PASSANDO A BORRACHA NO QUESTIONAMENTO DO ALUNO.
Sabemos que as forças conservadoras defendem um modelo de pedagogia chamado Escola Sem Partido, um projeto educativo no qual só se ensinam coisas "básicas" como leitura, escrita e algum ofício ou profissão, sem que se estimule o debate da realidade e as transformações da sociedade brasileira.
O projeto é desenvolvido a partir de propostas trazidas, em separado, pelo político Magno Malta e pelo advogado Miguel Najib. Seu embrião foi uma proposta legislativa de 1996, mas o projeto em si é de 2004 e tornou-se público depois que o ator Alexandre Frota o apresentou para o ministro da Educação do governo Michel Temer, José Mendonça Filho.
A Escola Sem Partido é uma causa defendida por evangélicos, e seu caráter conservador pelo menos permitiu que se conhecesse o sentido da educação que poucos conheciam, que era o ensino indo além de meros processos de aprender a ler, escrever e trabalhar. Mas o projeto é também sutilmente apoiado pelos "espíritas", rendendo um trocadilho com a sigla do projeto com as três primeiras letras de "espiritismo".
Nas redes sociais, um seguidor do "médium" Divaldo Franco que se infiltrou numa comunidade de ateus (?!), talvez para fazer proselitismo, tentou defender o ídolo "espírita" dizendo que "já é bom demais" a Mansão do Caminho ter um projeto educacional que apenas ensine a ler, escrever e trabalhar.
Fanático, o rapaz queria defender o prestígio do seu ídolo, tentando rebater questionamentos mais lógicos, coisa muito comum em ambientes como o Facebook e o WhatsApp, onde pessoas conservadoras ou reacionárias, mesmo não estando com a razão, fazem a chamada "ginástica intelectual", tentando rebater o máximo possível qualquer questionamento, arrumando desculpas para qualquer coisa.
Analisando a realidade, observa-se que o "espiritismo" brasileiro reduziu-se a meros artifícios linguísticos, ideológicos e pragmáticos. Além de todo um embelezamento de palavras nas palestras nos "centros espíritas" e nas publicações do gênero, observa-se recursos como o falacioso "bombardeio de amor", o demagógico Assistencialismo e a asséptica Escola Sem Partido.
Paciência. A sociedade brasileira revelou-se bastante conservadora. Até o conceito de bondade que muitos acreditam é inspirado em novelas que trazem lições moralistas bastante conservadoras, por mais que apresentem conteúdo "subversivo" ou "escandaloso". Mas a ideia de bondade vem também de contos de fadas narrados de maneira bem conservadora nas infâncias de muitos brasileiros.
E o que é a Escola Sem Partido "espírita"? Sabe-se que o discurso da Escola Sem Partido é bem sutil, como é também da Teologia do Sofrimento, outra causa defendida pelos "espíritas". Dissimula-se tudo, num país em que até estupradores, se forem de boa aparência e boa classe social, escapam da cadeia alegando que as vítimas gritaram com eles na ocasião do assédio. Quantas armadilhas podem apresentar um discurso cheio de palavras aparentemente bem intencionadas e agradáveis?
A Escola Sem Partido, no conjunto da obra, não transformará a Educação como um todo numa sucursal da Escola Superior de Guerra. Não, o Exército que agora exerce função de polícia nas ruas do Grande Rio não será designado para "botar ordem" no ensino público. O que ocorrerá é a retomada dos velhos padrões hierárquicos de ensino, cancelando a mudança de relações entre professores e alunos que se desenvolvia a partir dos anos 1960, antes do golpe militar.
Nesse velho padrão pedagógico, o professor é considerado um possuidor do saber. O saber não é algo socialmente compartilhado, de maneira horizontal - igualmente entre pessoas - , mas transmitido de forma vertical - de cima para baixo, com o saber sendo de "propriedade" do professor - , o que significa distinção hierárquica, um velho padrão social que o Método Paulo Freire buscava superar.
Não há, portanto, o estímulo aos debates sociais. O aluno tem que se fazer crer que aquilo que o professor transmite está certo, que o docente está sempre com a razão e que as transformações sociais são absolutamente uma expressão de patologias sociais trazidas pela liberação dos instintos humanos.
COMO O "ESPIRITISMO" ADOTARIA A ESCOLA SEM PARTIDO?
A Escola Sem Partido pode, e já é, acolhida pelo "espiritismo" na sua essência. Claro que os "espíritas", dissimuladores, se fazem de "progressistas" e nunca irão assumir, na cara dura, que acolhem esse projeto de retomada conservadora na Educação. Mas, na prática, os "espíritas" demonstram estarem afinados com o ultraconservadorismo vigente desde 2016, vide o otimismo com que a doutrina aborda os sombrios tempos atuais.
Muito do conteúdo da Escola Sem Partido já era defendido em livros de Emmanuel lançados por Francisco Cândido Xavier. O próprio Chico Xavier é expressão de uma sociedade ultraconservadora, reacionária, beata e moralista, não cabendo sequer a menor cogitação de que o "médium" era uma figura "progressista" e "avançada", como muitos incautos chegaram a fazer, na sua boa-fé.
Emmanuel sempre condenava o questionamento, uma postura que, sabemos, era contra os postulados espíritas originais (Kardec defendia o debate e não temia ser ele mesmo questionado), mas eram de profunda e explícita concordância por parte de Chico Xavier, ele mesmo um inimigo do bom senso e do questionamento crítico e lógico, um anti-espírita por excelência.
O aspecto principal da Escola Sem Partido é evitar o debate sócio-político, mas permitir a manutenção de crenças religiosas, não obstante fantasiosas. O projeto tem como pretexto evitar conflitos e garantir a transmissão de "valores sociais positivos" e "respeito à hierarquia", mas tem como efeito danoso uma compreensão atrofiada da realidade, através de convicções e, frequentemente, crenças surreais, como o "mar se partindo" na época de Moisés.
No "espiritismo", o que está em jogo é manter as crenças igrejeiras, a hierarquia conservadora, a beatitude religiosa e o misticismo da fé. Como uma religião dissimuladora, há o discurso de que a doutrina brasileira "permite o debate público e a apreciação das transformações sociais", e em várias casas e atividades "espíritas" há arremedos de debates como forma de manter o aparato de racionalidade do "movimento espírita" brasileiro.
Mesmo assim, os "debates" são anódinos, mais parecendo os próprios "debates" permitidos pela própria Escola Sem Partido, dentro dos limites em que os alunos enunciam situações adversas para que o professor explique o "equívoco" das mesmas e fazer prevalecer o projeto pedagógico dominante.
Nota-se que os "espíritas" sempre costumam fugir de acusações de adotarem posturas ultraconservadoras. No caso da Teologia do Sofrimento, corrente católica medieval que faz apologia da desgraça humana como forma de "chegar mais rápido ao Céu", os "espíritas" defendem suas ideias, mas reagem com "muita tristeza" quando alguém os declara adeptos desta corrente do Catolicismo.
Mas os próprios partidários católicos da Teologia do Sofrimento também usam as mesmas desculpas dos "espíritas": "não defendemos o sofrimento das pessoas, mas o lado positivo do sofrimento humano". As alegações neste sentido são as mesmas e o malabarismo das palavras tenta relativizar o que era declarado taxativo e firme na véspera.
Na Escola Sem Partido, é a mesma coisa. Os "espíritas", mais uma vez, se sentem "horrorizados" com "tão infeliz associação", mas os próprios partidários evangélicos da Escola Sem Partido também negam que "estejam desestimulando o debate entre alunos", apenas defendendo que "não haja doutrinação ideológica por parte de grupos de esquerda, comprometidos com a guerrilha (sic) e com a militância político-partidária".
Em muitos casos, nem as alegações que os "espíritas" fazem para desmentir suas posturas conservadoras, abertamente praticadas mas nunca assumidas no discurso, são originais. Se os palestrantes "espíritas", com sua natural choradeira, desmentem que estejam aderindo à Teologia do Sofrimento ou à Escola Sem Partido, as explicações usadas são exatamente as mesmas que os partidários das duas causas defendem para estabelecer sua validade social.
Mas a prática mostra que o "espiritismo", que se reduziu a uma religião igrejista que recupera não os postulados kardecianos originais, mas os velhos e obsoletos paradigmas do Catolicismo jesuíta que prevaleceu no Brasil colonial, tem profunda simpatia com a Escola Sem Partido.
Seja defendendo o sofrimento ou "pregando a esperança", os "espíritas" estão solidários com a retomada conservadora atual. Defendem as reformas conservadoras de Michel Temer, definiram os "coxinhas" com roupas da CBF como "intuídos por espíritos superiores" (vá entender que um sujeito como Kim Kataguiri foi intuído por benfeitores espirituais) e acham que o Brasil entrou em "período de regeneração".
Só falta os "espíritas" definirem algum dos dois filhos homens de Jair Bolsonaro como "reencarnação de Emmanuel" para a farra ficar completa.
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