sexta-feira, 31 de julho de 2015
"Espiritismo" e a sobrecarga dos jovens
Se o "espiritismo" brasileiro deixa os pais mais ansiosos, ele deixa os jovens sobrecarregados. A ideologia moralista da doutrina tende a criar expectativas demais da vida futura e a sobrecarga nos jovens não raro os leva a tragédias ou a enfrentar dificuldades pesadas e viverem sob pressão.
Os mais jovens quando vão para uma doutrinária, veem os caminhos se fecharem, ao mesmo tempo em que aumentam as pressões para eles agirem. Quanto mais dificuldades, mais pressão. Quando as coisas se tornam impossíveis, mais obrigatória é a ação sobre elas. E, se não houver o jogo de cintura e um certo espírito de condescendência, nada acontece.
Os jovens não podem ser eles mesmos. Eles terão que ceder às convenções e abrir mão de boa parte do aprendizado da vida. Se eles se desiludiram demais, a regra agora é eles se subordinarem às ilusões dos outros.
Pouco importa se as desilusões da vida fizeram um rapaz passar a ouvir Joy Division, a ler livros de Jean-Paul Sartre e a ver filmes de Werner Herzog e RainerWerner Fassbinder. Sua pretendente só pode ser encontrada em festivos eventos de "pagode romântico", ambientes que não lhe são de sua afinidade.
Também pouco importa se a moça é inclinada a ouvir Belle and Sebastian, apreciar a arte de Jackson Pollock ou a poesia de Sylvia Plath, se ela é empurrada a se casar com um empresário insosso que só está preocupado com a próxima festa de gala onde ele irá divulgar seus negócios.
Em muitos casos, os pais acham que os filhos aguentam qualquer parada, que estes são incapazes de se entristecerem, que são muito fortes a suportar qualquer dificuldade, sem fraquejar. Acham que os mais jovens, só porque têm maior vitalidade, não encontram limites de humor e capacidade física ou psicológica para enfrentar dificuldades pesadas.
Se um filho se inicia numa atividade artística, os pais o pressionam para que ele seja um grande sucesso logo no trabalho de estreia. O pai logo tenta agir como um arremedo de empresário do próprio filho. E, se este fica doente por dez dias, ele ainda cobra por que ele não foi divulgar seu trabalho.
Os pais não têm noção do tempo, acham que os filhos podem fazer 120 horas num espaço de 24 horas. Romantizam demais o processo de vencer na vida. Não observam limitações, não se sensibilizam com as tristezas que os filhos encontram no caminho, que nem todo jovem é capaz de ter muito jogo de cintura para encarar qualquer armadilha.
Os jovens acabam sendo sobrecarregados, têm que viver um grande malabarismo na vida, persistir em encarar obstáculos quando eles se tornam cada vez mais difíceis, tentar negociar o inegociável, enquanto seus pais, felizes da vida, acham que seus filhos são guerreiros valentes se jogando nas sombras das selvas urbanas do "mundo cão".
A religião "espírita" mitifica os jovens como sorridentes artífices do futuro. Descreve o mundo exterior como um ambiente turbulento de pesadas dificuldades. Define a família como estruturas pétreas que atravessam encarnações, e pouco está preocupada com as pressões que atingem nossos jovens, vistos quase como invariáveis crianças jogadas ao mundo a esmo.
Daí que os filhos acabam reclamando dos limites do tempo para fazer alguma coisa. Os pais não gostam, acham que isso é desculpa para falta de iniciativa. Os filhos reclamam porque certas empresas são corruptas. Os pais lhe recomendam aderir e ignorar "ideologias". Os filhos reclamam de tristezas e desilusões. Os pais acham que isso é pessimismo sem importância.
O "espiritismo" transforma os caminhos das gerações futuras numa estrada sem asfalto e com muitas pedras. Evidentemente, em muitos trechos os jovens sucumbem. Mas, em outros, eles param no caminho quando são empurrados a seguir adiante, sem haver meios disso.
Assim, a religião que só entende os idosos e adota um moralismo familiarista bastante conservador não consegue entender a natureza dos jovens. O "espiritismo" torna-se uma doutrina velha, mofada, que não percebe a dura relação entre cobrar demais de quem não está no topo da hierarquia familiar e a prevalência das dificuldades pesadas que existem na vida.
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