terça-feira, 8 de julho de 2014

Maquiavel e o Espiritolicismo


Niccolo Macchiavelli (1469-1527), conhecido entre nós, na língua portuguesa, como Nicolau Maquiavel, de um tempo em que se traduziam nomes próprios de personalidades estrangeiras, foi um dos pioneiros da ciência política moderna.

Ele havia escrito o livro O Príncipe (Il Principe, no original em italiano), completado em 1513, mas só foi publicado postumamente, em 1532. É um grande tratado de análise política, através do estudo dos principados.

Neste livro, Maquiavel descreve as caraterísticas que definem o Estado moderno, numa obra que, à primeira vista, parece um romance, mas é um trabalho de estudo político, analisando a questão do poder, da lei, do arbítrio dos governantes, através do exemplo de um príncipe.

É com base nesse livro que se popularizou uma ideia que, por si só, não estava no livro, mas provavelmente de uma análise que se popularizou, talvez nos meios acadêmicos. Essa ideia é a de que "os fins justificam os meios", que valeu o adjetivo de "maquiavélico".

Na verdade, isso gerou uma série de mal-entendidos. Primeiro, a definição de "maquiavélico", associada à crueldade e à tirania, posturas que não eram defendidas pelo autor, da mesma forma que a frase "os fins justificam os meios", ideia associada à busca de quaisquer meios, inclusive os piores, para se obter um objetivo ("fim").

Mas é justamente essa frase que anda sendo muito praticada pelo "espiritismo" brasileiro. Em nome da reputação associada às ideias de "amor e caridade" e "luz e fraternidade", muitos equívocos, fraudes e deslizes foram feitos sem que boa parte de seus seguidores sequer preocupassem em saber.

A falsa imagem filantrópica, a pretensa espiritualidade, a caridade superficial e tendenciosa, tudo isso se vale, no "espiritismo" brasileiro, por atitudes que variam da simples falsidade ideológica das supostas mediunidades até mesmo ao pedantismo supostamente científico e verborrágico.

A herança do catolicismo medieval, apenas "adaptado" ao sabor das circunstâncias e conveniências, faz o "espiritismo" brasileiro se situar no mesmo contexto dos tempos de O Príncipe. Época em que Portugal ainda se mantinha preso aos procedimentos e princípios punitivos da Inquisição católica.

As missões jesuíticas ocorreriam depois da morte de Maquiavel. Elas traçariam as bases religiosas das quais, séculos depois, a Federação "Espírita" Brasileira (FEB) se basearia para construir um "espiritismo à brasileira", uma doutrina "nova" construída com as bases velhas e apodrecidas de um estágio do catolicismo superado pela própria Igreja Católica nos últimos séculos.

Daí o cheiro de mofo que tem o "espiritismo" brasileiro, um ranço de velho que se observa nos "centros espíritas", nas atividades e nos produtos culturais produzidos sob o signo desta doutrina. O velho catolicismo punitivo, supostamente superado, é muito forte no "espiritismo" brasileiro, sobretudo na acusação moralista de que os culpados de hoje eram os "romanos" de ontem.

Daí que o "espiritismo" brasileiro mantém o mesmo moralismo condenatório dos principados estudados por Maquiavel, ele mesmo discípulo de Tito Lívio (Titus Livius), notável historiador de Roma.

A herança do religiosismo aristocrático do Império Romano, que lançou o Catolicismo medieval, deixou fortes marcas no "espiritismo" brasileiro, contradizendo a pretensão deste de se tornar a vanguarda da espiritualidade e da moralidade da humanidade do mundo.

A prática diz muito mais do que a teoria que a tenta desmentir. O Espiritolicismo, pretensamente futurista, é carregado do passadismo católico mais conservador. Os meios acabam explicando os fins. É como diz o jargão político: "é a lei de causa e efeito, estúpido"!!

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