terça-feira, 18 de agosto de 2015

Chico Xavier "recebe o troco" de sua "mediunidade"


Virou bagunça. O confuso "movimento espírita" brasileiro não pode ser esclarecedor se ele apresenta situações e abordagens bastante contraditórias e especulativas. Ficamos imaginando se Allan Kardec, sempre inclinado à busca do esclarecimento e da coerência, visse o que fizeram com a doutrina que ele sistematizou e ele ficaria pasmo com o que aconteceu.

Como um professor diante do vandalismo dos alunos, Kardec ficaria chocado. E ele lamentaria sobretudo as desordens que Francisco Cândido Xavier causou, os escândalos e dissabores que ele provocou com suas molecagens "mediúnicas", com a usurpação da memória dos mortos, com seu moralismo ultraconservador e com seu habitual coitadismo.

Pois o homem que usurpou os escritores do além e os anônimos cidadãos falecidos recebeu o "troco" de sua "mediunidade" e, treze anos após seu falecimento, alguns supostos médiuns agora falam em seu nome. O principal deles é o baiano Ariston Santana Teles, ou simplesmente Ariston Teles.

Ariston afirma ter conhecido Chico Xavier em 1980 em Uberaba. Ele viu o anti-médium mineiro pela última vez em 1999. Ariston é funcionário da Câmara dos Deputados e afirma ser médium psicofônico, que "recebe espíritos" pela voz. Ele cuida de um "centro espírita", em Brasília, chamado Monte Alverne, que realiza palestras, tratamentos espirituais e sopão.

Embora Ariston tenha escrito um livro com o filho adotivo de Chico Xavier, Eurípedes Higino - responsável pelo mausoléu do anti-médium, em Uberaba - , este afirma que não recebeu de Chico qualquer código referente à psicofonia, mas tão somente a psicografias.

Sabe-se que, em 1998, Chico Xavier teria se reunido com três pessoas, Eurípedes Higino, o xará deste, médico Eurípedes Vieira e a amiga Kátia Maria, esta já falecida. Ele teria dado a essas pessoas uma espécie de "senha" ou "código secreto" que os faria identificar a veracidade das mensagens espirituais atribuídas ao anti-médium.

Depois do falecimento de Chico Xavier, em 2002, no dia em que os "cartolas" da CBF e da FIFA ficaram muito felizes, mensagens atribuídas ao seu espírito foram divulgadas por outros supostos médiuns. Nenhum dos três confidentes reconheceu nelas qualquer código correspondente ao que foi anunciado por Xavier.

Amigo de Chico Xavier, o médico Elias Barbosa, todavia, reconhece veracidade em algumas dessas mensagens, incluindo a de Ariston Teles, por causa da "superioridade moral presente nas palavras". Como amostra, em outra oportunidade divulgaremos a mensagem que o "espírito Chico Xavier" enviou sobre a tragédia de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em 30 de janeiro de 2013.

Já Divaldo Franco, que acredita que Chico Xavier "poderá voltar a reencarnar na Terra", disse que "incorporar Chico Xavier daria certo status a um médium", embora recomendasse "muita cautela" nesse processo "mediúnico".

Para completar a confusão, Ariston Teles compartilha da visão absurda - que a lógica garante, por definitivo, ser absolutamente impossível de acontecer - de que Chico Xavier é reencarnação de Allan Kardec. Ariston fez essa declaração com as seguintes palavras, em uma entrevista dada em 2012 para o jornal A Gazeta, de Vitória (ES), a respeito de Chico ter sido Kardec:

"Sim. Ele fez essa declaração nos últimos anos antes de morrer a pessoas da sua intimidade. Uma delas foi seu filho, Eurípedes Higino dos Reis. Essa declaração está no livro "Chico Xavier, apóstolo do Brasil". É um assunto que gera muita polêmica, inclusive no meio espírita. Há correntes que acreditam; outras, que não. Eu não acreditava, mas, depois que passei a incorporar o espírito dele, tive visões e passei a crer".

Com toda a certeza, essa visão é absurda. E que toda esta série de contradições torna o "espiritismo" brasileiro bastante confuso. E, se há muita confusão e contradição, a coerência não irá residir nesse lodo de visões que se chocam entre si.

Com a máxima, a mais segura e a mais absoluta certeza, Chico Xavier nunca teria sido Allan Kardec. Nem mesmo hipóteses e argumentos verossímeis conseguirão provar. Isso porque Kardec, homem de firme coerência, nunca teria voltado à Terra na forma de um confuso caipira ultraconservador e católico fervoroso que só causou problemas para a Doutrina Espírita.

Portanto, seria um grande desrespeito a Allan Kardec, um dos piores e mais aberrantes ultrajes à sua pessoa, atribuir a ele uma reencarnação na forma de uma figura tão confusa e contraditória quanto Chico Xavier. Seria esculhambar com o professor lionês e sua coerência.

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