de "não é bem assim". Ninguém quer levar fama de carrasco.
Em todo caso, o "espiritismo" brasileiro demonstrou apoiar Temer e achar positivos os retrocessos sociais em marcha. Se a negociação entre patrões e empregados perdeu a regulação da lei, os "espíritas" acham isso ótimo, acreditando em "acordo entre irmãos", nos quais o empregado testará seu espírito de renúncia e abnegação e aceitar as restrições que o patrão irá impor, para "resolver a crise" e garantir para o empresário aquela turnê Miami-Nova York-Los Angeles com a família.
O salário vai reduzir? "Que bom, grande oportunidade para o desapego!". Desapega-se do necessário para garantir o apego dos outros ao supérfluo! A aposentadoria vai para o fim da vida? "Que maravilha, os proventos serão liberados no além-túmulo, quem sabe o 'de cujus' (falecido) poderá calcular o valor da aposentadoria e receber em bônus-hora quando estiver numa colônia espiritual".
Haverá mais privatização de empresas e instituições públicas? A Educação e a Saúde, com verbas públicas congeladas, serão entregues à "ajuda generosa" dos investidores privados? "Que bom, assim o Brasil terá menos responsabilidades e poderá ter mais tempo de pregar o Evangelho, conforme as maravilhosas profecias de Francisco Cândido Xavier".
Enquanto uma grande maioria de pessoas é "convidada" a "aceitar o sofrimento", "abrir mão de tudo", enquanto o sofrimento humano é defendido pelos "espíritas" até depois que o sofredor se arrepende de seus erros (a defesa do sofrimento continuando após o remorso soa como um "estelionato moral" da religião), os privilegiados precisam ser protegidos nos seus abusos e até perversidades. A ideia é ser sempre caridoso com um egoísta para ele praticar seu egoísmo em paz.
Vivemos um período sombrio, em que o "alto da pirâmide", em acelerado processo de perecimento, já fedendo a cadáver podre em vida, tenta resistir a tudo e a todos, se tornando não só senhor das circunstâncias, mas tentando ser o senhor do passado, do presente e do futuro. De machistas a coronelistas, de entreguistas a obscurantistas religiosos, a turma "de cima" luta para não perecer, para não morrer, para não decair, empurrando encrencas e condenações com a barriga.
Por isso, vivemos, no Brasil, um período dos mais sombrios. As tentativas de progressos vindas de 1808 até mais ou menos 2007 - quando cresceu, nas redes sociais, uma onda de reacionarismo de internautas - parecem ter sido em vão, porque as forças retrógradas de todo tipo hoje reagem de forma bastante violenta para forçar a marcha-a-ré evolutiva da sociedade brasileira.
Não se pode ver atenuantes no status quo social em crimes, gafes e erros graves cometidos por gente privilegiada. Corrupção de políticos do PMDB e PSDB não são piada de humorístico da TV, são casos graves que podem botar o país a perder. Feminicídio praticado por homens privilegiados não é ato de proteção aos valores da Família, mas um possível "higienismo" gradual que, além de reduzir o número de mulheres no Brasil, impede também o nascimento de novos brasileiros.
As pessoas devem ficar aflitas e indignadas. Se é possível ficar alegre, não se pode exagerar. O clima hoje não é de paraíso nem de algo parecido. A situação está grave para todos, e o jeito é reconhecer o quanto o "alto da pirâmide" está apodrecido e vermos que muitos valores declinarão, muitos "heróis" terão que ser abandonados e muitos paradigmas, alguns aparentemente valiosos, terão que cair.
Até o nosso "espiritismo" está insustentável, não valendo mais aquela velha promessa de 40 anos atrás dos mesmos deturpadores "aprenderem melhor as lições de Allan Kardec". De que adianta eles estudarem a Doutrina Espírita original e exporem a sua teoria se depois vão praticar o igrejismo que entra em choque com os postulados kardecianos? Além disso, deve-se sempre abrir mão da ideia confortável da raposa sempre ser chamada para reconstruir o galinheiro que destruiu.
Dá para ser alegre, animado, e estar de bem com a vida. Só não se pode exagerar, como se vivesse um clima de tempos áureos. Até porque isso pode sugerir alienação ou egoísmo, pois nem todos compartilham dessa "incrível felicidade" que apenas uns poucos, privilegiados ou desavisados dos tempos sombrios de hoje, vivem. Ainda que uma esperança seja possível, o momento é de reflexão e até de preocupação.
segunda-feira, 21 de agosto de 2017
"Espiritismo" se vale de confusão antiga para tentar se salvar
O "espiritismo" brasileiro resgatou uma confusão antiga, que antes incomodava seus membros, como recurso para tentar se salvar da crise aguda que sofre, quando são reveladas irregularidades graves da doutrina igrejeira brasileira.
Observando os episódios de intolerância religiosa que atingem os movimentos afro-brasileiros, que a mídia empresarial confunde com "movimentos espíritas", o antigo preconceito que causava mal-estar entre os "espíritas" brasileiros tornou-se, por ironia, a sua tábua de salvação.
O episódio de uma casa de umbanda no bairro de Humaitá, Zona Sul do Rio de Janeiro, é ilustrativo. Os noticiários mais comuns definem a casa como um "centro espírita", que há poucos dias sofreu uma tentativa de incêndio e também sofreu, antes disso, outras invasões. O episódio foi definido como um dos principais casos de intolerância religiosa existentes no Brasil.
No passado, as religiões afro-brasileiras eram confundidas com "espiritismo" pelo aparente tratamento com o sobrenatural. Num dado sentido, a umbanda assimilou valores do "kardecismo" sob a mesma lógica que o próprio "espiritismo" brasileiro assimilou valores católicos no passado, visando sobrevivência institucional e se protegendo contra a repressão policial.
Hoje o "espiritismo" brasileiro tenta dar a falsa impressão de que está sofrendo todo tipo de intolerância religiosa. Até um assalto ocorrido numa "casa espírita" em Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco, no mês passado, é interpretado como "intolerância religiosa" por alguns "espíritas" mais apressados. Sem falar da choradeira que muitos expositores "espíritas" fazem diante das críticas duras que a doutrina igrejeira recebe.
Observando bem a situação, porém, o que se vê é que o "espiritismo" brasileiro, aquele que jura ser "rigorosamente fiel" com os ensinamentos de Allan Kardec mas pratica abertamente o igrejismo de Jean-Baptiste Roustaing, é uma das religiões mais toleradas do país, sendo até mais do que as seitas neopentecostais que se aglutinaram para formar a "bancada da Bíblia" no Congresso Nacional.
Embora não tenha a popularidade da Igreja Universal do Reino de Deus (dona da Record TV) nem a visibilidade de concorrentes que alugam horários na Band, CNT e Rede TV!, o "espiritismo" brasileiro é blindado pela mais poderosa rede de televisão do Brasil, a Rede Globo, surgida com uma ajudinha de fora da empresa Time-Life, três anos antes de 1965, ano de sua inauguração.
A Globo vestiu a camisa do "espiritismo" porque usa uma religião que se comporta igualzinho à Igreja Católica - embora os "espíritas" apresentem um conteúdo mais medieval, em que pese a embalagem "mais moderna" - , mas não possui aparatos pomposos, podendo se passar até por uma "não-religião", pela embalagem "limpa" e pelo verniz de "simplicidade" e "despretensão" que apresenta.
A tolerância é tanta que obras comprovadamente fake relacionadas à psicografia e pinturas mediúnicas são publicadas livremente, sendo os livros disponíveis até gratuitamente na Internet. Mesmo irregularidades reconhecidas e provadas não fazem a Justiça se mexer um dedo contra os farsantes, e isso num país em que petistas são condenados se uma simples fofoca supor alguma atitude negativa de um membro do Partido dos Trabalhadores.
Obras com diferenças estilísticas bastante grosseiras, como a de Francisco Cândido Xavier creditada ao "espírito Humberto de Campos", e o quadro "São Francisco de Assis" que José Medrado atribuiu ao pintor Cândido Portinari, que apresenta diferenças aberrantes ao similar que o falecido pintor deixou em vida, são aceitas até com certo entusiasmo, porque são obras, tendenciosa mas oficialmente, associadas ao "trabalho do bem".
O "espiritismo" brasileiro, de forma comprovada, em que pese todo discurso de "fidelidade absoluta" e "respeito rigoroso" aos postulados kardecianos, comprova assumir práticas contrárias aos mesmos. É só perceber o que os textos de O Livro dos Médiuns esclarecem e observa-se que muitas das práticas e ideias reprovadas por Allan Kardec são abertamente seguidas por Chico Xavier, Divaldo Franco e companhia.
Sem ter uma postura realmente autocrítica - os "espíritas" apenas "admitem" que "são falíveis", como quem tenta "assumir que errou" para se livrar de uma punição - , o "espiritismo" brasileiro agora deve ter passado a gostar de ser confundido com a umbanda, que voltou a ser vítima de intolerância no contexto de retomadas ultraconservadoras que se consolidaram em maio de 2016.
Mas uma coisa é condenar a intolerância contra as religiões afro-brasileiras, que não apelam para a desonestidade doutrinária e possuem um rico repertório cultural, tendo servido, no passado, como meio de expressão cultural e proteção social dos antigos escravos, que nem cidadania possuíam. Eram os cultos afro-brasileiros, neste caso, formas de socialização e integração humana naqueles momentos muito difíceis de violento preconceito social manifesto pelas elites.
Outra coisa, porém, é a intolerância à mentira e à traição. Está cada vez mais claro que os "espíritas" se revelam traidores de Allan Kardec, constatação que não isenta sequer os "renomados" Chico e Divaldo, eles mesmos tendo lançado em livros e, durante muitos anos, ideias que contrariam frontalmente os postulados espíritas originais.
É inútil que palestrantes "espíritas" fiquem por aí bajulando Kardec e até Erasto, fazendo falsos comentários contra a vaticanização espírita que no fundo adoram praticar, e até fazer apelos tendenciosos para "não só entender Kardec, mas viver Kardec". De que adianta expor corretamente a teoria espírita, se na prática se cometem traições das mais aberrantes? Será que temos que tolerar isso?
sexta-feira, 18 de agosto de 2017
"Espíritas" põem culpa em "fantasmas" pelo roustanguismo
O "espiritismo" tem dessas coisas. A religião dos "certinhos" que, quando se envolve em escândalos, põe a responsabilidade nas "almas atormentadas" que "sussurram más sugestões" e supostamente lançam os "espíritas" uns contra os outros.
Como uma Torre de Babel travestida de doutrina espiritualista, o "espiritismo" brasileiro tenta ludibriar a opinião pública, pregando uma coerência que não tem e atribui seus erros aos "amiguinhos pouco esclarecidos que só vem perturbar o trabalho do bem". Toda essa retórica de desculpas é feita para dar a impressão de que o "espiritismo" é a "doutrina da pureza" e seus integrantes, se não são "anjos", estão "próximos disso".
Se o "espiritismo" brasileiro tem uma grande virtude, ela não é a ética, nem a coerência, nem a lógica e muito menos a caridade (que, tão alardeada, esconde que não vai além de mero Assistencialismo). Sua maior virtude é arrumar desculpa para tudo, ter sempre uma alegação pronta para qualquer tipo de deslize, para qualquer procedimento feito ao arrepio dos postulados de Allan Kardec.
Exemplos não faltam. Se o "espiritismo" brasileiro está muito catolicizado, as desculpas utilizadas são que muitos "espíritas" teriam sido padres em encarnações passadas, que o Brasil adaptou a doutrina kardeciana às "tradições religiosas locais" e que tal procedimento se deve pela "afinidade com as ideias do Cristianismo".
Se o "espiritismo" brasileiro é blindado pela Rede Globo de Televisão, a desculpa é que os "espíritas" acham isso ótimo, porque a Globo, pela sua grande audiência, "ajuda muito" na divulgação da "doutrina espírita".
Há também a desculpa, cada vez mais utilizada, que as críticas e ocorrências infelizes que atingem o "espiritismo" brasileiro são fruto de "intolerância religiosa", quando se sabe que as duras críticas aos deslizes do "espiritismo" são, na verdade, intolerância contra a mentira, a desonestidade doutrinária, porque os "espíritas", comprovadamente, cometeram muitas traições aos ensinamentos kardecianos.
Com a blindagem que o "espiritismo" tem, em que até seus piores erros são permitidos, e comprova-se a irregularidade nas "obras mediúnicas", cujos quadros, livros e cartas se chocam com os aspectos pessoais dos autores mortos alegados, nem se pode falar em "intolerância religiosa", quando até um juízo de valor perverso trazido por um "médium espírita" é aceito, mesmo sob o risco de causar danos morais a quem é julgado.
Outro exemplo de desculpas é atribuir aos "espíritos obsessores" os incidentes negativos causados pelos próprios "espíritas". O histórico de confusões do suposto médium Francisco Cândido Xavier, que começou com um livro claramente de obras fake, Parnaso de Além-Túmulo, se valendo pelo uso de nomes ilustres de literatos mortos, é um claro exemplo disso.
É bom deixar claro para todos que o que Chico Xavier fez, e que, lamentavelmente, tem até hoje a aceitação do público e a total e aberta blindagem da mídia e da Justiça - Chico Xavier é (mesmo postumamente) uma espécie de Aécio Neves da religião, tido como "intocável" - , é na verdade um grave problema que já havia sido alertado previamente por Allan Kardec, pelo nem sempre agradável O Livro dos Médiuns.
Nele Kardec alertava sobre o uso de nomes ilustres que espíritos mistificadores - ele destacava os desencarnados, mas vale perfeitamente também para os encarnados e os próprios "médiuns" - se utilizam para veicular ideias retrógradas, sombrias ou delirantes, manipulando as pessoas com a atribuição forjada de nomes prestigiados.
A atribuição a nomes como Humberto de Campos, Augusto dos Anjos, Casimiro de Abreu, Castro Alves e até mesmo a pouco conhecida Auta de Souza, em obras que claramente fugiam de seus respectivos estilos originais (basta uma leitura dedicada para constatar essa dura verdade), era um artifício para o medieval "médium" de Pedro Leopoldo impor a Teologia do Sofrimento, de quem era devoto, através do "apoio" forçado de literatos mortos e renomados.
Todavia, como no Brasil há o chamado "jeitinho", e que aqui prevalece a ilusão de que a religião está acima de tudo e de todos, cabendo a ela a propriedade absoluta da verdade - uma mentira apoiada pela religião é tida como "mais verdadeira" do que a verdade respaldada pela lógica e pelo bom senso - , o que prevalece é a atribuição de autenticidade apenas pela rasa desculpa de que as obras "transmitem coisas boas", como as tais "mensagens de amor".
Assim, oficialmente as confusões que envolveram Chico Xavier são atribuídas à "fúria caluniosa" de intelectuais "invejosos" de ver um caipira "se comunicando" com literatos mortos, e aí se culpam os pobres acadêmicos e literatos da Terra, que cobram coerência e sabem das irregularidades das obras "psicografadas" (um Humberto de Campos, por exemplo, que se reduziu a um "padre"). Os intelectuais seriam, segundo essa visão delirante, tomados por "espíritos obsessores".
No caso de Divaldo Franco ser acusado de plagiar o já plagiador Chico Xavier, também se atribuiu a "força de espíritos obsessores" que "tentaram desunir" os dois supostos médiuns (hoje blindados pelo poder midiático da Rede Globo, como concorrência subliminar aos "pastores eletrônicos" das emissoras concorrentes).
Livrar os "espíritas" das responsabilidades de seus atos negativos é muito ruim. É fácil esconder os abusos pelo pretexto do "amor", da "caridade", das "mensagens edificantes". Todos falam que o processo judicial contra Chico Xavier - que terminou em impunidade, pela "seletividade" conhecida de nossos juízes que viram na "fé" uma marquise para as irregularidades do "médium" - era obra de "obsessores" mas ninguém imagina isso em Parnaso de Além-Túmulo.
Se as pessoas prestarem atenção nos alertas nem sempre agradáveis dos livros kardecianos, verão o quanto estas obras, de contundente coerência, questionaram, por antecipação, o que os "médiuns" brasileiros praticaram com gosto. Ver que espíritos inferiores podem se usar de "palavras de amor" para enganar as pessoas é algo que é óbvio para quem vive no mundo mais desenvolvido.
No Brasil tomado do mais profundo atraso - principalmente através do governo de Michel Temer, apoiado pelo "movimento espírita" - , as pessoas é que acham que as "palavras de amor" estão acima de tudo, e que o balé das palavras pode transformar, por si só, mentiras aberrantes em "verdades indiscutíveis", e questionar isso seria "ceder às vozes dos obsessores". Pensar assim já não é mais ignorância, é tolice mesmo!
quarta-feira, 16 de agosto de 2017
"Espiritismo" brasileiro e o fim da utopia da Nova Era
Para quem gosta de sonhar com a Nova Era, através de devaneios místicos e religiosos, melhor se contentar com ilustrações como a publicada nesta postagem, entre outras cuja beleza remete mais à imitação das estéticas de discos de rock progressivo do que de um prenúncio do que vai ser a humanidade no futuro.
A utopia da Nova Era, consagrada nos anos 1960 pelos movimentos de Contracultura e anunciada como "certa" na década de 1990, após a derrubada do Muro de Berlim em 1989, motivou o auge de muitos movimentos religiosos e esotéricos, levando multidões ao misticismo na esperança de se prepararem para os "novos tempos", sob a promessa de um "coração mais puro" e "energias mais favoráveis".
Livros de autoajuda e obras religiosas passaram a vender como pipoca na entrada do cinema. Gurus surgiram, desde o ramo empresarial da autoajuda - sob o rótulo de Empreendedorismo - até a religião "espírita", passando pelo modismo da "inteligência emocional", passaram a se projetar, prometendo "salvar o mundo" com um repertório de palavras bonitinhas.
E como o açúcar das palavras descia bem nos estômagos das almas sonhadoras, muitas pessoas passaram a atribuir o passaporte para o céu dos malabaristas das palavras, sempre em pose de mansuetude, voz doce, oratória habilidosa e um pedantismo confuso mas tão bem revestido de pretensa erudição que garante um equivocado mas apaixonado rótulo de "filósofo".
No "espiritismo" brasileiro, a utopia da Nova Era, que no contexto brasileiro só foi de fato efetivada nos anos 1990, pois na época hippie (1966-1970) o país vivia sob a ditadura militar, representou a consagração da "fase dúbia", aquela em que os "espíritas" bajulam Allan Kardec mas seguem o legado de Jean-Baptiste Roustaing, num falso equilíbrio doutrinário entre "místicos" e "científicos", que privilegia os primeiros.
A partir daí, palestras e congressos "espíritas", com cartazes com ilustrações futuristas e desenhos de humanoides em formas anatômicas, supondo pretenso cientificismo biopsicológico, surgiram mascarando o igrejismo com pedantismo intelectual, fazendo a fortuna e o prestígio de supostos médiuns, como Divaldo Franco, a fazer turismo pelo mundo com o balé de belas palavras, religiosamente piegas e intelectualmente ocas.
Tudo isso funcionou quando os retrocessos sociais, já latentes nos anos 1990, não eram explícitos e não pareciam ameaçar os relativos progressos sociais garantidos pela evolução tecnológica e pelos programas de bem-estar social, incluindo o controle nas economias dos países. A globalização sugeria uma utopia de que as fronteiras seriam rompidas e a solidariedade iria avançar por toda a humanidade, espalhando justiça social até em ambientes mais sombrios.
Só que tudo isso foi por água abaixo. A violência tornou-se maior, e cada vez mais praticada por pessoas de melhor condição econômica e supostamente com significativa educação moral. O reacionarismo tornou-se uma bandeira da rebeldia juvenil, contrariando a crença de que a juventude fosse um oásis de ideias progressistas e de vanguarda. O consumismo tornou-se desenfreado e até as religiões tornaram-se motivação não para a solidariedade, mas para o egoísmo e a cupidez.
O próprio "espiritismo" não tardou a revelar seus equívocos, gravíssimos. Depois dos últimos escândalos entre 1966 e 1975, envolvendo desde a farsa da "médium" Otília Diogo, que teve a cumplicidade de Francisco Cândido Xavier, até o fim da trajetória do prepotente Antônio Wantuil de Freitas à frente da FEB, passando por uma ameaça de publicação, pela FEESP, de traduções ainda mais roustanguistas da obra kardeciana, a "fase dúbia" nem de longe cumpriu o prometido equilíbrio.
A estabilidade forçada é mantida pelo "movimento espírita" pela sorte de muitos acordos, seja entre diferentes expositores "espíritas" que mantém a sua "diversidade doutrinária" (eufemismo para visões pessoais sobre temas e práticas doutrinários), seja entre eles e a Justiça, que nunca investiga as irregularidades doutrinárias (que envolvem até falsidade ideológica em obras "mediúnicas"), e a grande mídia, que sempre divulga uma imagem positiva do "espiritismo" brasileiro.
É, portanto, uma estabilidade forçada pelas circunstâncias, num momento em que o "topo da pirâmide social" vive em acordos sucessivos que evitem o desgaste definitivo da plutocracia, mesmo diante de graves crises e escândalos de arrancar os cabelos. Se existe até acordo para a imprensa não publicar óbitos de criminosos ricos, que "desaparecem" como semi-deuses em "ascensão ao Senhor", então tudo é feito para que a Torre de Babel contemporânea seja construída sem maiores conflitos.
Vivemos um período delicado de profundos retrocessos sociais e quando os maiores casos de sordidez humana se encontram em pessoas de significativo status social. A ilusão de que os erros graves se atenuam conforme a posição social de seu praticante, crença ainda persistente em muitas pessoas, anestesia a sociedade e abre caminho para pessoas ainda mais perversas que se protegem pela marquize do prestígio, do dinheiro e da visibilidade.
Com os profundos retrocessos sociais, o "espiritismo", ele mesmo perdido em tentar explicar a suposta "fidelidade a Kardec" mediante o apreço às ideias de J. B. Roustaing, se encontra na mais aguda crise, que atinge níveis insustentáveis. A esperança dos deturpadores da Doutrina Espírita comandarem mais uma promessa de "recuperação das bases espíritas originais" continua forte, mas ela será sempre inútil, porque os defeitos serão sempre mantidos.
Essa promessa já foi dada há 40 anos, deu na "fase dúbia" que conhecemos e o resultado foi desastroso. O "espiritismo" ganhou em popularidade, sobretudo com a blindagem da Rede Globo aos "médiuns espíritas", até hoje tidos como "intocáveis", mas aumentou sua hipocrisia, pois seu igrejismo de herança roustanguista nunca esteve tão fortalecido, apesar de tantas e insistentes alegações de "respeito rigoroso e fidelidade absoluta" ao legado kardeciano.
E agora com os tempos sombrios em que se vive, e o questionamento dado às utopias místicas e esotéricas que prometeram a "salvação da humanidade", o sonho da Nova Era se esfacela e põe em xeque as doutrinas e movimentos que se apoiaram nessa ideia, incluindo o próprio "espiritismo" brasileiro.
É possível que, num prazo mais tardio, a humanidade se evoluirá, mas a perspectiva será muitíssimo diferente do que sonhavam as utopias místicas e esotéricas, incluindo alguns movimentos religiosos. Novos paradigmas se formarão que escaparão das predições igrejeiras de gurus de ocasião, pretensos profetas, falsos sábios e, sobretudo, os "médiuns espíritas" que, aos poucos, veem a posse da verdade escaparem de suas mãos.
terça-feira, 15 de agosto de 2017
Protestos de Charlottesville e a tese da "Data-Limite" de Chico Xavier
No último fim de semana, um grande protesto de grupos neo-nazistas reunidos numa praça em Charlottesville, contra a retirada da estátua do combatente confederado e escravocrata Robert E. Lee, proposta pela prefeitura dessa cidade do Estado da Virgínia, nos EUA, põe em xeque as perspectivas otimistas, sobretudo da parte do "espiritismo" brasileiro.
A manifestação, no contexto dos EUA, reflete uma onda ultraconservadora que mostra uma inclinação de muitos jovens a movimentos obscurantistas. A adesão de jovens a grupos terroristas e entidades fascistas atinge índices assustadores, revelando não só um aparente descontentamento com os rumos da sociedade contemporânea e o fracasso de muitos ideais progressistas, como também a "noção de novidade" que certas causas retrógradas apresentam para quem tem menos de 45 anos.
Outro protesto, de negros e outras minorias sociais que fizeram uma "muralha humana" no campus da Universidade da Virgínia, também ocorreu e houve confronto entre as duas manifestações, com a polícia tentando resolver a situação, prendendo vários agressores.
O ápice nem se deu pelas multidões saindo à noite marchando e segurando tochas, lembrando os primórdios do tenebroso movimento Klu Klux Klan (cuja sigla KKK chama a atenção por coincidir com a grafia das risadas dadas pelos chamados "fascistas mirins" na Internet).
Ele se deu quando o jovem neo-nazista, James Alex Fields Jr., que dirigia um carro, avançou sobre uma multidão de manifestantes anti-fascistas, ferindo vários deles, causando uma vítima fatal, a ativista Heather Heyer, de 32 anos. A morte dela rendeu comparações com a da deputada britânica Jo Cox, assassinada em 2016 por um neo-nazista inglês, que está preso, como no caso de Fields Jr..
Fields Jr. teve o pedido de liberdade condicional sob fiança negado porque a defensoria pública se recusou a defender o preso. A recusa se deu porque uma das vítimas do atropelamento foi um familiar de um funcionário da Defensoria Pública, o que fez a Justiça local exigir que Fields Jr. arrume um advogado de defesa.
O lamentável episódio ocorreu nos EUA e, aparentemente, nada contradiz em relação à suposta profecia do "médium" Francisco Cândido Xavier, sobre a tal "data-limite" que supostamente prevê um período de turbulências e regeneração espiritual.
A "profecia" tem valor factual duvidoso, é cheia de erros de abordagem geológica (como o Chile ser poupado de uma onda de explosões vulcânicas no Círculo de Fogo do Pacífico) e sociológica (pressupõe que eslavos migrem para o calorento Nordeste brasileiro, se esquecendo que os eslavos, ao chegar ao Brasil no século XX, escolheram a região Sul) e nem todos os seguidores de Chico Xavier acreditam nessas "previsões", trazidas por Geraldo Lemos Neto.
Da nossa parte, consideramos que Chico Xavier teria feito tais "profecias", sim, porque em outras ocasiões, como em livros "psicográficos" e na entrevista ao programa Pinga Fogo, na TV Tupi, em 1971, ele teria dito coisas semelhantes. Além disso, a "profecia" segue o ideal de "coração do mundo" e "pátria do Evangelho" que Xavier sempre desejou ao Brasil.
Dois aspectos, porém , revelam o equívoco e o risco da "profecia" do anti-médium mineiro. Um é que o protesto neo-nazista de Charlottesville foi apoiado por muitos internautas nas redes sociais, que citaram sobretudo o ídolo deles, Jair Bolsonaro. No Brasil, também há a ascensão de grupos fascistas. Uma suposta organização, intitulada "International Klans", espalhou folhetos colados em vários lugares em Niterói, Estado do Rio de Janeiro.
Isso contraria a tendência de que o Brasil se tornaria "mais progressista" num contexto destes. É verdade que existem também muitos brasileiros condenando o episódio, mas o cenário sócio-político dominado por forças conservadoras que retomaram o poder em maio de 2016 revela a ascensão de forças sociais retrógradas e reacionárias, que tomaram as rédeas numa pauta socialmente mais excludente e obscurantista.
Os próprios "espíritas" parecem complacentes com esse cenário, até demonstrando, mesmo sem assumir no discurso, o apoio ao governo Michel Temer e aos grupos reacionários que comandaram a onda ultraconservadora. Um deles, curiosamente, é denominado "Revoltados On Line", incluído entre outros "iluminados" (como o Movimento Brasil Livre e o Endireita Brasil), que os "espíritas" atribuíram como "articuladores do processo de regeneração da humanidade no Brasil".
Mas existe também, sob uma outra abordagem, o risco da ideia do "Brasil Coração do Mundo, Pátria do Evangelho" rumar para um projeto tirânico, combinando teocracia com imperialismo. Ideias de religiões dominantes, como o Catolicismo medieval, e de um poder político centralizador, como tentou ser a Alemanha nazista, são um grave alerta disso.
Alegações de que a "pátria do Evangelho" não representará essa ameaça por causa da vocação de "tolerância" dos "espíritas" são verossímeis, mas bastante perigosas. Afinal, os "espíritas" brasileiros já revelaram, por outro lado, a inclinação de fazer juízo de valor e a atribuição de "resgates morais" para justificar os prejuízos de outrem.
Com o "espiritismo" brasileiro cada vez mais voltado à Teologia do Sofrimento e cada vez mais caminhando para ser uma versão rediviva do velho Catolicismo jesuíta e medieval, que vigorou no período colonial, também podem impulsionar para esse dado sombrio da doutrina igrejeira. A experiência do Catolicismo da Idade Média, também anunciada com belos pretextos, é um bom alerta à humanidade.
sexta-feira, 11 de agosto de 2017
A estranha morte de um engenheiro em prédio de federação "espírita"
O "espiritismo", pelo jeito, dá azar. Embora tal constatação seja vista por muitos como "exagerada" e "injusta", ela procede na medida em que a doutrina é marcada por tantas e tão graves contradições, a começar por um roustanguismo nunca assumido mas quase que inteiramente praticado, enquanto se declara "fidelidade absoluta" ao Allan Kardec que é traído pelos "espíritas" setenta vezes sete vezes..
Nas últimas semanas, houve um assalto violento, com tiroteio, no último dia 30 de julho, na Rua Leandro Mota, no Jardim Icaraí, em Niterói. É a rua onde fica um "centro espírita", o Irmã Rosa, e em seu entorno já havia ocorrido um assalto no mercado Tay, na Rua Mariz e Barros. No caso da Leandro Mota, sete ladrões assaltaram um restaurante, e, após um tiroteio, dois foram presos e os demais fugiram.
Em Jaboatão dos Guararapes, um "centro espírita" foi assaltado. Dois dos seis ladrões se passavam por ouvintes da doutrinária, e renderam os demais, por volta de 21h30 do dia 06 de julho passado. A polícia foi chamada e, no tiroteio, dois ladrões, um policial e uma frequentadora morreram.
O mais recente incidente trágico ocorreu na sede da Federação "Espírita" do Estado de São Paulo (FEESP), que nos tempos do presidente da FEB Antônio Wantuil de Freitas era a federação regional que tinha algum poder decisório além da direção central da federação brasileira.
O engenheiro Cláudio Arouca, de 49 anos, que morava na Bahia e periodicamente viajava para São Paulo, havia dado como desaparecido no último dia 13 de julho. Dois dias depois, dentro do prédio da FEESP, no centro da capital paulista, um funcionário da limpeza encontrou o cadáver do engenheiro, aparentemente sem sinais de violência, no banheiro.
Arouca era divorciado e uma namorada foi a primeira a ser informada do óbito. O corpo do engenheiro estava em adiantado estado de putrefação e foi enterrado num caixão lacrado. A família de Arouca tem histórico de doenças cardíacas e ele estava com sobrepeso, segundo familiares da vítima.
No entanto, nada foi concluído até agora, pois o laudo está em andamento. Houve suspeitas de ter havido suicídio, embora a hipótese de crime cometido por outrem não tenha deixado vestígio. Em todo caso, a ocorrência passou a ser investigada na condição de "morte suspeita".
Devoto do "espiritismo" há pouco tempo, Arouca foi logo morrer e sentir mal-estar num "centro espírita". Em tese, pelo valor que a doutrina igrejeira dá a si mesma, a tragédia poderia ter sido evitada, mesmo nestas condições. Mas as energias pesadas que o "espiritismo" atrai para si fazem com que justamente as "casas espíritas" sejam um reduto de energias pesadas que refletem psicologicamente na vida das pessoas.
Em condições quase semelhantes, o ator José Wilker, que era ateu, faleceu de infarto fulminante, havia consultado um "centro espírita" para curar de problemas de saúde. Ele cogitava fazer uma cirurgia espiritual para um problema cardíaco, pelo fato de ter sido fumante. Mas, pelo jeito, os "amigos de luz" nem estavam aí e o Brasil perdeu uma das figuras mais brilhantes, um ator, diretor e ativista cultural dos mais vigorosos e cultos.
Sobre Cláudio Arouca, os familiares se queixam da proibição da FEESP deles terem acesso às imagens do circuito interno. O irmão, André Arouca, e a ex-mulher do engenheiro, Adriana Colombo, estudam processar a federação por danos morais, pelo fato do morto ter sido enterrado à revelia da família e a entidade não ter dado satisfações aos familiares, chegando a alegar que as imagens não haviam sido liberadas porque "haveria uma festa acontecendo".
quinta-feira, 10 de agosto de 2017
"Espiritismo" e os tesouros e títulos da Terra
Os "espíritas" deveriam olhar para si mesmos, já que se preocupam com o argueiro dos olhos dos outros e se esquecem das traves dos seus próprios. No "Correio Espírita" deste mês, uma matéria fala das "novas necessidades da civilização", entre elas a de abrir mão de "tantas necessidades", como as dos títulos e tesouros da Terra.
Cada vez mais voltado para a Teologia do Sofrimento, corrente medieval da Igreja Católica, o "espiritismo" brasileiro, há muito catolicizado - apesar das bajulações, carregadas de muita hipocrisia, a Allan Kardec e seus relacionados - aos moldes do velho jesuitismo medieval, sempre apela para os outros abrirem mão até mesmo de quase tudo.
Se depender das pregações "espíritas", estaríamos reduzidos a animais domésticos que apenas demonstram afeto e simpatia para outrem, se alimentando talvez de algum verde e algum alimento qualquer nota e nos preocuparmos apenas a sobreviver e olhar a paisagem.
Seríamos, neste caso, um misto de cachorrinhos obedientes e fofos, de avestruzes a baixar a cabeça o tempo todo e de papagaios a apenas reproduzir os sons dos outros. A razão, a ética, a transparência e a sinceridade são apenas "pequenos" e, talvez, "desnecessários", detalhes.
Os "espíritas", sintonizados com o governo Michel Temer - ao qual nunca declararam apoio oficial, mas subliminarmente comprovam estarem solidários a ele - , sempre estão pedindo para os sofredores aceitarem sua coleção de desgraças, "na esperança de um futuro melhor", pouco se importando com os sobressaltos, infortúnios, angústias, impasses e tragédias por eles sofridos.
A ênfase do sofrimento desmascara os "espíritas", que se vangloriam pela suposta fidelidade absoluta a Allan Kardec, mas o traem de maneira bastante cruel e irresponsável. A apologia do sofrimento humano, que está na pauta de quase todas as obras "espíritas", é uma herança não dos postulados originais de Kardec, mas dos delírios católicos trazidos por Jean-Baptiste Roustaing.
E aí se tem o apelo de "abrir mão de tudo". Há apelos como "O rapaz quer uma mulher de caráter e inteligência? Que aceite aquela periguete burra e ensine coisas a ela!" ou "A moça quer um príncipe encantado e só chegou aquele rapaz sombrio que já cometeu um feminicídio? Seja complacente ao olhar tristonho dele e seja sempre submissa a ele" que são dados aos montes nas "casas espíritas".
Mas o "espírito de renúncia" os "espíritas" apelam para os outros. Pimenta nos olhos dos outros é refresco. Quanto aos "espíritas", eles mesmos esquecem que seus maiores ídolos são os mais afoitos e privilegiados na coleção de títulos e tesouros na Terra.
O que pensar nos "médiuns" que excursionam pelo planeta, vendo as maiores relíquias turísticas das grandes capitais do Brasil e do mundo, se hospedando nos melhores hotéis, fazendo plateias para ricos e posando ao lado de juristas, autoridades e aristocratas, enquanto a "revolucionária caridade" que dizem praticar traz resultados tão medíocres e inexpressivos para a população carente?
A glorificação que marcou as carreiras de Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco, dois grandes deturpadores da Doutrina Espírita, que publicaram livros cujos conceitos e ideias causam arrepio de tanto contrariarem os postulados espíritas originais, é bastante ilustrativa desses tesouros e títulos terrenos.
O próprio Chico Xavier, católico medieval protegido de Antônio Wantuil de Freitas (então presidente da FEB) e, dos anos 1970 até a posteridade póstuma de hoje, blindado pela Rede Globo de Televisão como se fosse um Aécio Neves da filantropia, colecionou medalhas e títulos concedidos pela sociedade elitista.
E Divaldo Franco, então? Um sujeito ainda mais espertalhão, mas "santificado" pela sua habilidosa pose de mansuetude, delicadeza vocal e pedantismo, sempre passeando pelo mundo como um pretenso ativista social, enquanto sua "admirável caridade" nunca ajudou sequer 1% da população brasileira, é ainda mais afoito na coleção de tesouros e títulos da Terra.
Só os dois anti-médiuns, que se consagraram pelo culto à personalidade, colecionaram medalhas, diplomas e condecorações por causa de uma imagem de "caridade" que, embora cause deslumbramento a muita gente, nunca trouxe resultados profundos para a humanidade, constituindo no que especialistas definem como a técnica fajuta do Assistencialismo, uma "caridade" que serve mais para promover o "benfeitor" do que ajudar de verdade os mais necessitados.
O mito de que Chico Xavier "doou os direitos autorais para a caridade" é hipócrita. O que o "médium" fez foi deixar os direitos autorais para Wantuil e depois, quando este se aposentou, Xavier criou um jogo de cena fingindo ter se decepcionado com o uso de suas obras "mediúnicas" para alimentar os interesses comerciais da federação.
Chico Xavier apenas não tocava em dinheiro, mas sempre viveu de um considerável conforto e tinha a blindagem das elites e dos grandes empresários de mídia. Desde os anos 1970 Xavier tornou-se um protegido da Rede Globo, conhecida pela manipulação traiçoeira do inconsciente coletivo das pessoas, a ponto de impor costumes, modos de ver o mundo e, principalmente, os políticos que o povo brasileiro deveria amar ou odiar.
É como os maiores aristocratas fazem hoje. Chico abriu um precedente: não gostava de tocar em dinheiro. Hoje os mais ricos pregam a "morte da moeda" e se servem de um cartão eletrônico para pagar suas contas, criando uma movimentação financeira "invisível" e feita apenas dentro dos bancos.
A própria "moeda" do livro Nosso Lar, de 1943, o chamado Bônus-Hora, lembra um cartão de crédito. Serve para o uso do transporte (BRT?), para ir ao cinema, para comprar alimentos. Se é certo que muito suposto pioneirismo atribuído a Chico Xavier é grosseiramente duvidoso, há um "relativo pioneirismo" no caso dos cartões de crédito, que na época era um artigo de luxo para fregueses de estabelecimentos comerciais, serviços e instituições financeiras.
Neste sentido, o Bônus-Hora era um cartão de crédito "universalizado", numa obra de ficção não-assumida que foi lançada numa época em que até a classe média tinha que pagar as coisas usando "dinheiro vivo", pois a popularização do cartão de crédito só se deu a partir da segunda metade da década de 1950 e, no Brasil, do começo da década seguinte.
Quanto aos títulos, Chico Xavier e Divaldo Franco, além dos prêmios que recebiam das elites e das autoridades, também recebiam títulos informais e um tanto hipócritas como "sábios", "mestres" e até "filósofos", "intelectuais" e "pensadores". Mas até a denominação de "espíritos iluminados" e "símbolos do amor ao próximo" também se inserem nesse contexto de títulos terrenos, movidos pelas paixões religiosas, tão materialistas e mórbidas quanto os chamados gozos materiais profundos.
E AS FORTUNAS DO ALÉM-TÚMULO?
O que poucos conseguem cogitar é que também existe a ilusão das "fortunas do outro lado". É como se os "espíritas" adiassem seu materialismo para o pós-morte. Evocam o "espírito de renúncia", com sua pretensa humildade e falsa modéstia, e saem pregando a defesa do sofrimento alheio prometendo o "socorro de Deus na hora certa (sic)".
O problema é que, entre os "espíritas", existe uma ânsia muito grande do "acesso ao Céu", depois do retorno ao que eles entendem como "pátria espiritual". Com suas crendices místicas, acreditam que o retorno ao mundo espiritual será como no desembarque de um aeroporto, onde algumas pessoas queridas lhe aguardam para receber o desencarnado dentro de um cenário de um "chão de nuvens brancas" e um céu sempre azulado, como num paraíso de filme de Hollywood.
Em relação a uma figura como Divaldo Franco, já existe até a narrativa de seu retorno ao além-túmulo, toda pronta: uma grande cerimônia, com corais de anjos, autoridades de vários planetas, cerimônia de discursos e concessão de medalhas e prêmios, e além disso Jesus tendo que comparecer ao evento para chamar o "médium" para ir ao convívio definitivo com Deus. É bom demais para ser verdade que isso possa ser assim, ainda mais envolvendo um deturpador grave do Espiritismo.
Asneiras semelhantes a esta já foram narradas a respeito de Chico Xavier. Uma narrativa supôs que ele estava com sua mãe e alguns amigos antes falecidos, até que veio Jesus para chamar o "médium" para o "mundo dos puros" e Xavier foi "sugado" como um espectro por um aspirador de pó. Narrativa ridícula, até porque o anti-médium mineiro, em verdade, levou um grande choque ao saber que nada disso ocorreu e que, alertado por seus graves erros, já deve ter reencarnado para pagar pelo que fez.
Isso é um jogo de linguagem e psicologia. E revela uma ilusão tão pior quanto os materialismos da Terra. Uma ilusão de que tesouros e títulos "verdadeiros" existam no "além-túmulo", o que representa uma transferência da ambição humana para "o outro lado". A roupagem de "humildade" e "pureza espiritual" não isenta os efeitos nocivos que se nota no materialismo terreno e isso traz até uma sensação ainda pior nos "espíritas" que encerram sua vida material.
Pois, quando eles retornam ao além-túmulo, eles são os que mais sentem choques, extremamente violentos e traumatizantes, diante da desilusão de que o "outro lado" não lhe oferece sequer os descontos de futuras reencarnações expiatórias.
O materialismo é transferido para o mundo espiritual, mas a realidade do além-túmulo lhes decepciona, de forma que os verdadeiros umbrais são apenas reflexos das desilusões dos "espíritas", considerados apenas "puros" ou "quase puros" em função das mesmas paixões materiais da Terra, muito mal disfarçadas por um espiritualismo de fachada.
terça-feira, 8 de agosto de 2017
A incoerência de defender o sofrimento humano
O que é trabalhar com as palavras. No Brasil, o ditado popular "de boas intenções, o inferno está cheio", poderia muito bem ser adaptado para "de belas palavras, o inferno está cheio". A Teologia do Sofrimento é uma das grandes aberrações ideológicas que se servem de palavras bonitas só para forçar alguém a aceitar seus próprios prejuízos.
É verdade que as pessoas aprendem com dificuldades e limitações, mas soa um grande desrespeito dizer que o sofrimento beneficia as pessoas. E os maiores pregadores da Teologia do Sofrimento parecem ser pessoas de pouco sofrimento, sendo malabaristas das palavras que vivem a ilusão de pregarem "ensinamentos positivos", quando o que fazem é tão somente pregar moralismo severo sob o aparato da beleza das palavras.
As pessoas fazem malabarismos com as palavras, para justificar retrocessos e arbitrariedades aqui e ali. Os egoístas são aqueles que se servem de argumentos os mais objetivos, pragmáticos e paliativos possíveis, tudo para dar o máximo disfarce às suas intenções egoístas, fazendo os outros crerem que se trata da pessoa mais altruísta que apenas "aconselha" outrem a aceitar "sacrifícios necessários", eufenismo para prejuízos.
A Teologia do Sofrimento é originária do Catolicismo medieval, famoso por suas atrocidades. É uma ideologia ultraconservadora, um "holocausto do bem", um repertório ideológico tão retrógrado e severo, apesar dos "bons conselhos", que a gente imagina que os tiranos da nossa história poderiam ser "santificados", com toda a sua crueldade de genocídios, se fossem oradores mais dóceis e atribuíssem às suas vítimas um "pagamento" de algum "erro grave" mais antigo.
A Teologia do Sofrimento, então, justificaria o holocausto aos judeus na Segunda Guerra Mundial, porque o nazismo atribuiu aos judeus uma "conduta usurpadora" do dinheiro público, e os campos de extermínio foram construídos sob a desculpa de "limpar a humanidade das impurezas deixadas por parte da humanidade". Daí a Teologia do Sofrimento, mesmo com suas "mensagens positivas", ser uma ideologia muitíssimo perigosa e nociva.
JOÃO MOHANA PREGOU A TEOLOGIA DO SOFRIMENTO, MAS FOI CHICO XAVIER QUEM A POPULARIZOU
Não há um palestrante muito conhecido, entre os brasileiros, que fosse ligado oficialmente à Igreja Católica. Mas um dos pregadores, que pelo menos ficou conhecido entre os católicos mais entrosados, foi o padre católico João Mohana, que viveu entre 1925 e 1995 e era maranhense.
Ele não escreveu só textos sobre Teologia do Sofrimento, escrevendo também sobre outros temas sob o prisma católico, como as relações entre casais. Mas João Mohana lançou um livro caraterístico desta corrente, intitulado Sofrer e Amar - Psicologia e Teologia do Sofrimento, lançado pela Editora Agir em 1973, com os mesmos argumentos "bonitos" sobre a "importância do sofrimento humano".
A abordagem do livro, embora adotasse um estilo de argumentação envolvente e típico de um livro de autoajuda, é bastante parcial. Ela fala apenas dos "pontos positivos" que o sofrimento traz à pessoa, sem perceber que não é o sofrimento que traz benefícios, mas a reação da pessoa para superar esse incômodo destino.
João Mohana chega mesmo a apelar para o "amor ao sofrimento". Sobre a dor da desgraça, o autor escreve sobre o "cristão": "Encara-a com coragem, e sobretudo com confiança, sendo que muitos até com alegria".
Mesmo católico, ele parece usar os mesmos argumentos dos "espíritas", que popularizaram a Teologia do Sofrimento. Ele cita até mesmo a dicotomia "materialista" X "espiritualista" que dá água na boca nos pregadores "espíritas": "Só o espiritualista entende a linguagem misteriosa do sofrimento e sabe perfeitamente o que ele quer dizer: ao passo que o materialista acaba derrotado pelo sofrimento, sem achar razão para ele".
Ele enumera grandes personalidades que, segundo o autor, fizeram grandes realizações "a partir do sofrimento", como se obter desgraças apenas gerasse pessoas brilhantes, esquecendo o autor que o sofrimento extremo pode produzir, de outra forma, tiranos, criminosos, corruptos, trapaceiros e usurpadores:
"Beethoven foi obra do sofrimento. Santo Agostinho foi obra do sofrimento. Bizet, Haendel, foram obras do sofrimento. Edison, Francisco de Assis, Inácio de Loiola, Franklin, Thomas Jackson, Léon Bloy, Madame Curie, Pierre Curie, Chopin, Schubert, Hellen Keller, José do Egipto, Gema Galgani - todos eles fazem parte de uma das inúmeras galerias do museu do sofrimento".
É muito perigoso teorizar o sofrimento e dizer que a desgraça humana é benéfica por si mesma. O próprio autor se contradiz quando fala que o sofrimento não é um tema a ser debatido, embora ele mesmo se arrisque em "discutir o tema" dentro de uma abordagem pretensamente filosófica:
"O sofrimento é destes problemas que não podem ser discutidos como se discute política, história, arte ou economia, porque o sofrimento fere, ataca diretamente, e quando ele marca um encontro conosco, vem pronto para nos laçar, para nos atraiçoar, pois mete-se na roupa bonita do prazer e depois a gente se surpreende quando descobre que era a dor que estava vestida de homem".
O autor também se contradiz, no parágrafo acima, quando define o sofrimento como disfarçado na "roupa bonita do prazer". De que sofrimento ele está falando? O prazer é sofrimento e o sofrimento é prazer? O que é o prazer? A religião conservadora condena o prazer, independente da forma sadia ou doentia que ele seja exercido, e acaba defendendo a desgraça como "salvação da vida".
O livro é cheio de argumentações bonitas que podem servir de armadilha para a pessoa aceitar viver em desgraça. Aliás, a Teologia do Sofrimento é perigosa porque pode produzir masoquistas, que passam a ter prazer pelo sofrimento e, em muitos casos, isso pode trazer preguiça e até depressão, disfarçada de uma mórbida e falsa alegria que pode ser autodestrutiva.
O mito do "inimigo de si mesmo" é outro aspecto dessa ideologia medieval. Esse conceito, extremamente perigoso, pode induzir a pessoa ao suicídio, porque prega o "combate a si mesmo". "Você é seu inimigo, combata-o", diz o pregador religioso, sem excluir os "espíritas", que são os que mais apelam para essa falácia, com enérgica firmeza. Só depois das críticas é que os "espíritas" alegam que foi apenas "metáfora", mas até isso acontecer vários suicídios podem ter sido cometidos.
Os "espíritas" pregam a Teologia do Sofrimento sem assumir (aliás, os "espíritas" iriam assumir alguma coisa, já que a religião é marcada pela dissimulação?). Pelo contrário, nas "casas espíritas" os palestrantes tentam alegar o contrário: "ninguém nasceu para sofrer", é o que costumam dizer.
Mas é só ler os livros retrógrados de Francisco Cândido Xavier para verificar o quanto a Teologia do Sofrimento foi adotada pelo "espiritismo" brasileiro. Chico Xavier apelava, com suas próprias palavras, para as pessoas "sofrerem sem demonstrar sofrimento", "nunca reclamarem da vida", "nunca questionarem" etc etc etc.
Claro que isso é manobra para ninguém ficar desconfiando das obras fake que Chico Xavier produzia creditando autoria aos mortos. Mas também era uma demonstração de que o "médium", ídolo religioso protegido da Rede Globo, era um seguidor entusiasmado da Teologia do Sofrimento.
Os "espíritas", que não costumam assumir seus aspectos sombrios (eles se limitam a dizer apenas que são "imperfeitos" e "falíveis"), ficam assustados quando alguém lhes identifica como seguidores da Teologia do Sofrimento. Acham que isso é "injusto", por se acharem "progressistas" e "nunca iriam fazer apologia da desgraça humana" em suas palestras. "Nunca iriam fazer", mas sempre fazem.
Se observarmos livros como Os Quatro Evangelhos de Jean-Baptiste Roustaing, e Sofrer e Amar, de João Mohana, veremos que os dois livros poderiam ter sido escritos por algum "espírita" brasileiro, que é roustanguista e adepto da Teologia do Sofrimento, mas se horroriza quando é identificado como tal. Falta sinceridade entre os "espíritas", que, pelo menos, deveriam assumir seus aspectos mais retrógrados.
domingo, 6 de agosto de 2017
Internauta fala de problemas familiares trazidos pelo "espiritismo" brasileiro
Aqui temos uma mensagem de alguém que não quer ser identificado e que relata dramas familiares trazidos pelas energias sombrias do deturpado "espiritismo" brasileiro.
"Olá, amigos. A minha vida é cheia de pesados infortúnios. As adversidades surgem em minha vida além do controle e não há paciência, fé nem jogo de cintura que resolvam. Eu me esforço na medida do possível e não consigo emprego, a vida amorosa é sempre com alguém sem afinidade, as circunstâncias me obrigam a abrir mão de minhas necessidades e habilidades e para vencer na vida eu tenho que me degradar na servidão injusta e nas relações por conveniência.
As mulheres que teriam muita afinidade pessoal comigo me escapavam do acesso, como que numa maré de azar. Se casam com outros homens, vão morar para bem longe ou até mesmo morrem de uma tragédia surgida do nada. Enquanto isso, mulheres sem um pingo de afinidade me assediavam e estavam sempre acessíveis, mesmo não exercendo a menor atração nem identificação de minha parte.
Meus pais seguem o tal Espiritismo que, no Brasil, se limita a bajular Allan Kardec sem que um só ensinamento dele seja honestamente seguido. Não adianta insistir para eles largarem. Eles se iludem com aquele balé de palavras bonitas, como alguém que fica comendo açúcar refinado puro, às colheradas. O entretenimento das palestras nas casas espíritas, espécies de contos de fadas para gente grande, viciam os mais velhos, que pensam estarem obtendo lições de sabedoria com isso.
Isso é vergonhoso e constrangedor. Eu larguei o Espiritismo e meus pais tentam me convencer a voltar, achando que a desilusão que eu tive foi influência de "gente da Internet" e que eu deveria voltar a frequentar palestras e tudo. Fico com medo, porque toda vez que fui ao Espiritismo foi como se eu passasse debaixo de uma escada mil vezes. O azar chegava em doses muito pesadas.
Meus pais aderiram a esta religião por influência de uma comadre. Ela era espírita fervorosa, mas isso não a fazia menos atormentada e obsediada, e os problemas psicológicos dela se agravaram e hoje ela, aos 75 anos, está em estado quase vegetativo.
Ela e meus pais ainda têm, no seu círculo social, uma amiga que se tornou viúva três vezes. Adepta do Espiritismo. E outra amiga, solteirona, que passou a sofrer de depressão crônica vinda do nada, que a fez ficar arredia na velhice. Adepta do Espiritismo.
Sei que existe o outro lado, a outra vida, mas é muito estranho que esse Espiritismo tão deturpado ao gosto dos valores católicos jesuítas-medievais, que vigoraram com força no Brasil-colônia, influencie tanto nos desperdícios de vidas com tantas tragédias e infortúnios.
Isso é terrível e seria bom que as pessoas denunciassem à imprensa sobre tantas irregularidades do Espiritismo no Brasil. Meter coragem e não se iludir com imagens de coraçõezinhos e crianças sorridentes que os deturpadores da doutrina de Kardec mostram, quando são denunciados. Os supostos médiuns, com seu bom-mocismo, parecem anjos celestiais vivendo na Terra, mas eles são o que há de mais traiçoeiro e enganador nas religiões existentes no Brasil.
Temos que ter uma Leah Remini denunciando farsas doutrinárias, um Christopher Hitchens revelando irregularidades filantrópicas, sem o medo de ruir a bela imagem das palavras bonitinhas, dos supostos médiuns dando sorrisos pretensamente meigos, das oratórias sacerdotais de aparentes mensagens de amor. Tudo isso é feito, conforme se alertou nos tempos de Kardec, para empurrar ideias levianas e retrógradas e o Espiritismo no Brasil virou um crime perfeito que ninguém até hoje investiga.
A maré de azar se dá porque o Espiritismo virou a doutrina da falsidade e da dissimulação. Quantas ideias veiculadas pela religião brasileira arrepiam o legado que Allan Kardec desenvolveu com tanto sacrifício e paciência? Isso é vergonhoso e mais vergonhoso saber é que a imunidade e impunidade são absolutas entre os ditos espíritas no Brasil, onde existe até falsificadores de quadros e criadores de literatura fake que se passam por médiuns e obtém alto prestígio de graça, sem esforço.
Fico constrangido quando vejo meus pais falarem no Espiritismo do Brasil como se quisessem voltar, de vez em quando citando um suposto médium do qual idolatram com cego fanatismo, e ainda se ofendendo quando são criticados. O fanatismo de meus pais é preocupante, eles que são sensatos e lúcidos em muitas coisas, exceto nessa religião dotada de tantas irregularidades.
Me lembro quando eu era criança, quando meus pais falavam que não se deve ouvir estórias de gente estranha, que tinha que tomar cuidado com aqueles que querem seduzir os inocentes com relatos agradáveis e bonitos, para depois sequestrá-los e lesá-los de uma forma ou de outra. No caso de crianças, é muito comum a estória do "homem do saco" que geralmente assedia os pequenos dizendo contos muito bonitos.
Daí eu comparo com esse Espiritismo que expressa os antigos pavores já alertados por Erasto e pelo próprio Kardec. O Espiritismo feito no Brasil, catolicizado e medieval, se serve dessas estórias lindas para seduzir os incautos, para depois forçá-los a acreditar em valores morais retrógrados ou fantasiosos. Não é à toa que o Espiritismo costuma anestesiar os mais velhos enquanto amaldiçoa os mais novos, como a 'maldição dos filhos mortos' que assombram muitos devotos.
É triste. Espera-se que venham pessoas a denunciar os podres que ocorrem nos bastidores do Espiritismo no Brasil, retomando os esforços de antigos esclarecedores que nunca se iludiram com o açúcar das palavras e resolveram revelar irregularidades das mais diversas.
Que os esforços de Attila Paes Barreto, Osório Borba, José Herculano Pires, de denunciar fraudes e irregularidades, voltem, mesmo que seja para derrubar ídolos e arruinar aparentes unanimidades. Um ídolo não pode ser mais importante que a humanidade a ponto de se colocar até acima da ética e do bom senso. Se o ídolo religioso cometeu irregularidades, ele deve sofrer os efeitos das mesmas, portanto não adianta choradeira".
sexta-feira, 4 de agosto de 2017
Intolerância religiosa e intolerância à mentira
Incidentes eventualmente ocorrem em casas religiosas, dentro do cenário lamentável de convulsões sociais que domina na Internet mas, com muita certeza, vai além dos limites digitais até pelos impulsos temperamentais de muitas pessoas.
Há poucos dias o centro de umbanda Casa do Mago, no bairro de Humaitá, Rio de Janeiro, foi alvo de ataques e tentativa de incêndio. Não é o primeiro ataque. O caso mostra indícios de intolerância religiosa, um mal que contamina o mundo e atinge o Brasil.
Condenamos a intolerância religiosa. Quando criticamos o "espiritismo" brasileiro, a nossa intolerância não é religiosa, mas contra as mentiras e desonestidades praticadas pela doutrina, que originalmente se fundamentou nas bases de Jean-Baptiste Roustaing e se consolidou com os arrivismos do roustanguista Antônio Wantuil de Freitas, durante muito tempo presidente da FEB.
Estas são más escolhas que cobraram o preço caríssimo aos "espíritas" brasileiros. Foi um caminho de perdição no qual os "espíritas" tentam dissimular, não medindo escrúpulos de cometer contradições e equívocos graves, cobrando coerência dos outros mas praticando suas próprias incoerências.
Hoje os "espíritas" tentam reparar tudo. Se na véspera defenderam a Teologia do Sofrimento, depois se atrevem a dizer que "ninguém veio para sofrer". Num momento dizem que as pessoas devem abrir mão de suas necessidades, noutro citam o ensinamento cristão "Pedi e obtereis". Há muito dizem renegar o nome de Roustaing cujas ideias continuam seguindo inteiramente. Deturpadores, os "espíritas" brasileiros querem comandar a recuperação das bases espíritas originais.
É sempre assim. Corre-se atrás do próprio rabo e, mais uma vez, temos a velha e mofada promessa dos "espíritas" brasileiros em recuperar as bases doutrinárias. Pessoas que se formaram nas ideias roustanguistas e que, oportunistas, dizem reprovar a deturpação, bajulam até Erasto e, furando a fila, querem liderar o processo de recuperação das ideias kardecianas que eles mesmos traíram e distorceram com muito gosto.
E isso não envolve só "peixes pequenos". Esquecemos que as piores mordidas não vêm de "sardinhas", mas de "tubarões". Mesmo os tão adorados Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco não são inocentes na deturpação do Espiritismo. Afinal, Chico Xavier e Divaldo Franco deturparam com muito prazer e consciência de seus atos, porque seu igrejismo feito ao arrepio dos ensinamentos de Allan Kardec foi feito durante anos, com obras de grande repercussão.
Ninguém faz isso por acidente ou boa-fé. Se observarmos bem, Chico Xavier, por exemplo, professou seu igrejismo até o fim. Um catolicismo medieval, dos tempos do Brasil-colônia, existente até em obras produzidas nos anos 80 e 90 e em depoimentos então dados. Isso não é algo feito sem querer, até porque o igrejismo xavieriano era alvo de duras críticas desde meados dos anos 1930.
A intolerância religiosa é um erro condenável, por representar um ato violento, de ódio, de egoísmo e de disputas entre seitas religiosas rivais. Mas o grande perigo também está quando se tolera religiões comprometidas com a falsidade, com a cupidez, com a ganância, mesmo quando se traveste do mais verossímil verniz de humildade, de modéstia, de despretensão.
O que não se pode tolerar é a falsidade, as contradições, a dissimulação. E o quanto o "espiritismo" fez para Kardec virar refém dos próprios deturpadores, que se servem do Assistencialismo exibindo as populações carentes como troféus para tentar calar os críticos.
Os "espíritas" tentam dizer que "são os que mais praticam caridade". Mas o Brasil só mergulha numa decadência sem fim, aumentando as populações de miseráveis nas ruas, crescendo os assaltos que, por ironia, desafiam justamente a gula das elites em retomar seus privilégios, defendendo propostas retrógradas como a reforma trabalhista para que os patrões ganhem tudo e os empregados, quase nada.
Afinal, são justamente as elites que estão mais vulneráveis aos assaltos e latrocínios, pois o que os patrões deixam de pagar, em salários e encargos, para manterem seus altos padrões de vida, é o que acaba sendo cobrado pelos ladrões, muitos deles antigos miseráveis aos quais lhes foram negadas todas as oportunidades de trabalho.
O moralismo severo dos "espíritas", que, afeitos à Teologia do Sofrimento, nunca se mostraram sensíveis às dificuldades dos sofredores e infortunados da sorte. Em vez disso, ficam entre a indiferença, o egoísmo e a falsidade. Dizem que os sofredores "pagam pelos próprios erros", apelam para eles suportarem e até amarem suas desgraças, mas, depois, hipócritas, os "espíritas" tentam trazer um discurso de "esperança", pedindo para os sofredores ficarem olhando passarinhos.
Quantos erros que fazem o "espiritismo", em muitos aspectos, pior do que as seitas neopentecostais! Pelo menos as seitas neopentecostais (como a Igreja Universal do Reino de Deus), retrógradas e grotescas, oferecem situações bastante cômicas, pois figuras como Edir Macedo, R. R. Soares, Silas Malafaia e Waldomiro Santiago são tão pitorescas que, às vezes, soam até cômicas.
Como tolerar isso? Moralismo retrógrado, fakes mediúnicos - só o "Humberto de Campos" trazido por Chico Xavier simboliza esses "espíritos" que não condizem ao que eram na Terra - , tantas dissimulações, tanto charlatanismo (sim, os "espíritas" são charlatães), isso mancha a história do que se entende como Espiritismo no Brasil, e do qual até seus "heróis" estão associados a fraudes e erros vergonhosos, que fariam Kardec passar a mão na testa de tanta preocupação.
Voltando a Casa do Mago, ela é definida como "centro espírita", mas era um cento de umbanda que assimilava elementos esotéricos e católicos. E os ataques devem ser sofridos por desafetos de lideranças da casa. Ataques como estes devem ser combatidos de acordo com a lei e não se devem fazer vandalismos em hipótese alguma, por eles serem deploráveis em sua própria natureza.
Mas, tenhamos bom senso. A tolerância religiosa, por outro lado, também não deve ser a tolerância da mentira e da mistificação. Que as religiões construam suas fantasias e lendas, é compreensível, mas elas não devem exercer supremacia nem mesmo monopólio sobre a realidade.
As religiões não podem estar acima dos homens, acima das sociedades. Elas podem ser extintas e podem ser duramente criticadas. As religiões refletem os interesses de uma parcela de homens que se acha "com vínculo direto com Deus". Em muitos casos, isso revela ilusões e ambições materialistas muito maiores do que sugere seu pretenso espiritualismo e divinização.
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