segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Sonho de Chico Xavier com Humberto de Campos pode ter sido uma lorota


O tão famoso sonho de Francisco Cândido Xavier citando a aparição do espírito de Humberto de Campos, ocorrido e relatado pelo anti-médium em 1935, um ano após o falecimento do notável escritor, pode ter sido um grande blefe.

Consta-se que Chico Xavier, três anos após receber as críticas do ainda vivo Humberto de Campos para o livro Parnaso de Além-Túmulo, de 1932, em que o antigo imortal da Academia Brasileira de Letras sugeria um texto irônico sob a suposta mediunidade do livro, teria sonhado com o autor, como descreve Marcel Souto Maior, no livro As Vidas de Chico Xavier:

No dia 5 de dezembro de 1934, Humberto de Campos morreu. Três meses depois, Chico teve um sonho. As cenas eram nítidas demas. Ele deparou com um grupo de desconhecidos, embaixo de uma árvore enorme e transparente como cristal, sob um céu muito azul e brilhante. Não havia casas em volta. Um dos estranhos se destacou da multidão, caminhou em sua direção, estendeu a mão e disse: "Você é o menino do Parnaso? Eu sou Humberto de Campos".

As lembranças terminaram aí, mas deixaram o rapaz cismado. Qual o sentido daquele sonho? Três meses depois, ele saberia. Textos assinados por Humberto de Campos cairiam do céu um após o outro. Em março de 1935, a mão de Chico escreveu no papel as primeiras linhas assinadas pelo ex-imortal. Sob o título "A palavra dos mortos", o escritor se apresentava como uma testemunha do "trabalho intenso das coletividades invisíveis pelo progresso humano" Nem parecia aquele acadêmico capaz de desafiar os poetas mortos a competir com os vivos de igual para igual, "reencarnados". Do outro lado, ele tratava de defender as mensagens dos espíritos como "um consolo aos tristes e uma esperança aos desafortunados".

Que sonhos absurdos e surreais podem acontecer, isso é verdade. Mas é improvável que o Humberto de Campos tenha aparecido num sonho para saudar Chico Xavier e, meses depois, "iniciava" a suposta parceria. Mesmo que Chico tenha sonhado com o autor maranhense, dificilmente seria dessa forma tão solene.

Além disso, sonhos não necessariamente apresentam profecias ou predizem a realidade. A quase totalidade dos sonhos se limita a refletir apenas as tensões e anseios individuais. Não é tendência eles se tornarem proféticos e Chico Xavier era o que menos tinha condições de ser um profeta a partir de simples sonhos dormidos.

A verdade é que Chico Xavier não gostou das críticas de Humberto de Campos, publicadas no Diário Carioca de 1932. O cronista parecia irônico quando dizia que os poemas "espirituais" se assemelhavam aos que os autores produziam em vida e reclamava da concorrência dos "autores mortos" na literatura dos vivos.

Com toda a certeza, Humberto não percebeu, na época, o absurdo ainda mais grave que é a concorrência dos livros para colorir na literatura dedicada a textos, com obras inócuas de "busca ao tesouro antiestresse" que chegam a ocupar altas colocações nas listas dos mais vendidos, tirando o lugar de escritores emergentes com dificuldade para divulgar seus trabalhos.

Mas estamos ainda nos anos 1930 e Chico Xavier teria inventado a história do sonho, para assim ter alguma motivação para usar o nome de Humberto de Campos em parte de seus trabalhos. Se Parnaso do Além-Túmulo foi um pastiche bem sucedido, Chico foi aprontar mais coisas através da usurpação do nome do falecido escritor maranhense.

As obras não condiziam ao estilo original do autor. Da prosa laica, descontraída, fluente e precisa, culta mas coloquial, simples porém bem escrita, que era o estilo de Humberto em vida, a "obra espiritual" passou a mostrar um estilo totalmente diferente e divergente ao autor.

São textos carregados, pretensamente eruditos mas cheios de vícios de linguagem, com prosa melancólica, pedante, escrita muito pesada e de leitura cansativa, narrativa sem muita fluência e com sério apelo igrejista. Nem parecia que Humberto de Campos teria sido membro da Academia Brasileira de Letras, mas da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil!

A malandragem de Chico Xavier quase custou caro. Os herdeiros de Humberto de Campos moveram um processo contra o anti-médium e a Federação "Espírita" Brasileira, com o intuito de verificar se era psicografia ou não, para assim receber indenização por direitos autorais ou por fraude.

Por sorte, os juízes, no ano do processo, 1944, não entenderam bem a questão, apesar do advogado dos herdeiros, Milton Barbosa, ter identificado deslizes grotescos na obra "espiritual", que claramente derrubariam a tese de que foi o espírito de Humberto que se manifestou.

Daí que Chico Xavier, nas suas fraudes e seus pastiches literários, saiu impune. Aliás, ocorreu coisa pior: com o tempo, Humberto de Campos passou a ser "propriedade" de Chico Xavier, criando um vínculo falso, hipócrita, tendencioso e oportunista. As pessoas leem os livros sem perceber que os textos "espirituais" de maneira nenhuma seriam escritos por Humberto.

O autor maranhense teria ficado horrorizado. Ver seu nome sendo tomado de forma fútil e leviana por Chico Xavier é assustador, e tão assustador é o fato de que Chico virou "dono" de Humberto de Campos. O que uma fraude pode fazer, quando o fraudador se veste sob a capa do caipira humilde e trabalha escrevendo mensagens de tendencioso apelo religioso.

Cabe o país urgentemente resolver essa situação, desqualificando tudo que Chico Xavier escreveu sob o nome de Humberto de Campos, como maneira de respeitarmos o legado e a memória do grande escritor maranhense, hoje esquecido e desprezado. Cabe fazermos justiça a esse brilhante intelectual do século XX e desenlaça-lo das amarras traiçoeiras desse "encosto" chamado Chico Xavier.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...