Virou bagunça. O confuso "movimento espírita" brasileiro não pode ser esclarecedor se ele apresenta situações e abordagens bastante contraditórias e especulativas. Ficamos imaginando se Allan Kardec, sempre inclinado à busca do esclarecimento e da coerência, visse o que fizeram com a doutrina que ele sistematizou e ele ficaria pasmo com o que aconteceu.
Como um professor diante do vandalismo dos alunos, Kardec ficaria chocado. E ele lamentaria sobretudo as desordens que Francisco Cândido Xavier causou, os escândalos e dissabores que ele provocou com suas molecagens "mediúnicas", com a usurpação da memória dos mortos, com seu moralismo ultraconservador e com seu habitual coitadismo.
Pois o homem que usurpou os escritores do além e os anônimos cidadãos falecidos recebeu o "troco" de sua "mediunidade" e, treze anos após seu falecimento, alguns supostos médiuns agora falam em seu nome. O principal deles é o baiano Ariston Santana Teles, ou simplesmente Ariston Teles.
Ariston afirma ter conhecido Chico Xavier em 1980 em Uberaba. Ele viu o anti-médium mineiro pela última vez em 1999. Ariston é funcionário da Câmara dos Deputados e afirma ser médium psicofônico, que "recebe espíritos" pela voz. Ele cuida de um "centro espírita", em Brasília, chamado Monte Alverne, que realiza palestras, tratamentos espirituais e sopão.
Embora Ariston tenha escrito um livro com o filho adotivo de Chico Xavier, Eurípedes Higino - responsável pelo mausoléu do anti-médium, em Uberaba - , este afirma que não recebeu de Chico qualquer código referente à psicofonia, mas tão somente a psicografias.
Sabe-se que, em 1998, Chico Xavier teria se reunido com três pessoas, Eurípedes Higino, o xará deste, médico Eurípedes Vieira e a amiga Kátia Maria, esta já falecida. Ele teria dado a essas pessoas uma espécie de "senha" ou "código secreto" que os faria identificar a veracidade das mensagens espirituais atribuídas ao anti-médium.
Amigo de Chico Xavier, o médico Elias Barbosa, todavia, reconhece veracidade em algumas dessas mensagens, incluindo a de Ariston Teles, por causa da "superioridade moral presente nas palavras". Como amostra, em outra oportunidade divulgaremos a mensagem que o "espírito Chico Xavier" enviou sobre a tragédia de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em 30 de janeiro de 2013.
Já Divaldo Franco, que acredita que Chico Xavier "poderá voltar a reencarnar na Terra", disse que "incorporar Chico Xavier daria certo status a um médium", embora recomendasse "muita cautela" nesse processo "mediúnico".
Para completar a confusão, Ariston Teles compartilha da visão absurda - que a lógica garante, por definitivo, ser absolutamente impossível de acontecer - de que Chico Xavier é reencarnação de Allan Kardec. Ariston fez essa declaração com as seguintes palavras, em uma entrevista dada em 2012 para o jornal A Gazeta, de Vitória (ES), a respeito de Chico ter sido Kardec:
"Sim. Ele fez essa declaração nos últimos anos antes de morrer a pessoas da sua intimidade. Uma delas foi seu filho, Eurípedes Higino dos Reis. Essa declaração está no livro "Chico Xavier, apóstolo do Brasil". É um assunto que gera muita polêmica, inclusive no meio espírita. Há correntes que acreditam; outras, que não. Eu não acreditava, mas, depois que passei a incorporar o espírito dele, tive visões e passei a crer".
Com toda a certeza, essa visão é absurda. E que toda esta série de contradições torna o "espiritismo" brasileiro bastante confuso. E, se há muita confusão e contradição, a coerência não irá residir nesse lodo de visões que se chocam entre si.
Com a máxima, a mais segura e a mais absoluta certeza, Chico Xavier nunca teria sido Allan Kardec. Nem mesmo hipóteses e argumentos verossímeis conseguirão provar. Isso porque Kardec, homem de firme coerência, nunca teria voltado à Terra na forma de um confuso caipira ultraconservador e católico fervoroso que só causou problemas para a Doutrina Espírita.
Portanto, seria um grande desrespeito a Allan Kardec, um dos piores e mais aberrantes ultrajes à sua pessoa, atribuir a ele uma reencarnação na forma de uma figura tão confusa e contraditória quanto Chico Xavier. Seria esculhambar com o professor lionês e sua coerência.
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