Francisco Cândido Xavier nunca foi ativista nem progressista. A confusão mental de seus seguidores é que o definiu assim, usando a emoção em vez do raciocínio. Católico de ideias ortodoxas - apesar de sua paranormalidade fazê-lo um católico de rituais heterodoxos - , Chico Xavier, na verdade, era uma das figuras mais conservadoras do Brasil.
Daí que Chico defendeu até a ditadura militar, quando ela entrava em seu período mais cruel e quando antigos defensores do golpe militar, como Alceu Amoroso Lima e mesmo o udenista histórico e histérico Carlos Lacerda, já estavam na oposição (Lacerda havia liderado um movimento que tentava redemocratizar o país em 1966, a Frente Ampla).
Por isso, é muito estranho que até setores das esquerdas apoiassem Chico Xavier. Só por causa de sua aparência de humilde? Ele era afeito a ideias reacionárias, embora travestidas de "amor e bondade" e envolto em todos os clichês confortáveis de religiosidade e solidariedade.
É certo que as esquerdas às vezes sucumbem a certas complacências. No âmbito cultural, há a supremacia de setores de centro-direita, sobretudo a partir do festivo Pedro Alexandre Sanches, um jornalista formado pela Folha de São Paulo, que pensa a cultura popular sob os ditames do mercado, e que se comporta como um falso esquerdista que se converterá à direita histérica daqui a dez anos.
Uma das provas que Chico Xavier não é progressista de jeito algum são suas frases sobre o sofrimento humano. Ele é devoto da Teologia do Sofrimento, ideologia católica simbolizada por Santa Teresa de Lisieux, que disse que o sofrimento "é a maior das alegrias", Uma dessas frases deixa clara essa influência:
"Precisamos aprender a sofrer sem mostrar sofrimento, atravessar dificuldade sem passar na pauta dos outros... Estamos matriculados na prova; vamos ver qual será a nota".
Essa frase é de um profundo sadismo. E o que ela realmente quer dizer? "Sofra calado, abafe sua voz, não incomode os outros e espere sua recompensa quieto!". Há muitas formas de ser cruel, e uma delas é usar um discurso simpático e benevolente. O sado-masoquismo chiquista, que prega o "prazer pelo sofrimento dos infelizes", mostra o quanto o "espiritismo" brasileiro é muito traiçoeiro.
Para título de comparação, Madre Teresa de Calcutá foi considerada "anjo do inferno" por dizer que "o mundo ganha com o sofrimento dos pobres", enquanto deixava os desafortunados à própria sorte, se contaminando nas graves doenças, sendo mal alimentados e aliviando a dor só com aspirina e similares.
Chico Xavier é, pasmem, considerado "ativista" porque pregava que o "silêncio é a voz dos sábios". O Coronel Brilhante Ustra deveria ter prestado atenção em Chico Xavier, o "AI-5 do bem", assim como o general Emílio Médici deveria ter visto o Pinga-Fogo, naquele 1971. Para Chico, o Brasil talvez pudesse "ganhar muito" com o sofrimento silencioso dos infelizes.
A frase que citamos de Chico Xavier é muito mais próxima do empresário e pensador neoliberal estadunidense Frederick Taylor do que de Allan Kardec, que no fundo era detestado pelo anti-médium mineiro.
Frederick Taylor defendia um repertório de ideias que depois se tornou conhecida como Taylorismo. No mercado de trabalho, a ideia é sobrecarregar a rotina profissional, sobretudo no trabalho pesado das indústrias, visando futuras recompensas. Sofra demais hoje, receba seu prêmio amanhã.
É evidente que, no caso da "filosofia" de Chico Xavier - é constrangedor associá-lo à ideia de filosofia, além de muitíssimo errado, daí as aspas - , o "amanhã" será quase sempre o além-túmulo, pois ele não media escrúpulos em defender que tenhamos que desperdiçar nossas encarnações para sacrificar nossos potenciais diante de tantos infortúnios e tanto sofrimento.
É o mesmo Chico Xavier que, em 1971, condenava os ativismos de trabalhadores urbanos e rurais, como um verdadeiro golpista. Sim, trabalhadores pobres das áreas urbanas, dos subúrbios, das roças, reprovados energicamente pelo Chico Xavier de "todo amor e misericórdia". Sim, o "pobre Chico", que não deve ser criticado, mas que veio com essa declaração ferina no Pinga-Fogo:
"Temos que convir (...) que os militares, em 3l de março de 1964, só deram o golpe para tomar o Poder Federal, atendendo a um apelo veemente, dramático, das famílias católicas brasileiras, tendo à frente os cardeais e os bispos. E, na verdade, com justa razão, ou melhor, com grande dose de patriotismo, porque o governo do Presidente João Goulart, de tendência francamente esquerdista, deixou instalar-se aqui no Brasil um verdadeiro caos, não só nos campos, onde as ligas camponesas (os “Sem Terra” de hoje), desrespeitando o direito sagrado da propriedade, invadiam e tomavam à força as fazendas do interior. Da mesma forma os “sem teto”, apoderavam-se das casas e edifícios desocupados, como, infelizmente, ainda se faz hoje em dia, e ali ficavam, por tempo indeterminado. Faziam isto dirigidos e orientados pelos comunistas, que, tomando como exemplo a União Soviética e o Regime Cubano de Fidel Castro, queriam também criar aqui em nossa pátria a República do Proletariado, formada pelos trabalhadores dos campos e das cidades".
Essa frase foi dita pelo próprio Chico Xavier, num programa de televisão visto por milhares de pessoas. Seu vídeo está inteiramente disponível no YouTube. Isso é para eliminar dúvidas a aqueles que acreditam que "não foi Chico que disse isso" e acham que ele sempre foi progressista.
No exterior, as pessoas são menos complacentes. Aqui tudo é "maravilhoso": overdose de informação, imbecilização cultural, mercantilização da arte e tudo o mais. Lá fora Christopher Hitchens enfrentou todo risco ao desfazer o mito de Madre Teresa de Calcutá. Ele acabou não sendo preso nem processado e ainda foi corroborado por teses universitárias do Canadá!
Aqui até setores de esquerda deixam flores no mausoléu de Chico Xavier, sem saber das armadilhas que caíram, e ainda mais se soubessem depois que o mito "filantrópico" foi desenvolvido pela Rede Globo a partir do documentário de Malcolm Muggeridge sobre a Madre Teresa.
A frase que colhemos das "admiráveis" mensagens deixadas por Chico Xavier mostra o quanto ele era conservador. E, em muitos momentos, tão reacionário que, para ele, melhor é que nem sequer soframos de dor: que aguentemos tudo isso em silêncio e orássemos calados para não perturbar o sossego de nossos opressores.
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