segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Mediunidade ficou desmoralizada no Brasil


O fenômeno da mediunidade, no Brasil, ficou desmoralizado, na medida em que se recusou a adotar o rigor e a cautela recomendados pelo codificador espírita Allan Kardec, que não era médium, mas havia escrito um excelente receituário chamado Livro dos Médiuns.

Com a farra causada pela roustanguista Federação "Espírita" Brasileira, que na prática é uma espécie de partido político dos espiritólicos, o fenômeno de comunicar-se com os espíritos do além virou uma coisa sem critério, sem o menor controle, em que certos escândalos vêm à tona mesmo quando abafados pelas lideranças espiritólicas.

Tudo ficou tendencioso. E isso não parte apenas dos chamados médiuns menos preparados, mas também do "maior deles", o mineiro Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier, ele mesmo movido pelas circunstâncias e agindo em prol da deturpação da Doutrina Espírita de Kardec.

Se Chico é o "discípulo" de Kardec, então ele cometeu traição. Logo entre seus primeiros trabalhos, como Parnaso de Além-Túmulo e Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, mostram indícios de que não teriam sido psicografados.

Os dois livros apontam falhas terríveis em relação ao que os presumidos autores espirituais produziram em vida. Queda de qualidade na expressão poética e prosaica, monopólio de temas "espiritualistas" independente de que natureza seja o autor atribuído, além de denúncias de que Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho teria sido na verdade uma edição reescrita de uma palestra de Leopoldo Machado em 1934.

Só a trajetória de Chico Xavier já permite analisar a mediunidade irregular que, a partir dele e depois de tantos outros, caraterizou o "espiritismo à brasileira". Chico teria sido médium, de fato, mas nem tudo de sua obra era mediúnico e boa parte do que realmente foi nem sempre foi confiável.

Há casos que a mediunidade acerta, tanto como processo - houve de fato a comunicação espiritual - , quanto pela provável identidade do espírito mensageiro. Mas, por incrível que pareça, são casos excepcionais diante de tantas irregularidades.

Em outros casos, a mediunidade existe, mas parte de espíritos zombeteiros que imitam alguns clichês conhecidos de espíritos ilustres ou de entes queridos que partiram, para se aproveitar da boa-fé das pessoas e da comoção popular para lançar mensagens piegas de suposta amabilidade.

Há também casos de "animismo", que é quando o espírito faz mediunidade de si mesmo, aproveitando sua imaginação fértil que o faz "transportar" para fora de si e se passar por qualquer pessoa, como se quisesse fazer uma encenação teatral para sua própria mente.

Casos assim Chico Xavier desempenhou, e é impossível que ele tenha produzido 100% do que é atribuído à sua mentalidade. Com os compromissos de verdadeiro popstar do Espiritolicismo, Xavier tinha que atender pessoas, ir a cerimônias, festas, receber prêmios, homenagens, fazer viagens etc, não tinha condições de psicografar as dezenas anuais de livros atribuídas a ele.

E se dois dos livros atribuídos à sua mediunidade são acusados de serem fraudulentos, uma antologia poética medíocre demais para ser fielmente atribuída aos autores citados, e um livro sobre "história do Brasil" com narrativa infantilizada demais para ser atribuída ao aristocrático, porém de alguma forma arrojado, Humberto de Campos, então dá para sentir o drama.

Boa parte desses trabalhos "mediúnicos" pode ser, na verdade, livros escritos pelo próprio médium, ou talvez por algum outro colaborador - Parnaso de Além-Túmulo teria sido escrito pelo sobrinho de Xavier, numa acumulação estranhamente gradual de poemas "espirituais" em cada edição - ou mesmo por uma equipe editorial da publicadora de tais obras.

Virou bagunça, porque não sabemos o que é verdadeiro e o que é falso. Aceitar tudo a pretexto da fé e do amor é uma coisa não só preguiçosa, mas, o que é grave, omissa e conformada com os erros cometidos por trás desse pretexto. Afinal, não se engana alguém por amor, é bom deixar-se claro.

Com essa bagunça toda, que parece ameaçar corromper os estudos de Trans-Comunicação Instrumental - tecnologia recente que usa veículos de comunicação para o contato com os falecidos - , a mediunidade saiu desmoralizada, desvinculada do rigor científico e entregue ao mais confuso e delirante misticismo, apoiado por dogmas moralistas de "fé, amor e caridade".

Isso dificulta bastante a oportunidade de algum médium sério chegar com uma comunicação relevante e consistente, porque o quadro está completamente bagunçado. Se prostituiu o processo mediúnico, que alguém que venha com um trabalho sério acaba se sentindo desestimulado.

As razões disso são porque a mediunidade bagunçada no Brasil, na medida em que é feita sem critério e ao bel-prazer da imaginação fértil de alguns pseudo-médiuns, de um lado, e da ação de espíritos farsantes, de outro, ameaçam a baixa reputação da mediunidade séria e honesta, pelo fato de que os leigos irão vincular este trabalho a outros mais desonestos, porém mais populares.

Daí que o verdadeiro médium, no Brasil, além de seguir as rigorosas recomendações de cautela e prudência dadas por Allan Kardec, precisa tomar muito cuidado para que a repercussão de seus trabalhos não seja associada erroneamente a outros de credibilidade duvidosa, ainda que bem sucedidos na sua repercussão.

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