segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

A expansão do "funk" no projeto de "Coração do Mundo"

VALESCA POPOZUDA É ENTREVISTADA PARA DOCUMENTÁRIO FEITO PELA ATRIZ NORTE-AMERICANA ELLEN PAGE.

Que elevada cultura terá o país que quer ser o "coração do mundo"? A mediocrização cultural cresce que nem bola de neve e, de repente, tem até cartaz no mundo, não necessariamente uma popularidade no exterior, porque lá o povo não é bobo, mas uma relativa visibilidade que é baixa lá fora, mas que aqui soa como a conquista de espaços inimagináveis.

Enquanto ressoam campanhas para transformar o "funk carioca" em patrimônio cultural do Estado do Rio de Janeiro, num processo claramente de clentelismo político-partidário envolvendo empresários do ritmo, os grandes músicos que brilhariam no nosso país precisam fazer outros trabalhos para ter uma renda que mal dá para divulgar seu trabalho.

O "funk", que usa dos mesmos discursos "elevados" que Chico Xavier descreve do "coração do mundo" - "nova moralidade", "solidariedade" e "grandes valores sociais" - e sobrevive imune nas suas baixarias (até o astro-mirim MC Pedrinho, de 12 anos, pouco está ligando com o escândalo que causa interpretando baixarias), há muito tempo tenta chamar a atenção do mundo.

Até funqueiros surgidos do nada eram colocados para fazer turnê em casas noturnas decadentes da Europa, dessas que se podem marcar apresentações usando a Internet e indo até em portais, mas como forma de autopromoção ou pelo menos de alimentar a vaidade dos fãs brasileiros.

Recentemente, a estrela Valesca Popozuda - que foi empurrada para uma parcela "intelectualizada" dos apreciadores de "funk" - , enquanto espera seu próprio filme-documentário, foi entrevistada pela atriz norte-americana Ellen Page para um filme sobre a causa LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros).

O "funk", com sua estrutura sonora constrangedora, marcada por um amontoado de sons e vocais medíocres, se vale mais do marketing do que de qualquer suposta sinceridade artística. Tendencioso, o "funk" alega que só expressa a "realidade das periferias", mas isso não é mais do que conversa para fazer sucesso, já que seus intérpretes são controlados por empresários rigorosos.

O "funk" não tem artistas, tem fetiches. E, durante o tempo em que gozou de intensa blindagem intelectual - entre 2003 e 2014, descontando um texto de uma desesperada Bia Abramo em 2001, que preferiu defender funqueiras do que profissionais de Enfermagem que as processavam devido a paródias pornográficas - , o ritmo tentou seduzir um público intelectualmente mais "qualificado".

Enquanto as boas expressões musicais a cada ano se perecem num cenário de preocupantes homenagens - dando a crer que a MPB e nosso rico patrimônio musical desaparecerão para sempre - , o "funk" é o que mais parece concretizar o que há de subliminar nos devaneios chiquistas de verem o Brasil "mais poderoso do mundo" depois da "data-limite" de 2019.

Chico Xavier garantia que os grandes artistas iriam florescer no Brasil do "novo milênio". Que novos artistas? O que se observam são sub-artistas de discursos articulados e muito bem empresariados. Se eles ameaçam cair no ostracismo, os empresários sacam dinheiro e arrumam uma apresentação "histórica" em qualquer lugar.

Se causam escândalo, os empresários abafam e todo um esquema de Assessoria de Comunicação é feito, ainda que se obrigue a deixar o "artista" sumido da mídia por umas três semanas, para reaparecer "triunfante" como se nada tivesse acontecido.

O "funk" criou reservas de mercado que envolvem universitários, socialites, fashionistas, cientistas sociais, jogadores de futebol, suburbanos em geral e até mesmo turistas, intelectuais e celebridades estrangeiros em busca de algum exotismo qualquer fora do Primeiro Mundo, como se etnografia fosse movida pelo sensacionalismo.

No "funk", baixarias, grosserias e leviandades são despejadas, banalizadas e expostas para todos, até mesmo para crianças, e as reclamações são abafadas até por ativistas e educadores que creditam a exposição ao público infantil a uma "saudável (sic) educação sexual das periferias".

Daí a onda de surrealismos que acontece no Brasil, e que traz muitas dúvidas se nosso país realmente está preparado para comandar a "comunidade das nações". Será que o "silêncio da prece" poderá chamar a fada madrinha para transformar abóboras em carruagens? Quanta ingenuidade.

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