quinta-feira, 4 de junho de 2015

Casamento como a celebração de uma "solidão a dois"


A vida moderna mostra, sobretudo no âmbito das celebridades, o caráter de "solidão a dois" que se esconde na solidez forçada de certas relações conjugais. As conveniências sociais, o medo da solidão e o medo de traumatizar filhos e desagradar amigos com a hipótese de divórcio.

O Brasil é ainda um cenário mais complicado para essa situação, porque o "senso comum" estimula mesmo que casais sejam unidos sem afinidade. Existe a utopia de que as diferenças extremas se resolveriam, embora o alto risco de feminicídios conjugais seja o efeito colateral desse "remédio" das uniões forçadas.

Enquanto isso, a ideologia dominante mostra que os casais afins são vistos de forma pejorativa, como se fossem "grudes", ideia que é absurda, mas é defendida, até com certo radicalismo, por boa parte da população.

Para essa parcela da sociedade, é justamente a falta de afinidades de um casal que constitui num atrativo, até mesmo voluptuoso, que deixa as pessoas felizes, na sua vaidade de ver que pessoas com diferenças inconciliáveis se "esforçam" para permanecerem "juntas".

Nos EUA, por mais que também haja o costume de "carregar casamentos", pelo menos se permite socialmente que aconteçam divórcios por "diferenças irreconciliáveis", como se observam nos noticiários sobre famosos mundialmente difundidos na Internet.

Mas aqui as "diferenças irreconciliáveis" tentam ser conciliadas, e terapias de casal das mais complicadas são feitas para realizar o irrealizável, sendo concluídas sem obter o resultado desejado, mas fingindo tê-lo alcançado, diante das promessas do casal de "resolver as sérias diferenças" de então em diante. E não conseguem.

É o caso, por exemplo, de uma geração de empresários, médicos, advogados, economistas, engenheiros e políticos, em boa parte nascidos na primeira metade nos anos 1950, que, depois de dois ou mais casamentos fracassados, mantém as atuais relações com mulheres entre 15 e 30 anos mais jovens.

O grande problema é que esses homens, apesar das esposas bem mais jovens, não fazem um mínimo esforço de se adaptar à personalidade delas. Pelo contrário, reagem se comportando como se fossem mais velhos do que realmente são, baseados em estereótipos de homens grisalhos que eles viram há 40 anos nos seriados de TV ou nos anúncios publicitários de revistas da época.

Relações assim se tornam o mais típico exemplo das aberrantes diferenças conjugais, da força hercúlea de aguentar grandes divergências, e até aumentá-las sem a menor necessidade, até porque é constrangedor que homens na casa dos 60 anos de idade, maridos de mulheres de 40, se comportem como se eles já tivessem se tornado idosos há muito tempo, apesar de ter havido gente mais idosa e muito mais jovial como os já falecidos Millôr Fernandes e Ezequiel Neves.

MACHISMO ESTRANHO, FEMINISMO ESQUISITO

O que se observa também na natureza das relações conjugais é uma espécie de "pacto social" movido pelo machismo, em que, simbolicamente, a mulher que decide se emancipar e se aprimorar culturalmente é justamente aquela que deve estar vinculada à figura de um marido mais poderoso e influente.

Aquela mulher capaz de expressar opiniões próprias, ter um gosto musical relevante, não se submeter a modismos nem apelar para uma sensualidade obsessiva e caricata, escolhendo o momento certo para ser discretamente sensual sem "mostrar demais", normalmente é sempre vinculada a um casamento com um homem influente, principalmente se ele é empresário ou, pelo menos, uns quatro ou cinco anos mais velho.

Já a mulher que comete gafes e "mostra demais", chegando mesmo a usar blusas curtíssimas - os chamados tops - e calças justíssimas que apertam nos glúteos e coxas, e cujas declarações na imprensa se limitam a assuntos de natureza sexual ou derivada disso, são justamente as que tendem, pelo sistema de valores em que vivemos, a permanecer solitárias e se afirmarem sem a aparente companhia conjugal de um homem.

Isso chega a ser um grande contraste. E, o que é mais absurdo, mulheres que possuem uma aparência estética considerada mais modesta tendem a se casar com homens dotados de algum poder, e mulheres com beleza estética considerada do padrão e que possuem um corpo mais "avantajado", quando não são "celibatárias", parecem "disponíveis" apenas para homens de perfil mais modesto.

As mulheres que cumprem seus ideais de emancipação e podem se virar na vida sem cometer gafes nem se submeter a apelos grotescos acabam, dentro de um sistema de valores que, no Brasil, ainda mantém conceitos machistas, vinculadas ao "poder moderador" de um marido, geralmente empresário, mas que pode ser, pelo menos, um médico de grande prestígio social.

Já as mulheres que seguem os estereótipos machistas de "mulher atraente", da mulher-objeto ao mesmo tempo estúpida e apelativa, parecem "condenadas" à solidão e, quando engatam namoros, chegam mesmo a romper a relação em um prazo de até mesmo cinco dias, embora constantemente nem cheguem a isso.

O que isso quer dizer? A mulher que não quer seguir o papel que o machismo determina para ela precisa ter uma emancipação controlada pela figura do marido poderoso ou mais velho, sob cuja "sombra" a mulher se "abriga" na sua independência financiada pela influência marital?

E a que segue rigorosamente a cartilha machista, seja da mulher-objeto estúpida, ou seja da "coitadinha" discreta mas submissa e alienada, que vai para a plateia de eventos de "pagode romântico" ou "forró eletrônico", por exemplo, ela não precisa da "sombra" de um marido.

Será porque a reminiscência de valores machistas - isso apesar do machismo decadente, do feminicídio considerado crime hediondo e por Doca Street e Pimenta Neves, pelas suas idades, estiverem a uns passos do cemitério - ainda influi na imagem da mulher como uma "potranca" que precisa ser domada?

Isso influi nos desequilíbrios conjugais. Afinal, a "potranca" que o machismo dispensa de ser domada é aquela que segue os estereótipos machistas da "boazuda" estúpida que odeia machões ou da "coitadinha" brega que brinca de namoro com o afilhado. Já a mulher realmente emancipada é aquela que "precisa" ser domada por um homem, de preferência dotado de poder e prestígio.

DESEQUILÍBRIOS CONJUGAIS

Isso influi nas relações sociais e aumenta ainda mais as diferenças e desigualdades extremas. Infelizmente casais afins são muitíssimos raros, e além disso discriminados, sofrendo o preconceito de ainda se comportarem como jovens namorados depois de tantos anos de casamento, ridicularizados porque mantém o mesmo carinho de quando deram o primeiro beijo.

Enquanto isso, o "normal" é ver casais se dividindo de um lado e de outro. É a apresentadora de TV de perfil alternativo, viajando ao longe e aparecendo quase sempre sozinha, que até suas aparições com o marido parecem surpreender, não a seus amigos e familiares, mas a nós, acostumados de ver a moça andando "solta por aí".

Ou a atriz de 41 anos aprendendo surfe enquanto seu marido empresário de 62 anos age como se estivesse perguntando para si mesmo se ele, tendo nascido nos anos 1950, viveu o apogeu do luxo e do refinamento elitista dos anos 1940.

Enquanto isso, os nerds que procuram mulheres diferenciadas só têm a seu acesso as "coitadas" bregas que os assediam sem perceber a falta de afinidades que possuem. "Do lado de baixo" também se estimulam as formações conjugais sem afinidades, como se as diferenças inconciliáveis podem ser conciliadas num passe de mágica.

Há até o ditado "os opostos se atraem" que é de uma hipocrisia extrema. Afinal, fazer analogia com prótons e elétrons não faz sentido nas relações conjugais, e o que se observa é que uma considerável parcela de casais é dissolvida tragicamente pelo feminicídio, no caso extremo de forçar a união de casais sem afinidade.

Esses desequilíbrios conjugais ocorrem porque o sentido politicamente correto da "superação das diferenças", fantasiado pelos fanáticos pelas divergências conjugais, não consegue esconder a dura realidade dos casais sem afinidade cuja rotina estimula a solidão a dois de cônjuges que se comportam como verdadeiros estranhos, mas que "precisam" manter a relação, de preferência, pelo resto da vida.

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