sábado, 31 de dezembro de 2016
2017 será trágico para a plutocracia?
2016 foi um ano de muitos e terríveis retrocessos. No Brasil, se ascendeu ao poder um presidente sem representatividade popular, que implantou um projeto político que exige sacrifícios descomunais aos mais pobres, ameaçando direitos e conquistas consolidados pelas leis, principalmente a Constituição Federal de 1988. Só isso define o quanto o ano que passou foi bastante dramático para as pessoas.
Apesar disso, a chamada "boa sociedade", que inclui as elites abastadas e setores arrivistas da classe média, mesmo a mais baixa, parece viver no paraíso. Mesmo no Estado do Rio de Janeiro, palco de profundos e vertiginosos retrocessos sociais nos últimos oito anos, as pessoas teimam em achar que o Estado em que vivem sempre está vivendo momentos áureos, de um apogeu interminável.
Para os fluminenses, a ideia é sempre ver seu Estado e sua famosa capital serem vistos como "modelos a serem seguidos". O Rio de Janeiro, a "eterna Cidade Maravilhosa", uma "cidade-modelo" para o país, a ponto de, se lançar o cuspe à distância como "esporte olímpico", o resto do país terá que aderir.
A terrível pintura padronizada nos ônibus cariocas, que confunde os passageiros e favorece a corrupção político-empresarial, já que diferentes empresas de ônibus soam iguaizinhas sob uma mesma "pintura de consórcio", foi o exemplo nefasto do que é impor modismos.
Essa medida simboliza um decadente modelo de sistema de ônibus que já não faz sentido sequer em Curitiba, São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte e é empurrado goela abaixo para cidades como Florianópolis e Recife, que já vê o sucateamento do sistema representado pelos ônibus visualmente iguaizinhos.
Mas isso é só um detalhe, mas um dos mais importantes. Afinal, você se desloca, da casa para outro lugar, pegando um ônibus que você nem sabe a empresa operadora, que pode mudar à sua revelia, diante de um sistema sem a menor transparência no qual você nem sabe se voltará vivo para casa, e todos esses malefícios são defendidos por tecnocratas que muitos acreditam serem "tarimbados" e "saber tudo" sobre mobilidade urbana, apesar de nunca terem usado um ônibus na vida.
Os retrocessos ocorrem como uma avalanche caindo do alto de uma colina coberta pelo gelo. O declínio descontrolado da vida humana é defendido por senadores com apetite elitista insaciável, pela ganância sem limites dos mais ricos - inclusive os magnatas do mercado financeiro, a parte mais rica, arrivista, corrupta e impiedosa do empresariado - , pela persuasão obsessiva da mídia e pela ação vingativa e chantagista dos reacionários juvenis das redes sociais.
Com isso, é assustador ver o "espiritismo" brasileiro, uma religião tida como "espiritualista", em tese voltada à superação do materialismo, estar se comportando de maneira favorável às elites dominantes, com seus palestrantes apelando para os sofredores "aceitarem o sofrimento sem queixumes" e "perdoar os algozes pelos abusos e crimes cometidos".
Essa "moral espírita", que parece fazer apologia às injustiças sociais, só recorrendo à filantropia para evitar efeitos extremos - daí a "caridade paliativa" que só intervém, de maneira parcial, na pobreza extrema, mais para expor o filantropo aos aplausos das massas do que para realizar alguma ajuda definitiva (que não é o caso dessa "caridade"), mostrou a que veio com o caso da pediatra de Rondonópolis, que fez um juízo de valor acusando uma vítima de estupro de ser "culpada".
O "espiritismo" demonstra ser a religião das elites. A religião é um subproduto do conjunto da hipocrisia humana típico do Brasil. Se diz "espiritualista", mas não aceita que o espírito possa intervir na vida material, obrigando-o a "aceitar desgraças". Ou seja, prefere que as pessoas sejam escravas da matéria, sejam os privilegiados que a usufruem e manipulam para seus caprichos, sejam os sofredores que têm que aceitar infortúnios de difícil superação.
É, portanto, uma religião retrógrada, que se revela não uma adaptação brasileira do legado de Allan Kardec, mas uma forma repaginada do antigo Catolicismo medieval português, trazido ao Brasil pelos jesuítas, mostrando um cacoete muito comum nas elites brasileiras, que é sempre de pegar uma novidade e deturpá-la ao sabor das velhas correntes que nunca são superadas.
O resultado dessa hipocrisia de adaptar o "novo" ao sabor do "velho" se vê hoje na política brasileira, com o governo de Michel Temer lançar um projeto político que retoma a velha desigualdade social anterior à Era Vargas. com a precarização do mercado de trabalho, adiamento da aposentadoria para o fim da vida, a entrega das riquezas brasileiras a empresas estrangeiras e um sistema educacional hierarquizado nos moldes da Idade Média.
Junta-se a isso uma elite que agora não tem medo de expor seus preconceitos sociais, a ponto de nomes antes respeitáveis como o diretor de teatro Cláudio Botelho e o publicitário baiano Nizan Guanaes mostrarem posturas cruelmente elitistas. E isso diante de um Legislativo que vira as costas para o povo e um Judiciário que parece promover a Justiça do próprio umbigo.
As elites dominantes foram tomadas de um surto psicótico tão grande que é preciso se preocupar. Mas as pessoas não se preocupam e saem de casa felizes como se estivessem passeando em algum bosque do paraíso. O mundo está tenso e o Brasil mais ainda, e não há como relativizar com um suposto otimismo como os demagogos da religião tentam inserir diante de dificuldades intransponíveis que podem causar sérios prejuízos.
Mas o problema é que o topo da pirâmide, por sua sede desenfreada e sem controle pela retomada e ampliação de privilégios, é o que pode sofrer os efeitos da ganância extrema em 2017. Muitos especialistas de diversos setores (como leis, geopolítica, imprensa etc), afirmam que o presente ano será muito trágico, pelas complicações sociais a serem causadas por esse elitismo voraz.
Isso porque a sede sem controle por privilégios e luxo, combinada com um complexo de superioridade, pela supremacia do status quo exercida até nas camadas médias da sociedade - que endeusam os detentores de diplomas, fama, dinheiro, visibilidade e prestígioreligioso, entre outras "vantagens" sociais - , pode também trazer efeitos nefastos para a própria plutocracia.
A retomada voraz de privilégios acontece de forma proposital, e num contexto em que se tem consciência da necessidade da justiça social e dos compromissos de atender às necessidades gerais das classes populares. A ruptura forçada dessa necessidade e o fim do protagonismo das classes trabalhadoras no Brasil pode representar também um derramamento de sangue nas mansões, nos condomínios de luxo, nas boates chiques e até nos escritórios mais isolados.
Exagero? Não. Isso é apenas um dos aspectos das convulsões sociais que ocorrerão em 2017. O Brasil será um palco sangrento de reações de pessoas que não aceitarão tantas perdas, pois não é apenas a perda do protagonismo social, com o comando político agora entregue a pessoas sem representatividade popular, que está em jogo. Está em jogo, também, a perda de privilégios e conquistas históricas, forçando o empobrecimento ainda mais cruel da população.
As elites fizeram campanha para que o governo retrógrado de Michel Temer chegasse ao poder, impondo uma agenda política que matará o povo aos poucos, forçando o aumento da carga horária do trabalho, a redução de salários, o fim de garantias sociais, o adiamento da aposentadoria, a sobrecarga de funções, aliado ainda ao corte de investimentos em hospitais públicos, o que fará muitos brasileiros morrerem pelo desgaste profissional, pelos acidentes de trabalho e na fila dos hospitais.
Será castigo demais para as classes populares, muito mal disfarçado por um discurso oficial, difundido pela grande mídia comercial - como a Rede Globo, cujos donos vivem num enriquecimento faraônico de arrancar os cabelos de qualquer um - , de que "tais sacrifícios" serão necessários para o "crescimento social e econômico" do Brasil.
Grande ilusão. Se hoje as elites não conseguem conter seus próprios escândalos - como os "responsáveis" aliados de Michel Temer envolvidos até o pescoço nos escândalos de corrupção mais diversos - , imagine o descontrole que terão com as reações da sociedade? Assaltos ocorrendo à luz do dia em ruas movimentadas, escândalos e tragédias abalando os privilegiados de forma dramática e, não raro, traumática.
Há abusos de todo tipo, com o Judiciário e o Ministério Público agindo ao arrepio da lei, elites expondo preconceitos antissociais, internautas mostrando seu reacionarismo e seu linchamento moral sem controle, a grande mídia veiculando mentiras cabeludas nos seus noticiários, enquanto religiões apostam numa pregação moralista severa e cruel contra quem não detém os privilégios da Terra.
Não adiantarão o paternalismo dos jantares de gala beneficientes, aumento da segurança policial, ensino de "inteligência emocional" nas escolas depois da reforma do ensino médio, ou o desesperado apelo de religiosos - como os "espíritas" - para se aceitar o sofrimento e perdoar os abusos dos algozes.
O preço caríssimo de uma parcela da sociedade em querer ter demais e muito mais fará do Brasil um país totalmente vulnerável, podendo fazer de 2017 um ano muito trágico para a própria plutocracia
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