segunda-feira, 19 de maio de 2014

Fraude em duas pinturas "mediúnicas"

RETRATOS DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS - O da esquerda foi feito por Cândido Portinari. À direita, pintura atribuída ao espírito de Portinari, feita por José Medrado.

O "espiritismo" brasileiro carece de qualquer verificação. Tudo é feito pelo "achismo", sem que os critérios científicos de Allan Kardec fossem considerados devidamente, o que permite a muitos "espíritas" usarem de toda fraude para enganar as pessoas sob o pretexto das "palavras de amor".

Isso influi numa mediunidade que se faz ou se supõe fazer sem qualquer verificação, sem qualquer regulação. Livros que podem ter sido ditados por espíritos traiçoeiros, ou então por espíritos farsantes ou simplesmente por supostos médiuns de imaginação fértil. Vale tudo, que os "espíritas" saem logo acreditando.

Na pintura, ocorre a mesma coisa. Não há uma verificação, tudo é permitido por causa das "boas emoções", das supostas "boas energias" que não passam de uma grande fantasia, uma grande alucinação coletiva disfarçada de vibrações positivas. Desde que se aceite tudo, sem verificar, tudo parece ter boas vibrações.

Verificando alguns casos de pinturas ditas mediúnicas (ou supostas psico-pictografias), o que se nota é que também nelas há o risco de haver espíritos farsantes ou simplesmente supostos médiuns, em ambos os casos imitando os estilos dos pintores falecidos.

ACIMA, ASSINATURA DE CÂNDIDO PORTINARI EM VIDA. ABAIXO, SUPOSTA ASSINATURA DO "ESPÍRITO" PORTINARI EM OBRA DE JOSÉ MEDRADO.

O que é estarrecedor é que supostos eventos de pinturas mediúnicas iludem as pessoas diante da "oportunidade" de reunir, num só acontecimento, diferentes personalidades, com uma facilidade extrema que nem um mecenas de salão de artes iria reunir de maneira tão garantida.

Será mesmo que espíritos de origens e épocas tão díspares estariam sempre disponíveis para aparecer para um único médium para criar obras assim com a relativa rapidez de quem prepara um prato de lanchonete pedido por um freguês?

Parece bom demais para ser verdade, todo mundo pintando assim por encomenda, rapidamente, como se quisessem atender aos pedidos dos fregueses. E, aqui, mais uma vez é o médium, ou melhor, o anti-médium, que se torna o astro principal, os "espíritos pintores" são apenas um detalhe do espetáculo, já que o "médium" deixou de ser intermediário (medium) para ser o comandante da festa.

RETRATO DE MÁRIO DE ANDRADE, POR ANITA MALFATTI, À ESQUERDA. JÁ À DIREITA, RETRATO DO ESCRITOR SUPOSTAMENTE PINTADO PELO "ESPÍRITO" DE ANITA MALFATTI. 

Observando essa seleção de imagens, relacionadas a pintores do Modernismo, como Anita Malfatti (1889-1964) e Cândido Portinari (1903-1962), observa-se irregularidades na comparação entre as obras produzidas por eles em vida e as obras atribuídas supostamente aos seus espíritos.

O que se observa, nesses exemplos, é chocante. Além de não haver uma identidade fiel de estilos, em que pese o esforço da verossimilhança, as assinaturas indicam que tais pinturas podem ter sido fraudulentas, já que tais assinaturas já apresentam diferenças gritantes de grafia.

Na gravura no alto, que mostra a imagem de São Francisco de Assis pintada por Portinari em vida, confrontada com a suposta imagem do santo atribuída ao espírito do mesmo pintor, é extremamente gritante a diferença de estilo.

Mesmo que a pintura não tivesse saído rigorosamente igual à original, seria de esperar que houvesse alguma harmonia de estilo, seja pela distribuição de cores, seja pelos traços desenhados. Não é isso que acontece na pintura realizada pelo baiano José Medrado.

É muito contrastante a distribuição de traços físicos, e mesmo as cores são pintadas sem o vigor da obra original, com o agravante de que a obra de Portinari data de 1941, enquanto a obra "psico-pictografada" de José Medrado data de 2014 e parece "desbotada".

Até parece que o São Francisco do "Portinari / Medrado" tomou alguma birita, diante do olhar morbidamente abatido do santo, se comparado com a serenidade firme da mesma pessoa retratada em vida pelo pintor.

Para piorar, a assinatura também indica fraude, uma vez que a assinatura "espiritual" parece uma assinatura "qualquer nota", diante do que é a assinatura original do pintor, com fontes levemente arredondadas que contrastam com a assinatura trêmula e insegura do suposto espírito.

ACIMA, ASSINATURA DE ANITA MALFATTI, COM SEU TÍPICO "M". ABAIXO, ASSINATURA DO SUPOSTO ESPÍRITO DA PINTORA MODERNISTA.

No caso de Anita Malfatti, é a mesma coisa. Há a comparação entre o retrato do amigo da pintora, o escritor Mário de Andrade, e a suposta psico-pictografia, de autoria mediúnica não creditada, retratando o mesmo escritor e atribuída ao "espírito" da pintora.

Aqui também a diferença de estilos é gritante, em que pese o esforço de imitação. O retrato de Mário pelo suposto espírito é bem mais simplório, sem a riqueza de traços e cores da pintura original. Além disso, o poeta e escritor é retratado de forma rudimentar e confusa que mais parece a de um palhaço do que a do mestre modernista.

Neste caso, há o indício de fraude. Aqui se pegou a assinatura da pintora de outra obra, "Pedras na Praia", que aparece acima na comparação. A assinatura real de Anita Malfatti aparece na imagem acima sob o fundo marrom e com o "m" caraterístico da pintora.

Nota-se que esse traço do autógrafo de Anita Malfatti falta na grafia atribuída a seu espírito, mostrando mais um caso de assinatura "qualquer nota" em que o "m" é mais "acanhado" e escrito às pressas, e não há sequer o estilo gráfico das letras retas e de um "f" caligráfico contrastando com as letras de forma da pintora.

Daí, com a análise das assinaturas, podemos concluir que ocorreu fraude, que as ditas pinturas mediúnicas, a partir dos exemplos mostrados, nada têm de autênticas, devido às irregularidades de estilo e de assinaturas.

Portanto, as obras foram feitas por imitadores que, diga-se de passagem, nem eram tão bons imitadores assim, vide o Francisco de Assis de "Portinari / Medrado" que a ninguém convence, senão quem não entende de pintura. E pior ainda é o Mário de Andrade da suposta Anita Malfatti, que não apresenta o estilo da modernista e é primariamente desenhado.

Dois casos vergonhosos estes. Uma mostra de que os traiçoeiros espíritos, daqui e de lá, do Espiritolicismo, só sabem mesmo é "pintar o sete".

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