quinta-feira, 17 de novembro de 2016
As ilusões do prestígio religioso
Quantas ilusões levianas repousam nas mentes de religiosos tão felizes no seu prestígio, na sua pretensa humildade, no balé das lindas palavras que saem de seus lábios que se julgam tão puros? Quanta mansuetude serve de máscara para vaidades e ambições tão perniciosas?
O "movimento espírita", que é o movimento religioso que mais se beneficia pela blindagem da mídia e da Justiça humana, é marcado pelo aparato da mais profunda humildade, da mais generosa bondade e da mais infinita paciência e perseverança, suficientes para ocultar, como num revestimento isolante, o seu pérfido caráter medieval e seu conservadorismo extremo.
O "espiritismo" cada vez mais se volta para a Teologia do Sofrimento, e, se sempre foi distante de Allan Kardec, com toda a bajulação feita a sua pessoa e seu legado e todos os artifícios para dar respaldo a essa adulação, hoje se aproxima cada vez mais do imperador Constantino, o pai do Catolicismo medieval, e já não consegue esconder isso.
Tantas e tantas palestras, tantos textos, tantas publicações e seminários mostram que os "espíritas" estão muito mais preocupados em pedir para os sofredores em geral aguentarem desgraças, mudar totalmente os planos de vida arduamente estabelecidos e aceitar virar um brinquedo das circunstâncias adversas.
Isso é Teologia do Sofrimento. É a corrente medieval da Igreja Católica que sofreu uma retomada com Teresa de Lixieux, no século XIX, e mais tarde com Madre Teresa de Calcutá. No Brasil politicamente correto, ninguém assumiu essa teoria de maneira explícita, mas identificamos ideias da Teologia do Sofrimento nas obras de Francisco Cândido Xavier.
Chico Xavier disse, com suas próprias palavras, para a pessoa sofrer amando, ou seja, aceitar o sofrimento humano. E sofrer sem mostrar o sofrimento aos outros, dando a impressão de que é sempre feliz. É o mesmo apelo que se viu nos católicos que pregam a Teologia do Sofrimento, que é a ideia de ver a desgraça humana como um atalho para o "céu".
É chocante revelar isso para as pessoas, mas o Brasil virou uma caixa de Pandora nos últimos anos. A ilusão de cordialidade e generosidade foi derrubada pelos surtos de ódio e reacionarismo profundo capazes de eleger figuras obscurantistas como a família Bolsonaro, de tendência fascista. Casos de machismo, racismo e homofobia também se tornaram práticas comuns no Brasil e, em certos ambientes, socialmente aceitáveis.
Portanto, o Brasil vive seu momento surreal, quando as mais diversas forças retrógradas reconquistam o poder e tentam fazer o país regredir no tempo, não mais no habitual atraso que fazia os brasileiros só assimilarem as novidades com uma defasagem média de 15 anos, mas uma marcha a ré proposital feita para restauração de antigos privilégios e hierarquias sociais.
E os "espíritas", que se consideram portadores da "palavra final", vivem no seu "mundo feliz" em que se desenha um paraíso de contos de fadas chamado "colônias espirituais", com gatinhos e cachorrinhos pulando e pessoas vestindo pijamas bem branquinhos que nunca se sujam, num cenário que combina relvas de um verde forte e vivo, com lindas árvores e, em volta, prédios modernos com a imponência de grandes edifícios comerciais ou residenciais.
Eles é que acham que sua doutrina é a "religião da bondade", se vangloriam em não ter os vícios que mancharam ou mancham católicos e evangélicos, se sobressaem com uma roupagem de despretensão e simplicidade que é ótima para uma Rede Globo utilizar como mershandising religioso para combater a escalada da Igreja Universal após ser eleito um "bispo" desta seita para a Prefeitura do Rio de Janeiro.
O "espiritismo" brasileiro, no entanto, é a pior religião devido ao fato da desonestidade doutrinária. É um dos poucos movimentos ideológicos que na prática romperam com o legado original de seu precursor, Allan Kardec. Nem o marxismo viu tantas rupturas, com exceção do stalinismo e regimes associados no Leste Europeu, que romperam com Marx ao preferir um regime militaresco com estatismo totalitário sem trazer os benefícios sociais que o socialismo original defende.
A desonestidade doutrinária é comprovada pela preferência original a Jean-Baptiste Roustaing em detrimento ao pensamento original de Allan Kardec. Como no Brasil costuma-se descartar encrenqueiros que "vão longe demais" - vide o caso recente do deputado Eduardo Cunha - , veio a fase dúbia que, durante anos, combinava o igrejismo com bajulações a Allan Kardec, um "roustanguismo sem Roustaing" travestido de falsa filosofia ou pseudo-ciência.
Durante esse tempo, o verniz de simplicidade e humildade escondeu uma fogueira de vaidades. O fato antes inédito do culto à personalidade que beneficiava supostos médiuns, como Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco, mas também tantos e tantos outros, como recentemente o "curandeiro" João Teixeira de Faria, o João de Deus, e o "coxinha" Robson Pinheiro, que tenta estabelecer vínculos entre o reacionarismo de Veja com o plano espiritual.
O arrivismo de Chico Xavier, que adaptou o roustanguismo à realidade brasileira mas nunca assumiu abertamente seu vínculo com o autor de Os Quatro Evangelhos, o fez tornar o patrono da fase dúbia do "movimento espírita", e personificou com exatidão as ilusões que o prestígio religioso trazem a seus detentores.
Chico Xavier, bem antes do conterrâneo Aécio Neves, foi um dos poucos cidadãos que cometeram irregularidades gravíssimas que foram beneficiados pela mais absoluta impunidade, não apenas a da Justiça dos homens, mas a chamada impunidade social, quando o impune por um crime que cometeu (o de Chico Xavier foi falsidade ideológica) passa também a ser querido pela sociedade.
O que Chico Xavier fez, por exemplo, com o nome de Humberto de Campos está entre as coisas mais deploráveis que se viu na História do Brasil. Embarcar num nome bastante popular, mas com fama secundária, para produzir, sob o nome do falecido autor, obras que lhe escapam do estilo original, e usar a "bondade" como desculpa para validar tais obras, é assustador na forma como se deu o desfecho: absoluta impunidade e apoio dos próprios familiares do autor.
Mestre em técnicas ilusionistas como hipnose e leitura fria, Chico Xavier está mais para um fenômeno perverso de neurolinguística do que para um benevolente símbolo de mediunidade e filantropia. Isso é fato, mas, quando se trata de um ídolo religioso, não há convicções. Vide Deltan Dallagnol e seus esquemas toscos de Power Point.
Ele manipulou os familiares de Humberto de Campos se valendo de sua aparência de "humildade" e "fragilidade", como um caipira esperto que inventa um drama para obter fiado do vendedor de um armazém, bastando apenas caprichar no coitadismo. Como mineiro, Chico Xavier foi o que mais "comeu quieto" para alcançar tudo no seu arrivismo religioso. Há quem pense que ele é até "cientista", pasmem todos!
Com a mãe, Ana de Campos Veras, Chico Xavier a seduziu explorando seu ponto fraco de mãe saudosa do filho morto. Com o filho, o cético Humberto de Campos Filho, falsas cartas de Humberto de Campos caprichando no tom paternal e um convite para ir a um "centro espírita" em Uberaba, assistir a uma doutrinária e ver senhoras cozinhando sopas e um idoso doente de comportamento abobalhado.
São manipulações da mente humana, para os quais os brasileiros se tornam bastante vulneráveis. Só no Brasil há uma ojeriza, uma raiva contra a capacidade de raciocinar e questionar as coisas, de exigir lógica, transparência, coerência.
Sob a tentação do deslumbramento religioso, tão perigosa quanto as piores orgias sexuais e entoxicantes, criam-se barbaridades como acreditar que "o amor está acima da lógica" e que se pode usar até falsidade ideológica para transmitir "recados de fraternidade" e "mensagens de amor". Aqui "amor" e "bondade" podem ser cúmplices de tantas mentiras e falsidades!
E essa ilusão religiosa torna-se terrível, criando nos seus ídolos uma ilusão de superioridade que equivale à arrogância dos ricos mais levianos. É como se os "espíritas" tivessem uma fortuna invisível e possuíssem gozos mundanos imaginários, tesouros que não existem nos níqueis da Terra, mas se encontram em "paraísos fiscais" criados em "colônias espirituais", riquezas fictícias porque não materiais, e nem por isso menos levianas ou menos traiçoeiras.
Quantos "espíritas", tão iludidos com seu revestimento de "boas energias", que escondem um perverso moralismo religioso ultraconservador, calcado na herança medieval do Catolicismo jesuíta do Brasil colonial (a verdadeira base doutrinária do "movimento espírita"), sonham com solenidades no mundo espiritual, sem perceber o choque violento que sofrerão e que os jogarão para um lugar que eles entendem como o "umbral"!
Imaginamos Divaldo Franco, já no fim da vida, acreditando ingenuamente que voltará à "pátria espiritual" sob uma cerimônia imponente, com as autoridades do Universo lhe oferecendo medalhas e diplomas, corais de anjos entoando cantigas de amor e paz, autoridades discursando sobre a obra do "médium" e Jesus Cristo dando como encerrada a reunião, chamando o baiano para se deslocar para o banquete eterno dos puros.
Quanta ilusão. Sobretudo vinda de um "médium" que cometeu o agravante de transmitir para o resto do mundo o que Chico Xavier transmitiu em território nacional, as deturpações violentas da Doutrina Espírita, crescendo a erva daninha do roustanguismo enrustido, fazendo as pessoas desprezarem os alertas do espírito Erasto sobre os inimigos internos do Espiritismo, inimigos estes que dominaram tanto a Doutrina que se julgam agora seus donos e seus "melhores representantes".
Só a defesa de uma palhaçada chamada "crianças-índigo" que, pelo seu sensacionalismo mercenário, custou o divórcio do casal que desenvolveu essa farsa, já revela o equívoco do pseudo-sábio Divaldo, o "maior filantropo do Brasil" que não ajudou 0,1 % da população de Salvador e, quanto mais, do país inteiro.
A ilusão religiosa que protege esses ídolos, que usa a desculpa de que "pelo menos eles ajudaram muita gente" (sem, no entanto, esclarecer como e se realmente ajudaram), é muito mais leviana do que mil orgias, e é uma ilusão que cria um sensualismo sem sexo, uma ganância sem bens materiais, uma vaidade travestida de simplicidade, um arrivismo socialmente aceito e que, por isso mesmo, traz consequências muito mais chocantes para quem vive dessa ilusão.
Daí que os seguidores de Chico Xavier demonstram completa fúria e desespero descomunal quando são contrariados. Uns até disfarçam com um discurso "benevolente" que mais parece ironia, enquanto os corações explodem de profundo rancor e desequilíbrio espiritual, de gente que se diz "iluminada", "desapegada" e "desobsediada", mas demonstra ser o extremo oposto disso tudo.
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