domingo, 17 de maio de 2015
"Espiritismo" transforma o amor num prisioneiro das palavras
Diz o ditado popular que falar é fácil. E, no "espiritismo" brasileiro, o que se observa é a exploração dos conceitos de amor, fraternidade e caridade que se tornam escravos da retórica, prisioneiros das palavras, reduzidos às letras "desencarnadas" da verborragia "espírita" que muito tem de proselitismo religioso e nada do Espiritismo originalmente lançado por Allan Kardec.
Muito se fala em amor e pouco se age. Quando muito, são medidas paliativas "comemoradas" como se fossem filantropia plena. Recentemente, Divaldo Franco comemorou, através de reportagem do Fantástico, na Rede Globo de Televisão, uma "ação de caridade" que só ajuda menos que 1% da população de Salvador e se ostenta como "belo exemplo para o mundo".
Faz-se pouco e o envaidecimento se torna pleno e perigoso. Chico Xavier lançou livros cheios de erros e irregularidades, muitas gravíssimas, e ainda assim acha que "fez bem ao próximo" o seu malabarismo das palavras que apenas consola os incautos e crédulos, que desconhecem as diversas armadilhas da vida.
O amor, a sabedoria, a caridade, a fraternidade, ou mesmo os pareceres técnicos, a funcionalidade e a racionalidade, tudo virou pretexto para belas palavras se apoiarem em práticas desumanas, algo inimaginável nos embrutecidos tempos do Império Romano, já que hoje a crueldade dos homens mostrou-se possível de ser sustentada pelas mais belas e generosas palavras. A hipocrisia virou mal do século, principalmente no Brasil.
O Brasil vive a ditadura das desculpas, e tudo virou um espetáculo de malabarismo das palavras. Corruptos ficam sempre argumentando serem "honestos" e apenas "perseguidos" por desafetos ou por traidores. Tecnocratas julgam os malefícios sofridos pela população como "males necessários" para "benefícios futuros" que ninguém sabe como são e, se soubesse, veria que seriam menos benéficos do que se supõe.
É como, no sistema de ônibus, se vê na exaltação ao BRT, meros ônibus articulados que mais parecem microtrens de asfalto, transformados em "divindades da mobilidade urbana". As pessoas são obrigadas a aceitar a tal da "padronização visual", que impõe um mesmo visual para diferentes empresas de ônibus, confundindo os passageiros, acobertando a corrupção político-empresarial e outros malefícios, em troca de "benefícios" nem tão benéficos assim.
Afinal, os noticiários mostram os BRTs sofrendo acidentes, rodando superlotados, causando sufoco e desorganização das pessoas. Mas como Jaime Lerner é uma espécie de "Chico Xavier" do transporte público, endeusado com todos os erros e desastres cometidos. Infelizmente, muitos acreditam que os diplomas de uns poucos justificam os piores sofrimentos de muitos.
É sempre assim. Vide o desenvolvimento econômico de tantos anos, que estrangulava salários em prol de um desenvolvimento industrial e financeiro. Com o Partido dos Trabalhadores, a esfera social começou a receber maior atenção, mas os erros e irregularidades de seus governos ainda comprometem o sucesso do desenvolvimento pleno do país.
Para um país em que as pessoas com fome aceitam viver na pobreza desde que tenham uma TV de plasma, uma antena parabólica e um engradado de cerveja na geladeira, as pessoas nem têm consciência exata dos seus desejos e necessidades, porque pessoas dotadas de status, seja econômico, acadêmico, político ou coisa parecida, ficam com o monopólio das decisões.
As pessoas chegam mesmo a atribuir nos "superiores de ocasião", não raro verdadeiros algozes enrustidos, vontades e desejos de algum progresso social. As pessoas aceitam sofrer, de forma masoquista, achando que endinheirados, diplomados e famosos são donos dos nossos desejos, das nossas vontades e perspectivas e são senhores das nossas necessidades que eles desconhecem e desprezam.
Por um logotipo de prefeitura, de governo estadual ou de algum consórcio politicamente armado, que desmancham a diversidade visual e funcional das empresas de ônibus e impõem um "visual único" que nos confunde e permite a roubalheira empresarial, muitos aceitam essas barbaridades em troca de ônibus mais longos, confortáveis e rápidos e um bilhete eletrônico para pegar vários ônibus.
Só que a prática mostrou o contrário. Ônibus mais lotados, lentos, atrasos constantes na chegada ao trabalho, tentando convencer o patrão que não foi vadiagem (e muitos patrões são capazes de pedir um Nobel da Paz a um Jaime Lerner filhote da ditadura), empresas mal-administradas (desestimuladas pela proibição de exibir a identidade visual) e, por isso, com ônibus mais velhos, sem manutenção e causando acidentes com várias mortes.
Mas há outros exemplos. Como os favelados que recorrem ao crime organizado para protegê-las e compensar o descado do Estado. Ou as pessoas que disfarçam a baixa auto-estima porque o fanatismo pelo futebol é a única salvação por suas vidas. Ou então os ouvintes das rádios 89 FM (SP) e Rádio Cidade (RJ) que usam um rock que não entendem direito como válvula de escape para impulsos juvenis e aceitam uma programação que tem mais piadas, locutores engraçadinhos e outras coisas nada roqueiras em troca de alguma catarse e de alguma promoção para conseguir ingresso para "aquele festival".
Mas também há a terrível "música popular" das rádios bregas, com aqueles canastrões se achando "gigantes do samba" ou "violeiros de raiz" sem ter uma ideia do que é samba ou música caipira, aceitos comodamente por serem "simpáticos e divertidos". E muitas mulheres aceitam maus conquistadores, homens nada atraentes e de personalidade medíocre ou, às vezes, sinistra, porque eles vieram com uma piada divertida, acertaram numa conversa hábil e são dotados de algum prestígio sócio-econômico.
É como se vendêssemos nossos desejos e necessidades para o mercado clandestino. Nos impressionamos por benefícios relativos, menores e frágeis, porém imediatos, porque nos impressionamos com a profissão de alguém, com seu status, sua visibilidade, ou porque um número seleto de "bacanas" quer que seja assim, por esta ou aquela vantagem que quase ninguém compreende bem mas que é imposta, até mesmo na marra, nem que seja pela pressão da trolagem na Internet.
No "espiritismo", muitos também se apegam a essa "aura" do amor e da caridade aprisionados e escravizados pela retórica, dentro do citado contexto em que os desejos e necessidades humanas são manipulados pelo egoísmo de uns poucos. Esse egoísmo manipula as palavras para nos fazer crer que são generosos, e tentam desmentir no discurso o que agem, até com certo radicalismo, na prática.
Vivemos em função do egoísmo humano, atribuímos "superioridade" àqueles que não sabem exatamente o que precisamos e traem constantemente a confiança de muitos na promessa não-cumprida de melhorias futuras. Nos apegamos ao materialismo dos diplomas, da "divindade religiosa", do poder político e econômico, da visibilidade plena da fama ou do prestígio entre seus pares.
Com isso, sofremos sem saber. Sentimos dor sem gemer, consolados porque o diploma permitiu que outrem viesse a nos prejudicar maldosamente, dizendo no entanto que agiu em seu benefício e que prometerá "estudar" os prejuízos causados para buscar uma solução melhor. Uma solução que, de preferência, seja lançada sem resolver realmente o problema.
Dos ternos e palavras eruditas de Divaldo Franco à austeridade dos milicianos, da promessa de um enigmático BRT, de um ingresso para o Rock In Rio que permite "rádios de rock" esculhambarem roqueiros através de locutores engraçadinhos, da fome disfarçada pela rodada de cerveja, da pobreza disfarçada pelo gol de um time, pelo cara chato que a mulher aceita porque é dono de uma empresa com algum bom conceito.
Isso nos faz espíritos piores, despreparados, submissos e sem consciência de nós mesmos. E é isso que o amor aprisionado do "espiritismo" brasileiro faz agravar, com a glamourização do sofrimento de um Chico Xavier também beneficiado pela visibilidade e pelo "divinismo". Ou mesmo pela versão invertida de "superioridade", através do estereótipo do "bom velhinho".
Com voz dócil e frágil, Chico Xavier nos dizia que sofrer era maravilhoso porque atraía "bênçãos futuras". E muitos se tornaram masoquistas com isso. Em troca de benefícios que não sabemos e que podem até serem blefes (que bênçãos? que BRT? que gol do time?), sofremos e sofremos mais. Porque o amor e a caridade tornaram-se prisioneiros das desculpas humanas que disfarçam atos egoístas e cruéis de uns poucos privilegiados.
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