DA ESQ. PARA A DIR., DE CIMA PARA BAIXO - GEORGES WOLINSKI, CABU, CHARB E TIGNOUS, CARTUNISTAS DA REVISTA DE HUMOR FRANCESA CHARLIE HEBDO.
Na manhã de ontem, em Paris, um grupo de fundamentalistas invadiu a sede da revista de humor Charlie Hebdo, causando um massacre que matou 12 pessoas, um convidado e um policial e dez funcionários da revista, e deixou onze feridos.
Entre as vítimas, estava o veterano humorista Georges Wolinski, da geração de 1968, criador da polêmica Paulette e influente aos humoristas brasileiros do Pasquim, que tinha 80 anos. Além dele, estava o humorista Jean Cabut, o Cabu, de 76 anos, o cartunista e editor Stephane Charbonnier, de 47 anos o Charb, e Bernard Verlhac, o Tignous, de 57 anos.
O jornal Charlie Hebdo, de forte sátira de cunho político e erótico, era para a França contemporânea mais ou menos como o Pasquim foi no Brasil, e teria irritado fundamentalistas islâmicos ao publicar, em 2006 e 2011, sátiras enfocando o profeta Maomé. A revista costuma fazer sátiras a judeus e muçulmanos.
Os suspeitos foram identificados, mas até o fechamento deste texto não foram divulgadas informações oficiais. Eram três terroristas, e eles teriam escrito "Vingamos o Profeta", depois de terem feito o massacre que causou comoção no mundo inteiro, com protestos contra o ato e manifestações de solidariedade às vítimas. Segundo testemunhas, os terroristas seriam da Al-Qaeda.
De acordo com uma entrevista dada ao Deutsche-Welle, o cartunista Geràrd Biard, que sobreviveu à chacina, a revista é uma publicação ateísta que luta contra todas as religiões quando elas abandonam o âmbito de suas manifestações privativas para se ocupar da política e da opinião pública.
O FUNDAMENTALISMO NO EXTERIOR E O CONTEXTO BRASILEIRO
O fundamentalismo das religiões do Oriente Médio, sobretudo o fundamentalismo islâmico, preocupa o mundo inteiro, deixando um clima de insegurança mundial. Foi em função desse fanatismo terrorista que, entre outras coisas, ocorreu o ataque aos dois edifícios do World Trade Center e outros dois atentados em 11 de setembro de 2001, nos EUA.
Esta corrente do islamismo não é compartilhada pelos verdadeiros muçulmanos, que podem até reprovar que se faça alguma exploração satírica do profeta Maomé e de outros valores e personalidades de sua crença, mas também não seriam capazes de realizar atos terroristas para eliminar quem as fizesse.
O fanatismo religioso é bastante perigoso e o Primeiro Mundo (sobretudo Europa ocidental e EUA) é a área mais vulnerável. O atentado de ontem ocorreu na França, berço da Doutrina Espírita original, sistematizada pelo pedagogo Leon Rivail, sob o pseudônimo de Allan Kardec.
O Brasil vive um cenário confuso de fundamentalismo, aparentemente mais brando se comparável ao que ocorre a partir de grupos extremistas no Oriente Médio, mas o quadro preocupa bastante, até porque a confusão gera contradições que podem gerar posturas radicais no futuro.
É o caso do "espiritismo" brasileiro, no qual a figura de Francisco Cândido Xavier, de influência católica e orientação roustanguista, portanto ligado à corrente místico-religiosa, tornou-se uma obsessão não só de seus partidários, mas mesmo de alguns setores que, mesmo reclamando maior fidelidade às bases kardecianas, se deixam levar pelo carisma do anti-médium mineiro.
Xavier, com todos os erros e equívocos que cometeu, tornou-se inaceitável como ícone do espiritismo científico no Brasil. O radicalismo não está aí, até porque Xavier rompeu com muitos princípios, procedimentos e recomendações originalmente trazidos por Allan Kardec.
Como um péssimo aluno, Xavier foi reprovado do espiritismo científico, mediante diversas avaliações. O perdão e a tolerância não significam que Xavier deva ser admitido pelo espiritismo científico ou que tenhamos que ver nele qualidades que não possui, porque, se o anti-médium representa alguma corrente do espíritismo, é somente a de cunho místico-religioso.
O grande problema é o radicalismo, o fundamentalismo que vem do outro lado, de um contexto de suposta tolerância aos erros do anti-médium, que pode gerar um fanatismo problemático no futuro. Num país de travestismos ideológicos como o Brasil, em que reacionários se fantasiam de progressistas e o retrógrado tenta se passar por inovador, isso pode ser mais complicado.
Voltam ao conhecimento público episódios sombrios do caso Amauri Xavier, sobrinho de Chico, que havia acusado o tio de fraude mediúnica, e que fez com que os líderes do "movimento espírita" da época, 1958, iniciarem uma campanha difamatória contra Amauri, cuja carga de ódio teria, provavelmente, resultado numa morte suspeita do jovem, por "queima de arquivo".
Atualmente, existe uma campanha sutil que tenta manter Chico Xavier como um mito intocável mesmo diante de erros graves comprovados por investigações e pesquisas. A complacência com o anti-médium se agrava quando parte das correntes científicas do espiritismo, no Brasil, ainda tentam classificá-lo como mestre, mesmo quando muitas de suas obras contrariam o pensamento de Kardec.
Há também casos de trolagens e manifestações agressivas de adeptos de Chico Xavier diante de qualquer questionamento a respeito de seu legado, o que transforma Chico na personalidade mais envolvida em manifestos de obsessão pelos brasileiros, que na prática se sentem apegados, obsediados e até escravizados pela figura do anti-médium mineiro.
Claro, esse fanatismo chiquista não trará, a curto prazo, consequências graves, como as que geraram o atentado à redação do Charlie Hebdo. Além disso, os "misericordiosos" adeptos de Xavier alegam que ele teria sido vítima de intolerância religiosa, da parte de católicos ortodoxos.
No entanto, isso é um falso maniqueísmo que divide católicos ortodoxos e o "movimento espírita", quando sabemos que desde a primeira hora seus "espíritas" sempre se influenciaram pelo Catolicismo, e Chico Xavier era um dos mais devotos da Igreja Católica, católico praticante mas cujos dons paranormais e outras excentricidades enfureceram os ortodoxos.
Mas Xavier, que além de católico era direitista, tenta ser inserido em contextos progressistas e na apreciação do espiritismo científico, não como alguém a ser questionado, mas numa idolatria desmedida, ainda que "imparcial".
O Brasil tem medo de viver sem Chico Xavier, virou prisioneiro de suas "palavras de amor" que, numa observação mais apurada, nada tem de muito filosófico ou elevado. Tudo que Chico praticou ou fez é discutível e controverso, daí não merecer a confiabilidade e o crédito que ele recebe.
Por isso, o Chico que, volta e meia, mostrava reacionarismo ou fazia julgamentos severos contra vítimas de infortúnios, e se apropriava indevidamente de pessoas mortas, inclusive Mei Mei, se aproveitando da boa-fé do comovido viúvo, pode gerar um fanatismo perigoso no futuro.
O que haverá no "fundamentalismo" do "coração do mundo", é algo sombrio. Um Brasil muito problemático e imaturo como nação, promovido a nação-central da humanidade planetária, mostra os riscos que já foram mostrados pela Alemanha.
Isso, por agora, é visto como "exagero", que a elevação do Brasil em "centro do mundo" será maravilhosa, só haverá fraternidade, prosperidade e alegria, ainda que fosse sob o signo da mediocrização cultural.
Mas "palavras de amor" podem camuflar intenções que podem ir para rumos perigosos. Não se sabe como isso ocorrerá. Tudo é incerto. A supremacia pode trazer venenos em corações adoçados. O fundamentalismo islâmico de hoje revela essa supremacia de manter um sistema de valores e procedimentos que remete mais a tempos antigos.
Se o Primeiro Mundo vive dilemas, ameaças, desilusões e infortúnios, não será um Brasil extremamente problemático que representará a esperança da humanidade no mundo, porque em muitos aspectos o Brasil ainda está "virgem" de muitas tragédias ocorridas nos países desenvolvidos.
Para um Brasil atrasado, apegado a uma figura que simboliza estereótipos de velhice, caipirismo e valores moralistas, que prefere a oração em silêncio do que a luta por melhorias de vida, o que pode parecer "lindo" hoje pode apresentar consequências imprevisíveis. Mas que o fanatismo dos chiquistas oferece alguns aperitivos, vide o caso Amauri Xavier.
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