sábado, 21 de dezembro de 2013
A fixação dos espiritólicos pelo folhetim
O "espiritismo" brasileiro é ciência? Não. Filosofia? Muito menos. Moral? Nem tanto assim, vide as irregularidades que conhecemos. O "espiritismo" brasileiro, que nós fazemos por bem denominar Espiritolicismo, até pelo ranço que tem do catolicismo medieval remanescente na Era Moderna, se vale mais no espetáculo da pieguice do que de qualquer racionalidade científica.
O que chama a atenção em relação ao Espiritolicismo é a ênfase que se tem nos chamados romances psicografados, que os ditos "espíritas" não obstante dão mais preferência para ler do que os precisos mas "indigestos" livros de Allan Kardec, cuja tradução de José Herculano Pires é a única no Brasil que se submete à essência dos textos originais.
Muitos preferem ler romances "espíritas", achando que neles estão as lições práticas de convívio moral, de resolução dos problemas pessoais e na superação de conflitos e angústias da vida. No entanto, essas obras são carregadas da mais derramada pieguice aliada a um moralismo místico que é confundido com filosofia.
E por que existe essa fixação por essas verdadeiras novelas da espiritualidade que se carregam de moralismo, pieguice e uma desnecessária dramaticidade que intimida muito mais do que encoraja a viver?
Simples. O "espiritismo à brasileira" se carrega tanto dos valores moralistas e místicos, trazidos pelos últimos estágios do catolicismo medieval, que extrai dos tempos do Segundo Império um dos hábitos mais comuns do grande público na época: a leitura de folhetins.
Os folhetins eram os romances publicados aos poucos nas edições diárias dos jornais. Isso no século XIX, em cujo último quartel foi instaurado o Espiritolicismo no Brasil. Embora os romances "espíritas" sejam introduzidos tardiamente, sobretudo a partir da década de 1960 - quando uma nova forma de folhetim, a telenovela, se popularizava - , a herança do século XIX é notória.
É como se a espiritualidade que havia "guiado" os rumos da FEB - a roustanguista Federação "Espírita" Brasileira - por volta de 1884 se lembrassem, anos depois do Pacto Áureo (1949) que, com o advento da televisão (segundo semestre de 1950) e sua popularização,ao longo dos anos, que as novelas remetiam aos velhos folhetins do período imperial.
Que ler romances é até uma atividade saudável, isso é a mais pura verdade. Mas, no caso dos romances "espíritas", o grande problema está no pretexto supostamente "científico" e "filosófico" de tais mensagens, que só serve para respaldar o moralismo místico-religioso da maior parte de suas obras, de narrativa quase sempre piegas ou mesmo deprimente.
Junte-se a isso com o costume da crença "espírita" brasileira de glamourizar os mortos prematuros, sobretudo de boa aparência. O quanto nomes como Lauro Corona e Daniella Perez devem ter sofrido com a morbidez quase lasciva que o dito "espiritismo" tem com a imagem de belos rapazes e moças prematuramente falecidos e entregues ao "ajuste de contas" no além.
Mas, independente dessa adoração a jovens e belos cadáveres - Oscar Wilde que o diga - , os romances "espíritas" adotam um moralismo de um sofrimento agudo e quase "predestinado" junto a um socorro espiritual um tanto piegas e paternalista e uma superação quase melancólica e resignada dos problemas, numa alegria patética e um tanto servil.
Em outras palavras, as obras "espíritas" desse gênero seguem quase sempre a narrativa típica dos dramalhões, de aparente grandiloquência hollywoodiana, que narram sofrimentos homéricos socorridos pelo paternalismo "espírita". E isso quando se fala em obras gerais.
Até porque, em casos extremos, há obras que, de tão ruins, desaparecem no caminho, como um certo romance "espírita" em que um homem mata a esposa e é sempre socorrido por um assistente espiritual por conta de sua aparente angústia e dor, que mais parece "catimba" de jogador de futebol que finge ter lesão na perna para o juiz dar pênalti e seu time golear o adversário.
E estamos falando em conteúdo, que já tira o crédito de muitos romances "espíritas". Imagine se levarmos em conta o aspecto técnico, em que a mediunidade duvidosa traz, em certos casos, espíritos farsantes que se passam por figuras ilustres ou queridas, ou de médiuns farsantes que tomam como psicografia algo que vem tão somente de suas imaginações terrenas!
Então a coisa fica muito mais grave e o que vemos é tão somente um mercado de romances ruins, que perderiam feio diante de nomes como Machado de Assis, Aluísio de Azevedo, Raul Pompeia ou, um pouco mais além, Clarice Lispector, Rachel de Queiroz e Fernando Sabino, verdadeiros artistas da palavra e da prosa ficcional, realmente de grandes lições de vida humana.
Muito dessa superestima aos romances "espíritas", a essa fixação pelos folhetins "mediúnicos", é na verdade para alimentar a indústria editorial dos livros "espíritas", que tão sutilmente fazem as fortunas dos chamados centros espíritas e transforma seus líderes em verdadeiros magnatas, apesar da aparente humildade a eles associada.
O próprio Chico Xavier foi pioneiro nessa indústria, sobretudo a partir de romances surreais - não, nada a ver com o surrealismo admiravelmente genial de Franz Kafka - ditados pelo "padre" Emmanuel "da Nóbrega" ou descritos pela mente fértil do antigo parceiro Waldo Vieira, sob o pseudônimo de "André Luiz".
Desde então, vieram outros, inclusive da família-grife Gasparetto, que impulsionaram o mercado e permitiram o lançamento de vários autores, dos quais poucos se salvam, pelo menos na função de entretenimento literário, de textos que prendam a atenção do leitor. E não se diz aqui a respeito da transmissão das lições de Allan Kardec, que aqui é praticamente NENHUMA.
Portanto, é um mercado que, supostamente feito para a "caridade", é feito mais para fortalecer o poder econômico e influenciador do "espiritismo" brasileiro, às custas do controle ideológico que a FEB e outros órgãos dissidentes ou em tese divergentes, mas ideologicamente afins, estabelecem sobre seus fiéis.
Pois os romances "envolvem" mais os fiéis, fazem as editoras ganharem mais dinheiro e estimulam até mesmo fraudes literárias, us(urp)ando até mesmo nomes ilustres como Eça de Queiroz, Juscelino Kubitschek e outros, para estimular ainda mais as vendas às custas da exploração da boa-fé popular.
Daí que os romances "espíritas" são uma ferramenta crucial para os chefões do "espiritismo à brasileira" atraírem cada vez mais o grande público, se aproveitando de sua fragilidade emocional e pelo forte apelo que as narrativas piegas desses romances trazem para os leitores.
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