domingo, 4 de fevereiro de 2018

Como ídolos religiosos de valor duvidoso podem crescer tão vertiginosamente?

"CONDUTA NEGATIVA COMO ORADOR", AVISAVA HERCULANO PIRES SOBRE DIVALDO FRANCO, QUE APARECE EM ANÚNCIO SOBRE PALESTRA BAJULATÓRIA A ALLAN KARDEC.

É assustadora a reputação que acabam atingindo os mistificadores e mercadores da fé religiosa, das palavras bonitinhas e da caridade de fachada, que nos faz pensar que estratégias foram feitas para transformar farsantes em ascensão em futuras unanimidades.

É mais fácil do que roubar doce de criança. Verdadeiros hipócritas da verborragia religiosa que estejam no começo de carreira podem se transformar, num processo incessante de publicidade e promoção, em semi-deuses, nos quais a desconfiança inicial, que deveria ser mantida, a título de vigilância, se converte numa credulidade cega, porém inabalável.

É ainda mais preocupante ver o quanto foi feito, durante anos, para que "médiuns" deturpadores do Espiritismo de repente se transformam nos "donos" da Doutrina Espírita, se autoproclamando mais kardecianos do que o próprio precursor Allan Kardec. O pedagogo de Lyon que se adapte aos caprichos igrejistas dos "médiuns" deturpadores.

O Brasil é emocionalmente muito frágil e pouco vigilante. Não consegue entender a natureza da emotividade, suas caraterísticas ou mesmo suas armadilhas. O "bombardeio de amor", perigoso método de manipulação das mentes e corações humanos, é visto aqui como coisa boa, mas no mundo desenvolvido é visto como um mecanismo dos mais traiçoeiros.

A coisa é mais grave se considerarmos que, na Antiguidade Clássica, a obra Odisseia, de Homero, poema sobre as aventuras do guerreiro Ulisses, o perigoso canto das sereias era uma advertência prévia para o que depois se chamava "bombardeio de amor", um excesso de apelos emotivos de maior intensidade que desnorteiam as pessoas e entorpecem seus sentidos, não raro corrompendo a razão, mesmo sem abalar uma aparente lucidez.

COMO FABRICAR CONSENSOS

O grau de desinformação dos brasileiros, reforçado por anos e anos de ditadura militar, pela baixa qualidade da Educação, pela supremacia de veículos de comunicação de péssima qualidade e pela vulnerabilidade a qualquer apelo emotivo que apareça sob o véu da fé religiosa, permite que ídolos religiosos se formem a partir de usurpadores da fé que, numa questão de poucas décadas, se tornam quase deuses, objetos da mais cega e deslumbrada adoração.

E como é que se faz isso? Como se produzem ídolos religiosos? Da mesma forma que se produzem astros pop, ora! E o caso de Francisco Cândido Xavier, apelidado de Chico Xavier, e Divaldo Pereira Franco, foi feito um engenhoso processo de publicidade e propaganda que, infelizmente, deu muito certo, a ponto de colocar os dois deturpadores do Espiritismo acima do próprio Kardec.

Antônio Wantuil de Freitas, presidente da FEB, era centralizador e prepotente, mas tinha um forte senso publicitário. Também escritor, chegou a lançar Síntese de O Novo Testamento, sob o pseudônimo de Minimus, em 1949. Cuidava de Chico Xavier como se fosse um astro pop e com ele escreveu, em quatro mãos, obras supostamente creditadas a autores mortos, como Parnaso de Além-Túmulo e a série Humberto de Campos / Irmão X até os anos 1960.

A formação de um ídolo religioso envolve muito dinheiro. Envolve contatos com meios de comunicação, como rádios, jornais e TVs. O mito de Chico Xavier, trabalhado primeiro como um exótico paranormal sensacionalista, foi aos poucos sendo moldado para um pretenso filantropo, e a FEB contou com a ajuda da TV Tupi e de um lobby de atores, diretores e produtores.

Foi por essa pressão de atores, diretores e produtores que trabalharam na TV Tupi que Humberto de Campos Filho se tornou "espírita" e se rendeu à farsa que vitimou seu pai. Foi a partir da TV Tupi que o mito de "filantropo" de Chico Xavier começou a ser trabalhado como se fosse uma obra de dramaturgia, com todos os apelos de pieguice bastante conhecidos.

Cria-se toda uma articulação com políticos, juristas, jornalistas. Divulga-se maciçamente o ídolo religioso, como um pretenso símbolo de bondade. Reportagens ao mesmo tempo sensacionalistas e sentimentalistas são produzidas. Seminários e homenagens são realizados premiando os ídolos religiosos, criando um clima de comoção pública.

Em sucessivos anos, o mistificador mais espertalhão e traiçoeiro, que passa a ser treinado para encenar poses, gestos e dicções mais mansas, torna-se aos poucos uma pretensa unanimidade e as críticas negativas que poderiam muito bem se dirigir contra ele ficam praticamente desacreditadas.

Isso é muito perigoso, num país em que até feminicidas arrogantes como Doca Street e Guilherme de Pádua se transformam em "coitadinhos". Fabrica-se consenso para tudo, e vemos que o golpe político de 2016 se deu porque de forjou falsa unanimidade contra o Partido dos Trabalhadores.

DIVALDO FRANCO: UMA FARSA LEVADA ÀS ÚLTIMAS CONSEQUÊNCIAS

O mito de Chico Xavier tornou-se uma pretensa unanimidade por conta do tino publicitário de Wantuil, que tudo fez para promover seu pupilo, até mesmo despacho de umbanda e, muito provavelmente, "queima de arquivo", "se livrando", possivelmente por envenenamento, do sobrinho Amauri Xavier Pena, que ameaçava denunciar todos os podres do "espiritismo" brasileiro.

Mas o mito de Divaldo Franco chegou até mesmo a ir mais longe do que o de Chico Xavier, porque este não tinha uma habilidade comunicativa habilidosa, se comportando como um caipira ranzinza boa parte das vezes. Até mesmo as "lindas frases" de Chico Xavier eram, na verdade, grotescos jogos de palavras de ideias opostas entre si - como "silêncio" e "voz", "sofrimento" e "esperança" - que precisam do apelo adicional das paisagens floridas ou celestiais nos memes das redes sociais.

Divaldo já possui uma fala melíflua, uma teatralidade (fingida, no dizer do jornalista Herculano Pires) verborrágica e cheia de entonações dramáticas, e um método de comunicação com as massas de fazer inveja a muitos autores de auto-ajuda. Divaldo Franco é um engenhoso truque de marketing que se tornou muito bem feito a ponto de muitos acreditarem que ele é realmente "símbolo de amor, paz e sabedoria".

Isso é muito perigoso, como foi em Chico Xavier. Mas, agora que se revelam coisas sombrias de Chico Xavier, como a defesa da ditadura militar, uma parcela dos "espíritas" precisa agora criar seu plano B, o de Divaldo Franco. Antes unidas, a FEB, Chico e Divaldo veem se dispersarem adeptos, criando, dentro do "movimento espírita", uma espécie de Fla X Flu X Vasco X Botafogo no qual as "torcidas" se dividem dentro de uma religião que era marcada pela "união".

Mesmo assim, é bom ficar de olho na figura sensacionalista de Divaldo Franco, seus apelos emotivos extremos, sua verborragia e seus textos prolixos e empolados, sua falsa racionalidade, sua pretensa sabedoria. Ele mostra o quanto o deturpador do Espiritismo pode ir longe demais, condenando ao esquecimento as advertências do mestre Herculano:

"Do pouco que lhe revelei acima você deve notar que nada sobrou do médium que se possa aproveitar: conduta negativa como orador, com fingimento e comercialização da palavra, abrindo perigoso precedente em nosso movimento ingênuo e desprevenido; conduta mediúnica perigosa, reduzindo a psicografia a pastiche e plágio – e reduzindo a mediunidade a campo de fraudes e interferências (caso Nancy); conduta condenável no terreno da caridade, transformando-a em disfarce para a sustentação das posições anteriores, meio de defesa para a sua carreira sombria no meio espírita".

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