quarta-feira, 2 de agosto de 2017

"Espíritas" dizem que Pátria do Evangelho "já surgiu"


O "espiritismo" brasileiro, pelo jeito, está no clima do "Fica Temer". Apoia as pautas retrógradas do governo, se não de forma assumida, mas de um jeito explícito, conforme os muitos textos que os "espíritas" diversos publicam fazendo apologia ao sofrimento humano e apelando para os indivíduos abrirem mão até de seus talentos e necessidades.

Na edição do "Correio Espírita" deste mês, uma das matérias tenta afirmar que a chamada "Pátria do Evangelho", prevista pelo anti-médium mineiro Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier, "já surgiu", dois anos antes do chamado prazo da "data-limite".

A alegação do periódico, em outras palavras, é que o Brasil está passando por momentos de muita turbulência, retrocessos, confusões e conflitos, entre tantos erros e desastres, porque "está informando" aos brasileiros dos males que o país sofreu há décadas, já que esse quadro não apresenta aspectos inéditos na história do país.

Comparando com uma água suja, o texto contrapõe a esse quadro a ideia de que "está surgindo" a "pátria do Evangelho", um conceito que, segundo os "espíritas", iria guiar o progresso moral da humanidade planetária, a partir do exemplo do Brasil.

O conceito de "pátria do Evangelho" é cheio de equívocos. Embora o "espiritismo" brasileiro se vanglorie em professar "fidelidade absoluta" aos postulados espíritas originais, a tese de "pátria do Evangelho" seria refutada por Allan Kardec, cuja linha de raciocínio não admite, pelo sua lógica e coerência, que um país possa ser considerado "líder" do mundo, mesmo que sob pretextos religiosos.

IDEIA ROUSTANGUISTA

A ideia de "pátria do Evangelho" é a maior herança deixada por Jean-Baptiste Roustaing, o advogado francês que, com seu livro Os Quatro Evangelhos, forneceu as bases doutrinárias que o "espiritismo" brasileiro pratica até hoje. O nome de Roustaing é renegado, mas o legado deixado por ele é seguido até por aqueles que se dizem "totalmente fiéis a Kardec".

O próprio livro Os Quatro Evangelhos fala de uma "religião unificadora" que sintetizaria várias crenças religiosas em torno de uma só, que em tese seria o Espiritismo, nas concepções de Roustaing, ou seja, dotado de conteúdo católico.

Chico Xavier escreveu, com o presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, o livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Tendenciosamente, os dois atribuíram a autoria do livro ao "espírito Humberto de Campos", quando a única "presença" do autor maranhense se deu em um trecho plagiado de um capítulo do livro deste, O Brasil Anedótico, "A lei das aposentadorias".

O livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho - cujo tema nem é original, mas um reaproveitamento, sob a orientação de Wantuil, do tema "Brasil, Berço da Humanidade, Pátria do Evangelho", que Leopoldo Machado escreveu e expôs na FEB em 1934 - revela um conteúdo ufanista, bem ao gosto do caipira conservador Chico Xavier, que como todo interiorano sonhava ver o país natal "mandar no mundo".

O conteúdo é igrejeiro, de um catolicismo medieval explícito, e que comprova que o conceito de "coração do mundo" e "pátria do evangelho", que os "espíritas" definem como "algo maravilhoso", é, na verdade, uma ideia bastante perigosa e traiçoeira.

Primeiro, por pressupor a supremacia mundial de uma única nação sobre as outras. Na teoria, tudo é muito bonito, mas na prática, revela um imperialismo ameaçador, que pode praticar atos genocidas ao longo dos tempos sob a alegação da "vontade divina". Para um projeto de "pátria divina" prosperar, eliminam-se obstáculos à causa da nação poderosa. Daí surgirem cruzadas, inquisições, queimadas de pessoas, torturas, enforcamentos e fuzilamentos, entre vários outros holocaustos.

A supremacia religiosa é também perigosa, sob este ponto de vista, e ela pode justificar as tiranias que podem cometer suas atrocidades "em nome de Deus". Os "espíritas" mostraram que podem ter em mãos desculpas para o prejuízo alheio, supondo, sem provas lógicas, encarnações passadas para tornar aceitável a desgraça do outro. O mito dos "reajustes espirituais", "resgates morais" e "resgates coletivos" pode permitir que até genocídios sejam feitos.

Exemplos como a Alemanha nazista e o catolicismo medieval do Império Bizantino (antigo Império Romano do Oriente) mostram o quanto é perigosa a ideia de uma nação dominar o mundo política ou religiosamente. Nada disso é anunciado no discurso, mas as circunstâncias que virão ao longo dos anos trarão condições para que os "líderes fraternos" possam recorrer até ao extermínio em massa para proteger seu projeto político-religioso.

O Catolicismo medieval, que se deu sob o mesmo enunciado "fraterno" da "pátria do Evangelho", foi marcado por violenta supremacia, que custou as vidas de milhões e milhões de inocentes que contrariavam as crenças da "Santa Igreja". Mais adiante, os jesuítas José de Anchieta e Manuel da Nóbrega (o Emmanuel dos "espíritas") apoiaram o assassinato de um homem só por ele seguir a religião protestante.

BRASIL FRAGILIZADO

Mas outro aspecto que se deve considerar é que o Brasil está "infartado demais" para obter o status de "coração do mundo". Em certo sentido, ainda bem. Não seria positivo para os brasileiros que o país se tornasse líder do mundo, da mesma forma que os estadunidenses se sentem prejudicados quando os EUA se atrevem a cuidar dos assuntos de outros países.

A crise que assola o Brasil, e que os "espíritas" acham "positivo" para "despertar a consciência" das pessoas quanto ao "evangelho", faz com que o país sul-americano voltasse a ter não só a condição de nação subdesenvolvida, mas também de nação em baixa reputação no resto do planeta.

Não são raros os momentos em que a imprensa da Europa e dos EUA revela perplexidade com tantos fatos lamentáveis ocorridos no Brasil em dimensões surreais. O golpe político que se deu em maio de 2016 criou uma série de incidentes que fizeram o país ser visto com estranheza por jornalistas, celebridades, intelectuais e autoridades de maior conceito no restante do planeta.

"ESPÍRITAS" APOIAM O GOVERNO TEMER

O que se mostrou também é que o "movimento espírita" brasileiro apoiou, com entusiasmo mas sem assumir no discurso, o golpe político de maio de 2016. As passeatas dos "coxinhas", nas quais se pedia até "intervenção militar" (eufemismo para golpe militar), eram vistas pelos "espíritas" como "despertar da humanidade" e "início do processo de regeneração".

A julgar pelo que os "espíritas" falam, teríamos que acreditar que as "crianças-índigo" seriam os rapazes do Movimento Brasil Livre, Revoltados On Line (na ironia dos "espíritas" condenarem a ideia de revolta) e Vem Pra Rua, as "crianças-cristais" seriam os irmãos Eduardo e Flávio Bolsonaro e o pai destes, Jair Bolsonaro, um potencial líder para cumprir a missão do "coração do mundo".

O apoio do "espiritismo" ao governo Temer é tal que o próprio presidente citou a frase "Não fale da crise, trabalhe", semelhante à que Emmanuel havia dito em seu tempo: "Não reclame, trabalhe e ore". O otimismo de Temer em relação ao "fim da recessão" também segue exatamente o mesmo sentido do otimismo dos "espíritas" quanto à "chega de uma nova era" para o Brasil.

Desde maio de 2016, os "espíritas", cada vez mais identificados com a Teologia do Sofrimento - corrente medieval da Igreja Católica - , passaram a publicar mais textos fazendo apologia ao sofrimento humano, como se já estivessem preparando os cidadãos às reformas restritivas do governo Temer, como a reforma trabalhista e a reforma previdenciária, que desfazem direitos trabalhistas históricos.

Textos apelando para amar a desgraça e abrir mão das próprias necessidades e talentos foram publicados, em muitos casos deixando a máscara de muitos palestrantes espíritas, antes famosos por seus textos e oratórias vibrantes, caírem, revelando neles moralistas extremamente severos e intransigentes.

Para terminar, vemos uma grande ironia do anúncio da "pátria do Evangelho" diante de um cenário em que a plutocracia política luta para permanecer no poder, com ou sem Temer. E isso mostra o quanto o "espiritismo" está retrógrado e o papo de "pátria do Evangelho" mostra o quanto esta doutrina está repetindo os mesmos discursos, no desespero paranoico de ficar com a posse da verdade. Mas a realidade se dará à revelia dos "espíritas", o que lhes será muito doloroso.

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