domingo, 15 de dezembro de 2013
'O Filme dos Espíritos' nem de longe se inspirou em Allan Kardec
O cartaz do filme O Filme dos Espíritos, em direção dividida entre André Marouço e Miguel Dubret, investe imediatamente na propaganda enganosa: "Inspirado em O Livro dos Espíritos de Allan Kardec", como se tivesse sido uma adaptação em drama cinematográfico do livro do professor lionês.
No entanto, a história, embora tratasse de sofrimentos espirituais - num tom um tanto moralista e num ranço católico sutil - , nem de longe tem a ver com o ensinamento de cunho científico, filosófico e de verdadeira evolução moral do grande pedagogo, e até quem nunca viu o filme é capaz de cair na armadilha de criar uma falsa sinopse.
É muito fácil não ter visto O Filme dos Espíritos e montar uma resenha dele. É como um mau aluno de uma escola recorrendo ao trabalho de cópia para montar um texto escrito de várias páginas, sem saber direito o que é tal assunto e apelando para a enrolação para costurar trechos copiados de várias fontes e jogar uns argumentos malandros entre um e outro.
Imaginemos. "O filme trata de sofrimentos pessoais de um homem, que entra em contato com o Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, que responde a muitas questões de sua vida. O filme tem no elenco Nelson Xavier, que foi o médium Chico Xavier na biografia cinematográfica". Parece correto, mas é muito vago e impreciso.
Claro, o carinha que escreve uma resenha dessas vai enrolar, cheio de palavras "de amor", falando sobre existências passadas de forma superficial, sobre família, sobre depressão, tudo o mais. A enrolação fica por conta dos comentários malandros do redator: "Certa vez, cheguei tarde na escola, minha mãe me deixou de castigo e eu não gostei, mas depois aprendi que a moral espirit(ólic)a fala das questões do livre arbítrio".
Para professores despreparados, uma redação destas ganha uma nota dez. Mesmo sem o aluno ter visto um segundo sequer do filme, mas passado uma "linda lição de espiritualidade", essa água com açúcar verbal tão caraterística do Espiritolicismo, de tão viscoso e pegajoso que é.
Bom, a história cita apenas o drama de um psiquiatra, Bruno Alves, viúvo e angustiado, que ameaça se matar e recebe das mãos de um gari um exemplar velho do Livro dos Espíritos. Deve ser o da FEB, pelo jeito, mas não me lembro dos aspectos da capa do livro no filme.
É um cara meio deprê, visualmente parecido com o Marcelo Camelo de Los Hermanos, que procura um orientador espiritual, vivido por Nelson Xavier, conhece uma moça, arruma um emprego e depois fica legalzinho, legalzinho.
Não, nada de mesas girantes, nada de sons de batidas que parecem vindos do nada, e nada de experiências magnéticas com animais e pessoas, ou de relatos filosóficos sobre planetas, e nada de divagações de ordem antropológica, sociológica e ética sobre a evolução do espírito.
O filme apenas é um roteiro brasileiro de um drama comum. Nada de inspiração no livro de Kardec. Isso é propaganda barata para ver o filme. É como se eu criasse um roteiro de uma viagem de sacoleiros para o Paraguai e que, só porque a história se passa numa rodovia, eu dissesse que o filme é inspirado no livro On The Road, de Jack Kerouac.
Além disso, a impressão ligeira que se tem é que se trata de um filme católico. A linguagem é a mesma dos filmes católicos de longa-metragem, com todo aquele caráter piegas, paternalista, místico.
Outra impressão para o espectador comum é que o filme começa "Los Hermanos" - por conta do visual barbudão do protagonista - e termina CNBB. A imagem do espírito do personagem de Nelson Xavier passeando pela instituição "espírita" que ele cuidava é bem católica, na sua linguagem sentimental e no apelo espiritualista.
Portanto, do contrário que a publicidade do filme conta, O Filme dos Espíritos não se inspirou uma linha sequer na obra do professor lionês. O livro só é mencionado, parcialmente, em algumas passagens, mas isso não quer dizer que a história necessariamente se baseou no livro de Kardec. Pelo contrário, o livro mais pareceu um "figurante" do que o "protagonista" no filme.
A publicidade simplesmente se aproveitou e se autopromoveu, levianamente, do carisma do professor. Portanto, foi uma publicidade enganosa que se camufla pelo sentimentalismo para iludir as pessoas.
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