terça-feira, 9 de junho de 2015

O Brasil tem como vício apegar-se aos retrocessos


Somos urubus? O apego que os brasileiros têm aos retrocessos que acontecem nas últimas quatro décadas, retomando uma "tradição" trazida pelos degredados, torna-se um fenômeno muito estranho que insiste em permanecer no país.

É sempre aquela história. Acontece um determinado retrocesso, as pessoas em primeiro momento reagem, o retrocesso ameaça ser revertido ou chega ao ponto disso, mas, depois, ele volta porque uma "panela" (grupo restrito) de indivíduos se esforça em conjunto para retomar o retrocesso e ele volta com toda a força, talvez até sem a oposição organizada de antes.

Na mobilidade urbana, na política, na sociedade, nos meios de comunicação, tudo isso mostrou casos de muitos retrocessos que parecem seguir, como um cão que corre atrás do próprio rabo, um círculo vicioso da mediocridade e da redução dos direitos para o "bem" do "desenvolvimento sócio-econômico".

Essa onda de retrocessos que vem e depois vão e voltam foi puxada pela ditadura militar. Instaurada em 01 de abril de 1964 (apesar da data oficial atribuir ao dia anterior, para evitar trocadilhos com o Dia da Mentira), a ditadura militar chegou a sofrer uma grande oposição popular entre 1966 e 1968, mas se renovou com o AI-5 e só "morreu pelo cansaço" em 1985.

Os crimes violentos que geram impunidade, os escândalos de corrupção que terminam sem condenação, tudo isso mostra o quanto uma parcela de brasileiros comete erros graves, causa prejuízos, e ainda tem a chance de dar a volta por cima e tornar a sua "má causa" de alguma forma permanente.

Os arbítrios dos meios de comunicação e da indústria cultural também fazem das suas. A cultura popular brasileira passou por um grande período de decadência, a chamada "bregalização", depois de um período fértil da MPB dos anos 1960.

O brega, que trata o povo pobre de maneira caricatural e se consiste numa "cultura" de baixo custo, não só musical mas também comportamental, que gera grandes lucros. Reações tiveram para evitar sua supremacia, como o Rock Brasil dos anos 1980 e a cena emepebista de 1992-1993, mas a bregalização retornou fazendo o povo pobre virar pastiche de si mesmo.

O impopular modelo de sistema de ônibus do Rio de Janeiro, marcado pela encampação do governo Leonel Brizola em 1985, tentou voltar nos anos 1990 com os planos de "reformulação" de Marcelo Alencar e Luiz Paulo Conde, visando o poder concentrado das Secretarias de Transporte. Com recuos no fim dos anos 1980 e no começo dos anos 2000, e agora foi imposto "pra valer" por Eduardo Paes em 2010.

O pastiche de "rádio rock" da Rádio Cidade (sem tradição, sem vocação e sem vínculo real com a cultura rock) já teve seu primeiro ensaio em 1985, mais tímido, mas depois, em 1995, passou a ser mais assumido e, em 2014, tido como "definitivo", sempre com a mesma incompetência e com o desempenho até piorando a cada temporada.

A Cidade, que se consagrou surgindo em 1977 como rádio de pop dançante, perfil do qual construiu seu prestígio e sucesso original, até fez recuos em 1988, 1998 e 2006, mas voltou porque uma "panela" de ouvintes se mobiliza de forma agressiva (fazendo até trotes telefônicos e usando fakes) para fazer a rádio retornar ao desempenho "roqueiro", desastrado, sem pessoal especializado e com locutores que parecem terem "sobrado" das demandas das FMs pop e brega.

As pessoas têm uma luta tremenda para conquistar os direitos e, no âmbito geral, ameaças aos direitos dos trabalhadores surgem como a Terceirização e o Fator Previdenciário, que, juntos, farão as classes trabalhadoras voltarem aos tempos primários da Revolução Industrial, até mesclados com os vestígios de escravidão que ainda resistem no interior do país, desafiando a já duvidosa validade da Lei Áurea tão festejada pelos "iluminados espíritas".

A qualidade de vida baixa, as pessoas reagem, os retrocessos recuam mas, tempos depois, eles voltam, permanecem, e as pessoas não só têm que aceitar como têm que aplaudir, sob pena de encontrar reacionários despejando pesadas ofensas (para não dizer ameaças piores) na Internet.

Até os feminicidas, não fosse a lei que hoje define o feminicídio como crime hediondo, teriam alcançado não só a impunidade legal, mas a impunidade social, com vários deles prometendo ser "caras legais". E, infelizmente, feminicidas ainda levam a melhor nas conquistas amorosas. Sabem iniciar um namoro, só não sabem aceitar seu fim.

Até Fernando Collor de Mello, o canhestro presidente da República que confiscou as poupanças dos brasileiros, depois de um tempo sem poder exercer direitos políticos, voltou à carreira política para ser eleito senador da República sob os braços da mídia "independente" e aplaudido até pelos antigos opositores. O retrocesso em pessoa chegou a sumir, ressurgiu, reascendeu e agora "não larga mais o osso".

E no "movimento espírita", então, em que o mito de Chico Xavier encontrou graves crises, por conta das atividades irregulares do anti-médium mineiro, que nunca foi um espírita de verdade, mas que foi favorecido a passar por cima de todos os protestos para ser o "dono" da Doutrina Espírita no Brasil.

Por que os brasileiros se apegam em tantos retrocessos, seja embarcando em ônibus com pintura padronizada e motorista cobrando passagens, ouvindo "rádios rock" com locução pop e repertório "só sucesso", ou apreciando a "cultura popular" de patéticas mulheres siliconadas e mendigos bêbados se portando como débeis mentais, e tudo isso ganhando "salário de fome" e pagando o INSS até o fim da velhice, sem viver para ter sua aposentadoria?

Por que se tem que aturar tantos e tantos retrocessos, nos acostumando mal a eles, feito urubus sobre montes de lixo, fingindo que tudo está bem - sobretudo quando se está brincando com os smartphones só para ver bobagens nas mídias sociais - , nos apegando ao pior sob a desculpa de que eles "atendem ao básico" ou "garantirão algum progresso futuro"?

Não há uma reação de oposição permanente, enquanto, no outro lado, mesmo quando o retrocesso ameaça desaparecer para sempre, há um movimento organizado para resgatá-lo. Uma ideia é nociva, mas beneficia uma minoria de pessoas, que a institui, encontra reação adversa, suspende essa ideia, mas deixa o tempo passar e a retoma com força, até de forma definitiva, para nosso desespero.

Esse apego aos retrocessos é visto equivocadamente pelas pessoas como forma de garantir "benefícios" realistas, mesmo através de graves prejuízos. Inventam que teremos "benefícios permanentes" no futuro, bastando aceitar paliativos e medidas "pragmáticas" e aguentar todo tipo de transtorno.

Achamos que aceitar esses retrocessos é sinal de modéstia, de realismo, de paciência, de humildade e outros sentimentos dotados de algum "meio-termo", quando na verdade nos entregamos a todo tipo de prejuízo, sacrificando até mesmo as necessidades mais básicas, porque essa conversa de "atender ao básico" se enrola até que deixemos de ter até o mais básico, porque, como se diz por aí, de básico em básico tudo fica abaixo do básico.

Precarizamos a vida nos apegando aos retrocessos sob a ilusão de um realismo que parece fácil de suportar, mas que depois cobra seu preço caro com tantos absurdos e desastres. A crise vivida pelo Brasil é um reflexo disso, pois, achando que podemos aguentar qualquer "pequeno transtorno", acabamos fazendo nossas ruínas aos poucos. Daqui a pouco, vamos ter que pagar até para respirar.

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