Muitos se recusam a admitir, mas o "espiritismo" brasileiro cometeu deslizes e equívocos da mais extrema gravidade, como a mediunidade fake e as ideias fundamentadas no livro Os Quatro Evangelhos, de Jean-Baptiste Roustaing.
Esconder Roustaing e o articulador de muitos erros, o ex-presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, debaixo do tapete, não resolve as coisas, porque muitos dos ídolos do "movimento espírita" foram e ainda são cúmplices de muitos procedimentos levianos e até ilícitos. No histórico do "espiritismo" brasileiro, existe até uma morte suspeita, do sobrinho de Francisco Cândido Xavier, Amauri Xavier, possivelmente envenenado por "queima de arquivo".
Isso é muito chocante para os leitos que recorrem à grande imprensa para conhecer o que é o "espiritismo" e observa um "céu de brigadeiro" no qual coexistem com supostas paz e equilíbrio o cientificismo de Allan Kardec e o igrejismo de Chico Xavier.
Muitos se recusam a perceber o quanto esses erros diversos nos bastidores do "espiritismo" brasileiro são muito graves, desmoralizando o legado trabalhoso que o pedagogo francês teve para difundir e explicar a Codificação. Mesmo quando admitem os erros, os seguidores, simpatizantes e leigos do "espiritismo" brasileiro chegam mesmo a acreditar que pode haver coerência numa seita de tantas confusões, impasses e até mentiras.
Como um PSDB da religião, blindado ao máximo e evitando a denúncia de uma tosse que venha de um "espírita", o "espiritismo" brasileiro se valeu de uma mediunidade fake, constatação esta que pode assustar e indignar muitos, mas é feita pela análise comparativa das obras "mediúnicas" com os estilos e outros aspectos pessoais dos mortos alegados, famosos ou não.
Essa pretensa mediunidade mostra irregularidades imensas que o fato de deixar "certos problemas" debaixo do tapete, sob a desculpa dos "mistérios da espiritualidade", não demonstra uma cautela no tema da manifestação espiritual, mas antes uma perigosa e irresponsável omissão.
As irregularidades de muitas pretensas psicografias e psicopictografias, para não dizer as psicofonias que mais parecem falsetes de stand up comedy, podem ser facilmente identificadas por análises de conteúdo, da mesma forma que podemos identificar fraudes em cartas apócrifas de sequestradores imitando a caligrafia de suas vítimas.
No caso das supostas psicografias de Chico Xavier, que o marketing religioso fez vender uma falsa imagem de "caridade plena", com toda a mitificação própria das paixões religiosas, as irregularidades podem ser identificadas por uma simples atenção nos textos dos supostos autores mortos e compará-los com o que eles haviam deixado em vida.
No caso de Auta de Souza, jovem poetisa potiguar que viveu no final do século XIX, o estilo peculiar da artista desaparece diante das supostas mensagens espirituais trazidas por Chico Xavier. Em vez do estilo feminino e quase infantil de Auta, observa-se o estilo masculino e igrejeiro do "médium" e, em certos momentos, a suposta Auta expressa pensamentos próprios de Chico em relação à Teologia do Sofrimento, da qual o "médium" foi sempre devoto.
Humberto de Campos também fez desaparecer seu estilo, em que pese eventuais pastiches que parodiam sua forma de narrar. Note-se que, no lugar do autor de escrita culta, mas acessível, de prosa coloquial e descontraída, há um moralista religioso de texto melancólico e rebuscado, com um estilo totalmente diferente. Através de Chico Xavier, o nome de Humberto também foi usado para vínculo com a Teologia do Sofrimento defendida pelo "médium".
No caso de Raul Seixas, outro suposto médium, Nelson Moraes, tentou imitar, mas de forma grosseira e caricatural, o estilo do roqueiro, em suposta psicografia usando o pseudônimo Zílio, que claramente não condiz ao estilo do roqueiro baiano. Além disso, a "mensagem espiritual" força a barra ao acentuar uma mística religiosa que Raul havia abandonado nos últimos anos de vida.
Nelson cometeu um grande erro que derruba qualquer hipótese de autenticidade na atribuição do seu Zílio à identidade de Raul Seixas, apelando também para a Teologia do Sofrimento na parte do não-questionamento da vida, algo que vai contra os ensinamentos kardecianos que buscam o questionamento como meio de resolver os problemas:
"Antes de questionar a vida, questione a si mesmo, analise seus conceitos, seus sentimentos, sua gratidão por aqueles que o ajudaram a renascer na Terra e, com certeza, você encontrará uma grande razão para viver e lutar contra o único inimigo que pode derrotá-lo: você mesmo!".
OFENSA À MEMÓRIA DOS MORTOS
Agindo desta forma, usurpando os nomes dos mortos para produzir imagens fake, os "médiuns" fazem dois tipos de oportunismo. Um é quando os mortos foram pessoas famosas, a apropriação tem por objetivo chamar a atenção com um nome ilustre, um tipo de pretensiosismo fraudulento que havia sido previsto no século XIX pela obra O Livro dos Médiuns, de Kardec.
Neste caso, a apropriação de um nome famoso rende sensacionalismo e atrai para o "movimento espírita" a adesão de muitos fãs da celebridade morta, criando assim um sucesso literário que rende dinheiros para a federação "espírita" nacional (FEB) ou regional, dando também publicidade para o suposto médium de plantão, que garante assim o seu estrelato.
No caso do morto não-famoso, o oportunismo é outro, desenvolvendo um outro sensacionalismo através da exploração ostensiva da comoção familiar, assim como serve para propaganda do suposto médium, que tenta se passar por alguém mais confiável e familiar para seus seguidores e adeptos. Isso também atrai muitas pessoas que desenvolvem uma devoção ao "médium", que se transforma em ídolo religioso, desenvolvendo um perigoso tipo de estrelato e presunção.
Mas o que chama a atenção, tanto em um quanto em outro tipo, é que a memória dos mortos acaba sendo alvo de séria ofensa. Afinal, se as mensagens "espirituais" destoam dos aspectos pessoais dos mortos alegados, isso é bem mais do que um simples deslize, mas uma desonestidade que não raro causa sérios danos à memória do falecido.
No caso de Chico Xavier, caso gravíssimo envolve Cartas e Crônicas, de 1966, quando o juízo de valor pessoal do "médium" contra as humildes vítimas do incêndio em um circo de Niterói, cinco anos antes, já era gravíssimo por si mesmo e piora ainda mais quando Chico põe a responsabilidade toda para Humberto, mal disfarçado pelo pseudônimo Irmão X.
Neste caso, ofende-se seriamente a memória de Humberto de Campos, avacalhado por Chico Xavier da maneira mais leviana possível. E Chico ainda praticou aquela farsa toda de atrair, em 1957, Humberto de Campos Filho para uma exibição de Assistencialismo e Ad Passiones, incluindo um tendencioso abraço "fraternal" na qual o anti-médium mineiro arriscou até um falsete, depois de hipnotizar e forçar o filho do autor maranhense a chorar de maneira copiosa, se usando do perigoso recurso do love bombing ("bombardeio de amor", um tipo de manipulação da mente humana).
Mas ofensas são feitas da parte de outros "médiuns", seja pelo juízo de valor, seja pela apropriação indébita, seja pela suposição de encarnações antigas através do "achismo", já que, sabemos, o "espiritismo" brasileiro nem está aí para a Ciência Espírita. Ou então pela malandragem do "médium" usar os nomes dos mortos de sua escolha para "forçá-los", simbolicamente, a "concordarem" com ele.
Transformar um morto em garoto-propaganda da religião "espírita" é muito comum, tal como botar na conta do falecido ideias que este nunca defenderia. Raul Seixas, por exemplo, nunca iria defender ideias medievais como a do "inimigo de si mesmo". Quem acompanhou as últimas entrevistas de Raul Seixas sabe muito bem que Zílio era uma fraude construída a partir de estereótipos que o roqueiro baiano recebeu das páginas de fofocas e de programas de variedades da TV aberta.
Isso é terrível e traz uma falsa impressão de que toda pessoa, quando morre, vira funcionário de igreja. E isso desmoralizou e arruinou completamente com a atividade mediúnica no Brasil, transformada numa terrível brincadeira de faz de conta, e fez também os espíritos do além-túmulo se tornarem praticamente incomunicáveis com os brasileiros, diante da desconfiança quanto a fraudes e receio de promover as vaidades pessoais dos "médiuns".
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