ANTES DE SE TORNAR PRESIDENTE DA CÂMARA FEDERAL, EDUARDO CUNHA ERA UM POUCO EXPRESSIVO POLÍTICO CARIOCA.
A preocupante atuação de Eduardo Cunha, dedicado às mais diversas bandeiras conservadoras e antipopulares, que vão da terceirização do mercado de trabalho ao combate à "cristofobia" que torna crime qualquer crítica à religião, passando agora por rumores de que quer criar uma Constituição Federal para o sabor de suas convicções pessoais, é o retrato do Rio de Janeiro de hoje.
Um Rio de Janeiro tomado pelo surto provinciano, ultraconservador e reacionário nos últimos anos, que se reflete até mesmo às minorias de internautas que defendem o "estabelecido" e combinam entre si para humilhar e depreciar aqueles que discordam das arbitrariedades existentes associadas à mídia, à política, ao empresariado e à tecnocracia.
É só alguém discordar de alguma coisa, podendo ser a gíria "balada" (jargão que os barões da mídia, através de Luciano Huck, lançaram como sinônimo de "curtição à noite"), os ônibus com pintura padronizada ou a privatização do Galeão, que sua página de mensagens, petição ou fórum de Internet são invadidos de mensagens zombeteiras, parte de uma reação furiosa que depois culmina em blogues de ofensas e calúnias.
Até o fanatismo pelo futebol atinge graus totalitários. Muitas pessoas condicionam as amizades com a obrigatoriedade de não apenas gostar de futebol, como de torcer pelos quatro principais times cariocas (Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo), num contexto em que Eurico Miranda voltou em alta como um dos poderosos chefões da modalidade esportiva.
O reacionarismo existente no Rio de Janeiro nos últimos anos, e que expressa um antes inimaginável provincianismo, é algo pior do que a Bahia de Antônio Carlos Magalhães e cujo aspecto ultraconservador causaria pavor até numa figura como o ex-governador da Guanabara, jornalista Carlos Lacerda.
Lacerda, o violento orador anti-trabalhista, figura destacada da antiga UDN, como governador da Guanabara (o antigo município do RJ era uma Cidade-Estado e Niterói era capital fluminense), mas teve uma atuação equilibrada e surpreendentemente progressista, em que pesem rumores de que ele teria mandado exterminar mendigos e jogá-las nos rios que cortam a Cidade Maravilhosa.
O sistema de transporte coletivo de Carlos Lacerda, por exemplo, era de uma racionalidade e uma funcionalidade admiráveis, não precisando apelar para pintura padronizada nem para outras arbitrariedades. Ele fez reordenar o número das linhas, melhorou a distribuição de trajetos e transformou lotações em empresas de ônibus, num esquema que, em que pesem defeitos, fazia do Rio de Janeiro uma referência para o país.
Já Eduardo Paes investiu em mudanças que só pioraram as coisas, inspirado no projeto ditatorial de Jaime Lerner e executados sem a consulta popular, através de figuras tendenciosas como Alexandre Sansão e Carlos Roberto Osório, todos ligados ao grupo político do PMDB carioca, ao lado de Sérgio Cabral Filho, Luiz Fernando Pezão e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.
É uma conduta autoritária que, em nome da lei e do interesse público, contraria os dois. Eduardo Paes "rasgou" a Lei de Licitações para empurrar a pintura padronizada nos ônibus e ainda humilhou os portugueses por adotar esta medida para "tirar o aspecto de azeite português" nas empresas de ônibus. Só esta medida contrariou artigos da Lei de Licitações e do Código de Defesa do Consumidor, entre outras infrações.
Eduardo Cunha, que é evangélico, age sozinho como se fosse a pior força de oposição ao PT, curiosamente o partido-aliado do PMDB, partido do deputado. Cunha vai onde o PSDB, a principal força de oposição ao PT, não se encoraja em seguir. Por conta disso, Cunha também é afeito a atropelar a lei para defender suas convicções pessoais.
Suas propostas para precarizar o mercado de trabalho com a "terceirização", para reduzir a maioridade penal que só tornará a violência mais complicada (já que os menores que praticam crimes se inspiram no "mundo adulto", este o culpado pela incitação ao crime) e transformar qualquer crítica a símbolos religiosos no "crime hediondo" da "cristofobia", já revelam o caráter autoritário e retrógrado de Cunha.
Ele ainda tenta defender o fator previdenciário, que é um cálculo da contribuição do INSS feito a pretexto de evitar aposentadorias precoces, mas que na prática obriga as pessoas a trabalharem até o fim da vida, mesmo durante a velhice.
Além do mais, surgem rumores de que ele estaria articulando uma nova Constituinte, com seu projeto de reforma política e outras mudanças constitucionais, várias delas retrógradas em relação às muitas conquistas sociais trazidas pela Constituição Federal de 1988, hoje vigente.
Isso revela o "espírito" de um Estado que ainda tem um Jair Bolsonaro como ídolo e ainda aposta nas baixarias do "funk" como uma "monocultura" que arrogantemente quer tirar do mapa cultural carioca o samba e a Bossa Nova, exercendo um monopólio similar ao da hoje decadente axé-music, que cresceu na Bahia sob o patrocínio de Antônio Carlos Magalhães.
O Rio de Janeiro é o Estado que tenta se impor como referência para o Brasil, impondo seus piores valores e procedimentos, ditando normas para setores que variam do entretenimento à mobilidade urbana. Até o "feminismo de resultados" de Valesca Popozuda, vinculada a estereótipos machistas de sensualidade feminina, o Rio de Janeiro tenta empurrar para o mundo.
Daí o preocupante provincianismo carioca e fluminense que são um alerta para o país. Uma onda de valores e procedimentos que fazem o Estado do Rio de Janeiro parecer com regiões coronelistas, justamente numa época em que o Nordeste começa a despertar contra cenários semelhantes.
É algo que parece inexplicável que o Rio de Janeiro, que parecia ser a "Paris tropical", sofrer surtos de reacionarismo e provincianismo com a intensidade antes inimaginável, desafiando historiadores e sociólogos que deveriam analisar a fundo as raízes dessa situação estranha que faz o célebre Estado do Sudeste se equiparar aos mais retrógrados rincões do Norte brasileiro, sobretudo através de um dos chefes do Poder Legislativo nacional.
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