terça-feira, 28 de janeiro de 2014

O drama de Michael Schumacher e o Espiritolicismo


Em 29 de dezembro de 2013, o vitorioso corredor de fórmula 1, o alemão Michael Schumacher, sofreu um sério acidente enquanto esquiava na companhia de um dos filhos. O acidente o deixou em estado crítico e, até o momento, ele se encontra em coma, sem alteração no quadro clínico. No último dia 03, ele completou 45 anos nesta condição delicada de difícil recuperação.

Mas o que isso tem a ver com o Espiritolicismo, o "espiritismo" brasileiro ditado pela FEB? Simples. É o menosprezo que o "espiritismo", através das formas deturpadas que foram lançadas a partir do francês Jean-Baptiste Roustaing, popularizada no Brasil por Chico Xavier e difundida internacionalmente por Divaldo Franco, dá aos assuntos científicos.

Sim, desprezo. Porque a suposta valorização da ciência do Espiritolicismo é apenas uma fachada, assim como os simulacros de ciência das palestras e tratamentos "espíritas" no Brasil. O que há é a valorização de ilustrações bonitinhas, com silhuetas humanas, de universos estelares, de formas geométricas etc. E há até arremedos de "ambientes hospitalares" nos ditos centros espíritas.

O Espiritismo original, analisado e descrito cautelosamente por Allan Kardec, na sua incansável e desgastante trajetória, não estava voltado tão somente para o mundo espiritual, mas para as relações que o mundo espiritual exerce na vida da Terra.

Isso incluía, sobretudo, um apreço sério à ciência, já que Kardec também era matemático e pedagogo, e se preocupava sobretudo com o processo do Magnetismo analisado por Franz Anton Mesmer.

O Espiritismo poderia ter dialogado com as diversas correntes da ciência e se mantido fiel ao contexto da evolução do pensamento na Europa do século XIX. Com essa fidelidade, o Espiritismo poderia até ter se distanciado de aspectos meramente religiosos, mas se evoluiria como as demais correntes científicas e filosóficas se evoluíram ao longo dos anos.

Em vez disso, a doutrina de Kardec e o projeto de educação pública que ele mantinha com a esposa Amélie Gabrielle Boudet, foram comprometidos com a pressão que a política dominante, influenciada pela Igreja Católica, exerceu contra tais projetos.

Além disso, mesmo discípulos de Kardec como o astrônomo Camille Flamarion, acabaram "suavizando" a doutrina kardeciana, que ainda por cima sofreu a intervenção alucinógena do livro Os Quatro Evangelhos, de Jean-Baptiste Roustaing, que afirmava que Jesus só tinha corpo fluídico e que os homens poderiam reencarnar até como lesmas.

Roustaing deu início a toda uma série de desordens que começou na França, mas que encontrou terreno fértil no Brasil, com o médico Adolfo Bezerra de Menezes divulgando a obra do delirante advogado, semeando maus frutos na tentativa de adaptar a doutrina espírita no Brasil.

E isso, tanto na França quanto no Brasil, acabou por prejudicar até mesmo a ciência. Se o Espiritismo original, lançado por Allan Kardec, tivesse sido respeitado na rigorosa essência de seu codificador, mantendo fidelidade à precisão de suas ideias, talvez fosse um caminho para a popularização de conceitos e análises sérias sobre a ciência.

CIÊNCIA MARGINALIZADA

Sem popularização, a ciência segue em sua trajetória marginal, sem investimentos, menosprezada como atividade menor. Por isso, os estudos realmente científicos ocorrem de forma lenta, pesquisas não se agilizam por falta de dinheiro para a realização de testes, que exige compra de material e remuneração de pessoal qualificado.

O Espiritolicismo fez piorar as coisas. Ele apenas brinca de ciência. Muito se faz falar, cientistas desfilam pelos textos e discursos "espíritas" feitos por gente que entende muito menos de ciência do que um jornalista médio e não-especializado tenta escrever sobre o assunto. Ao menos o jornalista tenta se esforçar para ter uma noção básica. Os espiritólicos, não.

No Espiritolicismo, o que se nota são discursos confusos, citações superficiais e por vezes pedantes, sobre assuntos científicos, mesmo por pessoas que são até cientistas fora da pregação "espírita", mas que, quando abraçam a doutrina, se carregam de um forte ranço místico-religioso.

Arremedos, simulacros, citações superficiais ou pedantes, que transformam os assuntos científicos em letras mortas. A leitura como mero entretenimento, mas sem compromisso de alimentar a consciência crítica e a reflexão cautelosa, também fazem os "espíritas" pouco avançarem no campo do conhecimento.

E com tudo isso, com a ciência reduzida a uma dançarina de pole dance do discurso espiritólico, com seus adeptos tão deslumbrados quanto os que viam o espetáculo das mesas girantes, o mesmo que desafiava a observação questionadora de Kardec, o contexto pouco se evoluiu para os progressos científicos.

Enquanto palestrantes espíritas prometem curas sacudindo suas mãozinhas em passes, muitas vezes sem ter a séria noção do que fazem, ou então com tratamentos que são verdadeiros engodos que envolvem arremedos de homeopatia, hipnose, cromoterapia e cirurgias imaginárias, cientistas verdadeiros não conseguem ter o reconhecimento público devidamente conquistado.

Mil livros "espíritas" falam sobre "poderes de curas incríveis", enquanto pesquisas para descobrir a cura da AIDS, a cura dos males de Parkinson e Alzheimer, a cura definitiva da AIDS e do diabetes, só para citar algumas doenças graves conhecidas, seguem em ritmo lento pela falta de subsídios financeiros e outros tipos de apoio.

No caso de alguém que sofreu um acidente e se encontra em coma ou sofre alguma sequela séria - como se tornar até mesmo tetraplégico ou não poder mais exercitar o raciocínio e a lucidez - , as pesquisas poderiam ter sido aceleradas se boa parte do dinheiro que se desperdiça com supérfluos fosse aplicado nestas pesquisas de grande relevância.

Allan Kardec sonhava com a popularização da ciência. Ele defendia a democratização do saber, que não pode ser confundida com a banalização do saber pedante que abordagens superficiais sobre assuntos científicos fazem, principalmente dentro do "espiritismo" brasileiro.

O verdadeiro Espiritismo pode não ser o único atalho viável para a popularização dos assuntos científicos, mas seria um excelente canal para essa popularização, pela relevância que Kardec originalmente tratava o tema, e pela sua vontade de difundir não só o verdadeiro conhecimento científico, mas estimular que as pessoas busquem honestamente esse conhecimento.

O saber é uma coisa séria. É mais uma questão de perguntar, pensar e refletir, do que de acreditar. No Espiritolicismo, os arremedos e simulacros de ciência só resultam em aspectos sensacionalistas ou oportunistas que reafirmam a fé cega de seu conteúdo exageradamente religioso.

Isso em nada contribui para o progresso da ciência. Nem mesmo os "bonequinhos" que se colocam em cartazes de workshops "espíritas", em que alguém pinta um planeta, joga uns raios de luz sobre uma silhueta humana de pernas e braços abertos e seus adeptos acreditam que "isso é ciência".

Daí que, em pleno século XXI, a humanidade da Terra, principalmente a do Brasil, se encontra em um estágio preocupante de atraso. Neste sentido, as obras de ficção científica, sobretudo as de Jules Verne e Isaac Asimov, têm muito mais a dizer sobre a ciência do que delirantes livros atribuídos a André Luiz, porque estes só acobertam o mais viscoso moralismo religioso.

A humanidade poderia ter conquistado no século XX curas definitivas para várias doenças, ou ao menos o avanço dos testes para suas descobertas. Não fossem os diversos abusos da humanidade, agravados por um "espiritismo" que não oferece o prometido progresso dos assuntos espirituais, adiamos os avanços científicos para séculos adiante. E pessoas continuam em coma, sem andar ou sem pensar, enquanto palestrantes falam bobagens "curativas".

Se não fosse essa deturpação da doutrina espírita e a transformação do Espiritismo em uma religião ruim como muitas outras, talvez a sociedade fosse mais estimulada a conhecer a verdadeira problemática dos processos científicos, pelo menos a ponto de se preocupar pela valorização do progresso da ciência, em vez de tantas coisas supérfluas que crescem por aí.

Se houvesse uma análise séria da ciência, a partir da verdadeiramente reveladora de Allan Kardec e não das distorções místicas e moralistas do "espiritismo" brasileiro, a ciência seria mais reconhecida e isso impulsionaria os estudos para resolver até mesmo situações como a de Michael Schumacher, ou mesmo de anônimos cidadãos que vivem um drama parecido.

As pesquisas científicas, com a popularização da ciência, seriam mais incentivadas e com isso atrairiam muito mais recursos para pesquisas para doenças sérias, para prevenir ou curar casos de invalidez, para estudar os mistérios do cérebro humano.

É lamentável que o "espiritismo" brasileiro se limite aos palpites, ao "achismo" e ao faz-de-conta de ciência. Enquanto eventos e artigos "espíritas" exibem orgulhosamente figurinhas geométricas de silhuetas humanas de braços e pernas abertos, planetinhas no universo ou cabeças humanas carecas com um cérebro à mostra, pessoas continuam em coma ou inválidas, porque a ciência não pôde ter o avanço necessário para acelerar novas conquistas.

Nem é por causa de Michael Schumacher, mas de toda e qualquer pessoa que sofre o mesmo drama. Se a "reveladora" doutrina da "espiritualidade" pudesse, mantida a fidelidade com Kardec, impulsionar a popularização da ciência - independente do Espiritismo ser hegemônico ou não, mas de abrir caminho para outras correntes popularizarem o conhecimento científico - , talvez os leigos se preocupassem melhor com a necessidade dos avanços científicos e muitas doenças e males físicos pudessem ser, pelo menos, amenizados, e curas verdadeiras pudessem ser descobertas.

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