segunda-feira, 2 de maio de 2016
Qual o interesse de avacalhar a mulher solteira no Brasil?
Triste ideia. Se a mulher quer ser alguém na vida, tem que arrumar um marido, de preferência com qualidades superiores a ela, como um cargo de liderança, como ser empresário ou profissional liberal. Se a mulher se recusa dessa dependência marital, o que o "sistema" quer é que ela se contente com a imagem de mulher-objeto.
Sim, a mulher brasileira vive um dilema. Ser a serva do lar ou o brinquedo sexual de tarados solitários. O "beco sem saída" entre ser uma humana servil e uma mercadoria erótica faz com que a emancipação feminina se torne duplamente prejudicada diante desse falso maniqueísmo que soa como duas facetas de um mesmo machismo.
No último fim de semana, Solange Gomes, a ex-integrante da Banheira do Gugu, principal quadro do antigo Viva a Noite, programa popularesco comandado nos anos 90 por Gugu Liberato no SBT, partiu para mais um apelo sexista.
Em plena frente fria carioca, a subcelebridade publicou uma foto nua nas mídias sociais, usando o seguinte comentário: "Desafiando o frio no Rio de Janeiro". Desprezando o risco de que ficar nu em dia frio pode causar pneumonia, com consequências até fatais, Solange deu continuidade a sua pretensa sensualidade, grotesca e apelativa demais para uma mulher de 42 anos.
Solange é apenas uma das muitas mulheres que estão a serviço da hipersexualização. Outras "musas", como Renata Frission, a Mulher Melão, Andressa Soares, a Mulher Melancia, Yani de Simone, a Mulher Filé e, de forma politicamente correta, Valesca Popozuda, levam ao extremo o erotismo obsessivo que se tornou moda desde os tempos do grupo É O Tchan.
Mais do que exibir um sensualismo obsessivo e compulsório, as "musas" também apelam para a imagem depreciativa da mulher solteira no Brasil, avacalhando a emancipação feminina de forma relativamente sutil, pelo menos sem assumir no discurso, ainda que o processo de coisificação da mulher brasileira seja em muitos momentos escancarado, como no caso de Solange e Mulher Melão.
Isso é um processo habilidoso do machismo brasileiro, que cria dois caminhos para barrar a emancipação plena da mulher. Um é forçar que mulheres que busquem ampliar conhecimentos e tenham referenciais culturais consistentes se vinculem à figura de um marido poderoso, seja empresário, médico, advogado, economista, diretor de TV, político etc.
Outro caminho é dispensar a mulher de ter um marido ou namorado quando ela segue o receituário machista do erotismo obsessivo, promovendo seu corpo como verdadeira mercadoria sexual. Independente do contexto, a mulher exibe seu corpo em poses "sensuais" ininterruptas e desprovidas de qualquer observação de contexto.
FORMAS DE DEPRECIAÇÃO DA MULHER SOLTEIRA
Tudo é exibido de maneira ininterrupta. Não há um momento de pausa nas poses "sensuais". O corpo vira mercadoria até durante eventos que não permitem esse apelo, como festas de gala ou dias de muito frio. É preocupante essa postura "triunfalista" de Solange Gomes "desafiando o frio" para se "sensualizar", numa situação que normalmente pode trazer pneumonia e morte.
Muitos consideram essa "atividade" - houve mulheres que diziam "não ter tempo para namorar" por causa desse "trabalho" (o de "sensualizar" e "mostrar demais") - uma forma de depreciar a mulher solteira, embora não seja a única.
Nas periferias, por exemplo, existe o estereótipo da moça "modesta" e considerada "não muito atrativa" que ouve músicas piegas e vive "encalhada". É um tipo comum sobretudo no público de "pagode romântico", e mostra uma alteração na imagem da "escrava do lar" das antigas comunidades pobres, transformada em "solteira incurável" quando antigos estereótipos machistas da mulher foram dispensados da figura do marido ou do namorado.
É aquele tipo da moça "ingênua" e "romântica" que gosta de novelas e cujo único homem que consegue alguma relação afetuosa - e mesmo assim nos limites sociais próprios dos status familiares - com seu afilhado. Apesar da personalidade submissa, o "sistema" permite a ela algum sustento profissional próprio. Geralmente uma moça assim costuma viver com a mãe.
A solteira brasileira não pode ter referenciais culturais sólidos. Até a chamada "alta cultura" que consegue assimilar é ditada pelo contexto midiático, como a trilha sonora de novela da Rede Globo, por exemplo. Conta-se que a solteira brasileira precisa manter os "ouvidos sujos", já que o gosto musical costuma ser associado a derivados da música brega tocados nas rádios "populares", canções consideradas de gosto bastante duvidoso.
Os estereótipos da solteira brasileira, seja a mocinha submissa que brinca com o afilhado numa eterna infância, ou a moça "gostosa" que só vive de mostrar seu corpo, são recursos que o poder midiático brasileiro faz para impedir a emancipação plena da mulher, ou, ao menos, para dificultá-la, sobretudo quando "recomenda" às mulheres que não querem suportar esses fardos a arrumar um marido, de preferência um empresário.
Mesmo a atitude politicamente correta de Valesca Popozuda, que fora dos palcos tentou uma atitude "mais sóbria", servem apenas como simulacro, sobretudo se observarmos que ela sempre se mostrou orgulhosa com o papel que exerceu e exerce no "funk", o de objeto sexual que nos palcos chega mesmo a mostrar os glúteos para a plateia. Seu "feminismo" soa como conversa para boi dormir.
HIGIENISMO
O interesse de depreciar a imagem da mulher solteira pode ter um objetivo sutilmente higienista. Busca desnortear as mulheres das classes populares, induzidas a escolher entre dois estereótipos: o da moça submissa e infantilizada que ouve músicas piegas e brinca com o afilhado e a mulher apelativa que usa o corpo como mercadoria.
Diante disso, as mulheres deixam de pensar na vida familiar e, numa inversão ideológica, a ideia de ter um marido, que nas classes populares deveria ser opcional, acaba sendo proibida, numa homofobia às avessas. Pior: sob o rótulo de "feminismo", estimula-se a misandria nas mulheres, que é a indisposição ou a falta de interesse de conquistar um homem, dificultando a realização da maternidade.
O propósito é, portanto, "limpar" gradualmente as classes populares através da imposição de tipos de "mulher solteira" que são ao mesmo tempo depreciativos para a emancipação feminina em geral como são impostos como "modelo de realização pessoal" para as mulheres pobres.
É a partir disso que as mulheres pobres são cada vez mais desestimuladas a se tornarem mães, através da misandria já sutilmente difundida pelos noticiários policialescos. E cria um aspecto aberrante numa comparação entre as mães das classes abastadas e as das classes populares no Brasil.
Mulheres abastadas com casamento problemático e três filhos têm medo de se divorciarem, evitando criar um trauma nas crianças. É até direito delas pensarem assim, e, podendo manter as relações, serão bem sucedidas e felizes.
Mas o problema é nas classes pobres, quando casais se separam à menor divergência e mulheres com mais de cinco filhos têm que conviver solteiras, com crianças traumatizadas, órfãs de pai vivo, sem a renda que a abastada possui para sustentar sozinha vários filhos e obrigando o primogênito a ser uma espécie de tutor dos irmãos mais novos, compensando a ausência da figura do pai.
Dessa forma, nem o discurso falsamente libertário das intelectuais "provocativas" faz com que a vida dura das mães solteiras pobres se torne próspera. Pelo contrário, a pobreza fica mais difícil para que o "sistema" possa assistir ao triste espetáculo das classes populares se enfraquecerem diante da solteirice forçada das mulheres pobres, que não têm a desenvoltura das mulheres de classe média para encarar novos padrões familiares, diante da baixa escolaridade e alta religiosidade.
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