domingo, 8 de março de 2015
"Defesa da honra" e "reajuste espiritual" se divorciam
Depois de quase 40 anos de impunidade, o feminicídio passa a ser considerado crime hediondo, sendo também visto como uma forma grave de homicídio qualificado. Na última terça-feira, a Câmara dos Deputados aprovou projeto do Senado que tornou o feminicídio, assassinato de mulheres motivada por questões de gênero, um crime hediondo, que prevê punições mais severas.
A lei, até a edição deste texto, depende apenas da sanção da presidenta Dilma Rousseff. Com esta nova condição legal, a pena por homicídio passa a ser em regime fechado, e o regime de progressão da pena (quando se observa bom comportamento, por exemplo, ou execução de trabalhos na prisão) torna-se mais rígido. O Brasil não adota a prisão perpétua, a pena máxima vai para 30 anos.
A pena aumentará em um terço se o homicídio for feito diante dos descendentes ou ascendentes da vítima (como filhos, pais, avós) ou quando a vítima estiver grávida. Neste caso, o hoje impune promotor Igor Ferreira, acusado de mandante na morte da esposa Patrícia Longo, grávida na ocasião do crime, em 1998, teria sido preso em regime fechado de acordo com a nova lei.
A lei foi aprovada levando em conta que o Brasil é o sétimo país em assassinatos de mulheres. Foram cerca de 43,7 mil só entre 2000 e 2010, segundo dados estatísticos. Não apenas mulheres são prejudicadas com esta violência, como os próprios homens, que tinham que competir com os próprios feminicidas impunes na conquista de novas namoradas na vida social.
A medida é anunciada quando dois dos mais famosos feminicidas do tipo mais comum, o conjugal, alcançam uma faixa etária na qual homens que cometeram excessos em suas vidas tendem a falecer: o empresário Doca Street, com 81 anos, e o jornalista Antônio Pimenta Neves, com 78 anos.
Doca foi um dos primeiros da onda de feminicídios conjugais tendo assassinado, em Búzios, no final de 1976, sua mulher, a socialite Ângela Diniz. Pimenta Neves assassinou a jornalista e ex-namorada Sandra Gomide, em Ibiúna, em agosto de 2000.
Doca tem um passado de intenso tabagismo, alcoolismo e uso de cocaína. Pimenta Neves ingeriu overdose de comprimidos depois que matou Sandra, o que lhe pode trazer risco gradual de falência de órgãos.
"REAJUSTES ESPIRITUAIS"?
Há vários tipos de feminicídios, mas o conjugal sempre chama mais a atenção pelo fato do homicídio ser feito sob a desculpa do "amor traído". Um simples pedido de divórcio de uma mulher era visto como "traição" pelo namorado, noivo ou marido tomado de um ciume doentio e movido por egoísmo machista.
Neste caso, a desculpa mais comum dos homicidas conjugais - que durante muito tempo eram classificados como "criminosos passionais", um termo considerado discutível pelas feministas hoje em dia - era a "legítima defesa da honra", desculpa que geralmente livrava os assassinos da cadeia, principalmente aqueles que gozam de elevado status social.
Bons conquistadores, em muitos casos esses homicidas conjugais, quando saem da prisão, conquistam novas namoradas, o que faz muitos homens de bem perderem vantagem nas conquistas amorosas, já que os feminicidas conjugais são incapazes de encarar o fim de uma relação, mas sabem melhor os truques de conquistar uma mulher.
No "espiritismo" brasileiro, doutrina que condena mais o suicídio do que o homicídio, por ver neste um efeito dos "reajustes espirituais" ou "resgates morais" das vítimas, é notória a afinidade de sentido com a "defesa da honra" machista, na medida em que acredita que "a vítima é a culpada".
Sem possuir condições nem critérios de avaliação de encarnações anteriores, os "espíritas" costumam julgar as vítimas de homicídios em geral como supostas reencarnações de antigos algozes, sobretudo romanos (!), que sofreram tais infortúnios para "pagar o que devem".
O "espiritismo" do Brasil acredita num "fiado" para os piores infratores, e alega que o homicida tem como "atenuante" a ideia de ter sido "agente das leis de causa e efeito". Segundo esta doutrina, o homicida "pagará por seus atos", mas ela atribui a punição para uma ou duas encarnações adiante. "Cometa uma atrocidade e só pague pelo que fez daqui a 100 ou 200 anos", diz a moral "espírita".
No caso do feminicídio conjugal, a tão esperada mudança nas leis faz com que a "defesa da honra", deixando de ter validade, se divorcie do pretexto de "reajustes espirituais" do moralismo "espírita", representando o fim de uma guerra dos sexos em que a vitória era sempre unilateral, favorável aos opressores.
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