HUMBERTO DE CAMPOS FOI UM DOS PRIMEIROS ESCRITORES A ANALISAR 'PARNASO DE ALÉM-TÚMULO'.
A polêmica em torno de Parnaso de Além-Túmulo criou uma visão maniqueísta sobre que condição encontraria Chico Xavier na produção do livro: o de um humilde homem que teria psicografado uma multitude de poemas de diversos autores, ou o de um habilidoso plagiador e imitador de vários estilos literários.
Defensores do anti-médium mineiro procuram insistir na primeira tese, que lhes parece verossímil, a de um humilde interiorano mineiro, cego e supostamente pouco letrado, que seria incapaz de realizar pastiches tidos como "extremamente sofisticados". O escritor Garcia Júnior, por exemplo, em artigo publicado no Correio da Noite, de 18 de julho de 1944, comenta:
Como quer que seja, o que se não pode pôr em dúvida é que, se o Chico Xavier tivesse realmente capacidade para produzir as duas dezenas de obras que já saíram de suas mãos de médium, bem que ele não precisaria ser o moço humilde que começou a vida como caixeiro de armazém e que só há pouco é um modesto funcionário da Secretaria de Agricultura de Minas Gerais... Bastaria que o Chico Xavier viesse aqui para o Rio, mudasse o seu indumento de pobre, para uns bons ternos de cavalheiro abastado, e entrasse a frequentar as rodas intelectuais. Com talento para produzir o que já lhe passou pelo lápis, psicograficamente, ele hoje poderia ufanar-se de ser um dos maiores escritores do Brasil...
Citado por Miguel Timponi, no livro A Psicografia ante os Tribunais, editado pela FEB em 1978, o psiquiatra Melo Teixeira também procura argumentar a favor de Chico Xavier e atribuir a Parnaso de Além-Túmulo através das seguintes palavras:
Como explicar, dentro da imitação do estilo, as citações certas e adequadas de datas e fatos históricos; de acontecimentos e personalidades; os apropósitos elucidativos do tema; as referências, comparações e conceitos científicos, críticos, filosóficos, literários, que somente um lastro de conhecimentos variados, sedimentados e sistematizados no tempo permitem e só dominados por leituras e estudos pregressos, devidamente meditados? Tudo isso é passível de imitação, de improvisação?
O problema é que explicar dessa forma é muito fácil. Mas até que ponto Chico Xavier seria "sofisticado demais" como plagiador? E até que ponto os poemas supostamente espirituais se identificam com o que os autores atribuídos produziram em vida?
Seria simplório dizer que declarações dos defensores de Chico Xavier sejam seguras e comprovem que Parnaso de Além-Túmulo seria mesmo uma obra mediúnica. Como em todo pastiche, há o esforço de semelhança e até verossimilhança em relação ao legado dos autores originais feitos em vida, e não há prova de extrema sofisticação que venha a desmentir as acusações de plágio ou pastiche.
Os defensores não são necessariamente especialistas literários, quando muito eram apenas apreciadores de boa leitura, mas leigos quanto à avaliação de estilos e movimentos literários. E nem todos que são atribuídos como defensores realmente o defenderam.
O próprio Humberto de Campos, nos seus últimos anos de vida, havia resenhado Parnaso de Além-Túmulo e, embora ele tenha reconhecido semelhanças entre temas e poemas incluídos no livro, pediu para que estudiosos que verificassem se o conteúdo do livro correspondia ao sobrenatural ou à mistificação.
Chico Xavier foi favorecido mais pela neutralidade do que por qualquer comprovação de que seus primeiros livros, Parnaso de Além-Túmulo e Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, seriam mesmo trabalhos psicográficos.
Observando as coisas de forma científica, podemos apontar as seguintes falhas de Parnaso:
1) A hipótese dos defensores de Chico de que ele seria incapaz de imitar tantos estilos literários é posta em xeque se verificarmos a falta de profundidade dessa alegação. Afinal, se esses defensores supõem que as dúvidas em relação à psicografia nestes livros carecem de fundamento, a defesa que aqueles fazem também não é fundamentada, e mesmo a "comprovação" se limita a uma comparação ligeira e sem provas dos poemas "espirituais" com os legados originais dos autores atribuídos.
2) As mudanças editoriais de Parnaso de Além-Túmulo fizeram com que católicos radicais acusassem uma comissão de escritores da FEB de terem organizado o livro. Apesar de ser tida como "mirabolante", a acusação dos católicos, por mais rancorosa que fosse, tem grande chance de ter sentido verídico, algo que deixou subentendido quando um sobrinho e auxiliar de Chico Xavier, Amaury Pena, em 1958, três anos após a conclusão da edição definitiva, denunciou ter sido forçado a colaborar com a elaboração dos poemas do livro.
Há muitos aspectos estranhos. Reparos de edição em edição, inclusões ou exclusões polêmicas, ajustes de poemas para aperfeiçoar a linguagem ou a técnica, trocas de acusações, entre outros problemas. Somente isso já põe em xeque toda a defesa em torno do livro.
Pode ser que Chico não fosse capaz de, sozinho, imitar os mais diversos estilos literários. Mas pode ter contado com outros colaboradores e até consultores. Os reparos poéticos apontados de uma edição a outra, e citados por Alexandre Caroli Rocha - apesar de sua posição favorável a Chico - , já indicam a participação de terceiros, ainda que o próprio Chico anotasse os poemas dos autores originais a título de comparação.
As mudanças sucessivas nas edições do livro são algo que dificilmente se observa na literatura dos vivos, a não ser quando o contexto exige atualização e ampliação, como em edições comemorativas, e envolvendo trabalhos ensaísticos e de não-ficção (que incluem dados históricos que se transformam com o tempo). Mas raramente uma antologia poética seria incluída nesse rol de reparos.
Portanto, Parnaso de Além-Túmulo e sua trajetória confusa não pode ser considerado um livro espiritual autêntico. Um trabalho que primeiro é publicado para depois ser corrigido em seis edições por mais de duas décadas, já de antemão, não merece a credibilidade e a confiabilidade plenas, já que a situação cheia de controversas já diz muito sobre o desmerecimento desse crédito.
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