quinta-feira, 22 de janeiro de 2015
Dora Bria e o contexto da mulher brasileira hoje
Há exatos sete anos, numa tarde chuvosa numa estrada de Abaeté de Minas, Dora Bria perde o controle da direção do seu carro e encerra sua vida, poucos meses antes de completar 50 anos, de forma dramática.
Ela era windsurfista, e uma das poucas que nunca se casaram na vida, e havia, em 2007, dado até entrevistas para publicações como Caras. Poderia se passar por uma moça que ainda nem havia feito 30 anos, tal sua aparência e personalidade jovial, e hoje, se viva estivesse, seria uma "garotona" de 57 anos.
Quando morre uma mulher assim, de personalidade que une inteligência, simpatia, simplicidade e decência, sem se envolver em escândalos, estrelismos ou factoides, o Brasil perde muito. E, como Dora, muitas mulheres com personalidade dotada de tais qualidades faleceram precocemente, por diversos motivos.
Umas faleceram, como Dora, por algum acidente de trânsito. Outras, por doenças graves contraídas precocemente. Outras, assassinadas num assalto, num sequestro ou vítimas de balas perdidas. Outras, pelos próprios companheiros que, mesmo ricos e de boa aparência, só tardiamente revelaram pessoas cruéis e violentas.
O Brasil sente muita falta dessas mulheres, principalmente quando a imbecilização cultural atinge o grau extremo e preocupante, entrando pela porta da frente, nas salas de estar das boas casas, nas universidades e até nos colegiados de Antropologia. Sem exagero, mas tem gente que ainda tem coragem de fazer etnografia com bustos e glúteos siliconados.
Não que haviam deixado de existir mulheres com o perfil de Dora Bria, ou de outras como Daniella Perez, Monique Alves, Sylvia Telles, Leila Diniz e outras mulheres que se destacaram por suas qualidades mas tiveram suas vidas ceifadas. Mas, infelizmente, elas são raras diante de uma multidão imbecilizada ora pelo grotesco popularesco, ora pelo beatismo religioso.
São mulheres que não conseguem dosar seu senso de humor e aderem ao ridículo de seus referenciais "culturais" constrangedores. Outras não dosam sua sensualidade e só vivem de mostrar o corpo. Outras não dosam sua religiosidade e viram beatas, transformando suas páginas nas mídias sociais em verdadeiras igrejas.
São excessos que, em muitos aspectos, por mais que tais mulheres vivam independência financeira, profissional e até amorosa (várias são até "encalhadas"), revelam heranças de valores machistas, já que muito desses comportamentos é consequência direta dos estereótipos que o machismo impôs às mulheres, sejam elas "sensuais" ou não.
São valores que variam entre o sensualismo forçado, caricato e obsessivo e o religiosismo exagerado, passando pelo fanatismo futebolístico grosseiro, pela cafonice e pela pieguice convictas, que nenhum contexto de "engajamento" ou de "atitude" conseguem compensar.
Um exemplo. Ontem, no Rio de Janeiro, houve um concurso de topless em Ipanema, em que a indústria do entretenimento empurrou a funqueira Renata Frisson, a Mulher Melão, para forjar "engajamento", como se faz as mulheres que só vivem de mostrar o corpo.
Essas mulheres personificam, de forma explícita, valores machistas, mas precisam forjar uma mobilização social, se autopromovendo às custas de eventos contra estupro, contra a discriminação à sociedade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros), ou usando alegações "militantes" como "liberdade do corpo", "direito ao desejo", "livre sensualidade".
São conversas para boi dormir, afinal tudo isso é desculpa e pretexto para mulheres associadas ao sensualismo grotesco originário de valores machistas, como Mulher Melão, Solange Gomes, Mulher Filé, Valesca Popozuda, Geisy Arruda e outras que se afirmam apenas pelo corpo exagerado ou pela sensualidade forçada, feita muitas vezes sem necessidade e tão grotesca que nem seduz.
Fora elas, existe nas mídias sociais uma multiplicidade de mulheres anônimas que exibem o pior gosto musical, as piores escolhas culturais, exageram na religiosidade ou na apreciação do futebol, entre tantas coisas cafonas, piegas, ridículas e exageradas, das quais chegam a defender com um certo orgulho e uma convicção que beira à arrogância.
Nada a ver com uma mulher do perfil que foi Dora Bria, ela mesma praticante e apreciadora de esportes, mas sem fanatismos. Talvez tivesse sua religiosidade, sem exageros, da mesma forma que sua beleza sensual não indicava nem sucumbia ao sensualismo forçado e grosseiro.
E, se Dora morreu solteirona como pouquíssimas de sua geração - quando muito, as solteiras de sua faixa etária passaram antes por experiência de casadas - , as poucas mulheres que reúnem qualidades semelhantes são tão raras que em sua maioria estão comprometidas na vida amorosa.
A imbecilização cultural dominante no Brasil, e atingindo graus extremos que fazem com que escapar delas torna-se difícil - a imbecilização criou até um exército de "fundamentalistas" na Internet, os quais reagem furiosamente quando alguém critica seus ícones e ídolos - , dificulta a ascensão social de mulheres que, independente de classe social ou padrão estético, possuem personalidade e vivem a vida de forma decente.
Por isso, quando houve o desastre de carro que matou Dora Bria, o Brasil sofreu mais uma vez um prejuízo. Morta, Dora dificilmente será um exemplo inspirador para a maioria das mulheres brasileiras, que preferem pautar sua personalidade em exemplos difundidos pela mídia "popular".
Com isso, a situação da mulher brasileira hoje é preocupante, porque os valores culturais difundidos pela grande mídia, apegada a promover sub-celebridades e "artistas" canastrões em quantidades "industriais" ano após ano, dificultam que as mulheres desenvolvam valores sócio-culturais edificantes, tornando-as reféns do machismo mesmo quando estão solteiras e solitárias.
Isso se torna bastante complicado e, mais uma vez, mostra o quanto o Brasil vive uma situação de atraso. No exterior, já surge uma Emma Watson mostrando personalidade diferenciada, mas aqui isso se torna extremamente raro e, portanto, pouco influente.
E, toda vez que perdemos mulheres como Dora Bria, lacunas são deixadas sem que elas possam ser devidamente preenchidas e complicadas. E o Brasil ainda quer ser a "vanguarda" da humanidade com essa situação de atraso extremo conduzido por uma mídia provinciana e coronelista e um sistema de valores retrógrado e viciado em muitos aspectos.
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