terça-feira, 16 de setembro de 2014

Religião não devia ser o refúgio do absurdo

ILHA DE ILUSÃO EM MAR DE REALIDADE - É o que se costuma fazer com os dogmas religiosos.

Desde as crenças surreais promovidas pelo Catolicismo medieval, que distorceram o Cristianismo primitivo, doutrina criada por seguidores e herdeiros do ativismo de Jesus, em uma ideologia marcada pelo sensacionalismo místico-moralista, criou-se uma obsessão em transformar a fé religiosa num exílio confortável para o absurdo, o pitoresco e o ilógico.

O Catolicismo lançou teses absurdas que, na verdade, soam interpretações equivocadas sobre alguns fenômenos e fatos ocorridos não apenas na época de Jesus, mas nos tempos de profetas antecessores, como Moisés.

No caso de Moisés, a interpretação equivocada da maré baixa do Mar Vermelho deu aos católicos a falsa noção de um mar sendo "recortado", quando na verdade Moisés aproveitou a baixa da maré para chamar seus seguidores a seguir caminho por águas bem baixas.

No caso do dilúvio que fez Noé e seus familiares a se mandarem para um navio e levassem alguns animais junto, não necessariamente casais de bichos, como diz a narrativa oficial, foi apenas uma enchente regional, não a "grande enchente" que supostamente atingiu o mundo inteiro, como também diz a narrativa oficial.

Mas uma religião que havia "plantado" o julgamento de Jesus por Pôncio Pilatos, fato que nunca existiu, já que nenhum registro histórico a respeito foi descoberto e Pilatos, pelo contexto da época, não teria tido paciência para tal evento e tão somente ordenou a crucificação de Jesus, tal qual os antigos milicos do DOI-CODI exterminaram seus condenados a esmo, tal atitude faz sentido.

O problema é que esse vício contaminou até mesmo outras crenças dissidentes, como o Protestantismo ou mesmo a maneira com que o Espiritismo foi feito no Brasil, em que crenças surreais continuaram prevalecendo, em que pesem as respectivas rupturas com excessos moralistas do Catolicismo medieval.

No chamado "movimento espírita" no Brasil, os antigos absurdos de traduções medievais da Bíblia foram substituídos por outros que, mesmo numa crença supostamente voltada à ciência, mantém a obsessão de reservar um "espaço" de legitimação de fenômenos surreais.

É o caso de elementos feitos para camuflar processos duvidosos de mediunidade. Sobretudo em relação a psicografias, quando manifestações textuais atribuídas a espíritos já falecidos destoam de suas particularidades pessoais em prol da valorização de mensagens ditas "fraternais".

Colhemos algumas possíveis argumentações a respeito desses processos que fazem com que, no caso do "espiritismo" brasileiro, se legitimem manifestações duvidosas, em muitos casos chegando a ludibriar juristas e especialistas culturais, intimidados com a reputação "nobre" que muitos dirigentes e ídolos "espíritas" exercem sobre a sociedade.

AS EXPRESSÕES (OBRAS TIDAS COMO MEDIÚNICAS) SE ASSEMELHAM PERFEITAMENTE COM O ESTILO DOS AUTORES FALECIDOS.

No contexto do "espiritismo" brasileiro, isso é insuficiente para provar, por definitivo, a autenticidade de supostas obras mediúnicas. A semelhança não impede que tais obras sejam na verdade imitações feitas por supostos médiuns, podendo ser fraudulentas.

Deve-se frisar que toda imitação se esforça em parecer com o original. A mentira tenta se parecer com a verdade, toda fraude se assemelha com a sua fonte de cópia. Um produto pirata apresenta semelhanças com o original. Por isso, até certo ponto, o falso parece com o verdadeiro, às vezes de maneira bastante sutil.

O grande problema é quando se observam pormenores, detalhes complexos, aspectos peculiares, que fazem com que o falso seja desmascarado e não seja atribuído como algo autêntico, por conta dessas caraterísticas que não conseguem reproduzir com perfeição as da fonte de cópia.

OS AUTORES ESPIRITUAIS ESTAVAM TÃO TOMADOS DE AMOR QUE SE ESQUECERAM DO SEU PRÓPRIO ESTILO PARA TRANSMITIR PALAVRAS DE AMOR.

Essa ideia é absurda e completamente ridícula. Como é que alguém tem a capacidade de abrir mão de suas caraterísticas pessoais, só porque se comprometeu a expressar "mensagens de amor", pregar a "fraternidade" e a "união dos irmãos"?

Mesmo quando há concordância em relação a uma causa comum da sociedade, um autor de uma mensagem espiritual nunca abriria mão de suas caraterísticas pessoais para expressá-la. Seria anular sua individualidade por completo, se tornando uma marionete dócil de palavras melífluas. A pessoa se reduziria a uma coisa, enquanto meras palavras mortas se transformam em totens quase humanos.

A LINGUAGEM É UNIVERSAL, NÃO IMPORTA O ESTILO, IMPORTA O AMOR.

Outro absurdo, que atua em função do exemplo anterior. A tal "comunhão de pensamento", desculpa usada por Divaldo Franco para livrar-se das acusações de plágio, não procede e a universalidade da linguagem não é desculpa para que se abra mão das caraterísticas pessoais para a veiculação de uma mensagem.

Pode haver afinidades de ideias entre dois emissores de mensagens, mas nada que possa confundir estilos ou permitir atos de plagiar. Uma coisa é ter afinidades de ideias com o outro, mas outra coisa é abrir mão de sua personalidade por conta de uma mensagem "fraternal", o que é desprovido de lógica.

"MISTÉRIO DA FÉ" E "PALAVRAS DE AMOR"

O que se observa é que, tal o "mistério da fé" que tornou-se a desculpa secular da Igreja Católica para que se permitam interpretações surreais de certos fatos ou fenômenos, criando, no âmbito religioso, a supremacia do fabuloso sobre o real, permitindo a reserva da valorização ilógica que tenta desqualificar questionamentos mais realistas.

É um processo tendencioso, porque a religião, neste caso, se serve da exploração do surreal, do pitoresco, do fabuloso e até do absurdo para atribuir a alguns de seus personagens um poder sensacionalista, uma força maior do que a que eles, humanos como nós, tinham na realidade.

O "espiritismo" brasileiro até dispensou a obrigatoridade de se acreditar nos absurdos católicos. Virou "ponto facultativo", ficou opcional. Mas ele mesmo lança absurdos, sobretudo nas falsas materializações e nos falsos produtos mediúnicos, que muitos veem como autênticos mesmo quando apresentam graves irregularidades.

Como se pode ver autenticidade em obras que destoam, sobretudo pela qualidade de expressão, do legado que os falecidos deixaram em vida? Um Cazuza meio apatetado do livro de Robson Monteiro, ou um Eça de Queiroz do além que com a "mão pesada" teria escrito um romance sobre Getúlio Vargas bastante pachorrento, entediante, quase um panfleto de pregações religiosas?

Mais uma vez, o questionamento lógico é deixado de lado em prol das "palavras de amor". Até mesmo mensagens de entes queridos falecidos são comprometidas, porque o que chega aos entes que aqui continuam não são recados dos falecidos, mas pregações religiosas vindas da imaginação de supostos médiuns ou de espíritos zombeteiros que se apropriam dos nomes dos mortos para tirar vantagem.

A lógica da realidade vale em todos os âmbitos. A religião não pode ser um terreno livre da compreensão lógica dos fatos. Abordagens fabulosas, surreais e pitorescas valem como arte, como imaginação cultural, mas eles não podem se sobrepôr à realidade. Quando muito, elas apenas oferecem interpretações artísticas da realidade, sobretudo como metáforas.

A falta de lógica não pode substituir a realidade a pretexto das "finalidades de amor". O amor não pode se sobrepôr à lógica, à ética, à transparência e à coerência. Até porque isso deixa de ser o amor verdadeiro, que vivifica, esclarece, encoraja e anima, para ser um "amor" que intimida, que obscurece, que deprime e, sobretudo, AMORdaça.

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