quarta-feira, 4 de junho de 2014

O combativo José do Patrocínio não iria pedir para que "oremos pela paz"


Grande erro a Federação "Espírita" Brasileira, ao divulgar a mensagem para o Brasil durante a Copa do Mundo FIFA 2014, usar o nome de José do Patrocínio na suposta psicofonia realizada na sede da instituição roustanguista, há quase um mês.

Isso porque o principal pedido do suposto José do Patrocínio, o de "orarmos pela paz" - eufemismo para não nos mobilizarmos em protestos sociais (mesmo pacíficos) para não prejudicar as festas da Copa - , destoa completamente do perfil original do jornalista e ativista do Abolicionismo.

É, aliás, um grande sinal de incoerência, porque a mensagem divulgada pela FEB tem um tom mais próximo de um líder católico. Talvez se a mensagem fosse atribuída a Alceu Amoroso Lima tivesse mais sentido, embora soasse também um tanto grotesca e cheia de possíveis equívocos em relação à personalidade desse ilustre líder católico, que usava o pseudônimo Tristão de Athaíde.

Se observarmos a trajetória de José do Patrocínio, podemos concluir que a tal psicofonia nunca seria realmente dele. Primeiro, porque aquela época não se dispunha de tecnologia sonora disponível, pois elas estavam ainda em estudo e sua descoberta, em 1877, evidentemente só levaria muito tempo para ser popularizada.

Não dá para sabermos como foi a voz de José do Patrocínio, pois sua voz, seu modo de falar, se perderam no tempo. Menos um ponto para a esperteza dos dirigentes da FEB, que tentaram usar um abolicionista para assinar embaixo nas profecias atribuídas ao sinistro Ismael, com o pretexto de realizar uma "psicofonia" que não dá para ser comprovada.

Segundo, porque o próprio José do Patrocínio chegou a ser acusado de mentor da Guarda Negra, grupo de militantes destinados a defender o governo imperial, não sem conflitos, sobretudo numa época de mobilização pela República, que poderia ter sido defendida por uma minoria, mas era uma minoria barulhenta e bastante agressiva.

De origem humilde, José do Patrocínio, nascido em 1853 e tendo vivido apenas 52 anos incompletos, chegou a ser servente de pedreiro na Santa Casa de Misericórdia e depois se formou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro na função de farmacêutico.

Ele foi responsável por diversos trabalhos como jornalista, inclusive como diretor de jornal, e por organização de diversas instituições contra a escravidão. Ele mesmo havia entrado em conflito com muitos militantes republicanos e, com a República, com os defensores do autoritário presidente Floriano Peixoto, durante o qual foi preso.

Ou seja, José do Patrocínio realizou protestos, foi um ativista enérgico e combatente, apenas sendo defensor do governo imperial, sendo que a princípio ficou entusiasmado com a assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888.

Talvez pela ligação dele com o Segundo Império tenha causado essa associação forçada da suposta psicofonia com seu nome. A FEB se originou provavelmente sob subsídios do Império, o que faz a entidade até hoje tratar Dom Pedro II, a Princesa Isabel e seus seguidores como se fossem "profetas da nova espiritualidade".

Mas a natureza de José do Patrocínio nada tem a ver com a mensagem divulgada pela FEB. Um texto meramente nos moldes do catolicismo mais piegas e antiquado, cujos apelos não tinham a ver com o ativismo do abolicionista, que, quando muito, apenas condenaria a desordem dos Black Blocs, sem recorrer à pieguice passiva de orações que não mobilizam.

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