RAUL POMPEIA - ESCRITOR BRASILEIRO QUE OS MORALISTAS RELIGIOSOS "DEMONIZAM" POR TER SIDO ATEU E TER SE SUICIDADO.
Religião é remédio para prevenir o suicídio? Não. A religião não intimida nem induz ao suicídio, sendo apenas um sistema de crenças, ritos e dogmas que não necessariamente influi no progresso do caráter da pessoa. Às vezes, pode ser, mas não é todo religioso que se torna uma pessoa evoluída e, se ela evolui, é mais pelos próprios esforços do que pelo êxito de seu sistema litúrgico.
Nos últimos tempos, o "movimento espírita", que está mais próximo a uma forma flexível do Catolicismo medieval do que de uma adaptação brasileira da doutrina de Allan Kardec - com toda a bajulação que os "espíritas" brasileiros dão ao pedagogo francês, até se dizendo "rigorosamente fiéis" - anda pregando que sua doutrina "salva vidas" e "tira muitas pessoas do suicídio".
O argumento que o "espiritismo" brasileiro, a exemplo de outras religiões, dá, para dizer que "evita o suicídio", é a ideia que trabalham do que podemos entender como idealização imaginária dos flagelos de além-túmulo. Algo similar ao Inferno católico.
Não vamos aqui analisar o sentido das analogias católica e "espírita" do que são o Céu, o Purgatório e o Inferno, pois algumas fontes do "movimento espírita" divergem sobre o que equivale a um e outro, já que algumas abordagens definem Nosso Lar como o Céu (ou Paraíso), outras como Purgatório, enquanto para outras fontes o Umbral é que é o Purgatório, embora outros o definam como Inferno.
Citando como exemplos o Catolicismo e o "movimento espírita", focos de nossa análise, a certeza de que, no além-túmulo, existe um cenário de "pesadelo" para pessoas que cometeram algum mal, A narrativa é análoga às obras do terror, que corresponderam a literaturas "marginais" da Idade Média, através de obras góticas de temáticas bastante sombrias.
Claro, isso vem desde que Dante Alighieri escreveu A Divina Comédia e, com sua ficção dotada de muito surrealismo, descrevia os horrores do Inferno. No decorrer do tempo, o Inferno católico foi adaptado pelos "espíritas" e teria, na sua abordagem geral, concebido as "zonas inferiores" que são conhecidas como Umbral.
Só que sabemos que o Umbral não existe, não passa de uma ficção trazida pelo moralismo religioso, e que o que existe no além-túmulo são apenas sensações individuais que variam, conforme a situação, nas impressões positivas e negativas consequentes de seus atos e decisões.
O grande problema é que o moralismo do "espiritismo" não é muito generoso para prevenir alguém de cometer suicídio. Em primeiro lugar, pela "demonização" da prática, em que o juízo de valor "espírita" trata o suicídio como um "crime hediondo", pior do que o homicídio.
Várias abordagens "espíritas" definem, pasmem, o homicídio como um ato menos grave, por mais que ele represente o egoísmo levado às mais extremas e últimas consequências. Para quem se impressionou com o moralismo da Terra usando justificativas "urgentes" para defender o homicídio, a moral "espírita" também tem sua "motivação" neste sentido.
Pois se na Terra os homicídios são praticados alegando "defesa da honra", "direito à propriedade", "combate à subversão" ou porque "fulano sabe demais", o "espiritismo" define um homicida como se fosse um "justiceiro" dos chamados "resgates espirituais" e, embora admita que o homicida também "pagará pelo que fez", atribui a sentença para uma ou duas encarnações posteriores, com base na tese do "fiado espírita".
É surreal definir o suicídio como pior do que o homicídio porque este vai contra a vontade alheia, de maneira irrecuperável. O suicida não pode ser pior do que o homicida porque o primeiro o faz por sua livre escolha, o outro faz sem a permissão de alguém.
Mas se o "espiritismo" se autodefine como um "remédio contra desejos suicidas", sua ideologia faz o contrário. Através de Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier tão adorado por seus seguidores, o "espiritismo" defende a Teologia do Sofrimento, que se baseia na tese de que é preciso sofrer coisas piores na vida visando um "prêmio" que será conhecido no além-túmulo.
Essa tese, emprestada do Catolicismo, norteia o "espiritismo" e explica por que tanta maré de azar acontece em pessoas que seguem o "movimento espírita". Mães devotas que, de repente, veem seus filhos morrerem. Infortúnios que chegam aos que professam a "fé espírita". Pessoas prejudicadas depois de passarem por tratamentos espirituais.
Ler um livro de Emmanuel é pior do que passar debaixo de escada ou quebrar um espelho em casa. O próprio "espiritismo" não valoriza a vida material, e isso é uma visão materialista porque essa desvalorização, na verdade, é o desprezo à importância do espírito para intervir na vida material e torná-la melhor, mais proveitosa e agradável.
Por isso é que, segundo o "espiritismo", pouco importa se o indivíduo quer amar alguém por afinidades espirituais, quer um trabalho específico para nele investir seus potenciais. A vida não tem diferenciação, tudo tem que ser conforme "os desígnios de Deus", e o que os "espíritas" querem é que o indivíduo, que veio na Terra "para sofrer", só "viva como se pode".
A própria moral "espírita", como toda moral religiosa, na medida em que estabelece uma relação de submissão e arbítrio, que é o motor da Teologia do Sofrimento, cria também condições para o suicídio, porque o maior princípio da doutrina é estabelecer as relações entre o ser humano e os infortúnios, alguns impostos gratuitamente pela "má energia" trazida pela doutrina.
O próprio moralismo não previne suicídio. Ele impede as pessoas de se matarem mais por intimidação do que por algum interesse em auxílio. Que "esperança" querem dizer os "espíritas"? A "esperança" de que, com uma encarnação desperdiçada por infortúnios desnecessários, algo "de melhor" aconteça no além-túmulo? A certeza no incerto, a esperança no duvidoso?
O que nos virá depois? Não se sabe? Se deixamos de fazer algo nesta encarnação, poderemos fazer o mesmo na próxima? Não. Os tempos mudam, e o que não se fez hoje dificilmente será feito amanhã, porque os contextos mudarão completamente.
Essas coisas não são admitidas pelos "espíritas". Eles desvalorizam a vida material e, por isso, ignoram a necessidade do espírito de intervir na vida material da melhor forma. O próprio "espiritismo" trava e complica o progresso espiritual da pessoa. Suas energias influem em infortúnios e armadilhas sem necessidade, apenas pelo fato de criar a provação pela provação.
Daí que essa má sorte é que acaba mais inspirando do que prevenindo o suicídio. O "espiritismo" cria condições para as pessoas se matarem, até pelo fato de afirmar a vida espiritual, dando ao suicida a noção de que ele "não morrerá" e tanto faz se ele sofrer na Terra quanto sofrer no "umbral", se para esta pessoa ambos são a mesma coisa.
Além disso, culpar o ateísmo e o agnosticismo como "impulsos" para o suicídio é ato de intolerância não-religiosa, tão grave quanto a intolerância religiosa, e que, juntamente à "demonização" dos suicidas pelo "espiritismo", nada resolve para prevenir a pessoa de tirar a própria vida.
Afinal, são posturas severas e condenatórias, que só servem para estimular ainda mais o suicídio, porque, diante dessa moral punitiva e cruel, o suicida acaba reagindo consumando a sua vontade, já que a religião já o trata como um desgraçado, tanto faz sofrer desgraças na Terra ou na vida espiritual.
O que previne o suicídio, longe de qualquer preceito de caráter religioso, é ver quais são os problemas de cada indivíduo, enxergar suas neuroses, seus traumas, seus dramas, suas frustrações. A vida é complexa e nem todos os indivíduos veem a vida da mesma forma. É uma tarefa dificilima, que a religião, com seus preconceitos moralistas, sempre demonstrou ser incapaz de realizar.
É por isso que a ideia de prevenir o suicídio está muito mais num processo psicológico engenhoso que busque entender a alma de quem ainda não se matou mas tem fortes desejos nesse sentido, do que trazer preceitos e preconceitos religiosos que não conseguem entender essa natureza complexa e bastante delicada.
E isso se torna mais difícil quando se trata de uma religião como o "espiritismo" brasileiro, que ainda se apega a ideais e ideias trazidos pela Teologia do Sofrimento católica, difundida com gosto a partir de Chico Xavier. Aí é que fica praticamente impossível entender as mentes de potenciais suicidas.
segunda-feira, 30 de novembro de 2015
domingo, 29 de novembro de 2015
Brasil e os manipuladores das palavras
A OBRA O BEM AMADO, DE ALFREDO DIAS GOMES, É UM EXEMPLO DA DEMAGOGIA E DO DISCURSO REBUSCADO PERSONIFICADO POR ODORICO PARAGUASSU.
Quem não sabe o que quer e não entende das coisas tende a endeusar aqueles que, dotados de algum significativo status quo, fazem mil promessas em torno de palavras que as pessoas não compreendem e através de decisões arbitrárias que as pessoas ignoram serem para estas prejudiciais.
"Vai ver que eu não sei o que quero, acho que tenho necessidades demais. Confio naquele que decide por mim, ele entende mais de minhas necessidades do que eu", tende a ser um discurso típico e muitíssimo perigoso daquele que se submete ao império do status quo, dos diplomas, do dinheiro, da visibilidade e do poder.
Essa frase é perigosa, mas toma conta do imaginário de muita gente. E seu perigo está no fato de que geralmente essas pessoas delegam a estranhos a decisão por suas vidas, e, o que é extremamente grave, as pessoas se alienam de suas próprias necessidades e desejos, se submetendo a decisões alheias e nocivas de outrem, que os subordinados acreditam "querer de melhor para eles".
Sim, isso mesmo. Pessoas deixam de querer o que precisam, deixam para estranhos decidirem o "melhor" para elas, e ainda agradecem quando são prejudicadas, porque seus prejuízos são "males necessários". Isso é religiosizar a arbitrariedade alheia, transformando o opressor num semi-deus.
Claro que em diversos aspectos, temos pessoas que se tornam "heróis" pela percepção terrena do status quo, como Luciano Huck, Neymar, Ivete Sangalo ou mesmo Jair Bolsonaro. No entanto, o foco aqui está nos manipuladores das palavras, de gente que tenta ludibriar pelo discurso, não apenas pela imagem ideológica ligada a alguma promessa de prosperidade.
O status quo torna-se ainda mais pernicioso quando o endeusado não é apenas um poderoso que investe em decisões nocivas, nem no rico que explora e oprime os desafortunados, mas naquele que se reveste em roupagens mais "simples" mas investe em discursos de persuasão bastante rebuscados.
E aí vem aquela postura subserviente: "considero fulano genial, porque ele fala o que eu não entendo e, por isso, acho ele maravilhoso, porque ele demonstra uma sabedoria que eu mesmo não posso alcançar". Outro discurso deplorável, mas que contagia muitos deslumbrados.
Sim, porque, se alguém não sabe o que quer e não entende das coisas e atribui superioridade a um estranho que decide de forma nociva e fala ou escreve de maneira complicada, é sinal de que esse alguém está com um sério problema de autoestima, além de ser altamente vulnerável a quem faz o que quer contra os outros e, sobretudo, aos manipuladores de palavras num Brasil em que se costuma dar desculpas para qualquer besteira.
O maior vício dos brasileiros, sobretudo no desenvolvido Sul e Sudeste, é o endeusamento a quem se impõe através do poder político, da visibilidade, do poder financeiro e acadêmico. E cria supostos heróis por meio dessa escravidão ideológica e idólatra ao status quo, mesmo travestido de simplicidade aqui e ali.
O Brasil tem manipuladores de palavras aqui e ali. O caso fictício de Odorico Paraguassu, o demagogo político que personificava o "bem amado" da obra do escritor Alfredo Dias Gomes (1922-1999), é ilustrativo do demagogo que lança mão do discurso rebuscado ou do verniz intelectualoide para convencer e seduzir as pessoas.
Mas, na vida real, existem muitos e muitos casos. Na terra de Dias Gomes, o político e dublê de radiojornalista, Mário Kertèsz, trocou o palanque pelo estúdio de rádio, e, embora não investisse em discurso rebuscado, adota uma postura de pseudo-intelectual, impondo sua imagem para o deslumbre complacente da alta sociedade baiana que se torna o alvo perfeito para o culto da personalidade em que o empresário da Rádio Metrópole FM investe para si.
Muitos dos intelectuais que defendem a degradação da cultura popular brasileira, usando o rótulo "popular" para esconder suas intenções histericamente mercantilistas sob um verniz "progressista" que deslumbra os seus seguidores, cegos pela visibilidade alta que esses intelectuais expressam no mercado midiático.
Caso ilustrativo foi o do jornalista paulistano (apesar de nascido no Paraná), Pedro Alexandre Sanches, que usou um simples fato de ter sido experiente entrevistador de artistas da MPB para ser considerado "pensador de referência" para a cultura popular.
Pois Pedro, mesmo através do aparente trabalho em veículos jornalísticos de esquerda, investia numa ideologia mercantilista que, usando um discurso falsamente libertário, defendia a subordinação da cultura popular às mais rígidas regras de mercado.
Com ecos de Francis Fukuyama, Fernando Henrique Cardoso e Adam Smith, Pedro investia no mesmo recurso dos manipuladores: escrevia longos textos prolixos, cheios de referências, em que a profissão de fé na "mão invisível" do "deus mercado" era temperada com discursos modernistas (a maneira de Caetano Veloso) e alusões tendenciosas e forçadas a bandeiras esquerdistas como a causa LGBT e os falsos ataques aos ícones da mídia reacionária da moda.
Quem observar os textos de Pedro Alexandre Sanches no portal Farofafá, sustentado pela revista Carta Capital, verá que, apesar da roupagem esquerdista e dos ataques tendenciosos à mídia reacionária (sobretudo a Rede Globo), ele exalta o "deus mercado" da mesma forma que um ideólogo abertamente reacionário, como Rodrigo Constantino.
Para um público que lê livros, revistas e jornais às pressas, se limitando a colher palavras-chave em poucos parágrafos lidos de maneira corrida, não percebe que o Pedro Alexandre Sanches que cita ícones esquerdistas, como MST, Che Guevara, PT, reforma agrária, movimentos LGBT etc, é um histérico neoliberal que quer privatizar a cultura popular brasileira.
Enquanto insere nomes de reconhecido valor cultural (de Cartola a Itamar Assumpção, de Inezita Barroso a Elis Regina) misturado com ícones da bregalização cultural, Pedro usa o folclore brasileiro como desculpa para defender e legitimar a degradação da Música Popular Brasileira abertamente comandada pelo mercado e pela grande mídia.
Enquanto faz pretensos ataques ao coronelismo midiático, apelando, sem criatividade, para clichês do vocabulário esquerdista, geralmente copiando palavras prontas e expressões de efeito já conhecidas, Pedro no entanto exalta os ídolos musicais que são patrocinados por esse mesmo poder da grande mídia que finge repudiar.
Isso é tão claro que Pedro soa quase como um adido cultural da Globo, já que os ídolos que ele defendeu, como Tati Quebra-Barraco, Banda Calypso, Zezé di Camargo & Luciano, Gaby Amarantos, Calcinha Preta, Fábio Jr., Odair José e MC Guimê, depois alcançam ou retomam o sucesso com o mais claro apoio da mídia reacionária que o jornalista diz repudiar, mas que na prática se comporta como se fosse um assessor cultural da mesma.
As pessoas caem em armadilhas por causa do status quo e dos manipuladores das palavras, independente do discurso ser mais ou menos rebuscado a ser adotado. Voltando ao exemplo de Mário Kertèsz, seu malabarismo discursivo consiste em ele imitar, como que em paródia, a locução empostada e pretensamente elegante, em um momento, mas em outro falar como se fosse um dono de botequim, apostando numa fala mais grosseira.
O deslumbramento das pessoas com tais armadilhas é assustador, e faz com que o Brasil seja um dos países em que a tendência ao conservadorismo e à subordinação aos poderosos e influentes se torna não apenas típica, mas crônica.
Vide, no "espiritismo", os casos de Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco, ambos tranquilamente "repousando" sob a roupagem de falsos sábios, cada um à sua maneira. Chico Xavier com sua ideologia das contradições, do "fraco que ficou forte", do "caipira que conquistou o mundo" e do "ignorante que virou sábio". E Divaldo com suas poses professorais e seu discurso rebuscado e prolixo.
Enquanto eles se protegem a partir de uma imagem de "bondade e humildade", aliada à "simplicidade" de Chico e ao "bom gosto" de Divaldo, eles partem para a deturpação mais deplorável da Doutrina Espírita, com obras vazias de ideias e que em muitos casos contrariam severamente o pensamento de Allan Kardec, indo contra a coerência e a lógica.
Essas obras, de aberrante e chocante desonestidade doutrinária, são dissimuladas pelo verniz da "boa palavra", do aparato de "bondade e humildade" e das "boas lições de vida". Tudo apenas aparato, feito para acobertar ideias sem nexo, verdadeiros absurdos fantasiosos, delirantes, místicos da pior espécie, em textos embelezados pelo organizado e coeso exército de palavras.
O Livro dos Médiuns já advertiu, em várias passagens, sobre as obras supostamente mediúnicas que se servem de discurso empolado, em que o mais elaborado embelezamento das palavras esconde ideias não somente vazias de sentido, mas altamente delirantes e inconsistentes, contrárias à lógica e ao bom senso, problemas facilmente identificáveis nos trabalhos de Chico e Divaldo.
Para complicar ainda mais as coisas, as pessoas, cegas e iludidas ao status quo dos totens "espíritas", chegam mesmo a dizer asneiras como protestar contra o "excesso de lógica" de Allan Kardec ou achar válido o charlatanismo de Chico Xavier e Divaldo Franco só pelo "bem que eles fazem", que percebemos não ser tão benéfico assim.
Isso porque as pessoas se prendem a estereótipos de caridade que não ameaçam os privilégios dos poderosos. As desigualdades não são superadas e os desafortunados apenas têm seus sofrimentos relativamente minimizados, até atingindo relativa prosperidade, mas nada de muito transformador. Além disso, Divaldo festejou demais o fato de sua Mansão do Caminho beneficiar não mais do que 0,08% da população de Salvador.
A submissão das pessoas a ícones associados a algum status quo, como diploma, visibilidade, dinheiro e poder, ou mesmo a projeção de aparente filantropia, corrompe as suas percepções e impede o Brasil de se progredir, porque os "grandes exemplos" são atribuídos quase sempre a pessoas com valor muito duvidoso e cujos benefícios nem sempre correspondem à realidade, muito aquém do que se diz em apaixonadas declarações.
O verdadeiro intelectual escreve de forma simples e concisa. Milton Santos, o grande geógrafo, é um exemplo. Seus textos têm a simplicidade das palavras, sem o embelezamento verborrágico que muitos "pensadores" badalados e cultuados em ferrenha devoção se utilizam para convencer as pessoas.
Isso porque o verdadeiro pensador têm apenas a missão honesta da transmissão de conhecimento. Já os manipuladores da palavra, com seus discursos cheios do mel das belas palavras e do luxo das expressões rebuscadas e das ideias truncadas e prolixas, é que enganam protegidos pelo prestígio fácil de se obter e difícil de ser derrubado num país em que ainda existem multidões que se deslumbram fácil com o circo da aparência.
Quem não sabe o que quer e não entende das coisas tende a endeusar aqueles que, dotados de algum significativo status quo, fazem mil promessas em torno de palavras que as pessoas não compreendem e através de decisões arbitrárias que as pessoas ignoram serem para estas prejudiciais.
"Vai ver que eu não sei o que quero, acho que tenho necessidades demais. Confio naquele que decide por mim, ele entende mais de minhas necessidades do que eu", tende a ser um discurso típico e muitíssimo perigoso daquele que se submete ao império do status quo, dos diplomas, do dinheiro, da visibilidade e do poder.
Essa frase é perigosa, mas toma conta do imaginário de muita gente. E seu perigo está no fato de que geralmente essas pessoas delegam a estranhos a decisão por suas vidas, e, o que é extremamente grave, as pessoas se alienam de suas próprias necessidades e desejos, se submetendo a decisões alheias e nocivas de outrem, que os subordinados acreditam "querer de melhor para eles".
Sim, isso mesmo. Pessoas deixam de querer o que precisam, deixam para estranhos decidirem o "melhor" para elas, e ainda agradecem quando são prejudicadas, porque seus prejuízos são "males necessários". Isso é religiosizar a arbitrariedade alheia, transformando o opressor num semi-deus.
Claro que em diversos aspectos, temos pessoas que se tornam "heróis" pela percepção terrena do status quo, como Luciano Huck, Neymar, Ivete Sangalo ou mesmo Jair Bolsonaro. No entanto, o foco aqui está nos manipuladores das palavras, de gente que tenta ludibriar pelo discurso, não apenas pela imagem ideológica ligada a alguma promessa de prosperidade.
O status quo torna-se ainda mais pernicioso quando o endeusado não é apenas um poderoso que investe em decisões nocivas, nem no rico que explora e oprime os desafortunados, mas naquele que se reveste em roupagens mais "simples" mas investe em discursos de persuasão bastante rebuscados.
E aí vem aquela postura subserviente: "considero fulano genial, porque ele fala o que eu não entendo e, por isso, acho ele maravilhoso, porque ele demonstra uma sabedoria que eu mesmo não posso alcançar". Outro discurso deplorável, mas que contagia muitos deslumbrados.
Sim, porque, se alguém não sabe o que quer e não entende das coisas e atribui superioridade a um estranho que decide de forma nociva e fala ou escreve de maneira complicada, é sinal de que esse alguém está com um sério problema de autoestima, além de ser altamente vulnerável a quem faz o que quer contra os outros e, sobretudo, aos manipuladores de palavras num Brasil em que se costuma dar desculpas para qualquer besteira.
O maior vício dos brasileiros, sobretudo no desenvolvido Sul e Sudeste, é o endeusamento a quem se impõe através do poder político, da visibilidade, do poder financeiro e acadêmico. E cria supostos heróis por meio dessa escravidão ideológica e idólatra ao status quo, mesmo travestido de simplicidade aqui e ali.
O Brasil tem manipuladores de palavras aqui e ali. O caso fictício de Odorico Paraguassu, o demagogo político que personificava o "bem amado" da obra do escritor Alfredo Dias Gomes (1922-1999), é ilustrativo do demagogo que lança mão do discurso rebuscado ou do verniz intelectualoide para convencer e seduzir as pessoas.
Mas, na vida real, existem muitos e muitos casos. Na terra de Dias Gomes, o político e dublê de radiojornalista, Mário Kertèsz, trocou o palanque pelo estúdio de rádio, e, embora não investisse em discurso rebuscado, adota uma postura de pseudo-intelectual, impondo sua imagem para o deslumbre complacente da alta sociedade baiana que se torna o alvo perfeito para o culto da personalidade em que o empresário da Rádio Metrópole FM investe para si.
Muitos dos intelectuais que defendem a degradação da cultura popular brasileira, usando o rótulo "popular" para esconder suas intenções histericamente mercantilistas sob um verniz "progressista" que deslumbra os seus seguidores, cegos pela visibilidade alta que esses intelectuais expressam no mercado midiático.
Caso ilustrativo foi o do jornalista paulistano (apesar de nascido no Paraná), Pedro Alexandre Sanches, que usou um simples fato de ter sido experiente entrevistador de artistas da MPB para ser considerado "pensador de referência" para a cultura popular.
Pois Pedro, mesmo através do aparente trabalho em veículos jornalísticos de esquerda, investia numa ideologia mercantilista que, usando um discurso falsamente libertário, defendia a subordinação da cultura popular às mais rígidas regras de mercado.
Com ecos de Francis Fukuyama, Fernando Henrique Cardoso e Adam Smith, Pedro investia no mesmo recurso dos manipuladores: escrevia longos textos prolixos, cheios de referências, em que a profissão de fé na "mão invisível" do "deus mercado" era temperada com discursos modernistas (a maneira de Caetano Veloso) e alusões tendenciosas e forçadas a bandeiras esquerdistas como a causa LGBT e os falsos ataques aos ícones da mídia reacionária da moda.
Quem observar os textos de Pedro Alexandre Sanches no portal Farofafá, sustentado pela revista Carta Capital, verá que, apesar da roupagem esquerdista e dos ataques tendenciosos à mídia reacionária (sobretudo a Rede Globo), ele exalta o "deus mercado" da mesma forma que um ideólogo abertamente reacionário, como Rodrigo Constantino.
Para um público que lê livros, revistas e jornais às pressas, se limitando a colher palavras-chave em poucos parágrafos lidos de maneira corrida, não percebe que o Pedro Alexandre Sanches que cita ícones esquerdistas, como MST, Che Guevara, PT, reforma agrária, movimentos LGBT etc, é um histérico neoliberal que quer privatizar a cultura popular brasileira.
Enquanto insere nomes de reconhecido valor cultural (de Cartola a Itamar Assumpção, de Inezita Barroso a Elis Regina) misturado com ícones da bregalização cultural, Pedro usa o folclore brasileiro como desculpa para defender e legitimar a degradação da Música Popular Brasileira abertamente comandada pelo mercado e pela grande mídia.
Enquanto faz pretensos ataques ao coronelismo midiático, apelando, sem criatividade, para clichês do vocabulário esquerdista, geralmente copiando palavras prontas e expressões de efeito já conhecidas, Pedro no entanto exalta os ídolos musicais que são patrocinados por esse mesmo poder da grande mídia que finge repudiar.
Isso é tão claro que Pedro soa quase como um adido cultural da Globo, já que os ídolos que ele defendeu, como Tati Quebra-Barraco, Banda Calypso, Zezé di Camargo & Luciano, Gaby Amarantos, Calcinha Preta, Fábio Jr., Odair José e MC Guimê, depois alcançam ou retomam o sucesso com o mais claro apoio da mídia reacionária que o jornalista diz repudiar, mas que na prática se comporta como se fosse um assessor cultural da mesma.
As pessoas caem em armadilhas por causa do status quo e dos manipuladores das palavras, independente do discurso ser mais ou menos rebuscado a ser adotado. Voltando ao exemplo de Mário Kertèsz, seu malabarismo discursivo consiste em ele imitar, como que em paródia, a locução empostada e pretensamente elegante, em um momento, mas em outro falar como se fosse um dono de botequim, apostando numa fala mais grosseira.
O deslumbramento das pessoas com tais armadilhas é assustador, e faz com que o Brasil seja um dos países em que a tendência ao conservadorismo e à subordinação aos poderosos e influentes se torna não apenas típica, mas crônica.
Vide, no "espiritismo", os casos de Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco, ambos tranquilamente "repousando" sob a roupagem de falsos sábios, cada um à sua maneira. Chico Xavier com sua ideologia das contradições, do "fraco que ficou forte", do "caipira que conquistou o mundo" e do "ignorante que virou sábio". E Divaldo com suas poses professorais e seu discurso rebuscado e prolixo.
Enquanto eles se protegem a partir de uma imagem de "bondade e humildade", aliada à "simplicidade" de Chico e ao "bom gosto" de Divaldo, eles partem para a deturpação mais deplorável da Doutrina Espírita, com obras vazias de ideias e que em muitos casos contrariam severamente o pensamento de Allan Kardec, indo contra a coerência e a lógica.
Essas obras, de aberrante e chocante desonestidade doutrinária, são dissimuladas pelo verniz da "boa palavra", do aparato de "bondade e humildade" e das "boas lições de vida". Tudo apenas aparato, feito para acobertar ideias sem nexo, verdadeiros absurdos fantasiosos, delirantes, místicos da pior espécie, em textos embelezados pelo organizado e coeso exército de palavras.
O Livro dos Médiuns já advertiu, em várias passagens, sobre as obras supostamente mediúnicas que se servem de discurso empolado, em que o mais elaborado embelezamento das palavras esconde ideias não somente vazias de sentido, mas altamente delirantes e inconsistentes, contrárias à lógica e ao bom senso, problemas facilmente identificáveis nos trabalhos de Chico e Divaldo.
Para complicar ainda mais as coisas, as pessoas, cegas e iludidas ao status quo dos totens "espíritas", chegam mesmo a dizer asneiras como protestar contra o "excesso de lógica" de Allan Kardec ou achar válido o charlatanismo de Chico Xavier e Divaldo Franco só pelo "bem que eles fazem", que percebemos não ser tão benéfico assim.
Isso porque as pessoas se prendem a estereótipos de caridade que não ameaçam os privilégios dos poderosos. As desigualdades não são superadas e os desafortunados apenas têm seus sofrimentos relativamente minimizados, até atingindo relativa prosperidade, mas nada de muito transformador. Além disso, Divaldo festejou demais o fato de sua Mansão do Caminho beneficiar não mais do que 0,08% da população de Salvador.
A submissão das pessoas a ícones associados a algum status quo, como diploma, visibilidade, dinheiro e poder, ou mesmo a projeção de aparente filantropia, corrompe as suas percepções e impede o Brasil de se progredir, porque os "grandes exemplos" são atribuídos quase sempre a pessoas com valor muito duvidoso e cujos benefícios nem sempre correspondem à realidade, muito aquém do que se diz em apaixonadas declarações.
O verdadeiro intelectual escreve de forma simples e concisa. Milton Santos, o grande geógrafo, é um exemplo. Seus textos têm a simplicidade das palavras, sem o embelezamento verborrágico que muitos "pensadores" badalados e cultuados em ferrenha devoção se utilizam para convencer as pessoas.
Isso porque o verdadeiro pensador têm apenas a missão honesta da transmissão de conhecimento. Já os manipuladores da palavra, com seus discursos cheios do mel das belas palavras e do luxo das expressões rebuscadas e das ideias truncadas e prolixas, é que enganam protegidos pelo prestígio fácil de se obter e difícil de ser derrubado num país em que ainda existem multidões que se deslumbram fácil com o circo da aparência.
sábado, 28 de novembro de 2015
Suposto Allan Kardec foi o primeiro 'fake' do "movimento espírita"
DESCARAMENTO PURO - Edição de livro "pirata" com imagem de Allan Kardec.
Sabemos que as fraudes mais conhecidas cometidas sob o patrocínio da Federação "Espírita" Brasileira estão voltados sobretudo a Francisco Cândido Xavier e seus discípulos. Mas, nos primórdios da FEB, uma fraude em igual nível vergonhoso foi cometida, ainda no século XIX, constituindo no primeiro fake difundido pelo "movimento espírita".
Trata-se da usurpação do próprio nome de Allan Kardec, "evocado" para apoiar o roustanguismo defendido pela FEB, sob a alegação de que o mistificador Jean-Baptiste Roustaing, responsável pelo livro Os Quatro Evangelhos, seria apenas um "modernizador" e "complementador" do pensamento kardeciano, o que se comprovou ideia falsa que até envergonhou parte de seus seguidores.
O falso Allan Kardec havia difundido uma mensagem intitulada "Instruções de Allan Kardec aos Espíritas do Brasil", no Grupo Espírita Fraternidade, no Rio de Janeiro, em 05 de fevereiro de 1889, cinco anos após o surgimento da FEB e 21 antes do nascimento de Chico Xavier.
Trata-se de um Kardec irreconhecível, igrejista, prolixo, por vezes agressivo, que escreve jargões que o professor lionês nunca iria citar e que são próprias do imaginário de Roustaing, autor que, sabemos, foi reprovado pelo próprio Kardec. Note-se que o tom da mensagem está muito mais para um padre do que para um pedagogo, e o texto diverge completamente da linguagem kardeciana.
O texto é longo, com 11 páginas, das quais selecionaremos alguns trechos. A mensagem já começa com um tom igrejista e com sentimentalismo piegas, elementos estranhos às ideias e ao texto preciso de Allan Kardec:
Paz e amor convosco.
Que possamos ainda uma vez, unidos pelos laços da fraternidade, estudar essa doutrina de paz e de amor, de justiça e de esperanças, graças à qual encontraremos a estreita porta da salvação futura — o gozo indefinido e imorredouro para as nossas almas humildes.
Antes de ferir os pontos que fazem o objetivo da minha manifestação, devo pedir a todos vós que me ouvis - a todos vós espíritas a quem falo neste momento - que me perdoeis se porventura, na externação dos meus pensamentos, encontrardes alguma coisa que vos magoe, algum espinho que vos vá ferir a sensibilidade do coração.
O cumprimento do dever nos impõe usemos de linguagem franca, rude mesmo. Por isso que cada um de nós tem uma responsabilidade individual e coletiva e, para salvá-la, lançamos mão de todos os meios que se nos oferecem, sem contarmos, muitas vezes, com a pobreza da nossa inteligência, que não nos permite dizer aquilo que sentimos sem magoar, não raro, corações amigos, para os quais só desejamos a paz, o amor e as doçuras da caridade.
A estranha ênfase na caridade e na fraternidade, defendidas com paixão exagerada no vazio de ideias da referida "instrução", o pseudo-Kardec escreve muito para nada dizer, o que dá um tom evidente do texto como sendo não uma mensagem de um pedagogo aos brasileiros, mas o de um sermão de um padre católico impresso.
Corridos os séculos, desenvolvido intelectualmente o espírito humano, Deus, na sua sabedoria, achou que era chegado o momento de convidar os homens à meditação do Evangelho - precioso livro de verdades divinas - até então ensombrado pela letra, devido à deficiência da percepção humana para compreendê-lo em espírito.
Por toda a parte se fez luz; revelou-se à Humanidade o Consolador prometido, recebendo os
povos - de acordo com o seu preparo moral e intelectual - missões importantes, tendentes a acelerar a marcha triunfante da Boa-Nova!
Todos foram chamados: a nenhum recesso da Terra deixou de apresentar-se o Consolador em nome desse Deus de misericórdia, que não quer a morte do pecador - nem o extermínio dos ingratos - e sim os deseja ver remidos dos desvarios da carne, da obcecação dos instintos.
Sendo assim, a esse pedaço de terra, a que chamais Brasil, foi dada também a Revelação da Revelação, firmando os vossos Espíritos, antes de encarnarem, compromissos de que ainda não vos desobrigastes. E perdoai que o diga: tendes mesmo retardado o cumprimento deles e de graves deveres, levados por sentimentos que não convém agora perscrutar.
Observa-se, nessa declaração igrejista, cheia de "enrolação" de caráter religioso, e, portanto, diferente do que Kardec realmente escreveria se caso se dirigisse aos brasileiros, que o "alam cardeque" da mensagem em questão contraria o pedagogo ao definir o Evangelho como "livro de verdades divinas".
É bom deixar claro que o verdadeiro Allan Kardec, ao publicar O Evangelho Segundo o Espiritismo, chegou a pensar em publicá-lo usando o termo francês imitation, que tanto pode ser "imitação", mas deve ser entendido pelo sinônimo menos conhecido, "interpretação". Em outras palavras, Kardec questionava o Evangelho e o analisava como um cientista, buscando a lógica e não a fé.
Observa-se também o termo Revelação da Revelação, expressão que é o subtítulo do livro Os Quatro Evangelhos, de Jean-Baptiste Roustaing, o que contraria severamente a natureza da mensagem ser realmente de autoria de Allan Kardec, porque Kardec reprovou Roustaing, vendo na obra deste sérios problemas de metodologia e abordagem.
Ismael, o vosso Guia, tomando a responsabilidade de vos conduzir ao grande templo do amor e da
fraternidade humana, levantou a sua bandeira, tendo inscrito nela - Deus, Cristo e Caridade. Forte pela dedicação, animado pela misericórdia de Deus, que nunca falta aos trabalhadores, sua voz santa e evangélica ecoou em todos os corações, procurando atraí-los para um único agrupamento onde, unidos, teriam a força dos leões e a mansidão dos pombos; onde, unidos, pudessem afrontar todo o peso das iniqüidades humanas; onde, enlaçados num único sentimento - o do amor - pudessem adorar o Pai em Espírito e Verdade; onde se levantasse a grande muralha da fé, contra a qual viessem quebrar-se todas as armas dos inimigos da Luz; onde, finalmente, se pudesse formar um grande dique à onda tempestuosa das paixões, dos crimes e dos vícios que avassalam a Humanidade inteira!
Parágrafo igualmente igrejista, o falso Kardec apela para a exaltação do misterioso espírito Ismael, que constatamos não passar de um personagem fictício, fruto provavelmente de algum zombeteiro que se passou ou intuiu para os "médiuns" inventarem um "mentor espiritual" para o Brasil.
Além disso, soa estranha a "bandeira" que o "alam cardeque" exalta de Ismael - Deus, Cristo e Caridade - , por ser uma causa católica, e mesmo que a ideia de caridade esteja associada a qualidades positivas, nunca o professor lionês investiria nessa tríade, porque ele tinha coisas e tarefas muito mais importantes para fazer.
Observa-se também a citação do termo católico "em Espírito e Verdade", impróprio ao vocabulário kardeciano, mas típico da retórica igrejista trazida por Jean-Baptiste Roustaing. Os termos como "adorar o Pai", "levantasse a grande muralha da fé", "inimigos da Luz" parecem apelos sentimentais e piegas que não correspondem ao pensamento original do pedagogo francês.
Constituiu-se esse agrupamento; a voz de Ismael foi sentida nos corações. Mas, à semelhança das sementes lançadas no pedregulho, elas não encontram terra boa para as suas raízes, e quando aquele anjo bom - aquele Enviado de Deus - julgava ter em seu seio amigos e irmãos capazes de ajudá-lo na sua grande tarefa, santa e boa, as sementes foram mirrando ao fogo das paixões, foram-se encravando na rocha, apesar de o orvalho da misericórdia divina as banhar constantemente para sua vivificação.
Ali, onde a humildade devera ter erguido tenda, o orgulho levantou o seu reduto; ali, onde o amor devia alçar-se, sublime e esplêndido, até junto do Cristo, a indiferença cavou sulcos, à justiça se chamou injustiça, à fraternidade - dissensão!
Mas, pela ingratidão de uns, haveria de sacrificar-se a gratidão e a boa-vontade de outros?
Pelo orgulho dos que já se arvoraram em mestres na sua ignorância, havia de sacrificar-se a humildade do discípulo perfeitamente compenetrado dos seus deveres? Não!
Assim, quando os inimigos da Luz - quando o espírito das trevas julgava esfacelada a bandeira de
Ismael, símbolo da trindade divina; quando a voz iníqua já reboava no Espaço, glorificando o reino das trevas e amaldiçoando o nome do Mártir do Calvário, ele recolheu o seu estandarte e fez que se levantasse pequena tenda de combate com o nome - Fraternidade!
Sabemos que as fraudes mais conhecidas cometidas sob o patrocínio da Federação "Espírita" Brasileira estão voltados sobretudo a Francisco Cândido Xavier e seus discípulos. Mas, nos primórdios da FEB, uma fraude em igual nível vergonhoso foi cometida, ainda no século XIX, constituindo no primeiro fake difundido pelo "movimento espírita".
Trata-se da usurpação do próprio nome de Allan Kardec, "evocado" para apoiar o roustanguismo defendido pela FEB, sob a alegação de que o mistificador Jean-Baptiste Roustaing, responsável pelo livro Os Quatro Evangelhos, seria apenas um "modernizador" e "complementador" do pensamento kardeciano, o que se comprovou ideia falsa que até envergonhou parte de seus seguidores.
O falso Allan Kardec havia difundido uma mensagem intitulada "Instruções de Allan Kardec aos Espíritas do Brasil", no Grupo Espírita Fraternidade, no Rio de Janeiro, em 05 de fevereiro de 1889, cinco anos após o surgimento da FEB e 21 antes do nascimento de Chico Xavier.
Trata-se de um Kardec irreconhecível, igrejista, prolixo, por vezes agressivo, que escreve jargões que o professor lionês nunca iria citar e que são próprias do imaginário de Roustaing, autor que, sabemos, foi reprovado pelo próprio Kardec. Note-se que o tom da mensagem está muito mais para um padre do que para um pedagogo, e o texto diverge completamente da linguagem kardeciana.
O texto é longo, com 11 páginas, das quais selecionaremos alguns trechos. A mensagem já começa com um tom igrejista e com sentimentalismo piegas, elementos estranhos às ideias e ao texto preciso de Allan Kardec:
Paz e amor convosco.
Que possamos ainda uma vez, unidos pelos laços da fraternidade, estudar essa doutrina de paz e de amor, de justiça e de esperanças, graças à qual encontraremos a estreita porta da salvação futura — o gozo indefinido e imorredouro para as nossas almas humildes.
Antes de ferir os pontos que fazem o objetivo da minha manifestação, devo pedir a todos vós que me ouvis - a todos vós espíritas a quem falo neste momento - que me perdoeis se porventura, na externação dos meus pensamentos, encontrardes alguma coisa que vos magoe, algum espinho que vos vá ferir a sensibilidade do coração.
O cumprimento do dever nos impõe usemos de linguagem franca, rude mesmo. Por isso que cada um de nós tem uma responsabilidade individual e coletiva e, para salvá-la, lançamos mão de todos os meios que se nos oferecem, sem contarmos, muitas vezes, com a pobreza da nossa inteligência, que não nos permite dizer aquilo que sentimos sem magoar, não raro, corações amigos, para os quais só desejamos a paz, o amor e as doçuras da caridade.
A estranha ênfase na caridade e na fraternidade, defendidas com paixão exagerada no vazio de ideias da referida "instrução", o pseudo-Kardec escreve muito para nada dizer, o que dá um tom evidente do texto como sendo não uma mensagem de um pedagogo aos brasileiros, mas o de um sermão de um padre católico impresso.
Corridos os séculos, desenvolvido intelectualmente o espírito humano, Deus, na sua sabedoria, achou que era chegado o momento de convidar os homens à meditação do Evangelho - precioso livro de verdades divinas - até então ensombrado pela letra, devido à deficiência da percepção humana para compreendê-lo em espírito.
Por toda a parte se fez luz; revelou-se à Humanidade o Consolador prometido, recebendo os
povos - de acordo com o seu preparo moral e intelectual - missões importantes, tendentes a acelerar a marcha triunfante da Boa-Nova!
Todos foram chamados: a nenhum recesso da Terra deixou de apresentar-se o Consolador em nome desse Deus de misericórdia, que não quer a morte do pecador - nem o extermínio dos ingratos - e sim os deseja ver remidos dos desvarios da carne, da obcecação dos instintos.
Sendo assim, a esse pedaço de terra, a que chamais Brasil, foi dada também a Revelação da Revelação, firmando os vossos Espíritos, antes de encarnarem, compromissos de que ainda não vos desobrigastes. E perdoai que o diga: tendes mesmo retardado o cumprimento deles e de graves deveres, levados por sentimentos que não convém agora perscrutar.
Observa-se, nessa declaração igrejista, cheia de "enrolação" de caráter religioso, e, portanto, diferente do que Kardec realmente escreveria se caso se dirigisse aos brasileiros, que o "alam cardeque" da mensagem em questão contraria o pedagogo ao definir o Evangelho como "livro de verdades divinas".
É bom deixar claro que o verdadeiro Allan Kardec, ao publicar O Evangelho Segundo o Espiritismo, chegou a pensar em publicá-lo usando o termo francês imitation, que tanto pode ser "imitação", mas deve ser entendido pelo sinônimo menos conhecido, "interpretação". Em outras palavras, Kardec questionava o Evangelho e o analisava como um cientista, buscando a lógica e não a fé.
Observa-se também o termo Revelação da Revelação, expressão que é o subtítulo do livro Os Quatro Evangelhos, de Jean-Baptiste Roustaing, o que contraria severamente a natureza da mensagem ser realmente de autoria de Allan Kardec, porque Kardec reprovou Roustaing, vendo na obra deste sérios problemas de metodologia e abordagem.
Ismael, o vosso Guia, tomando a responsabilidade de vos conduzir ao grande templo do amor e da
fraternidade humana, levantou a sua bandeira, tendo inscrito nela - Deus, Cristo e Caridade. Forte pela dedicação, animado pela misericórdia de Deus, que nunca falta aos trabalhadores, sua voz santa e evangélica ecoou em todos os corações, procurando atraí-los para um único agrupamento onde, unidos, teriam a força dos leões e a mansidão dos pombos; onde, unidos, pudessem afrontar todo o peso das iniqüidades humanas; onde, enlaçados num único sentimento - o do amor - pudessem adorar o Pai em Espírito e Verdade; onde se levantasse a grande muralha da fé, contra a qual viessem quebrar-se todas as armas dos inimigos da Luz; onde, finalmente, se pudesse formar um grande dique à onda tempestuosa das paixões, dos crimes e dos vícios que avassalam a Humanidade inteira!
Parágrafo igualmente igrejista, o falso Kardec apela para a exaltação do misterioso espírito Ismael, que constatamos não passar de um personagem fictício, fruto provavelmente de algum zombeteiro que se passou ou intuiu para os "médiuns" inventarem um "mentor espiritual" para o Brasil.
Além disso, soa estranha a "bandeira" que o "alam cardeque" exalta de Ismael - Deus, Cristo e Caridade - , por ser uma causa católica, e mesmo que a ideia de caridade esteja associada a qualidades positivas, nunca o professor lionês investiria nessa tríade, porque ele tinha coisas e tarefas muito mais importantes para fazer.
Observa-se também a citação do termo católico "em Espírito e Verdade", impróprio ao vocabulário kardeciano, mas típico da retórica igrejista trazida por Jean-Baptiste Roustaing. Os termos como "adorar o Pai", "levantasse a grande muralha da fé", "inimigos da Luz" parecem apelos sentimentais e piegas que não correspondem ao pensamento original do pedagogo francês.
Constituiu-se esse agrupamento; a voz de Ismael foi sentida nos corações. Mas, à semelhança das sementes lançadas no pedregulho, elas não encontram terra boa para as suas raízes, e quando aquele anjo bom - aquele Enviado de Deus - julgava ter em seu seio amigos e irmãos capazes de ajudá-lo na sua grande tarefa, santa e boa, as sementes foram mirrando ao fogo das paixões, foram-se encravando na rocha, apesar de o orvalho da misericórdia divina as banhar constantemente para sua vivificação.
Ali, onde a humildade devera ter erguido tenda, o orgulho levantou o seu reduto; ali, onde o amor devia alçar-se, sublime e esplêndido, até junto do Cristo, a indiferença cavou sulcos, à justiça se chamou injustiça, à fraternidade - dissensão!
Mas, pela ingratidão de uns, haveria de sacrificar-se a gratidão e a boa-vontade de outros?
Pelo orgulho dos que já se arvoraram em mestres na sua ignorância, havia de sacrificar-se a humildade do discípulo perfeitamente compenetrado dos seus deveres? Não!
Assim, quando os inimigos da Luz - quando o espírito das trevas julgava esfacelada a bandeira de
Ismael, símbolo da trindade divina; quando a voz iníqua já reboava no Espaço, glorificando o reino das trevas e amaldiçoando o nome do Mártir do Calvário, ele recolheu o seu estandarte e fez que se levantasse pequena tenda de combate com o nome - Fraternidade!
Tentando dizer pouco em muitas e muitas palavras, sempre no tom igrejista e piegas, o falso Kardec exagera na defesa da "fraternidade" como se ela fosse uma ideia solta, e, neste trecho, ele escreve com palavras agressivas, além de um texto rebuscado cheio de apostos - há a citação de Jesus como o "Mártir do Calvário" - cujo sentimentalismo é impróprio da escrita de Allan Kardec.
Observa-se o uso da expressão "espírito das trevas", que o pedagogo francês nunca utilizaria, por ele não acreditar na ideia do "umbral", o "inferno espírita". Descrever Ismael como "símbolo da trindade divina" é um duplo equívoco, porque Kardec nunca iria exaltar um estranho como Ismael e, cético, o fundador da Doutrina Espírita tinha dúvidas quanto ao valor da ideia da "santíssima trindade".
Certos de que acaso é palavra sem sentido, e testemunhas dos fatos que determinaram o levantamento dessa tenda, todos os espíritas tinham o dever sagrado de vir aqui se agruparem - ouvir a palavra sagrada do bom Guia Ismael - único que dirige a propaganda da Doutrina nesta parte do planeta e único que tem a responsabilidade da sua marcha e desenvolvimento.
Mas, infelizmente, meus amigos, não pudestes compreender ainda a grande significação da palavra - Fraternidade!
O estranho Allan Kardec apela, até com exagero, para os espíritas seguirem o "bom guia Ismael", e atribui a ele, e não ao próprio pedagogo francês, a missão de ser "o único que dirige a propaganda da Doutrina (Espírita) nesta parte do planeta e único que tem a responsabilidade da sua marcha e desenvolvimento". Se levarmos isso como recado de Kardec, então ele renega a própria obra.
Não é um termo, é um fato; não é uma palavra vazia, é um sentimento, sem o qual vos achareis sempre fracos para essa luta que vós mesmos não podeis medir, tal a sua extraordinária grandeza!
Ismael tem o seu Templo, e sobre ele a sua bandeira - Deus, Cristo e Caridade! Ismael tem a sua pequenina tenda, onde procura reunir todos os seus irmãos - todos aqueles que ouviram a sua palavra e a aceitaram por verdadeira: e chama-se Fraternidade!
Pergunto-vos: Pertenceis à Fraternidade? Trabalhais para o levantamento desse Templo cujo lema é: Deus, Cristo e Caridade?
Como, e de que modo?
Apelo igrejista, escrito em tons agressivos e apaixonados. Nada que possa se reconhecer como mensagem de Allan Kardec. A perda de tempo de enfatizar a palavra Fraternidade como uma palavra solta - apesar do pseudo-Kardec negar que seja "um termo" ou uma "palavra vazia", e a insistência em defender Ismael e seu Templo, assim como o tema igrejista "Deus Cristo e Caridade", fazem o texto ser bastante longo e chato, sobretudo nesse apelo bastante agressivo.
Eles não obedecem a diversas orientações, nem colimam objetivos diversos; tudo converge para a
Doutrina Espírita - Revelação da Revelação - que não lhes convém e que precisam destruir, para o que empregam toda a sua inteligência, todo o seu amor do mal, submetendo-se a uma única direção!
Outra apelação igrejista, na qual tem um detalhe: o "Allan Kardec" da mensagem contradiz a natureza do pedagogo francês, porque o próprio Kardec reprovou Roustaing, por apontar falhas diversas no trabalho deste, e nunca iria recorrer à defesa do próprio livro roustanguista reprovado, que usa o subtítulo "A Revelação da Revelação".
Para Kardec, bastava a revelação que ele recebeu quando elaborou seu trabalho, de maneira árdua e exaustiva. O que Allan Kardec fez os "espíritas" brasileiros não conseguem ter noção, pois o pedagogo francês tinha em mãos um assunto bastante complexo que ele procurou analisar com honestidade, cautela, atenção e um apurado senso de lógica e questionamentos.
O QUE DIZ ALLAN KARDEC
O livro que publicou a "instrução", A Prece Segundo o Evangelho, é uma fraude em todos os sentidos. A publicação é exclusivamente brasileira, datada de 1944, mas na sua ficha técnica usa como título original o mesmo de O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Dois capítulos da tradução deste livro, por Guillon Ribeiro - dado não creditado em A Prece Segundo o Evangelho - , além das preces incluídas, se somam à "instrução", um capítulo sobre a "Casa de Ismael" (a sede da FEB, hoje filial fluminense localizada na Av. Passos, no centro do Rio de Janeiro), dando na tendenciosa publicação um caráter de "exclusividade".
O livro, porém, deve ser descartado. Ele não faz parte da bibliografia original de Allan Kardec e o próprio fato de incluir um fake já faz a publicação merecer o lixo. Nada desse livro tem condição de ser aproveitado, preferindo investir nos trabalhos de Kardec traduzidos por José Herculano Pires e parceiros, publicados em outras editoras.
O que desmascara de vez a "mensagem" do "Allan Kardec" da FEB é seguramente encontrado em O Livro dos Médiuns, em que o próprio Kardec, no Capítulo 24, Da Identidade dos Espíritos, recomenda muito cuidado na identificação dos espíritos, tarefa muito difícil e sujeita a armadilhas sérias e sutis.
Kardec, em suas palavras concisas e diretas, explica a complexidade do tema e selecionamos algumas passagens. Na questão 255, o professor lionês esclarece, neste parágrafo:
"Há sem dúvida a objeção de que um Espírito que tomasse nome suposto, mesmo que só para o bem, não deixaria de cometer uma fraude e por isso não poderia ser bom. É neste ponto que surgem questões delicadas, difíceis de se compreender, e que vamos tentar desenvolver".
Na questão 256, Kardec descreve o seguinte comentário:
"A situação é outra quando um Espírito de ordem inferior se enfeita com um nome respeitável para se fazer acreditar. E esse caso é tão comum que não seria demais manter-se em guarda contra esses embustes.
Porque é graças a nomes emprestados, e sobretudo com a ajuda da fascinação, que certos Espíritos sistemáticos, mais orgulhosos do que sábios, procuram impingir as idéias mais ridículas".
Quanto a este último comentário, o tradutor José Herculano Pires traz a seguinte nota:
"Encontramos na bibliografia espíritas numerosos casos dessa espécie, tendo alguns conseguidos infiltrar-se em respeitáveis setores da divulgação doutrinária, ocasionando graves prejuízos à aceitação do Espiritismo por pessoas sensatas e ilustradas. A fascinação foi tratada no nº 239 do cap. Anterior. Como se vê ali, o Espírito mistificador paralisa a capacidade de julgamento do médium. O mesmo se dá com todas as pessoas a que se deixam envolver. Essa a razão por que idéias absurdas e ridículas se espalham nos meios doutrinários, defendidos por pessoas cultas, às vezes dedicadas ao movimento mas invigilantes e pouco atentas às advertências deste livro".
Como se observa, o livro A Prece Segundo o Evangelho e uma das primeiras mensagens atribuídas ao espírito Allan Kardec divulgadas no Brasil se revelam grandes fraudes. A própria obra de Allan Kardec fornece subsídios seguros de que o livro e a mensagem feitos no Brasil sejam descartados por definitivo, sem que deles se tirasse proveito algum.
Eles não obedecem a diversas orientações, nem colimam objetivos diversos; tudo converge para a
Doutrina Espírita - Revelação da Revelação - que não lhes convém e que precisam destruir, para o que empregam toda a sua inteligência, todo o seu amor do mal, submetendo-se a uma única direção!
Outra apelação igrejista, na qual tem um detalhe: o "Allan Kardec" da mensagem contradiz a natureza do pedagogo francês, porque o próprio Kardec reprovou Roustaing, por apontar falhas diversas no trabalho deste, e nunca iria recorrer à defesa do próprio livro roustanguista reprovado, que usa o subtítulo "A Revelação da Revelação".
Para Kardec, bastava a revelação que ele recebeu quando elaborou seu trabalho, de maneira árdua e exaustiva. O que Allan Kardec fez os "espíritas" brasileiros não conseguem ter noção, pois o pedagogo francês tinha em mãos um assunto bastante complexo que ele procurou analisar com honestidade, cautela, atenção e um apurado senso de lógica e questionamentos.
O QUE DIZ ALLAN KARDEC
O livro que publicou a "instrução", A Prece Segundo o Evangelho, é uma fraude em todos os sentidos. A publicação é exclusivamente brasileira, datada de 1944, mas na sua ficha técnica usa como título original o mesmo de O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Dois capítulos da tradução deste livro, por Guillon Ribeiro - dado não creditado em A Prece Segundo o Evangelho - , além das preces incluídas, se somam à "instrução", um capítulo sobre a "Casa de Ismael" (a sede da FEB, hoje filial fluminense localizada na Av. Passos, no centro do Rio de Janeiro), dando na tendenciosa publicação um caráter de "exclusividade".
O livro, porém, deve ser descartado. Ele não faz parte da bibliografia original de Allan Kardec e o próprio fato de incluir um fake já faz a publicação merecer o lixo. Nada desse livro tem condição de ser aproveitado, preferindo investir nos trabalhos de Kardec traduzidos por José Herculano Pires e parceiros, publicados em outras editoras.
O que desmascara de vez a "mensagem" do "Allan Kardec" da FEB é seguramente encontrado em O Livro dos Médiuns, em que o próprio Kardec, no Capítulo 24, Da Identidade dos Espíritos, recomenda muito cuidado na identificação dos espíritos, tarefa muito difícil e sujeita a armadilhas sérias e sutis.
Kardec, em suas palavras concisas e diretas, explica a complexidade do tema e selecionamos algumas passagens. Na questão 255, o professor lionês esclarece, neste parágrafo:
"Há sem dúvida a objeção de que um Espírito que tomasse nome suposto, mesmo que só para o bem, não deixaria de cometer uma fraude e por isso não poderia ser bom. É neste ponto que surgem questões delicadas, difíceis de se compreender, e que vamos tentar desenvolver".
Na questão 256, Kardec descreve o seguinte comentário:
"A situação é outra quando um Espírito de ordem inferior se enfeita com um nome respeitável para se fazer acreditar. E esse caso é tão comum que não seria demais manter-se em guarda contra esses embustes.
Porque é graças a nomes emprestados, e sobretudo com a ajuda da fascinação, que certos Espíritos sistemáticos, mais orgulhosos do que sábios, procuram impingir as idéias mais ridículas".
Quanto a este último comentário, o tradutor José Herculano Pires traz a seguinte nota:
"Encontramos na bibliografia espíritas numerosos casos dessa espécie, tendo alguns conseguidos infiltrar-se em respeitáveis setores da divulgação doutrinária, ocasionando graves prejuízos à aceitação do Espiritismo por pessoas sensatas e ilustradas. A fascinação foi tratada no nº 239 do cap. Anterior. Como se vê ali, o Espírito mistificador paralisa a capacidade de julgamento do médium. O mesmo se dá com todas as pessoas a que se deixam envolver. Essa a razão por que idéias absurdas e ridículas se espalham nos meios doutrinários, defendidos por pessoas cultas, às vezes dedicadas ao movimento mas invigilantes e pouco atentas às advertências deste livro".
Como se observa, o livro A Prece Segundo o Evangelho e uma das primeiras mensagens atribuídas ao espírito Allan Kardec divulgadas no Brasil se revelam grandes fraudes. A própria obra de Allan Kardec fornece subsídios seguros de que o livro e a mensagem feitos no Brasil sejam descartados por definitivo, sem que deles se tirasse proveito algum.
sexta-feira, 27 de novembro de 2015
Rede de TV confirma decadência do Rio de Janeiro
Enquanto a "boa sociedade" do Grande Rio boicota os próprios amigos que fizerem alguma crítica pesada contra o Estado do Rio de Janeiro e sua outrora imponente capital, fatos mostram que a decadência que transforma o Estado num dos mais atrasados e retrógrados do país e não dá mais para esconder.
Os problemas que acontecem no Estado do Rio de Janeiro, sobretudo na sua homônima capital, são muito maiores do que o que normalmente se aceitaria numa cidade considerada moderna e cosmopolita. São transtornos, prejuízos e retrocessos típicos de cidade provinciana comandada pelo coronelismo.
E o coronelismo existe, e ele se observa no PMDB carioca e seu autoritarismo crônico. É de onde surgiu o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e suas propostas retrógradas que foram conhecidas como "pautas-bombas". Atualmente ele sofre uma decadência política depois que investigações indicaram uso do dinheiro público e de propinas de empresas para suas contas pessoais depositadas na Suíça.
Mas mesmo que Eduardo Cunha esteja "sozinho" na sua decadência no Congresso Nacional, seus pares cariocas não agem de forma diferente: Eduardo Paes, Luiz Fernando Pezão, Sérgio Cabral Filho, Carlos Roberto Osório, a família Picciani (Jorge e seus filhos Leonardo e Rafael), Pedro Paulo Carvalho, todos têm um pouco da prepotência e do apetite de rasgar leis do deputado Cunha.
Eles integram um esquema de corrupção cujas ramificações envolveram tanto o esquema de propinas da Petrobras, investigado pela Operação Lava-Jato, até a farra financeira que envolve uma rede diversificada de poderosos, para construir uma "cidade de mentira" feita para turista ver, uma espécie de paródia misturada de Barcelona, Miami e Los Angeles.
A "rede de relações" envolve desde o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, dirigentes esportivos cariocas, empresários de ônibus, donos de empreiteiras e barões da mídia locais, até empresários de grandes eventos musicais (caríssimos e pomposos), como Roberto Medina, cujo tráfico de influência envolve até mesmo uma "modesta" emissora de rádio, a Rádio Cidade, cujo dono, que não mostra as caras, seria também aliado do grupo de Eduardo Paes.
Até a decadência do sistema de ônibus carioca, com um modelo retrógrado adotado em 2010 - e equivocadamente copiado em cidades como Florianópolis e Recife, que já pagam o "preço caro" da iniciativa - , de redução de trajetos de linhas de ônibus, pintura padronizada nas empresas e dupla função de motorista-cobrador, se insere no contexto de favorecer o enriquecimento ilícito de empresários do setor.
Todos eles estão envolvidos com um processo de "transformação" da cidade do Rio de Janeiro feita para turista ver. É uma elite que está no poder há mais de cinco anos, e que tenta interferir até na cultura para "amenizar" focos de rebelião e revolta sociais.
Dessa maneira, tanto o "funk carioca" é feito para domesticar o povo das favelas, deixando-o inofensivo o suficiente para não interferir nos arbítrios dos governantes - que já expulsaram moradores de casas populares para a construção de complexos olímpicos e pistas de BRT - , quando a "programação rock" da Rádio Cidade é feita para domesticar os jovens e evitar surtos ativistas como os que se verificou em junho de 2013.
Dessa maneira, empresários do entretenimento "das periferias" e executivos de uma rádio FM estariam comprometidos a "suavizar" a rebeldia de jovens pobres e abastados, criando uma "paz social" que permita o enriquecimento ilícito e em doses estratosféricas de políticos locais e seu empresariado associado, inclusive empreiteiros.
Trabalha-se uma "cidade de mentira" na qual o único ponto positivo foi a demolição do Viaduto da Perimetral. Mas ela era uma reivindicação antiga e era considerada um erro desde sua construção, já que deixava a Zona Portuária às escuras e fazia a Av. Rodrigues Alves se tornar perigosa até durante o dia, com pessoas sendo obrigadas a andar em grupos para, pelo menos, diminuir o risco de serem assaltadas.
Os retrocessos refletem também nas atitudes sociais de elites juvenis, associadas a eventos grosseiros que vão da trolagem na Internet ao linchamento de trabalhadores, passando pelo confronto de torcidas organizadas num Estado em que o fanatismo pelo futebol carioca e pelos quatro times (Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo) é visto como ferrenha obrigação social.
As trolagens que vitimam negros, homossexuais, feministas e pessoas que pensam diferente do que estabelece o mercado, a mídia e a política dominantes, com humilhações nas mídias sociais e, em certos casos, blogues ofensivos ou paródicos, têm a participação de boa parte de internautas que vivem no Rio de Janeiro.
Quanto à violência, o aspecto estarrecedor ocorreu dias atrás. Um vendedor de gelo discutiu com duas mulheres e um homem por causa de um incidente. As mulheres e o homem participaram de um luau no Arpoador, praia que fica entre Copacabana e Ipanema. Depois da discussão, as mulheres e o homem se retiraram e voltaram com um grupo de pessoas que perseguiu o vendedor e o agrediu até a morte.
Sim, um linchamento digno de cidades atrasadíssimas do interior do país, dessas rurais e com alto índice de analfabetismo, ocorreu na ensolarada Zona Sul carioca, cenário paradisíaco e único "consolo" para cariocas que não aceitam ser desiludidos viverem seus sonhos dourados de uma Cidade Maravilhosa que não existe mais e que eles insistem em acreditar que ainda existe.
E o irônico disso tudo é que a violência foi cometida por pessoas abastadas, contra um trabalhador acusado de assédio e discussão, que pode até ter se alterado com a situação, mas não merecia essa violência covarde. Enquanto isso, inocentes e simpáticos rapazes negros, trabalhadores e estudantes, que moram no Jacarezinho, eram detidos por policiais na Zona Sul só porque estavam sem documentos de identidade.
JORNALISTAS SÉRIOS
O baronato midiático local reagiu a uma série de reportagens da afiliada carioca da Rede Record, intitulada "O Rio de Janeiro na Lama", que mostra os contrastes entre o Rio de Janeiro "pomposo" para as Olimpíadas de 2016 e a corrupção política que oprime a população e enriquece autoridades e empresários associados.
No último dia 25, o jornal O Dia, aliado do grupo político de Eduardo Paes - o periódico costuma noticiar com cautela as irregularidades políticas das autoridades cariocas - , publicou uma notícia contestando a validade das denúncias do Jornal da Record, produzido em São Paulo em rede nacional.
Intitulada "Record denuncia família Picciani, que acusa emissora de fazer campanha", a notícia, só no título, demonstra o seu tendenciosismo, com a posição sutilmente favorável à família Picciani, ou seja, o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), Jorge Picciani, o deputado federal Leonardo Picciani, protegido de Eduardo Cunha, e o atual secretário de Transportes da Prefeitura do Rio de Janeiro, Rafael Picciani.
As acusações também envolvem Carlos Roberto Osório, secretário estadual de Transportes do Estado, e que havia sido titular da mesma pasta municipal que é conhecida pela sigla pomposa de SMTR.
Osório é ligado tanto a Carlos Arthur Nuzman e à família Picciani. Consta-se que Carlos Roberto Osório também tem relações com Eduardo Cunha e com dirigentes de futebol, e, juntamente com Rafael Picciani e Alexandre Sansão (também ex-secretário municipal), é responsável pela decadência do sistema de ônibus carioca, em que até empresas de ônibus antes conceituadas, como Real e Matias, estão com frotas sucateadas.
O jornal O Dia se comportou como um jornaleco de latifúndio de cidade do interior ao corroborar as réplicas dos Picciani acusando a Rede Record de "fazer propaganda" do "bispo" Marcelo Crivella, um dos "braços-direitos" do também "bispo" Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, dono da rede de televisão.
Todavia, as reportagens são feitas por jornalistas sérios, de visão independente, que, embora trabalhem para não contrariar os interesses de Edir Macedo, têm autonomia e honestidade suficientes para cobrir fatos com o máximo de transparência possível.
O Jornal da Record faz parte de um setor de jornalismo que envolvem jornalistas como Paulo Henrique Amorim, Rodrigo Vianna, Luiz Carlos Azenha e outros, conhecidos por denúncias pertinentes sobre a corrupção política e a concentração do poder de oligarquias midiáticas ultraconservadoras (Globo, Folha, Abril e Estadão).
Luiz Carlos Azenha foi autor, juntamente com Amaury Ribeiro Jr. - que denunciou um esquema de corrupção do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, seus colegas do PSDB e seus respectivos familiares - , de um livro, O Lado Sujo do Futebol, sobre os bastidores da corrupção do futebol brasileiro, focalizando as atividades ilícitas de João Havelange e Ricardo Teixeira e do suíço aliado deles, Joseph Blatter.
O livro antecipou os escândalos de futebol que mesmo a imprensa reacionária foi obrigada a cobrir. E alertam para a indústria de "manipulação de resultados" que faz os quatro principais times do Rio de Janeiro terem quase sempre resultados favoráveis no Campeonato Brasileiro, apesar de seus desempenhos bastante desastrosos ou medíocres.
A "ascensão", fácil demais, do Vasco da Gama, é um exemplo disso. Com péssimo desempenho na Série B do Brasileirão de 2014, o time "mudou" da noite para o dia depois que o dirigente esportivo Eurico Miranda, com fama de corrupto, voltou à presidência do clube. Das derrotas irrecuperáveis, vieram vitórias fáceis demais ou, quando muito, empates tendenciosos, sem que houvesse uma mudança de qualidade no time, o que pode sugerir vitórias "compradas".
Mas tudo isso faz parte da "cidade de mentira" que a "boa sociedade" que se diz formadora de opinião no Rio de Janeiro, quer fazer prevalecer. A irritação que ela sente dos questionadores, e que alimenta a fúria zombeteira dos trolls, revela o quanto o "mar de lama" da corrupção carioca, revela que a corrupção política tem respaldo em setores reacionários da socidade do Rio de Janeiro.
Paliativos como a pequena Praia de Rocha Miranda, no Parque Madureira, não conseguem resolver o problema do acesso às praias. A extensão do "laguinho" cercado de areia é insuficiente para as populações das grandes regiões de Madureira e Méier que agora precisam pegar dois ônibus para ir para a Zona Sul, torrando dinheiro de passagens.
O lado sombrio de tudo isso se mostra evidente. Os trolls fazem toda a sua violência moral, com ataques em série junto a outros internautas, e até criam blogues ofensivos parodiando suas vítimas, felizes da vida sem saber que suas páginas caluniosas estão sendo lidas por investigadores da Polícia Federal.
Por outro lado, a indignação das classes populares, diferentes dos "bons cariocas" que publicam selfies felizes com os amigos tomando vinho em adegas de Petrópolis, ou indo à praia e aos pontos turísticos, de uma forma ou de outra se mostra evidente.
Moradores são expulsos de suas casas nos subúrbios para que elas sejam demolidas, dando lugar a complexos olímpicos e corredores de ônibus BRT. Recebem baixa indenização e são jogadas a áreas distantes, isso quando não são deixados à míngua, forçados a sair da cidade ou a morar na rua, com o risco de serem queimados por milicianos ou vândalos.
Para piorar, a política habitacional dos políticos cariocas é desastrosa. Enquanto as propagandas enganosas apontam um "grande projeto" de "novas moradias", não há um projeto de substituir favelas por bairros populares dignos, e as casas, construídas dentro do programa "Minha Casa, Minha Vida", só servem para "mostrar serviço" das empreiteiras (em provável "lavagem de dinheiro") e, não raro, as novas casas são invadidas por traficantes e milicianos, para agravar a situação.
MAIS DECADÊNCIA
A insegurança faz com que cresça a criminalidade nos subúrbios, com cidadãos inocentes e policiais perdendo a batalha contra os bandidos, sendo diariamente assassinados em tiroteios de uma forma ou de outra. Mesmo áreas "pacificadas" pelas UPPs mostram sua farsa: nelas é que mais estão ocorrendo tiroteios e ações criminosas, e os bandidos quase sempre levam a melhor.
Mas a decadência do Rio de Janeiro não para por aí. O setor de cultura está cada vez mais ingrato contra orquestras e projetos teatrais. Livrarias históricas ameaçam fechar as portas. A cultura se reduz a projetos em que a finalidade econômica, o lucro, estão acima de qualquer propósito social, e o rico patrimônio cultural dos cariocas se reduz aos poucos e míseros espaços que restam.
Enquanto isso, o "funk carioca" estabelece parcerias com empresas multinacionais, a grande mídia e até mesmo com dirigentes esportivos e de escolas de samba. São as escolas que se tornam vitrines das "funqueiras" que mostram seus corpos siliconados em desfiles.
E o "rock da Rádio Cidade", com sua programação ruim na qual quase nada do seu "Rock de Verdade" é tocado, senão os greatest hits - , só serve para alimentar a indústria dos grandes shows, que cobram ingressos muito caros e oferecem alimentação ruim a preços exorbitantes.
O Estado do Rio de Janeiro está tão falido que até na Economia o desastre acontece, com produtos faltando nas prateleiras, apesar do Estado ser centro de distribuição de muitos produtos. A sensação que se tem é que se está num mercado do interior do Acre, em que o que só tem são alguns dos produtos "básicos" dos grandes distribuidores nacionais ou multinacionais, geralmente caros.
Essa decadência se acumula em problemas, escãndalos, desastres. O potencial sucessor de Eduardo Paes para a Prefeitura do Rio, Pedro Paulo Carvalho, foi acusado de violentar a ex-mulher. Tantas coisas ruins se acumulam e a "boa sociedade" diz que são apenas "problemas corriqueiros" de uma "complexa metrópole", como se a cidade não perdesse o glamour com sua própria tragédia.
O Rio de Janeiro está falido, em todos os sentidos, e temos que colocar a falência debaixo do tapete. Para todo efeito, vamos para as mídias sociais forjarmos falsa felicidade, fazendo selfies em boates da Zona Sul, em excursões fora do Grande Rio, curtir vídeos engraçados e torcer pelos quatro times de futebol carioca. Caso contrário, seremos tratados como "chatos insuportáveis" por aqueles que não admitem a própria decadência do local onde vivem.
quinta-feira, 26 de novembro de 2015
Carlos Imbassahy previu fase dúbia do "movimento espírita"
O maior problema que a Doutrina Espírita enfrenta no Brasil é a tendência dúbia, a atual fase que o chamado "movimento espírita" vive, e que consiste numa suposta "fidelidade absoluta" a Allan Kardec enquanto adota uma postura mística e religiosa exaltando figuras como Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco, assim como André Luiz e Emmanuel.
Em seu texto "Radiografia da Deturpação do Espiritismo", o pensador Carlos Imbassahy, um dos que se esforçavam a combater as deturpações catolicizantes da Doutrina Espírita, nos alertou sobre os perigos dos chamados "kardecistas autênticos", uma farsa surgida tanto na crise do roustanguismo explícito quanto na crise do poder centralizador da Federação "Espírita" Brasileira.
Foi a partir dessa crise que, entre outras coisas, apareceu um suposto texto de Adolfo Bezerra de Menezes supostamente arrependido por ter defendido Jean-Baptiste Roustaing, pedindo para "kardequizar", sugerindo uma corruptela da expressão "catequizar", num trocadilho implícito, mantendo a visão religiosista e de matiz católica do Espiritismo.
Com a crise do roustanguismo explícito - o que fez com que Roustaing só fosse apreciado pelo chamado "alto clero" da FEB - , alguns de seus astros, como pombos voando em direção aos milhos jogados ao longe, como os próprios Chico Xavier e Divaldo Franco, passaram também a fazer parte da turma que jurava de joelhos que era "rigorosamente fiel a Allan Kardec".
A fase dúbia, associada ao marketing da caridade que a Rede Globo, inspirada no documentário de Malcolm Muggeridge sobre Madre Teresa de Calcutá, Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God), trabalhou sobre Chico Xavier, substituiu o esforço da FEB em manter Roustaing acima de Kardec. Além disso, a fase dúbia descentralizou o poder da federação e deu voz às entidades regionais, como as federações estaduais.
Esta fase, que prevalece hoje no "movimento espírita", consiste em criar artifícios e arremedos discursivos que dessem a falsa impressão do rigoroso cumprimento dos ensinamentos de Allan Kardec. Evoca-se personalidades e assuntos científicos e os "espíritas", como se não fosse com eles, chegam ao ponto de denunciar as deturpações dos outros.
Tudo teatro. Tudo feito para dar a falsa impressão de que o Espiritismo original é respeitado no Brasil. Por debaixo dos panos, há abordagens "científicas" de André Luiz, exaltações aos textos "filosóficos" de Emmanuel e a glorificação de Chico Xavier e Divaldo Franco através de seus estereótipos relativos à humildade, sabedoria e caridade.
Era esse alerta que foi dado por Carlos Imbassahy, pai do também pensador espírita Carlos de Brito Imbassahy, para que se previnam dos "kardecistas autênticos", que representam um outro estágio de mistificação da Doutrina Espírita, desta vez com maior dissimulação. Segue o trecho do referido texto:
"Existe um grupo de espíritas que se autodenomina de “autênticos kardecistas” e que se esmera num ferrenho combate à Federação Espírita Brasileira e ao roustainguismo, centrados no detalhe absolutamente desprezível do corpo fluídico de Jesus.
No dizer de Krishnamurti de Carvalho Dias, esse é o “boi de piranha” que possibilita a entrada de conceitos contrários à grande contribuição kardecista, que é a imortalidade, a lei da evolução, progressiva e contínua.
Entretanto, esse grupo “autêntico”, curiosamente, aceita o aspecto religioso do Espiritismo e de certa forma a CRISTOLATRIA roustainguista ao apoiar-se nas teses de Emmanuel sobre a evolução em linha reta e o papel de “governador” do planeta atribuído ao Cristo, quando nada disso pode ser autenticamente encontrado no pensamento genuíno de Kardec.
Enfim, os combates margeiam o político e o imaginário, pois esses tais de “espíritas autênticos” continuam acreditando que Kardec foi apenas o codificador e não o fundador do Espiritismo.
E ainda continuam atrás do mito cristão do salvador e do mito judaico do messias.
Não aprenderam a lição histórica da evolução geral e do sentido progressista de Kardec. Apegam-se ao aspecto místico da revelação sobrenatural, na chefia mítica de Jesus Cristo, como “o Espírito da Verdade” e daí por diante".
quarta-feira, 25 de novembro de 2015
Livros de Chico Xavier nunca foram caridade
Esqueça esse papo furado de que Francisco Cândido Xavier era a pessoa mais bondosa do mundo. Ele nem de longe representou sequer metade das qualidades que se atribui e seu mito filantrópico, já sabemos, não passou de uma farsa publicitária da Rede Globo similar a que Malcolm Muggeridge fez com Madre Teresa de Calcutá.
Segundo os seguidores de Chico Xavier, a "maior bondade" realizada por ele foi a produção de seus "maravilhosos espíritos", que essa gente deslumbrada atribui serem obras de "elevado valor" e "altíssimo nível" daquilo que entendem ser a "literatura espírita". Só que tudo isso não passa de blefe, quando muito uma conversa para boi e "espírito trevoso" dormir.
Essa constatação, insistimos, não é caluniosa, mas realista. Afinal, que bondade pode se garantir a livros que incluem pastiches literários, plágios diversos, ideias que revelam a desonestidade doutrinária com Allan Kardec, que os "espíritas" brasileiros se comprometeram em seguir mas o traíram completamente? Só por causa das "boas ideias"?
Em O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec (tradução de José Herculano Pires), no capítulo 20, Influência Moral dos Médiuns, na questão 230, foi aproveitada como resposta uma mensagem do espírito Erasto, que havia sido discípulo de Paulo de Tarso (conhecido como o São Paulo dos católicos), que havia citado sobre as "boas ideias" nas obras mistificadoras, da seguinte forma:
"Os médiuns levianos, pouco sérios, chamam, pois, os Espíritos da mesma natureza. É por isso que as suas comunicações se caracterizam pela banalidade,a frivolidade, as idéias truncadas e quase sempre muito heterodoxas, falando-se espiritualmente. Certamente eles podem dizer e dizem às vezes boas coisas, mas é precisamente nesse caso que é preciso submetê-las a um exame severo e escrupuloso. Porque, no meio das boas coisas, certos Espíritos hipócritas insinuam com habilidade e calculada perfídia fatos imaginados, asserções mentirosas, como fim de enganar os ouvintes de boa fé".
Esse alerta se encaixa nos problemas que se vê nas obras de Chico Xavier. E Erasto diz que é justamente quando são expressas "coisas boas" que é necessário submeter a um exame severo e escrupuloso. Em outras palavras, são nessas passagens que cabe maior desconfiança, maior questionamento, porque as "boas ideias" podem ser isca para outras mais perniciosas.
Acabamos de pesquisar o livro A Caminho da Luz, na época de produção deste texto, e verificamos o quanto o livro é rebuscado, pretensamente erudito, pedante e prolixo. Diante das promessas de "amor e fraternidade", nota-se a inserção de informações mentirosas, tendenciosas, fantasiosas, que simplesmente ofendem o trabalho de Allan Kardec, de maneira definitiva e evidente.
"Mas não é cruel dizer que Chico Xavier ofendeu o trabalho de Kardec?", perguntariam uns. Não. É ofensa porque o professor francês teve muito trabalho, se desgastando física e psicologicamente para analisar os fenômenos espíritas, sempre com precisão e frieza cirúrgicas, imparcialidade e senso crítico, duvidando sempre para obter respostas com o máximo de coerência possível.
Kardec pagava as viagens com o próprio dinheiro - algo a ser levado em conta pelos brasileiros que veem um Divaldo Franco sendo pago para viajar pelo mundo espalhando suas mentiras - , perdia horas de sono para responder a questionamentos e ataques, escrevia para tentar explicar um assunto que até ele achava bastante complexo e, mesmo doente, ainda juntava forças para esclarecer com o máximo de lógica possível.
E todo esse trabalho foi desmoronado porque Chico Xavier e seus parceiros lançaram livros que simplesmente contradiziam a obra kardeciana, publicando fantasias surreais como se fossem a realidade espiritual e trabalhando conceitos que, sob um exame mais rudimentar, se demonstram contrários à lógica e ao bom senso.
E devemos levar em conta que essa contrariedade não é fato menor nem casual. Não é algo acidental, um erro pequeno, uma eventualidade ou um caso isolado. São erros gravíssimos, aberrantes, chocantes, cuja projeção atingiu níveis preocupantes. É coisa de arrancar os cabelos. Chico Xavier espalhou mentiras que passaram a serem vistas como verdades absolutas!
Portanto, a "caridade" dos mais de 400 livros que levaram o nome do anti-médium mineiro, na verdade, foi um trabalho completamente irresponsável, uma tarefa deplorável, um erro insano. Antes eles nunca tivessem sido produzidos, antes nenhuma vírgula, nenhum til, nenhum "a" tivesse sido desenhado desse grande exército de palavras que bombardeou a lógica e o bom senso.
Dizendo assim parece ser muito cruel, mas a verdade é que Chico Xavier levou ao extremo o que Allan Kardec já havia reprovado em Os Quatro Evangelhos, de Jean-Baptiste Roustaing. Disse o professor lionês, considerando cansativo o fato da obra roustanguista ter três volumes (a edição brasileira, da Federação "Espírita" Brasileira, tem quatro, acrescidos na obra os comentários do tradutor Guillón Ribeiro).
Segundo Kardec, a obra de Roustaing não apresentava clareza textual e sugeria uma leitura exaustiva de seus grandes volumes. O pedagogo sugeriu que "a obra poderia ter sido reduzida a dois, ou menos, a um só volume e teria ganho em popularidade". Roustaing não gostou das críticas dadas ao seu trabalho, sobretudo no aspecto de seu exagerado conteúdo.
Pois se Allan Kardec criticou Roustaing por causa de um livro de três (ou quatro, no Brasil) volumes, o que ele diria então de mais de 400 livros de Chico Xavier? Simplesmente o professor lionês faria observações bem mais severas e talvez até fosse mais rigoroso nas observações.
Seria muito provável que Kardec, observando os livros de Chico Xavier, achasse que 99% deles seriam desnecessários, se fosse considerar a publicação de algum deles, mas também seria possível que ele aconselhasse o anti-médium a se limitar a um panfleto ou uma palestra, se fosse o caso de transmitir alguma mensagem positiva.
Os livros de Chico Xavier mostram uma série de aberrações. não somente quanto à doutrina de Kardec. Descrevem a história do Brasil e do mundo de acordo com as abordagens, não raro preconceituosas e mitológicas, dos livros didáticos da época. Supõem a vida espiritual com fantasias dignas de ficção científica. Trazem conceitos moralistas retrógrados. Apelam para fatos e ideias duvidosos de fatos bíblicos.
Querer que isso seja "a maior caridade do homem mais bondoso do mundo" é que é leviano. Se os livros mostram aberrações de caráter historiográfico, religioso, espiritualista, doutrinário etc, indo, em diversos aspectos, contra a lógica e bom senso, eles não podem ser considerados bondade, porque, de certa forma, esses livros causam um sério prejuízo.
Contrariando a lógica e o bom senso, tanto quanto à Doutrina Espírita quanto, por exemplo, para os fatos históricos, já é suficiente considerar não somente supérflua e inútil a bibliografia de Chico Xavier, mas também nociva e prejudicial para a compreensão da realidade sob os mais variados aspectos.
Com isso, derruba-se mais uma vez um mito de bondade do anti-médium mineiro, e é até um bem que as pessoas se livrem dos livros de Chico Xavier, que comprovadamente contrariam sua promessa de esclarecimento das mentes das pessoas. A bondade não pode estar a serviço da desonestidade doutrinária e intelectual.
terça-feira, 24 de novembro de 2015
A diferença entre um aprendiz e um medíocre
Ninguém sabe tudo. A realidade é muito ampla e complexa para que todos possam saber tudo. Daí a diversidade e a diferença de aptidões. Só que, num país marcado pelo pretensiosismo como o Brasil, as pessoas querem ser mais do que são e buscam conquistar não os seus espaços, mas os dos outros.
Desde os anos 90, criou-se um cenário em que as pessoas disputam não mais os espaços que são próprios de sua vocação, mas aqueles que lhes trazem maiores vantagens. Sem entender do ramo que tenta abordar - como, por exemplo, algum oportunista que se candidata a cargo político, ou então uma emissora de rádio, como a Rádio Cidade, se aventurando no rock - , o pretensioso tenta entrar no campo alheio em busca de autopromoção e vantagens pessoais ou institucionais.
O que se permite, nesse caso, nesses processos em que, diz a metáfora, o penetra de uma festa se transforma em seu anfitrião, é a confusão que muitas pessoas têm entre um medíocre e um aprendiz, que faz o primeiro se passar pelo segundo, oferecendo riscos a determinado tipo de causa.
E qual é a diferença entre um medíocre e um aprendiz? Ambos aparecem sem entender muito de determinada coisa. Em tese, ambos tendem a aprender essa coisa e passar a ser especialistas da mesma no decorrer do tempo. Mas isso é na teoria. Na prática, a situação se altera completamente.
O aprendiz é aquele que deseja saber. Sente sincera identificação com a causa que pretende assumir e, não a entendendo, busca conhecê-la com simplicidade, sem sucumbir à autopromoção e procurando a compreensão mais exata possível, mesmo que possa interferir nela com novas ideias e procedimentos que não comprometam a essência da causa assumida.
Já o medíocre é diferente. Ele nunca se identificou realmente com a causa que tardiamente ele quer assumir. De início, ele resiste, até com raiva e intensa teimosia, assumir essa causa, por não gostar da mesma e nem querer aderir a ela em circunstâncias naturais.
No entanto, o medíocre passa a assumir essa causa que ele rejeitava intransigentemente quando ela se mostra vantajosa. Ele muda bruscamente de postura: se ele antes resistia a todo custo assumir dada causa, não admitindo apelos para adesão, de repente ele passa a ser o extremo oposto, querendo defender a causa antes rejeitada como se ele quisesse ser o dono da mesma.
Não se deve confundir essa postura com a de aprendizes que, de início, não gostavam de uma causa e passaram a gostar delas em função do aprendizado e da compreensão. O medíocre não quer saber, quer se apropriar de uma causa vantajosa. quer apenas "conhecer os macetes", para que ele soe "especializado" na aparência, sem que possa conhecer as entranhas dessa causa.
Geralmente, o medíocre faz estardalhaço quando assume a causa que ele inicialmente rejeitou e à qual não aderiu por sincera identificação, mas por oportunismo. Ele "salta de pára-quedas" e surge como um estranho que embarcou numa causa prometendo modernizá-la, consagrá-la e consolidá-la.
O medíocre pode ser uma pessoa mais influente no seu meio original, na sua causa mais conservadora. Ele pode ser carismático e ter tido sucesso em uma outra causa mais condizente aos seus horizontes vocacionais.
Daí que existe o risco dele emprestar seu carisma e influência à nova causa, na qual ele não tem a menor competência, e se aproveitar disso para se apropriar da mesma. A canatrice surge como um processo do medíocre em fingir que sabe tudo e que está interessado em tudo aprender, mas que não é mais do que mero envaidecimento do medíocre bem-sucedido, do incompetente que triunfa.
EXEMPLOS DE MEDÍOCRES
Daí vemos muitos e muitos exemplos de mediocridade bem sucedida que embarca em causas alheias e divergentes em busca de maiores vantagens, uma adesão que nada tem a ver com mudanças sinceras nem com aprendizado, até porque os medíocres continuam tão medíocres quanto antes, e até piores.
Vide, por exemplo, alguns figurões civis que surgiram na ditadura militar, como o ex-presidente da República, Fernando Collor, e o ex-prefeito de Salvador e hoje dono e locutor da Rádio Metrópole FM, Mário Kertèsz, figuras direitistas das mais reacionárias que, em troca de vantagens pessoais, andam parasitando as esquerdas e até se julgando integrantes delas.
Há também as chamadas "mulheres-frutas" ou outras mulheres siliconadas, seja Mulher Melão, Yami Filé e Solange Gomes, entre outras, que personificam abordagens machistas da "mulher-objeto", mas, protegidas pelo verniz da "cultura popular", julgam que fazem um "novo tipo de feminismo".
Elas se apropriam dessa causa, usando como desculpa o fato de não terem namorados, por puro oportunismo, usando a hipersexualização de seus corpos, oferecidos como mercadorias em liquidação de loja, como autopromoção sob o pretexto do "direito à sensualidade", alegação tão hipócrita quanto o de "liberdade de expressão" dos jornalistas reacionários do nível de Reinaldo Azevedo.
Afinal, elas avacalham o sentido de liberdade sexual, de autoestima feminista e ridicularizam até mesmo a imagem da mulher solteira, vinculando seu ideal de vida à curtição e ao sensualismo obsessivo. No entanto, as musas siliconadas querem parecer "libertárias" e "ousadas" diante de procedimentos que parecem arrojados mas são meramente retrógrados.
Há músicos de tendências bregas que fazem pastiches de samba ("pagode romântico") e música caipira ("sertanejo"), que, depois que conquistam o sucesso em anos seguidos, tentam se passar por "grandes nomes da MPB" se servindo de artifícios diversos, como gravar covers, tributos oportunistas, duetos caça-níqueis com emepebistas, cantam com orquestras e tudo, só para esconder a péssima qualidade artística de suas obras autorais.
Na cultura rock, exemplo típico é o oportunismo da Rádio Cidade, uma emissora carioca que fez muito sucesso através do formato de pop eclético - a rádio popularizou, no Brasil, nomes como Donna Summer, Earth Wind & Fire e Michael Jackson - , mas que desde 1995 se apropriou da causa do rock sem que tivesse competência, tradução nem identificação natural com o ramo.
Pelo contrário, o que se vê é a mesma programação hit-parade adaptada ao vitrolão roqueiro. A Rádio Cidade nunca se identificou com a causa roqueira (durante seus primórdios, rádios como Eldo Pop e Fluminense FM representavam o gênero, com competência e personalidade próprias), mas hoje ela tenta enganar o público em geral através do duvidoso lema "Rock de Verdade".
Por trás desse rótulo, porém, o que se observa são apenas programas de "sucessos das paradas": há o programa dos "sucessos do momento" (Cidade do Rock), no qual se enfatizam também os sucessos e as músicas de trabalho nacionais. Há também os programas clones de humorismo pop ("Transa Louca", "Pânico da Pan"), como "Hora dos Perdidos" e "Rock Bola". Programas noturnos de flashback, como Clássicos do Rock.
Os locutores têm a mesma voz afetada das rádios pop, com o timbre quase afeminado, como se dirigissem a fãs de Justin Bieber. A mentalidade é de rádio pop comum. Nada de "rock de verdade", até pelo caráter duvidoso de boa parte das bandas tocadas, que refletem a indigência musical de tendências comerciais roqueiras dos anos 80 e 90 até hoje.
Nesses diversos casos, ninguém muda para aprender ou se tornar realmente diferente. Fernando Collor, Mário Kertèsz, Chitãozinho & Xororó, Rádio Cidade e Solange Gomes continuam tão retrógrados quanto antes, representando valores conservadores enrustidos, e embarcam em pretextos vanguardistas como velhos medievais querendo sobreviver na carona de causas renascentistas.
A mediocridade é um grande perigo, porque o medíocre, do contrário do aprendiz, não quer realmente saber. Só "aprende" quando é pressionado, seja por críticas negativas, seja pelo andar das circunstâncias. Nunca muda por vontade própria, e até estabelece limites para suas mudanças, condicionando-as à busca de alguma vantagem e autopromoção.
MERITOCRACIA
A própria deturpação do sentido de meritocracia também tenta proteger os medíocres. A ideia distorcida de meritocracia ser a "ditadura do saber" e o "monopólio do saber fazer", tão pregada pelos seus fanáticos ideólogos, permite a delegação de competências para os incompetentes.
O exemplo de uma intelectualidade festiva comprometida com a degradação da cultura brasileira ao ridicularizar personalidades como o cantor e compositor Chico Buarque é um claro exemplo de como o ato de saber fazer algo torna-se alvo de preconceitos, aquele que sabe é visto como um "incompetente às avessas", num país em que usar o raciocínio é visto como um mal.
Com isso, a tecnocracia prevalece e o verdadeiro sentido de meritocracia, que se refere aos privilégios formais de formação acadêmica ou de presumido status de formação de opinião e decisões, sem que se levem em conta vocações naturais para tal especialização ou causa, permite que a competência seja sempre um atributo privilegiado dos incompetentes.
Cria-se todo um teatro da "especialização". Pessoas que não sabem fazer direito, mas sabem muito bem criar desculpas. Se ocorre algum retrocesso, dizem que é pela necessidade de atingir maiores demandas, menor custo e buscar maior rendimento financeiro. Se ocorre algum erro, alegam que ele foi repentino ou corresponde a um risco já previsto mas sanável.
Não há melhoras e, a reboque de tudo isso, ocorrem até mesmo medidas antipopulares, como, no sistema de ônibus carioca, ocorre com a redução de trajetos de ônibus e a pintura padronizada nas empresas. Tudo por conta da mediocridade dos secretários de Transporte, que nunca andaram de ônibus mas se julgam os "maiores entendedores" do transporte.
A meritocracia real, da ditadura dos diplomas - que deixam de ser atestado de conhecimento acadêmico para ser instrumento de poder e dominação - , da imposição da visibilidade (como no caso de Mário Kertèsz, que nem formação de Rádio nem de Jornalismo possui) ou do prestígio (a Rádio Cidade, só porque fez sucesso num segmento musical, acha que será bem sucedida em outro), revela o quanto os princípios de know how são deturpados e ridicularizados constantemente.
E aí entramos no "espiritismo" brasileiro, uma seita que poderia muito bem ter sido um tipo avançado de Catolicismo. Em vez de se apropriar do prestígio da doutrina de Allan Kardec, a doutrina brasileira poderia muito bem ter se limitado a ser uma variante da Igreja Católica dotada de paranormalidade e esoterismo, que teria ganho em despretensão, embora perdido em oportunismo e sensacionalismo.
No entanto, a mania da mediocridade em pegar carona numa causa que não lhe diz respeito - é a aplicação do ditado "meter o nariz onde não é chamado" - fez com que se fizesse um "espiritismo" incompetente, que não raro entrava em choque violento com as ideias de Allan Kardec, e que, para piorar, virou um festival de demagogia, fingimentos e mentiras deploráveis.
Assim, os "espíritas" brasileiros desperdiçam suas retóricas para jurar, em falsas e chorosas súplicas, aquilo que nunca fazem nem se interessam em fazer: a rigorosa fidelidade ao pensamento de Allan Kardec, ao respeito integral aos seus ensinamentos, o inabalável controle da conduta espírita, entre outras alegações.
No entanto, eles traem o tempo todo. Evocam obras de deturpação grotesca trazidas por Chico Xavier. e camuflam suas traições doutrinárias com bom mocismo, como se jogasse o aspecto Moral da Doutrina Espírita contra os da Ciência e Filosofia.
A mediocridade doutrinária, não bastasse o desconhecimento da prática mediúnica - que quase sempre não passa de puro fingimento - , torna-se um sério delito, que tantos prejuízos causaram na compreensão da doutrina de Allan Kardec que, às custas dos medíocres usurpadores de seu prestígio, foi mal interpretado e associado a ideias e práticas que o pedagogo francês, no fundo, teria reprovado de maneira severa e imediata.
Com isso, o "espiritismo" demonstrou para onde vai a mediocridade quando ela é consagrada, apoiada e consolidada. Com o triunfo dos medíocres, o não saber fazer prevalece como um falso saber, causando estragos severos e eliminando as essências originais de causas que acabam tendo muita dificuldade para recuperar seus sentidos verdadeiros.
segunda-feira, 23 de novembro de 2015
As contradições intelectuais da exploração da mulher pela mídia
Recentemente, uma parcela da intelectualidade brasileira, comprometida a defender a degradação da cultura popular sob o pretexto do "triunfo do mau gosto", sobretudo mulheres ligadas ao jornalismo, ao ativismo comunitário, à direção cinematográfica e ao ambiente acadêmico, escreveram textos criticando a chamada "ditadura da beleza" imposta pela grande mídia.
Os alvos dessas críticas eram tanto os comerciais de televisão quanto aos das grandes revistas de circulação nacional, que criavam um padrão ideológico da mulher, que se baseava em modelos rígidos de embelezamento e boa forma.
Além desse aspecto, as ativistas, alinhadas em tendências esquerdistas consideradas brandas, se queixavam de que a imagem da mulher brasileira era ridicularizada pelos estereótipos que os comerciais televisivos trabalhavam. Os comerciais mostravam uma mulher burra, alienada, abobalhada e satisfeita com suas tarefas domésticas.
Preconceitos sociais eram trazidos como o fato de mulher não saber dirigir um carro - quando sabemos que, na realidade, são os machistas os piores condutores de carro, até porque eles costumam beber ao dirigir - e pelas frescuras associadas à maneira de se vestir ou o modo de como uma mulher cuida das crianças e do marido.
Revistas como Cláudia, Manequim, Boa Forma e Marie Claire eram criticadas pela sua associação à mídia reacionária que as analistas se opunham. As três primeiras são publicações da Editora Abril e a terceira, uma franquia de uma revista estrangeira publicada pelas Organizações Globo.
As intelectuais, no entanto, se contradiziam quando aceitavam que as mulheres simbolicamente associadas à "cultura das periferias" - o que especialistas definem como bregalização cultural - , como as "boazudas", adotem procedimentos de plásticas e outras apelações estéticas ou comportamentais sob o pretexto de "desenvolver a autoestima".
Em diferentes textos, as intelectuais criavam um contraste em que a preocupação com os problemas vividos pelas mulheres diante do machismo, defendendo uma coisa para as mulheres da chamada classe média e outra completamente diferente em relação às que simbolizam a "cultura popular" midiática.
Se elas reclamam que as mulheres de classe média estão sendo ridicularizadas pelos comerciais de televisão e sofrem a pressão da "ditadura estética", elas elogiam quando a imagem da mulher é ridicularizada no "funk carioca" e quando as "boazudas" carregam no silicone e nas plásticas.
São dois pesos e duas medidas. O que, para a mulher de classe média, corresponde a uma exploração depreciativa pelo mercado da grande mídia, para a mulher "pobre" corresponde a um ato positivo de autoestima e de "discurso direto" contra (?!) o machismo, além da liberdade (sic) de se beneficiar com as técnicas de embelezamento, a pretexto do "direito ao corpo".
O que é mais aberrante é que, quem prega essa contradição ideológica são mulheres dotadas, em tese, de algum esclarecimento intelectual e uma conscientização sócio-política e cultural. Ver que elas compactuam com os valores machistas, quando eles são associados às "periferias", é um problema gritante.
A mulher é trabalhada de forma imbecilizada tanto pelos comerciais de TV quanto pelos ritmos "populares" como o "funk" e o "forró eletrônico". Não devemos esquecer que, se por um lado os executivos da grande mídia permitem tais campanhas publicitárias, são eles mesmos que promovem as manifestações "populares demais" que tocam muito nas rádios e nas TVs.
Se os comerciais de televisão, como os de produtos de limpeza, mostram uma mulher alienada tolamente feliz porque vai fazer a faxina da casa, o "funk" e o "forró eletrônico" trabalham a hipersexualização da mulher, de uma forma não menos imbecilizante.
GISELE BUNDCHEN E VALESCA POPOZUDA - Unidas num evento de moda, separadas nas abordagens das intelectuais badaladas.
Qual é a diferença entre uma Gisele Bundchen fazendo o papel de objeto sexual num comercial de roupas íntimas, tão reprovada pelas intelectuais mais badaladas, e a Valesca Popozuda fazendo o papel de objeto sexual em suas apresentações de "funk", elogiada pelas mesmas intelectuais?
Essas contradições, que as intelectuais que deveriam evitar, mostram o quanto de elitismo tem toda a intelectualidade que fica complacente com a chamada "cultura de massa" e que marcou a tendência que predominou no Brasil entre 2002 e 2014, comprometendo o progresso das classes populares que tiveram que aceitar a degradação cultural imposta pela mídia.
Enquanto textos eram publicados reprovando o fato de que revistas como Cláudia e Boa Forma incentivavam as mulheres a usar botox, colocar silicones, fazer lipoaspiração e forçar a boa forma aos níveis acima de suas condições individuais, outros eram publicados elogiando a "liberdade do corpo" de musas "populares" que apelam para plásticas e silicones e lipos.
Para piorar, a "ditadura da beleza" pega mais pesado no lado "popular", porque o uso de botox, na "boa sociedade", praticamente se limita a mulheres com mais de 45 anos, e a lipoaspiração é feita em clínicas conceituadas.
No "lado de baixo", o "direito ao corpo" faz mulheres perderem a aparência original com sucessivas plásticas, enquanto a lipoaspiração é feita em clínicas pouco confiáveis, o que trouxe inúmeras tragédias consequentes dos erros diversos.
Personalidades como Geisy Arruda, Yami Filé, Solange Gomes, Renata Frisson (Mulher Melão), Andressa Soares (Mulher Melancia) e outras (como ex-integrantes do Big Brother Brasil e competidoras do Miss Bumbum), abusam do uso do silicone e se autoafirmam pelas muitas plásticas que fizeram, são no entanto elogiadas pelas intelectuais festivas que lhes atribuem "coragem" e "ousadia".
Quer dizer, o que para a mulher que simboliza o ideal da classe média é sinônimo de humilhação, imbecilização e imposições estéticas, para a mulher que simboliza o ideal das classes populares é visto como ato de coragem, ousadia desafiadora dos "bons costumes" e expressão de sua valorização pessoal.
São posturas desiguais. Na classe média, a mulher não quer ser assediada pelos homens, não quer exibir a todo custo suas formas físicas e não quer seguir cartilhas relacionadas a padrões de beleza "ideais".
Nas classes populares, a mulher é vista como uma "carne de rua", "livre" na sua exposição corporal, "inocente" em suas gafes e comprometida com a promoção do sexo e da sensualidade como mercadorias a estimular ainda mais o apetite já afoito dos machos.
Chegou-se ao ponto da mídia coronelista (sobretudo da parte de rádios FM ditas "populares") da Bahia, por exemplo, incentivar que mulheres pobres adotem uma postura hipersexualizada e assediem os homens de maneira persistente e obsessiva, dentro de um estereótipo de objetos sexuais que fazia essas moças serem altamente vulneráveis ao tráfico de mulheres e à prostituição.
Se a mulher "de elite" comete gafes e equívocos, ela é duramente criticada pelas intelectuais festivas. Se é a mulher "da periferia" que faz isso, a postura é diferente, sendo vista como "coisa divertida" e manifestação de "senso de humor" e "irreverência".
Que Brasil poderá ser feito, em favor das mulheres, se por um lado a classe média organiza campanhas como o "chega de fiu-fiu" e, nas periferias, se estimula que uma grande série de mulheres "sensualizem" e "mostrem demais", como expressão da "liberdade do sexo" e do "direito à sensualidade".
Isso mostra um grave elitismo. Nas periferias, mulheres morrem em cirurgias de lipoaspiração ou implantação de silicones, e elas se tornam vulneráveis ao estupro, por causa de machões marcados pela overdose de glúteos e bustos redondos que acendem suas fogueiras sexuais de maneira sem controle.
As mulheres de classe média são protegidas. Se a mídia as explora de forma imbecilizada, as intelectuais badaladas e festivas reclamam, chiam, acusam de abordagem machista e tudo o mais. Só elas, no entanto, é que podem ter uma imagem mais respeitosa pela sociedade, pelo mercado e pelos meios de comunicação.
Já as mulheres das classes populares, vale tudo. A hipersexualização, representada pela descontrolada exibição de poses "sensuais" a qualquer preço, aliada a todo um processo de plastificação corporal que envolve silicone, lipoaspiração, botox, e tantos exageros que as mulheres investem até na juventude (vide Yami Filé, Geisy Arruda e Anitta), as mesmas intelectuais aprovam e apoiam.
Isso é vergonhoso. Afinal, essas intelectuais, que se julgam comprometer com a pesquisa, com o ativismo e com a cultura, na medida em que cometem tais contradições, traem sua tarefa progressista de pensar pelas melhorias sociais das mulheres das periferias, que merecem mais respeito e não se identificam com essa imagem deturpada que a mídia "popular" trabalha sobre elas.
As mulheres das classes populares também são vítimas da imbecilização midiática, da opressão mercadológica e dos assédios machistas, e isso não pode ser visto como "liberdade", mas o mesmo processo em que vive a mulher de classe média quando é sujeita à ditadura estética, à idiotização publicitária e à hipersexualização machista. Os problemas são os mesmos, apesar das diferenças de classe social. As intelectuais festivas é que deveriam rever seus (pre)conceitos.
domingo, 22 de novembro de 2015
Rio de Janeiro e o medo do enfrentamento
A PASSEATA DOS CEM MIL, OCORRIDA EM 1968, SERIA MAIS INOFENSIVA SE FOSSE REALIZADA EM NOSSOS DIAS.
Questionar saiu de moda no Rio de Janeiro? O Sul e Sudeste, antes tidos como desenvolvidos, plurais e progressistas, sucumbiram ao conservadorismo do pensamento único? Por que contestar o "estabelecido" passou a trazer o risco de perder amigos e até ser boicotado nos meios sócio-culturais desses lugares, sobretudo na outrora Cidade Maravilhosa?
De repente, as vozes dissonantes se calaram ou são aconselhadas a ficarem caladas diante do projeto de "cidade de brinquedo" que se torna o Rio de Janeiro, com projetos mirabolantes que vão de encontro a princípios e finalidades culturais originais.
Entregue a uma plutocracia que intervém em setores que vão da mobilidade urbana à cultura popular, o Estado do Rio de Janeiro vive o "espetáculo" da "chuva de dinheiro", como forma de forjar uma imagem imponente que não é mais do que a caricatura do que o Rio veio a ser até meados dos anos 80.
Em muitos aspectos, nota-se o fechamento de espaços culturais, a decadência do sistema de ônibus, a degradação do espaço urbano, a segregação social que fecha a Zona Sul para os suburbanos, a imposição do fanatismo do futebol carioca como moeda corrente para as relações sociais e outros retrocessos que devem ser aceitos por causa dos interesses político-empresariais envolvidos.
De repente o Rio de Janeiro que era foco de resistência, reduto da vanguarda cultural brasileira, detentora de um glamour que conquistou o mundo, hoje tornou-se um cenário contrastante entre a cidade cruel das mortes diárias de inocentes pela violência, pelo descaso da saúde e pelos acidentes de trânsito (causadas até por BRTs) e a cidade de contos-de-fadas de políticos e tecnocratas.
Os problemas que ocorrem no Rio de Janeiro, acima dos níveis aceitáveis para uma metrópole pós-moderna, são minimizados. O glamour que está se perdendo é visto como intato. Mesmo as pessoas dotadas de boa formação cultural já começam a aderir ao conformismo infantil e a boicotar quem questiona e denuncia as armadilhas que estão por trás.
A RÁDIO DO "ROCK DE VERDADE", A RÁDIO CIDADE, APOSTA NUMA VISÃO CARICATURAL DA CULTURA ROCK, DESSAS QUE ACREDITAM QUE UM LAMAÇAL QUALQUER NOTA VENDIDO A PREÇO CARO É A "LAMA ORIGINAL DO ROCK IN RIO".
Internautas reclamam da discriminação que sofrem nas mídias sociais, quando descrevem problemas graves do Rio de Janeiro (Estado e capital), e põem o dedo nas feridas abertas. Até diante de um segmento marcado pela rebeldia, pela contestação e pelo enfrentamento, como a cultura rock, o conformismo e o preconceito discriminam os questionadores.
Houve gente que reclamou ser boicotada por amigos e ativistas, dentro do cenário de rock autêntico (alheio às distorções comerciais), só porque criticou a deturpadora da cultura rock no Rio de Janeiro, a emissora de FM Rádio Cidade (reduto de jovens conservadores que residem na Zona Oeste e de emergentes que ainda vivem na Zona Norte e Baixada Fluminense), uma atitude considerada bastante surreal e estranha.
Em outros tempos, era o mesmo público que era capaz de derrubar emissoras como a Estácio FM, só para zelar pela liderança da Fluminense FM, antiga rádio de rock de Niterói, mas, resignada com uma webradio que, por mais bem intencionada que seja, não pode ser sintonizada nas ruas por causa das restrições de ordem técnica e financeira das rádios da Internet, não quer questionar a supremacia da canastrona Cidade FM no segmento rock.
Pior: como quem pedisse para "respeitarmos a raposa que cuida do galinheiro". os roqueiros autênticos deixaram de fazer o papel de protagonistas, aceitando o domínio de uma rádio pop sem tradição no rock mas agora estabelecendo um quase monopólio de mercado. De repente, um segmento marcado pela contestação e pelo enfrentamento passou a aceitar a Rádio Cidade a ponto de discriminar quem contesta o poder desta rádio.
Algumas desculpas surgem: "nós temos nosso espaço, a Cidade tem o seu", "de repente a gente mostra o outro lado do rock, os caras ouvem a Cidade e depois aderem à gente", sem perceber que um dia os anunciantes darão preferência à rádio canastrona e as webradios e rádios comunitárias sofrerão dificuldades no mercado, ultimamente já não tão generoso com a cultura rock.
Esse é um entre tantos exemplos. Não há enfrentamento. É um quadro pior do que 1965, quando a ditadura militar se anunciou como definitiva e o povo não se intimidou (só se intimidaria depois, com o AI-5). Atualmente, o conformismo virou uma tirania, quase que uma etiqueta social a ser rigorosamente cumprida.
Hoje, se os contestadores não vão para a cadeia nem para as salas de tortura, eles perdem amigos, são boicotados em encontros de amigos, e, se são artistas ou escritores, não arrumam espaço para divulgar CDs e livros, por causa do "temperamento difícil".
Enquanto isso, a ideia de "respeitar a raposa que toma conta do galinheiro", a pretexto de ser uma "política da boa vizinhança" em diversos aspectos, contamina não só a cultura musical (rock e MPB, resignados com seus poucos espaços privativos, diante do mercado usurpado pela canastrice e pela caricatura), mas outros aspectos de ordem urbana, social, econômica, educacional etc.
A onda de conformismo - o mesmo vício que, lá fora, é questionado até por uma blogueira, Essena O'Neill, bem diferente dos "lokos" brasileiros e suas bobagens - tornou-se um problema no Sul e Sudeste, sobretudo no Rio de Janeiro, na medida que se tornou um sentimento a ser forçadamente adotado para o bem do faturamento do turismo e do crescimento econômico.
Nos últimos meses, as únicas manifestações ocorridas no Rio de Janeiro foram contra o deputado federal Eduardo Cunha, do PMDB carioca, só porque ele foi longe demais com seu reacionarismo, é denunciado em escândalos de corrupção e até as Organizações Globo passaram a se voltar contra sua prepotência.
Fora isso, o deslumbramento é generalizado. Há até quem se irrite quando é lembrado do fato verídico de que o secretário municipal de Transportes, Rafael Picciani, tem relações com o deputado Eduardo Cunha, e que as mudanças feitas nas linhas de ônibus cariocas têm caráter discriminatório (dificultam o acesso do povo da Zona Norte para a Zona Sul, agora usando dois ônibus) e condizem com o padrão segregatório das "pautas-bombas" do deputado federal.
Para todo o efeito, Picciani só mudou as linhas para "otimizar" (?!) o sistema, e fez "em favor do cidadão carioca". Mesmo as mentiras que Rafael Picciani publicou, dizendo que só 20% dos cariocas vai usar a baldeação e o trânsito irá fluir sem as linhas diretas Norte-Sul, são vistas como verdades porque o secretário veste a capa da "tecnicidade" e da "objetividade".
O Rio de Janeiro vive graves retrocessos e a ideia é que as pessoas deixem isso para lá e façam o papel de "pessoas felizes" no Facebook. Pior: ainda tem a obrigação social de ter que torcer para um dos quatro times cariocas (Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo) para ser socialmente aceito pelos cariocas, caso contrário a discriminação ocorre, até mesmo sem muita sutileza.
Aceitemos as decadências que acontecem no Rio de Janeiro em prol de uma utopia de crescimento econômico e outras causas pomposas. Para criarmos um falso glamour, aceita-se retrocessos diversos, seja o isolamento da MPB nos poucos espaços mal divulgados pela mídia, o rock restrito a espaços cada vez mais "marginais", diante de livrarias históricas se fechando, orquestras extintas e teatros entregues a espetáculos cada vez mais comerciais.
Ver que os cariocas e fluminenses passaram a vender suas almas para a "cidade de brinquedo" do Rio de Janeiro para turista ver é chocante. E ver que as pessoas que não compactuam com isso são vistas como "arredias", "chatas" e "insuportáveis" é muito grave. Uma prova de como isso simboliza o atraso é que essas pessoas ainda acreditam que dinheiro traz felicidade. Quanta gente ingênua...
Questionar saiu de moda no Rio de Janeiro? O Sul e Sudeste, antes tidos como desenvolvidos, plurais e progressistas, sucumbiram ao conservadorismo do pensamento único? Por que contestar o "estabelecido" passou a trazer o risco de perder amigos e até ser boicotado nos meios sócio-culturais desses lugares, sobretudo na outrora Cidade Maravilhosa?
De repente, as vozes dissonantes se calaram ou são aconselhadas a ficarem caladas diante do projeto de "cidade de brinquedo" que se torna o Rio de Janeiro, com projetos mirabolantes que vão de encontro a princípios e finalidades culturais originais.
Entregue a uma plutocracia que intervém em setores que vão da mobilidade urbana à cultura popular, o Estado do Rio de Janeiro vive o "espetáculo" da "chuva de dinheiro", como forma de forjar uma imagem imponente que não é mais do que a caricatura do que o Rio veio a ser até meados dos anos 80.
Em muitos aspectos, nota-se o fechamento de espaços culturais, a decadência do sistema de ônibus, a degradação do espaço urbano, a segregação social que fecha a Zona Sul para os suburbanos, a imposição do fanatismo do futebol carioca como moeda corrente para as relações sociais e outros retrocessos que devem ser aceitos por causa dos interesses político-empresariais envolvidos.
De repente o Rio de Janeiro que era foco de resistência, reduto da vanguarda cultural brasileira, detentora de um glamour que conquistou o mundo, hoje tornou-se um cenário contrastante entre a cidade cruel das mortes diárias de inocentes pela violência, pelo descaso da saúde e pelos acidentes de trânsito (causadas até por BRTs) e a cidade de contos-de-fadas de políticos e tecnocratas.
Os problemas que ocorrem no Rio de Janeiro, acima dos níveis aceitáveis para uma metrópole pós-moderna, são minimizados. O glamour que está se perdendo é visto como intato. Mesmo as pessoas dotadas de boa formação cultural já começam a aderir ao conformismo infantil e a boicotar quem questiona e denuncia as armadilhas que estão por trás.
A RÁDIO DO "ROCK DE VERDADE", A RÁDIO CIDADE, APOSTA NUMA VISÃO CARICATURAL DA CULTURA ROCK, DESSAS QUE ACREDITAM QUE UM LAMAÇAL QUALQUER NOTA VENDIDO A PREÇO CARO É A "LAMA ORIGINAL DO ROCK IN RIO".
Internautas reclamam da discriminação que sofrem nas mídias sociais, quando descrevem problemas graves do Rio de Janeiro (Estado e capital), e põem o dedo nas feridas abertas. Até diante de um segmento marcado pela rebeldia, pela contestação e pelo enfrentamento, como a cultura rock, o conformismo e o preconceito discriminam os questionadores.
Houve gente que reclamou ser boicotada por amigos e ativistas, dentro do cenário de rock autêntico (alheio às distorções comerciais), só porque criticou a deturpadora da cultura rock no Rio de Janeiro, a emissora de FM Rádio Cidade (reduto de jovens conservadores que residem na Zona Oeste e de emergentes que ainda vivem na Zona Norte e Baixada Fluminense), uma atitude considerada bastante surreal e estranha.
Em outros tempos, era o mesmo público que era capaz de derrubar emissoras como a Estácio FM, só para zelar pela liderança da Fluminense FM, antiga rádio de rock de Niterói, mas, resignada com uma webradio que, por mais bem intencionada que seja, não pode ser sintonizada nas ruas por causa das restrições de ordem técnica e financeira das rádios da Internet, não quer questionar a supremacia da canastrona Cidade FM no segmento rock.
Pior: como quem pedisse para "respeitarmos a raposa que cuida do galinheiro". os roqueiros autênticos deixaram de fazer o papel de protagonistas, aceitando o domínio de uma rádio pop sem tradição no rock mas agora estabelecendo um quase monopólio de mercado. De repente, um segmento marcado pela contestação e pelo enfrentamento passou a aceitar a Rádio Cidade a ponto de discriminar quem contesta o poder desta rádio.
Algumas desculpas surgem: "nós temos nosso espaço, a Cidade tem o seu", "de repente a gente mostra o outro lado do rock, os caras ouvem a Cidade e depois aderem à gente", sem perceber que um dia os anunciantes darão preferência à rádio canastrona e as webradios e rádios comunitárias sofrerão dificuldades no mercado, ultimamente já não tão generoso com a cultura rock.
Esse é um entre tantos exemplos. Não há enfrentamento. É um quadro pior do que 1965, quando a ditadura militar se anunciou como definitiva e o povo não se intimidou (só se intimidaria depois, com o AI-5). Atualmente, o conformismo virou uma tirania, quase que uma etiqueta social a ser rigorosamente cumprida.
Hoje, se os contestadores não vão para a cadeia nem para as salas de tortura, eles perdem amigos, são boicotados em encontros de amigos, e, se são artistas ou escritores, não arrumam espaço para divulgar CDs e livros, por causa do "temperamento difícil".
Enquanto isso, a ideia de "respeitar a raposa que toma conta do galinheiro", a pretexto de ser uma "política da boa vizinhança" em diversos aspectos, contamina não só a cultura musical (rock e MPB, resignados com seus poucos espaços privativos, diante do mercado usurpado pela canastrice e pela caricatura), mas outros aspectos de ordem urbana, social, econômica, educacional etc.
A onda de conformismo - o mesmo vício que, lá fora, é questionado até por uma blogueira, Essena O'Neill, bem diferente dos "lokos" brasileiros e suas bobagens - tornou-se um problema no Sul e Sudeste, sobretudo no Rio de Janeiro, na medida que se tornou um sentimento a ser forçadamente adotado para o bem do faturamento do turismo e do crescimento econômico.
Nos últimos meses, as únicas manifestações ocorridas no Rio de Janeiro foram contra o deputado federal Eduardo Cunha, do PMDB carioca, só porque ele foi longe demais com seu reacionarismo, é denunciado em escândalos de corrupção e até as Organizações Globo passaram a se voltar contra sua prepotência.
Fora isso, o deslumbramento é generalizado. Há até quem se irrite quando é lembrado do fato verídico de que o secretário municipal de Transportes, Rafael Picciani, tem relações com o deputado Eduardo Cunha, e que as mudanças feitas nas linhas de ônibus cariocas têm caráter discriminatório (dificultam o acesso do povo da Zona Norte para a Zona Sul, agora usando dois ônibus) e condizem com o padrão segregatório das "pautas-bombas" do deputado federal.
Para todo o efeito, Picciani só mudou as linhas para "otimizar" (?!) o sistema, e fez "em favor do cidadão carioca". Mesmo as mentiras que Rafael Picciani publicou, dizendo que só 20% dos cariocas vai usar a baldeação e o trânsito irá fluir sem as linhas diretas Norte-Sul, são vistas como verdades porque o secretário veste a capa da "tecnicidade" e da "objetividade".
O Rio de Janeiro vive graves retrocessos e a ideia é que as pessoas deixem isso para lá e façam o papel de "pessoas felizes" no Facebook. Pior: ainda tem a obrigação social de ter que torcer para um dos quatro times cariocas (Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo) para ser socialmente aceito pelos cariocas, caso contrário a discriminação ocorre, até mesmo sem muita sutileza.
Aceitemos as decadências que acontecem no Rio de Janeiro em prol de uma utopia de crescimento econômico e outras causas pomposas. Para criarmos um falso glamour, aceita-se retrocessos diversos, seja o isolamento da MPB nos poucos espaços mal divulgados pela mídia, o rock restrito a espaços cada vez mais "marginais", diante de livrarias históricas se fechando, orquestras extintas e teatros entregues a espetáculos cada vez mais comerciais.
Ver que os cariocas e fluminenses passaram a vender suas almas para a "cidade de brinquedo" do Rio de Janeiro para turista ver é chocante. E ver que as pessoas que não compactuam com isso são vistas como "arredias", "chatas" e "insuportáveis" é muito grave. Uma prova de como isso simboliza o atraso é que essas pessoas ainda acreditam que dinheiro traz felicidade. Quanta gente ingênua...
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