quinta-feira, 8 de setembro de 2016
Madre Teresa e o sofrimento humano
Quanta ilusão é o deslumbramento religioso. Vocês leem os textos de "espíritas", eles se julgam detentores da realidade, donos da palavra final, senhores da visão mais objetiva da vida, e no entanto o que eles transmitem é fantasia, mito, ficção. E fala-se até mesmo de Divaldo Franco, que os incautos têm a tolice de definir como "professor" ou até "filósofo".
A religião acaba se tornando uma farsa, afinal, a metodologia de sua construção ideológica tem como ponto de partida o Catolicismo medieval. Mesmo divergindo em vários pontos, o protestantismo pentecostal - como a Assembleia de Deus e a Igreja Universal do Reino de Deus - , definido como "neopentecostal" pelo apelo midiático e pela atuação parlamentar mais intensos, e o "movimento espírita" devem muito ao Catolicismo medieval em muitas ideias e práticas.
A recente santificação de Madre Teresa de Calcutá, felizmente, mostrou o lado controverso da coisa. A grande imprensa teve que admitir que muitas pessoas criticaram a tarefa, já que um documentário de Christopher Hitchens denunciou que a freira albanesa era corrupta e fazia maus tratos aos seus "assistidos", reduzindo suas casas de "caridade" em verdadeiros holocaustos.
Nestas casas, consta-se que, enquanto a freira albanesa, cujo nome de batismo era Agnes Bojaxhiu, estava viva, 29 mil de seus "assistidos" morreram por males que vão da falta de higiene desses "lares", da má alimentação, da remediação precária e, entre outros descasos, de se expuserem uns aos outros contagiando doenças graves.
E o que Madre Teresa dizia disso? Que eram 29 mil almas que "purificaram seus pecados e agora estão ao lado de Jesus Cristo". Essa visão, não muito diferente de certo austríaco, é respaldada até mesmo pelos "iluminados espíritas" e suas "palavras de amor".
As casas eram apenas depósitos de gente, quase que pré-necrotérios. Sem higiene, sem equipamentos, as próprias casas tentavam se manter em situação precária para dar um aparato de "humildade" que encantou muitas e muitas pessoas. As geladeiras e despensas quase não tinham alimentos e as poucas seringas eram reutilizadas e lavadas apenas com água de torneira (que não é aquela limpeza toda), o que traz um risco mortal para a saúde de alguém.
Madre Teresa arrecadava fortunas imensas para sustentar suas casas de "caridade". Abastecer de alimentos, bons equipamentos, limpar os lugares etc, tratar bem os enfermos e tudo o mais, tudo isso poderia ter sido feito. Mas não. Ela desviava o dinheiro, que ia todo para os cofres da cúpula do Vaticano, enriquecendo o já milionário alto clero da Igreja Católica.
O pior é que Madre Teresa não aceitava que médicos voluntários trabalhassem nestas casas e nem que familiares recolhessem os enfermos para transferi-los para hospitais. Ela acreditava que, quanto mais as pessoas sofriam, mais estavam perto do Céu, o que é uma perversidade sem tamanho para uma beata que se tornou oficialmente "símbolo máximo da bondade humana".
CHICO XAVIER: A "NOSSA MADRE TERESA"
É bastante curioso ver comparações entre Madre Teresa de Calcutá e Francisco Cândido Xavier. Os dois são adorados pelos "espíritas", que costumam exaltar suas supostas missões de caridade. É até clichê dizer atribuir a cada um "uma vida inteira dedicada ao amor ao próximo".
Mas tudo isso é uma grande ilusão. Observando os mitos de Madre Teresa e Chico Xavier, eles tiveram a mesma construção. Não se fala da confusa construção do mito de Chico Xavier antes do final dos anos 1970, quando seu mentor terreno, o presidente da FEB Antônio Wantuil de Freitas, lançou mão de escândalos para transformar um caipira plagiador de livros em "porta-voz dos mortos".
O mito de Chico Xavier que hoje se aprecia é "mais limpo", e vem desde os anos 1970. Claro que o mito de "filantropo" estava sendo trabalhado mais ou menos desde os anos 1950, mas ele era atropelado por inúmeros escândalos, muitos deles graves. E Wantuil não tinha senso publicitário e deixava que o mito de seu criado fosse trabalhado com um sensacionalismo bastante exagerado.
A coisa só mudou pouco depois. A TV Tupi e a revista O Cruzeiro - já procurando "limpar" a imagem de Chico Xavier, depois da farsa de Otília Diogo que provocou o rompimento do "médium" com seu discípulo Waldo Vieira - já fizeram um ensaio parecido, mas foi a Rede Globo de Televisão que construiu a imagem de Chico Xavier que hoje é alvo de adoração de muitas pessoas.
E como no Brasil muita coisa se copia, o mito de Chico Xavier é exatamente idêntico ao de Madre Teresa de Calcutá. Quanto aos aspectos positivos, os "espíritas" não escondem essa semelhança e até acham o máximo. Uma onda de adorações e devoções religiosas, com um sentimentalismo carregado de pieguice, é alimentado e se expande até para outras figuras, como Divaldo Franco, por exemplo.
E tudo isso veio da mente de um jornalista católico, o inglês Malcolm Muggeridge, que criou o documentário Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God) em 1969 para construir o mito de Madre Teresa que serve para o consumismo emotivo de seus devotos. Muggeridge era tão beato que a equipe técnica torcia o nariz com os devaneios do jornalista, que atribuía a Deus até mesmo os avanços tecnológicos da Kodak e seus modernos equipamentos para a época.
A partir desse documentário, criou-se todo um roteiro de "filantropia" que muitos amam: o "filantropo" chega a uma casa de "caridade", acolhido pela multidão, carrega bebê no colo, acaricia as cabeças de velhos doentes, conversa com mendigos, vê crianças tomando sopa e depois dá depoimentos com frases pretensamente sábias, que se transformam em "filosofia" sobretudo num Brasil em que muitos pensam ser "filosofia" um repertório de pequenas frases soltas.
E o que foi feito de Chico Xavier? A mesma coisa. E com um contexto próprio: o Brasil vivia uma crise política da ditadura militar, e seitas pentecostais como a Igreja Universal e a Igreja Internacional da Graça de Deus estavam se ascendendo, criando problemas com a católica Rede Globo.
A Rede Globo não poderia competir com as seitas pentecostais usando um ídolo de batina. Teria que enfrentar Edir Macedo e R. R. Soares de maneira mais sutil, e aí o beato católico Chico Xavier caiu como uma luva, porque ele era como um padre sem batina, e sobre ele havia o verniz de "novidade" diante da oficial, mas altamente discutível, associação com a Doutrina Espírita.
Aí vemos Chico Xavier cumprindo o receituário de Muggeridge: chegando a um "centro espírita" acolhido pela multidão, carregando bebê no colo, falando com mendigo, passando a mão na testa de um velho doente, vendo crianças tomando sopinha, dando depoimentos pseudossábios que servem para enfeitar a "filosofia de bolso" de alguns midiotas e por aí vai.
Chico Xavier também foi adepto da mesma Teologia do Sofrimento que fez de Madre Teresa de Calcutá um "anjo do inferno". Seria Chico um "anjo do umbral"? O que se sabe é que Chico, com suas próprias palavras, dizia para os sofredores não demonstrarem sofrimento para os outros, além de não se queixarem da vida em momento algum.
Para piorar, ele recomendava orar em silêncio, porque o "silêncio é a voz da sabedoria". É uma crueldade comparável a de Madre Teresa. O maior absurdo é que Chico Xavier é visto como "ativista" e até "progressista" com suas visões bastante retrógradas e moralistas!
E se Madre Teresa alojava doentes e desabrigados para morrerem à própria sorte, sob a desculpa de "serem entregues a Deus", Chico Xavier prolongava tragédias familiares com a exploração sensacionalista das mesmas através de supostas mensagens espirituais que mostravam irregularidades severas.
Uma tragédia com um ente querido que poderia se minimizar em duas semanas virava um luto muito mal dissimulado pela "mensagem espiritual" que durava anos e anos. Famílias eram enganadas, como no trote telefônico em que o sequestrador imita a voz do filho de alguém para inventar que ele está bem.
"Reféns" da esperteza de Chico Xavier, os entes queridos falecidos "reapareciam" em supostas mensagens que contradizem com as respectivas naturezas pessoais e, se apresentam as mais sutis semelhanças, é porque a chamada "leitura fria" das conversas diversas nos "centros espíritas" (sobretudo no "auxílio fraterno") e as pesquisas de fontes contribuem para tamanha farsa.
O próprio Chico Xavier usava apelos como "não reclame da vida", "não conteste" e "não questione", dadas por ele ou ditadas pelo traiçoeiro mentor Emmanuel, para tirar vantagem. Afinal, Chico Xavier era acusado de praticar plágios e pastiches literários em supostos livros psicográficos - o caso mais aberrante envolve o nome de Humberto de Campos - , com provas consistentes de tamanho delito, e por isso precisava ficar impune de tais acusações.
Daí as alegações de "tóxico do intelectualismo", do "mal de questionar as coisas", do "excesso de raciocínio" e da "overdose de Ciência", desculpas esfarrapadas que condenam o ato de pensar, quando o foco passa a ser a fé religiosa e seus dogmas mais absurdos.
Isso é um ponto de vista medieval. É a condenação ao ato de pensar, e à tese de que, se a Ciência e o pensamento crítico falham, não é pelo banimento que se resolvem essas falhas. É como se dissesse que as pessoas deveriam parar de andar só porque escorregaram uma vez e levaram um tombo. Neste caso, a própria biologia mostra bebês se esforçando a andar e, diante de tantas quedas, só conseguem corrigir os passos errantes andando.
Mas a religião não quer que o pensamento "ande" depois de "tropeçar". Se o pensamento falha, ele deve ser banido ou escravizado pela fé. Quando o "conhecer" se torna equivocado, ele tem que ser aprisionado pelo "acreditar".
Só que é através do pensamento, da nossa capacidade de raciocinar, que podemos identificar irregularidades sérias em Madre Teresa de Calcutá e Chico Xavier, enquanto o ato de "acreditar", de abraçar uma ideia que, em vez de ser questionada e verificada, é apenas adorada, os deixa impunes em suas perversidades ocultas.
É terrível que movimentos religiosos, inclusive o "espírita", apelem para coisas como "existem mistérios que a razão é impotente em resolver", "coisas sublimes que o raciocínio humano é definitivamente incapaz de analisar", abordagens que parecem "lindas", mas são dignas do mais terrível obscurantismo da Idade Média.
E ver que esses dois devotos da Teologia do Sofrimento são endeusados pelos mesmos brasileiros que comemoram a saída do poder de uma chefe do Executivo que buscava diminuir as irregularidades sociais, é chocante. E mostra o quanto muitos consideram a bondade como um mero subproduto da fé religiosa. Triste.
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