sexta-feira, 30 de setembro de 2016

A religião "espírita" e os infortúnios


Diante de sua inclinação, nunca assumida, à Teologia do Sofrimento, o "movimento espírita" tem dificuldades de entender a complexidade humana. O atraente desfile de palavras bonitas tenta sugerir que tudo é fácil, que dificuldades são apenas "desafios" e "aprendizados", sem saber o nível das dificuldades de cada pessoa.

Tanto faz abrir mão de talentos, da própria individualidade. É fácil dizer para a pessoa abrir mão até do que é necessário, e, pelo jeito que estão cidades poluídas e cheias de fumantes como Rio de Janeiro e São Paulo, não se tem direito sequer para respirar um ar mais saudável.

O Brasil vive uma realidade bastante maluca, com uma Justiça (Poder Judiciário e Ministério Público) fazendo uma atuação pouco confiável, movida pelas conveniências que fazem as condenações e investigações serem tendenciosas e parciais, favorecendo apenas representantes das chamadas "classes dirigentes", cuja identificação forçada pelo povo brasileiro é obra de intensa campanha da mídia patronal associada.

Mas é o país em que os "ancestrais" do juiz Sérgio Moro deixaram passar um pastiche literário deplorável, a apropriação de Francisco Cândido Xavier sobre o prestígio de Humberto de Campos, através de um empate jurídico diante da omissão em debates questões autorais - a obra do "espírito Humberto" não condiz com o estilo do autor maranhense - , existe o império da incoerência e do absurdo.

O mito de Chico Xavier se agigantou a partir daí, num processo descontrolado. E isso se dá num contexto em que o Brasil está perto de sofrer um quadro político fascista e cada vez mais pessoas se destacam com atos sanguinários, truculentos e fascistas.

Da pistolagem que matou, à luz do dia, o ex-presidente da Portela, Marcos Falcon, a um vídeo gravado por um homem matando a mulher e os filhos, passando por um truculento rapagão de elite, Cláudio Roberto Baldaque, que agrediu o senador Lindbergh Farias e sua esposa, fora os vários homicídios atingindo candidatos a cargos eletivos deste ano, nota-se que o país está numa situação terrível.

Não é falta de Chico Xavier nem de Divaldo Franco que o mundo está assim. Como os dois nunca passaram de farsantes e dissimuladores religiosos - católicos ortodoxos fantasiados de espíritas autoproclamados "autênticos" - , eles trouxeram, através das energias malignas de Emmanuel e Máscara de Ferro, as vibrações pesadas que simplesmente estão derrubando o país.

O "movimento espírita" não é falso porque eu ou você dissemos, mas pelas escolhas equivocadas e contraditórias que teve, e que se agravaram quando, nos últimos 40 anos, se adotou oficialmente a postura dúbia, que é a de bajular Allan Kardec e praticar igrejismo, embora sob o verniz do "espiritismo autêntico".

Nunca comparação ligeira, é como se comparássemos Jean-Baptiste Roustaing ao deputado Eduardo Cunha, diante da falsa impressão de que o respectivo algoz foi tirado de circulação. Mas o legado roustanguista existe, mesmo quando é dissimulado em mentiras cada vez mais descaradas, deturpações tão graves que já deturpam Erasto, deturpam o Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos e deturpam até as críticas à própria deturpação, como numa falsa concordância.

O "movimento espírita" construiu seus postulados com base não em Allan Kardec, mas em Roustaing. Já se criou um falso espírito de Kardec, apelando para que se lesse Roustaing. As bases ideológicas são roustanguistas e Chico Xavier claramente adaptou o roustanguismo para o contexto brasileiro, e isso está muito mais do que explícito em seus livros.

Assim como Temer é Cunha e Cunha é Temer, ou seja, o legado de Eduardo Cunha está em Michel Temer e no provável sucessor de eleição indireta, Roustaing é Chico Xavier e Chico Xavier é Roustaing. Os três volumes originais (quatro, na edição da FEB) de Os Quatro Evangelhos gerou os mais de 400 livros que levam a assinatura de Chico Xavier.

Xavier até levou às últimas consequências as deturpações de Roustaing. Ou seja, foi adiante e até longe demais com o roustanguismo. E, prestando atenção nos livros de Chico Xavier, tudo isso se revela uma farsa diante da leitura mais atenta e sem as paixões do deslumbramento religioso, porque sua suposta inclinação ao pensamento kardeciano se dissolve facilmente ao identificar o conteúdo roustanguista e extremamente igrejeiro da bibliografia chiquista.

A exemplo da farsante Madre Teresa de Calcutá - que transformou suas "casas de caridade" em reles depósitos de flagelados - , Chico Xavier era adepto da Teologia do Sofrimento. Enquanto Madre Teresa dizia que o sofrimento era um "presente de Deus", Chico Xavier dizia para o sofredor "sofrer amando" e "sem mostrar sofrimento aos outros".

Os infortúnios são tolerados pelos palestrantes "espíritas" que, ignorando injustiças e desigualdades, apenas dizem para os sofredores "aceitarem o sofrimento", e, com seu juízo de valor, dizer que as desgraças são "apenas desafios e aprendizados".

Pouco importam os abusos dos algozes, o desprezo da sociedade - o próprio Chico Xavier revela seu caráter desumano condenando as pessoas que se queixam da vida porque perturbam o sossego dos afortunados da sorte - , os "espíritas" apelam para os sofredores "aceitarem o sofrimento", serem "felizes" e buscarem "soluções próprias" para tais dificuldades.

Os "espíritas" desprezam a vida material e nem por isso deixam de ser materialistas. Pelo contrário, são materialistas justamente por isso: porque querem deixar a brutalidade da vida material intocável à interferência humana, que só a individualidade e as condições diferenciadas de emancipação humana podem permitir.

Os "espíritas" querem a vida "qualquer nota", como se tanto fizesse para eles que um sofredor se transforme em brinquedo das adversidades cotidianas. E por isso eles fazem seu juízo de valor: o sofredor sofre "por merecer", a desgraça é "aprendizado", o infortúnio é "desafio" e tanto faz a pessoa não ter sequer o necessário, basta olhar passarinhos e rio correndo, como queria Chico Xavier.

Isso desqualifica mais e mais os "espíritas", que cada vez mais sentem o vazio de seus apelos "positivos", trazendo uma pregação igrejista que se torna cada vez mais repetitiva, sem graça, sem trazer estímulo algum e, pelo contrário, só fazendo os sofredores pensarem em coisas horríveis como o suicídio. Em suma: o moralismo "espírita" mostra o quanto seus pregadores são "remediados demais" para entender as limitações e problemas do outro.

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