segunda-feira, 13 de março de 2017

"Espiritismo" e os limites que impõe à Ciência


O "espiritismo" brasileiro, como tenta se passar por uma adaptação da Doutrina Espírita de Allan Kardec, apesar da raiz ter-se fundamentado nos postulados do deturpador Jean-Baptiste Roustaing, tenta manter todo um jogo de aparências para se aproximar, aos olhos dos incautos, da essência do Espiritismo original francês.

Portanto, o "espiritismo" brasileiro faz tudo para parecer uma doutrina intelectualizada, amiga da Ciência e da Filosofia, defensora do pensamento questionador e da análise científico-filosófica, em prol da busca do Conhecimento.

Mas isso é apenas uma aparência e um simulacro, pois, no conteúdo dado pelo "espiritismo" brasileiro, observa-se que seus postulados mais estabelecem limites do que amplitudes ao pensamento científico-filosófico, e as restrições não são muito difíceis de serem identificadas.

Observando os textos "espíritas" que evocam temas científicos ou filosóficos, notamos que as retóricas seguem um caminho comum, o de passar a introdução e o desenvolvimento do referido texto (podendo ser artigo, livro ou documentário, entre outras formas textuais) trazendo uma aparência de intelectualizado, para no final trazer uma conclusão igrejista e pretensamente "pacifista" (no sentido igrejeiro do termo) e "fraternal".

A intenção do "espiritismo", quando aborda personagens, fatos e conceitos científicos, é usar a Ciência para sustentar seu igrejismo. Dentro desses limites, a Ciência é sempre bem vinda, quando ela se serve aos caprichos da fé religiosa, sob o pretexto de "promover a fraternidade e a união entre as pessoas", ideia que é eufemismo para o ato de atrair fiéis a esta doutrina igrejeira.

Quando a Ciência não ultrapassa os limites impostos pela Religião, os "espíritas" apoiam a atividade científica totalmente. Quando filósofos se ocupam em temas arbitrários, como o Ser e o Existir, ou quando denunciam a opressão explícita das ações bélicas que devastam cidades, o "espiritismo" bate palmas e apoia amplamente.

Da mesma forma, quando cientistas pesquisam doenças de difícil cura, como AIDS e vários tipos de câncer, ou, em outras áreas, fazem cálculos sobre as relações entre miséria e produtividade industrial, os "espíritas" aceitam livremente.

É certo que, nos casos das doenças, existe a aparente concorrência da "medicina mediúnica", feita de maneira improvisada e adotando métodos duvidosos nos quais se sonega o diálogo entre a Ciência da Terra e a espiritualidade, preferindo práticas "inexplicáveis" de cirurgias, nas quais se insere uma tesoura ou faca, às vezes contaminadas, no estômago de alguém, para tirar um caroço que se acredita ser um tumor.

Mesmo assim, o "espiritismo" não pode reagir com intolerância à "medicina da Terra". Até porque vemos episódios como o "médium" goiano João Teixeira de Faria, o João de Deus, tendo que recorrer à "ciência terrestre" para se curar de um câncer. "Barbeiro corta o próprio cabelo?", indagou João de Deus, quando se perguntou por que ele não fez autocirurgia.

Quando a Ciência, no entanto, passa a invadir os terrenos da Religião e questiona os paradigmas da fé e do misticismo, os "espíritas" já reagem com alarmismo. Termos maledicentes como "intoxicação do intelectualismo", "impaciência da Ciência" e "overdose de raciocínio" surgem de "espíritas" revoltados, que se sentem ameaçados em ter seus dogmas e ritos contestados pelo raciocínio questionador e investigativo.

Mesmo diante de irregularidades desmontadas pela lógica e pela coerência das investigações questionadoras, como é o caso de supostas psicografias como o famoso caso Humberto de Campos, os "espíritas" tentam camuflar as irregularidades dizendo que as "diferenças de estilo" são "meras impressões" terrenas diante da "linguagem universal do amor".

Chegam os "espíritas" a argumentarem que, se uma mensagem "psicográfica" difere do estilo ou mostra algum aspecto pessoal diferente do morto a que se atribui autoria, é porque "certos detalhes escapam das condições limitadas do raciocínio humano", como se confundisse falta de lógica com mistérios que a Ciência "não consegue resolver".

Ainda no caso Humberto de Campos, o que se observa é que o estilo que se nota nas obras "espirituais" que levam seu nome é totalmente diferente do estilo deixado pelo autor em vida (mesmo em publicações póstumas). E isso é fácil de observar comparando obras trazidas por Francisco Cândido Xavier com o acervo original de Humberto de Campos.

Mas como Chico Xavier é a pessoa mais blindada do país, qualquer irregularidade relacionada a ele é aceita por seus seguidores sem reservas. E nota-se, nas suas pregações ideológicas, um aspecto que facilmente pode ser identificado como contrário aos postulados originais de Allan Kardec.

Note-se que, em seu tempo, Allan Kardec sempre convidava as pessoas para o debate e o questionamento. Ele se oferecia para ser questionado, mas mediante argumentos lógicos. Chegou mesmo a dizer que, se for comprovada alguma ideia no Espiritismo que não estiver de acordo aos procedimentos lógicos da Ciência, que preferisse a Ciência ao Espiritismo.

Kardec lidava com um dado novo, a Ciência Espírita, no qual se esforçou em codificar e entender com o maior nível de abrangência possível e procurando dar aos conhecimentos uma contemporaneidade de entendimento.

Como legado, criou o C. U. E. E., Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos, para atualizar e ampliar as compreensões da Ciência Espírita, pois em seu tempo os recursos de Comunicação, por exemplo, ainda estavam limitados à fotografia. O rádio, a televisão, o cinema e a informática surgiram depois do falecimento do pedagogo francês.

Isso é muito diferente de Chico Xavier, que, do contrário de Kardec, renegava o debate. O anti-médium brasileiro passou o tempo todo apelando para as pessoas não questionarem, não contestarem, não julgarem, embora contraditoriamente dizia "apoiar a busca e a transmissão de Conhecimento".

Xavier criou um engodo conceitual marcado de misticismo religioso e moralismo conservador, e toda aquela promessa vã de "transmitir Conhecimento" não passou de conversa para boi dormir.

Diante de tantos equívocos conceituais e de prática "mediúnica", Xavier pedia para "ninguém contestar" até por causa própria, visando salvar sua pele, no seu arrivismo de, como "astro do espiritismo no Brasil", se ascender como ídolo religioso e virar unanimidade nacional, se aproveitando dos paradigmas de religiosidade muito comum entre os brasileiros.

A falsa apreciação da Ciência e da Filosofia servem apenas para sustentar "intelectualmente" os dogmas religiosos do "espiritismo" brasileiro. Servem, também, para garantir a fachada do "movimento espírita" como uma doutrina "intelectualizada", forjando um diferencial na competição religiosa diante dos evangélicos neopentecostais e de modernas correntes da Igreja Católica como a Renovação Carismática.

Mas, provando seu conservadorismo, o "espiritismo" brasileiro estabelece limites para o pensamento científico-filosófico, apenas atualizando, com leve concessão, a discriminação da atividade científica e intelectual pelo Catolicismo da Idade Média, não mais banindo tal atividade, mas estabelecendo restrições à sua ação.

Assim, a Ciência e a Filosofia só são bem vindas quando se limitam às suas especialidades ou colaboram para confirmar dogmas e ritos religiosos do "espiritismo" igrejeiro. Quando se recusam a essa última tarefa, essas duas áreas do Conhecimento humano são amaldiçoadas pelos "espíritas", que no seu juízo de valor acusam o ato de pensar como "excessivo" quando se coloca a lógica acima da fé, o saber acima da crença.

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