A "fábrica" de livros espiritólicos é imensa que vários livros haviam sido lançados. Só pude me informar de um livro sobre Cazuza mais recentemente, mas o romance Faz Parte do Meu Show já havia sido lançado em 2004, portanto há dez anos atrás, e provavelmente "corrigindo" as falhas do livro Um Roqueiro no Além, de Nelson Moraes.
O livro Faz Parte do Meu Show, registrado por Robson Pinheiro sob ditado do "espírito" Ângelo Inácio, segue o proselitismo religioso, mas tenta usar uma linguagem mais "descontraída" e se aproximar de uma realidade menos mística e vinculada aos fatos da vida terrena.
Há controvérsias de que o suposto Ângelo Inácio seria atribuído ao suposto espírito de Cazuza ou seria um suposto mensageiro do roqueiro. Mas o livro, em que pese algumas "modernices" narrativas, não foge do tom duvidoso das supostas psicografias de gente famosa.
Robson Pinheiro é conhecido pelo livro A Força Eterna do Amor, atribuído ao espírito de Madre Teresa de Calcutá, lançado em 2009. Pinheiro também havia escrito livros atribuídos a espíritos de umbandistas.
Faz Parte do Meu Show tenta narrar a suposta vida espiritual de Cazuza. Ida a vales de espíritos sofredores, socorro em colônias espirituais, missão de usar seu talento em prol da religião etc etc etc. Nisso o livro condiz à regra dos livros espiritólicos, que dificilmente narram alguma lição laica.
O livro é ainda recheado de encontros "bacanas", mas tendenciosos e tão gratuitos que causam até desconfiança. Que garantia tem um encontro de Cazuza com Carlos Drummond de Andrade? É até menos fácil do que jogar um ator da Globo ao lado de um astro de Hollywood, embora neste caso a revista Caras tente algum esforço nesse sentido.
Isso porque não se garante se pessoas assim são capazes de se encontrarem. Espíritos se dispersam para lugares inimagináveis. Ou alguém imaginaria que, por exemplo, Paul Walker, James Gandolfini, Michael Clarke Duncan, Cory Monteith e Philip Seymour Hoffman, só para citar atores falecidos há pouco tempo, estariam necessariamente juntos jogando baralho no além?
Talvez seja até legal que esses cinco estivessem juntos, e até seria possível que eles se encontrassem. Mas é difícil, diante da complexidade da vida espiritual. Se, aqui na Terra, é difícil reunir rigorosamente todos os colegas dos tempos antigos da escola, imagine então no mundo espiritual em que compromissos e inclinações pessoais dispersam gente aqui e ali.
Daí soar muito tendencioso, também, um Cassino do Chacrinha do além, com Clara Nunes, Elis Regina e similares. Se fosse em 2014, teria também Jair Rodrigues e Emílio Santiago? Muito simplório e fácil demais.
Quem curte rock até fantasia um mundo espiritual com Jimi Hendrix, Keith Moon, John Entwistle, Phil Lynott, Jon Lord, Ronnie James Dio, George Harrison, John Lennon, Bon Scott etc, talvez uma banda com Hendrix, Moon e Lynott, ou o próprio Jimi Hendrix Experience, já que todos os três membros originais (os outros são Noel Redding e Mitch Mitchell) também estão no além.
Mas mesmo assim é difícil que isso ocorra assim tão facilmente. A vida espiritual é um mistério e quase sempre não é possível juntar fulano e sicrano como quem pega um bonequinho de índio apache aqui e junta a um boneco de coelhinho, outro de duende, outro de cavaleiro medieval e uma boneca de pano. Não dá para fazer um Toy Story com gente do além.
Além desses pontos, o livro mostra um Cazuza caricato, por mais que pareça verossímil na linguagem e em algumas informações. Isso porque é muito difícil, no espiritolicismo de tantas fraudes, que um espírito de alguém falecido realmente se manifeste. As vibrações espiritólicas são terríveis, mesmo quando parecem "boas", pois são como um sol artificial sob nuvens trovejantes.
Muitos do que leram o livro não viram autenticidade alguma, quem conhece Cazuza garante que o livro é superficial e nada recomendável. E que dá indícios de uma única coisa: Robson Pinheiro deve ter lido Só As Mães São Felizes, de Regina Echeverria, biografia oficial de Cazuza, para lançar o tal "romance mediúnico".
Sem qualquer regulação do processo de mediunidade, que no Brasil é feito ao "deus-dará", qualquer um faz uma pesquisa superficial sobre um falecido, forja uma biografia mediúnica dentro do roteiro umbral-colônia espiritual-missão religiosa e pronto. O livro venderá como água, devido à mistura de sensacionalismo com "mensagens de amor e paz". É a mina de ouro do "espiritismo" brasileiro.
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