segunda-feira, 10 de agosto de 2015

"Espiritismo" e os "trotes telefônicos do lado de lá"


O "espiritismo" brasileiro se tornou a pior religião do país pelo fato de que, como define o alerta de Jesus de que "muito se exigirá para quem muito lhe foi dado" (presente no Evangelho de Lucas, capítulo 12, versículo 48), se autoproclamava de vanguarda moral-intelectual mas ficou preso a práticas e abordagens tipicamente medievais.

As práticas mediúnicas e a abordagem da vida espiritual se tornaram bagunçadas como praticamente tudo na doutrina, que inicialmente defendia abertamente Jean-Baptiste Roustaing em detrimento de Allan Kardec, mas depois apostou num confuso "roustanguismo com Kardec" e "kardecismo com Chico Xavier".

A partir dessas posturas, foi produzida uma bibliografia irregular, sobretudo a associada a Chico Xavier, produzida em "quantidades industriais" e nem sempre com a participação do anti-médium mineiro - difícil ele, com seus compromissos de verdadeiro popstar, produzir uma quantidade estimada de 15 a 20 livros por ano - , no qual o pensamento de Kardec simplesmente foi traído.

Criou-se um sistema que, a pretexto de "aprofundar", "ampliar" e "atualizar" os ensinamentos de Kardec, rompia completamente com sua linha de pensamento e empastelava com o Controle Universal do Ensino dos Espíritos, critério cuidadosamente sistematizado pelo pedagogo francês para a avaliação de supostas comunicações espirituais.

O que se observou no "espiritismo" foi uma série de brincadeiras perniciosas. Traiu-se Kardec em praticamente tudo, mas os líderes "espíritas", que se contradizem o tempo todo, fizeram todas essas barbaridades sob a alegação de "rigorosa fidelidade ao Codificador e sua linha de pensamento".

De vez em quando, aparecem até alguns "cavaleiros da esperança", da sombra de polêmicas diversas, pretensos "heróis do Espiritismo" dissimulando suas posturas igrejistas prometendo "sábia defesa da verdadeira doutrina de Kardec", seja ele um Rino Curti, um Alamar Régis Carvalho ou um Orson Peter Carrara.

E aí o receituário confuso de Chico Xavier e seus seguidores faz com que a doutrina de Kardec seja ainda mais desprezada, deturpada, empastelada e, no fim, destruída, justamente por aqueles que juram de joelhos a "mais absoluta e rigorosa fidelidade". E usam até Erasto para se defenderem, quando Erasto justamente os identificava entre os maliciosos mistificadores no seu famoso alerta.

A "NÃO-EVOCAÇÃO" DOS ESPÍRITOS

A evocação dos espíritos é um dos recursos deturpados pelo "espiritismo à brasileira" que se vê por aí. Além das conhecidas fraudes mediúnicas, que envolvem famosos e não-famosos em mensagens geralmente produzidas pelos próprios supostos médiuns e carregadas de panfletarismo religioso, ela se apoia numa estranha tese lançada pelo esperto Emmanuel.

No livro O Consolador, de 1941, em que Emmanuel despeja até opiniões abertamente machistas - irônico, ele recomandava às mulheres que exercessem seu feminismo "dentro do lar" e "através da prece" - , o padre jesuíta dava seu parecer sobre a evocação dos espíritos através de duas perguntas.

368 - Nos agrupamentos espíritas devemos provocar, de algum modo, essa ou aquela manifestação do Além?

- Nas reuniões doutrinárias, acima de todas expressões fenomênicas, devem prevalecer a sinceridade e a aplicação individuais, no estudo das leis morais que regem o intercâmbio entre o planeta e as esferas do invisível. De modo algum se deverá provocar as manifestações mediúnicas, cuja legitimidade reside nas suas características de espontaneidade, mesmo porque o programa espiritual das sessões está com os mentores que as orientam do plano invisível, exigindo-se de cada estudioso a mais elevada percentagem de esforço próprio na aquisição do conhecimento, porquanto o plano espiritual distribuirá sempre, de acordo com as necessidades e os méritos de cada um. Forçar o fenômeno mediúnico é tisnar uma fonte de água pura com a vasa das paixões egoísticas da Terra, ou com as suas injustificáveis inquietações.

369 – É aconselhável a evocação direta de determinados Espíritos?

Não somos dos que aconselham a evocação direta e pessoal, em caso algum. Se essa evocação é passível de êxito, sua exequibilidade somente pode ser examinada no plano espiritual. Daí a necessidade de sermos espontâneos, porquanto, no complexo dos fenômenos espiríticos, a solução de muitas incógnitas espera o avanço moral dos aprendizes sinceros da Doutrina. O estudioso bem-­intencionado, portanto, deve pedir sem exigir, orar sem reclamar, observar sem pressa, considerando que a esfera espiritual lhe conhece os méritos e retribuirá os seus esforços de acordo com a necessidade de sua posição evolutiva e segundo o merecimento do seu coração. Podereis objetar que Allan Kardec se interessou pela evocação direta, procedendo a realizações dessa natureza, mas precisamos ponderar, no seu esforço, a tarefa excepcional do Codificador, aliada à necessidade de méritos ainda distantes da esfera de atividade dos aprendizes comuns.

Alegava Emmanuel que a evocação dos espíritos seria "forçar a barra" e "comprometeria a espontaneidade" das comunicações. Ele tentou discriminar a postura de Kardec como se fosse mera "especialização", consciente da postura divergente trazida pelo pedagogo francês num trecho de O Livro dos Médiuns:

269. Os Espíritos podem comunicar-se espontaneamente ou atender ao nosso apelo, isto é, ser evocados. Algumas pessoas acham que não devemos evocar nenhum Espírito, sendo preferível esperar o que quiser comunicar-se. Entendem que chamando determinado Espírito não temos a certeza de que é ele que se apresenta, enquanto o que vem espontaneamente, por sua própria iniciativa, prova melhor a sua identidade, pois revela assim o desejo de conversar conosco. Ao nosso ver, isso é um erro. Primeiramente porque estamos sempre rodeados de Espíritos, na maioria das vezes inferiores, que anseiam por se comunicar. Em segundo lugar, e ainda por essa mesma razão, não chamar nenhum em particular é abrir a porta a todos os que querem entrar. Não dar a palavra a ninguém numa assembléia é deixá-la livre a todos, e bem sabemos o que disso resulta. O apelo direto a determinado Espírito estabelece um laço entre ele e nós: o chamamos por nossa vontade e assim opomos uma espécie de barreira aos intrusos. Sem o apelo direto um Espírito muitas vezes não teria nenhum motivo para vir até nós, se não for um nosso Espírito familiar.

Essas duas maneiras de agir têm as suas vantagens e só haveria inconveniente na exclusão de uma delas. As comunicações espontâneas não têm nenhum inconveniente quando controlamos os Espíritos e temos a certeza de não deixar que os maus venham a dominar. Então é quase sempre conveniente aguardar a boa vontade dos que desejam manifestar-se, pois o pensamento deles não sofre, dessa maneira, nenhum constrangimento e podemos obter comunicações admiráveis, enquanto o Espírito evocado pode não estar disposto a falar ou não ser capaz de o fazer no sentido que desejamos. Aliás, o exame escrupuloso que aconselhamos é uma garantia contra as más comunicações.

Nas reuniões regulares, sobretudo quando se desenvolve um trabalho sequente, há sempre Espíritos que as frequentam sem que precisemos chamá-los, pela simples razão de já estarem prevenidos da regularidade das sessões. Manifestam-se quase sempre espontaneamente para tratar de algum assunto, desenvolver um tema ou dar uma orientação. Nesses casos é fácil reconhecê-los, seja pela linguagem que é sempre a mesma, seja pela escrita ou por certos hábitos peculiares.

Só que Emmanuel contradiz o tempo todo. E quem imagina que Chico Xavier foi "manipulado", é bom prestar atenção no orgulho que o anti-médium tanto falava dessa ideia, a ponto de lançar a metáfora de que o "telefone só toca do lado de lá", bastante famosa em sua biografia.

Emmanuel condenava a evocação dos espíritos, mas desconhece que, mesmo na sua tese, a evocação se manifesta na simples ânsia de quem espera por uma comunicação espiritual. Vide os familiares que buscavam mensagens de parentes mortos por intermédio de supostos médiuns, a partir do próprio Chico Xavier.

Mas aí a evocação é sem controle e sem vigilância. É até pior, porque não havendo evocação proposital, também não há determinação de que espírito pode ser evocado. E o que se observa de falsos Renato Russo, Cássia Eller e Raul Seixas que divulgam mensagens de insano panfletarismo religioso, impróprio de suas personalidades, é de assustar.

A evocação, aliada à falta de concentração que impede a quase totalidade dos "médiuns" de receber espíritos do além, faz com que muitas fraudes sejam feitas, algumas delas ditadas por espíritos zombeteiros que se passam pelos entes queridos ou por gente famosa, se passando por bondosos sofredores e fazendo mera propaganda religiosa.

As portas ficam escancaradas para os "trotes telefônicos do lado de lá", e eles são inúmeros e atingiram até gente "insuspeita", mesmo Divaldo Franco, Nelson Moraes, e um José Medrado com seus pastiches de pinturas. Toda essa bagunça "mediúnica", em maioria vergonhosa, é até hoje lançada e relançada como se fosse coisa séria, como se fosse mediunidade verídica e rigorosa.

Daí a decadência do "espiritismo". Daí as traições permanentes e cruéis que atingem a doutrina de Allan Kardec, de forma violenta, e cometida justamente por aqueles que juram a mais absoluta fidelidade à trajetória e ao pensamento do mestre lionês.

Citando Erasto, esses "espíritas autênticos" desconhecem que são justamente eles os piores inimigos da Doutrina Espírita, aqueles que se carregam de teses mistificadoras e palavras amorosas, para seduzir os incautos e dominá-los. Segundo Erasto, os piores inimigos estavam dentro da Doutrina Espírita e são justamente aqueles que se dizem "fiéis a Allan Kardec".

Infelizmente, os "trotes" dos lados de cá e lá funcionaram, num país confuso como o Brasil.

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