sexta-feira, 27 de junho de 2014
"Causa e Efeito" investe na visão espiritólica dos "resgates espirituais"
Reforçando a série de filmes "espíritas", é lançado o filme Causa e Efeito, do diretor, co-produtor e roteirista André Marouço, o mesmo diretor de O Filme dos Espíritos, que a publicidade enganosa inventou ser "inspirada" no famoso livro de Allan Kardec.
A sinopse se baseia na vida de um policial chamado Paulo que, num acidente de carro causado por outro homem alcoolizado, perde mulher e filho e, revoltado pelo fato do responsável da tragédia não ter sido punido pela Justiça, decide se transformar num pistoleiro de aluguel e chega a eliminar algumas pessoas.
De repente, ele é designado a matar uma prostituta, mas quando se chegou a ela, é informado de sua vida triste. A personagem se chama Madalena e Paulo acaba se apaixonando por ela, enquanto também encontra, no seu caminho, um padre, um pastor e um "espírita".
Segundo o enredo, Paulo aprende, com o contato com os três religiosos, todos idosos, a natureza de sua encarnação passada e o auxílio fraterno que os três realizam juntos. A ideia parece bem-intencionada, se levarmos em conta as declarações do cineasta de defender o amor e a espiritualidade em detrimento das paixões materiais.
No entanto, o filme - que parece fazer uma ligeira alusão a Paulo de Tarso, o assassino de cristãos primitivos que se converteu a Jesus, e a Maria Madalena, suposta meretriz que virou discípula do mestre judeu e foi assistir a leprosos (hoje conhecidos como doentes da hanseníase) - peca pelo moralismo religioso.
Não existe uma postura firme contra as injustiças humanas, já que a ênfase é sempre nas tais "reformas íntimas", no "autoconhecimento", que é um eufemismo espiritólico para conformismo. Só a própria pessoa deve se mudar, aceitando problemas e imposições, a pretexto de serem "resgates espirituais".
A lei de causa e efeito, citada por Allan Kardec na Doutrina Espírita, é tratada pelo filme dentro da perspectiva que se conhece do "espiritismo" brasileiro, baseada no moralismo religioso. As injustiças existem, não tem jeito, a pessoa é que tem que se reformar e viver "como se pode", o que o anedotário popular define como "engolir sapos".
Nada se prega, por exemplo, a respeito da questão de álcool ou volante, ou do problema das leis humanas. Fica muito fácil pedir às pessoas que sofrem aceitarem os sofrimentos, porque pimenta nos olhos dos outros é refresco. As lideranças "espíritas", sobretudo as da FEB, que patrocina o filme, é que podem viver do conforto às custas de pregações de moralismo religioso dito "espiritualista".
O filme anterior, O Filme dos Espíritos, também se valia do moralismo religioso. Além do mais, ambos os filmes têm aquele clima sisudo, um tanto assistencialista, que mais parece deprimir do que consolar. Quem não é espiritólico, ao ver O Filme dos Espíritos, fica mais triste ainda.
A impressão que se tem é que a vida não é para ser vivida com prazer e alegria. Nós temos que sofrer, suportar as injustiças e os prejuízos, e se a humanidade retrocede, temos que aceitar, amar, orar, dizer amém. Que alegria poderemos ter, senão a falsa alegria que tão somente acoberta a depressão, esse masoquismo espiritualista que o "espiritismo" brasileiro tanto quer de nós?
Observando filmes "espíritas" desse porte - para não dizer blockbusters como Chico Xavier e Nosso Lar - , dotados de um moralismo religioso, nós nos reduzimos a meros endividados existenciais, sem podermos ter desejos nem vontades, porque a nós só nos cabe sobreviver sem intervir para melhorias profundas, apenas aceitando tudo e anestesiando nossas consciências.
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