sábado, 2 de agosto de 2014
Alexandre Caroli Rocha admite que 'Parnaso' tem conteúdo religioso
Pode parecer, entre nós, chover no molhado, mas lendo o trabalho do mestre em Estudos da Linguagem pela Unicamp, Alexandre Caroli Rocha, sobre o livro Parnaso do Além-Túmulo, admite que seu conteúdo seguiu um direcionamento programático.
Em outras palavras, é aquilo que a gente considera "panfletarismo religioso". O tema pouco varia da triologia morte / vida eterna / fé religiosa, ficando mesmo preso nesses assuntos mesmo quando tenta fazer algo diferente.
Segue aqui um parágrafo que sintetiza a tese, verossímil porém discutível, de Caroli Rocha, sobre os propósitos da antologia poética e as pretensões do livro de apresentar as mensagens atribuídas às experiências espirituais dos autores atribuídos:
"Em Parnaso, a morte significa a passagem para um mundo espiritual, o fim de um exílio do espírito no corpo e a apreensão de uma realidade despercebida durante a vida terrena. Tudo isso resulta numa revisão de valores e na assunção de novos pontos de vista. Neste contexto, a poesia é instrumento para expressar tanto as bem-aventuranças póstumas como arrependimentos, meae culpae ou acertos de contas com o passado. Um dos principais objetivos da antologia é tornar convincente a leitura de suas 56 seções como autênticos testemunhos de poetas que conheceram uma realidade pós-morte e obtiveram meio de voltar para revelá-la."
Na sua tese, o pesquisador cita também os "conteúdos em comum com os valores cristãos amplamente por nós compartilhados", inferindo nesse caso a prioridade na pregação religiosa como elemento indispensável para as manifestações atribuídas aos falecidos.
Os aspectos identificados pelo pesquisador são o louvor à fé, a conformação com os sofrimentos e a exaltação da caridade e do amor. Há uma visão de que os sofredores seriam "verdadeiros heróis" e que o ato de sofrer seria "compensado" pela esperança do "porvir". Há a exaltação de personalidades religiosas como Jesus, Maria, São Francisco de Assis e José de Anchieta.
Já os temas sociais identificados pelo autor são o trabalho, o progresso e a civilização, dentro de um padrão que lembra o ufanismo brasileiro que setores conservadores da classe política e da intelectualidade defendiam como modelo de patriotismo. São temas que, por outro lado, se inserem menos nas suas próprias virtudes do que num contexto de moralismo sócio-religioso.
Não se escapa desse aspecto religioso, como em toda mensagem supostamente espiritual. Tudo é uma questão de propaganda religiosa, não explicitamente de alguma instituição ou organização, mas do processo religioso como um fim em si mesmo. Como se não houvesse vida social, nem amores, diversões ou outras coisas, ou que não os houvesse sem a submissão ao contexto religioso.
A vida espiritual é um mistério ainda muito mal desvendado. O Espiritolicismo, pela sua mania de definir como "certo" o que na verdade é incerto, busca legitimar essas manifestações "espirituais" que, todavia, não passam de meros fetiches.
Embora, como se lê no trabalho de Rocha, se identifique num dos poemas a tese de que o homem preserva a individualidade após a morte, nota-se porém que essa individualidade torna-se não só relativa como não raro ausente, pois as mensagens "espirituais" tentam enfatizar muito mais o recado religioso do que qualquer aspecto da personalidade do suposto autor.
Um caso é a suposta mensagem psicofônica de Deodoro da Fonseca, divulgada por Divaldo Franco, cujo texto soa muito parecido com que o anti-médium baiano difunde em suas palestras, com um estilo de linguagem bem mais caraterístico deste, e não do falecido político que foi nosso primeiro presidente da República.
Portanto, o próprio Espiritolicismo não permite que se desvende a vida espiritual de forma devida. Pelo contrário, seu religiosismo exacerbado e panfletário, que parece oprimir a memória dos falecidos ao submeter seus nomes a mensagens necessariamente religiosas, só faz afastar os verdadeiros espíritos, que no "lado de lá" sabem muito bem que o mundo espiritual não é uma grande igreja.
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