DIVALDO FRANCO E CHICO XAVIER - Pioneiros da pós-verdade?
A pós-verdade é um fenômeno preocupante no século XXI e se tornou um efeito inesperado e negativo das mídias sociais na Internet. Quando se imaginava que a chamada interatividade e a libre transmissão de informações nas redes sociais provocariam a chamada revolução social, eis que movimentos retrógrados surgiram, cresceram e trouxeram a retomada ultraconservadora à humanidade.
O cyberbullying nas redes sociais, ainda nos tempos do Orkut, deram a senha do surto ultraconservador que levou países progressistas a novos golpes - sem o uso das Forças Armadas, mas tomado de fachada jurídico-institucional e apoiada pelas corporações midiáticas - e hoje permitem a livre transmissão de pontos de vista fascistas, além de preconceitos sociais racistas, machistas e homofóbicos, e mesmo elitistas.
O século XXI era anunciado em antigas ficções científicas como épocas futuristas de profundos avanços científicos e culturais, apesar de determinadas obras já alertarem sobre seus cenários obscutos e desoladores de poder e decadência social. Mesmo assim, não havia uma perspectiva que uma retomada ultraconservadora, com um apetite similar a dos movimentos nazi-fascistas do século XX, e surpreendentemente defendida por pessoas de aparente superioridade social.
De maneira imprevista, vemos, no Brasil, uma parcela da classe política, do empresariado, do meio jurídico e das cúpulas que controlam os meios de Comunicação investindo em projetos elitistas, derrubando a ilusão de que tais pessoas seriam solidárias aos interesses populares e às necessidades de qualidade de vida das classes médias, a princípio ainda esperançosas com o paternalismo destes setores sociais.
A sociedade está transtornada. De repente as elites passaram a adotar posicionamentos mais egoístas e agir sem controle para a garantia absoluta de seus interesses. Passam a expor preconceitos sociais mais abertamente e a manipular leis e argumentos como se fossem uma massa de modelar, ao bel prazer e sempre visando a proteção e a legitimação de seus interesses pessoais ou de classe.
Depois de uma desvairada campanha pela derrubada do governo Dilma Rousseff, feita por aloprados manifestantes vestidos de camisas da CBF, que se revelou depois serem patrocinados, com generosas somas financeiras, por partidos políticos - logo eles que se diziam "apartidários" - , observa-se o esforço da chamada plutocracia (o conjunto de detentores de poder e privilégios) em se manter no comando às custas de muito falatório e atitudes tendenciosas.
MALABARISMO DISCURSIVO
Daí o fenômeno da "pós-verdade". É a prevalência de uma construção discursiva capaz de transformar mentiras escancaradas em verdades indiscutíveis. As acrobacias das palavras permitem que falsas ideias sejam legitimadas como "verdadeiras" e sua difusão, dependendo até do status do emissor, garante a fabricação de consenso que pode durar anos e ser dificilmente combatido.
É o que se vê quando políticos e tecnocratas impõem medidas antipopulares e criam um repertório discursivo para tentar convencer que medidas que, no fundo, se revelam maléficas e nocivas, são "benéficas" para a população. Chegam mesmo a admitir desvantagens e danos, mas buscam argumentar que eles "são transtornos necessários que gerarão benefícios futuros para os cidadãos".
Com um malabarismo discursivo, inventam benefícios futuros que não existem. Minimizam os prejuízos dizendo que são "males necessários". Justificam danos como se fossem "esperados" ou "inesperados" conforme as circunstâncias, e juram que "estudarão para resolvê-los". As pessoas são enganadas por essa verborragia tecnicista mesclada com juridiquês que sempre empurra o pior como se fosse grande coisa.
Esse malabarismo discursivo toma as pessoas de surpresa, iludidas e desarmadas através da desinformação, que é a anfitriã do espetáculo da pós-verdade. Diante de muitos malefícios, a pós-verdade cria um espetáculo de palavras articuladas que forçam a aceitação resignada das pessoas mediante transtornos presentes e promessas de benefícios futuros que, em verdade, não existem.
As pessoas são induzidas a aceitar algo que não oferece muitas vantagens. Cria-se um discurso da conformação e do sacrifício. Aceita-se esse discurso porque ele parte de gente considerada "gabaritada", "prestigiada" e "competente". Só para impor a nociva pintura padronizada nos ônibus (que confunde os passageiros e facilita a corrupção político-empresarial) em várias cidades do país só se consolidou porque seu idealizador, Jaime Lerner, é visto como um semi-deus em seu meio.
ILUSÃO DO STATUS QUO
A pós-verdade tem seus "cães de guarda" que são os chamados "midiotas", os "idiotas da aldeia global", só para citar, ao mesmo tempo, Umberto Eco e Marshall McLuhan, que em muitos momentos são capazes de estabelecer o terror digital para defender pontos de vista "estabelecidos" pelo poder de diversos aspectos, através do cyberbullying.
O status quo de muitos dos chamados "fascistas mirins" - parcela dos "midiotas" que adota atitudes agressivas de ofender os discordantes - faz com que ataques de difamação sejam feitos em grupos, incluindo pessoas que nem parecem ofensivas, mas são levadas na carona do valentão da ocasião, iludidas com seu comportamento "divertido" e "animado".
Os "fascistas mirins" ou "valentões digitais" (cyberbullies) geralmente comandam esses ataques e, não satisfeitos com isso, ainda apelam para criar sites difamatórios nos quais não medem escrúpulos para parodiar, para fins de dano moral, suas vítimas a partir da usurpação, pela reprodução indevida, do acervo pessoal de seus prejudicados.
Mesmo nesses contextos grotescos, a sociedade sofre a pegadinha do status quo. É como no bullying da escola, em que alunos não necessariamente praticantes de humilhação ficam solidários ao valentão porque ele parece bem sucedido, atraente, se não pela beleza, mas pelo jeito "divertido" e por alguma projeção social. É a partir dessas situações que as pessoas começam a se iludir com as tentações do status quo, levando gato por lebre pela aparente superioridade social.
PRESTÍGIO RELIGIOSO
Daí que a pós-verdade se torna um perigo. É a proteção, através de um discurso bem construído, dos detentores do poder, que sempre arrumam uma desculpa para levar vantagem em cima dos prejuízos alheios, dando a impressão de que é possível o pessoal do lado de baixo da pirâmide aguentar todo tipo de retrocesso ou dano, enquanto os que estão no lado de cima podem cometer abusos e atrocidades e saírem não só imunes e impunes, mas também queridos por muitas pessoas.
As pessoas estão vulneráveis às ilusões do status quo, confiando em indivíduos por causa do diploma, da fama, do poder jurídico, político, econômico e administrativo, que acabam aceitando a supremacia de pessoas que se aproveitam de tais privilégios e atribuições para cometer abusos de toda ordem, provocar prejuízos a milhões de pessoas e ainda assim gozar de todo tipo de impunidade, empurrando com a barriga as ameaças e riscos que sofrem com tais atitudes.
No âmbito religioso, isso não é diferente. O arrivismo um tanto pernicioso de personalidades, que é muito mais perigoso e leviano do que se imagina, é facilmente aceito pelo simulacro de "caridade" que faz mais propaganda ao "benfeitor" do que traz benefícios profundos. Qualquer crítica pode ser rebatida mostrando velhinhos doentes deitados num quarto e crianças pobres tomando sopa.
As pessoas não imaginam que isso não é bondade plena. É apenas um marketing da caridade, uma ostentação de ações paternalistas que garantem o endeusamento fácil de ídolos religiosos que, em verdade, não ajudam muito. Essa "caridade" que derrama, sem muita necessidade, lágrimas de comoção, é apenas um marketing que promove ações que, no fundo, são muitíssimo medíocres e sem efeitos transformadores profundos.
E isso se agrava quando a religião é a "espírita", que já nasceu fundamentada pela deturpação, com sementes roustanguistas que criaram raízes e que, por isso, transformaram o "espiritismo" brasileiro num movimento religioso em decadência irrecuperável, pelo menos nos padrões em que ele é feito.
Temos um círculo vicioso no qual os maiores deturpadores, Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco, gozam (no caso do primeiro, postumamente) de um prestígio religioso que os faz serem beneficiados até pela vã ilusão de que se pode recuperar as bases kardecianas originais mantendo os dois "médiuns" no pedestal, nem que seja para enfeite.
Esse círculo vicioso se dá porque muitos acreditam que eles, gozando de uma roupagem religiosa "impecável", podem ser facilmente reabilitados mesmo sob pesadas acusações de deturpação grave. por causa das desculpas de que eles "sempre foram bondosos" e "ajudaram muita gente". Daí que até uma parcela de kardecianos autênticos é tentada, como que rendida por um canto de sereia, a aceitar Chico Xavier e Divaldo Franco, apenas por causa da "bondade".
Só que é uma "bondade" que não vai além do mundo de sonho e de fantasia. Na realidade, ela é fraca, insossa, inexpressiva e traz poucos efeitos sociais. O número de "beneficiados" parece grande, mas diante da dimensão de trilhões de pessoas, é pouco. Além disso, o caráter do benefício é duvidoso, por diversos aspectos.
Primeiro, porque o "benefício" tem o preço caro do proselitismo religioso. A Mansão do Caminho tem projeto pedagógico - não muito diferente do proposto pela Escola Sem Partido - que ensina a ler, escrever e aprender um ofício, mas os alunos são "convidados" (nunca de modo explícito, mas sutilmente persuasivo) a acreditar em bobagens como "crianças-índigos", tão ridícula que causou até divórcio do casal que criou o mito, devido a discussões sobre repartir o lucro de livros e palestras.
Segundo, porque é uma "caridade" espetacularizada, que causa muito encanto e comoção, mas que em nada ajuda de profundo e definitivo. As ações "filantrópicas" mostram sempre os mesmos pobres carentes a receber donativos, o que mostra que isso nada adiantou, não trouxe transformação alguma para a humanidade.
Mas o discurso da pós-verdade tenta fortalecer mitos. A blindagem de Chico Xavier e Divaldo Franco por seus seguidores é imensa, atingindo dimensões preocupantes. Eles mesmos trouxeram visões mistificadoras que contrariam o pensamento de Kardec, mas mesmo assim o discurso da pós-verdade os coloca como "discípulos" do pedagogo francês, a ponto de serem virtualmente poupados diante do esforço de recuperar as bases doutrinárias originais.
Ideias como "crianças-índigos" e "colônias espirituais" foram concebidas sem fundamento lógico, apenas movido por paixões religiosas de toda espécie. Ideias moralistas de nível conservador foram difundidas nos livros, palestras e depoimentos de Chico e Divaldo, se multiplicando como toda pós-verdade, que nasce como uma mentira multiplicada e difundida por gente influente.
Daí que eles podem, sim, terem antecipado a pós-verdade, na qual ideias mistificadoras e desprovidas de lógica ganharam terreno visando o prestígio religioso dos dois "médiuns" somado à mania dos brasileiros em dar superioridade a pessoas com status quo elevado, condicionado por atribuições obtidas materialmente pelas conveniências e pela troca de favores, mesmo diante de critérios técnicos e éticos relativamente respeitados.
Espera-se das pessoas, diante dos retrocessos inúmeros que a pós-verdade e a ilusão do status quo trouxeram para a humanidade, que comecem a fazer questionamentos profundos e abrir mão de antigas paixões. Em certos momentos, é preciso abandonar os "heróis" do imaginário coletivo para que as pessoas se salvem, se desapegando de ilusões que lhes parecem tão caras e preciosas, mas que são armadilhas que podem levar à ruína e à decepção.
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