quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Sociedade não entendeu que feminicidas também produzem sua tragédia

A VIOLÊNCIA MACHISTA NÃO É TRÁGICA SÓ PARA AS VÍTIMAS, MAS TAMBÉM PARA OS PRÓPRIOS AGRESSORES.

A sociedade não entendeu quando, em textos na Internet, se fala que os homens que praticam violência contra a mulher, seja com amigas, colegas, estranhas ou as próprias companheiras, produzem também tragédia para si mesmos.

Num país patriarcal, moralista e complacente com os algozes - numa moral estranha em que se defende a punição às vítimas e o indulto aos algozes, dentro da perspectiva da Teologia do Sofrimento - , que no "espiritismo" inclui até a crença no "fiado moral", na qual o cometedor de injustiças e prejuízo alheio só "pagará pelo que fez" na próxima encarnação, há uma reação muitíssimo estranha quando se fala que feminicidas também podem morrer.

Há dois feminicidas famosíssimos, já idosos, que apresentam indícios de graves doenças, um por um passado de intenso tabagismo e uso de cocaina (só a cocaína foi deixada de lado, depos) e outro por overdose de comprimidos depois de matar uma namorada. Do primeiro, amigos já manifestaram preocupação pelo intenso tabagismo. Do segundo, uma reportagem já citou que ele estaria sofrendo de câncer na próstata e também de uma forma avançada de diabates, que o deixou quase cego.

Apesar disso, muitos imaginam ofensivo cogitar que um feminicida possa falecer um dia, em muitos casos, até de forma prematura, antes dos 60 anos de idade. Mais escandaloso do que alguém falar que "quem matou vai morrer um dia" é ver pessoas amedrontadas pela simples hipótese de que assassinos de classes privilegiadas, sobretudo feminicidas, também adoecem, sofrem acidentes e morrem.

A coisa é tão surreal que, apesar do horror que muitos atos feminicidas provocam, com a chocante decisão de homens considerados "de bem" de matarem, até com crueldade e frieza, suas próprias companheiras, há um apego estranho de parte da sociedade a eles, e o mínimo que esta parcela pode admitir é que o falecimento deles, se ocorrer, tenha o silêncio da imprensa.

Isso contradiz o próprio contexto de liberdade e amplitude de informações. Em outros tempos, era mais fácil noticiar o falecimento de um homicida, seja feminicida ou não. Nomes como Leopoldo Heitor, Michel Frank e Otto Willy Jordan, entre os feminicidas, e um serial killer como o estadunidense Ed Gein, puderam ter seus falecimentos divulgados pela imprensa.

Hoje há um estranho fenômeno que os obituários publicados na mídia brasileira são um "quase paraíso". Grandes artistas, ativistas sociais, políticos veteranos de perfil mais moderado, fazem dos obituários uma lista de "quase anjos" que, mesmo com aspectos pessoais sombrios, são mais marcados por qualidades positivas.

No exterior, pelo menos divulgam-se eventualmente falecimentos de assassinos, como o britânico Ian Brady, um dos moors murderers que assassinaram crianças e adolescentes em Saddleworth Moor, em Manchester, falecido este ano. Sua parceira nos crimes, Myra Hindley, faleceu em 2002. Na Itália, também foi noticiada a morte de Pino Pelosi, assassino do cineasta Pier Paolo Pasolini.

No Brasil, o último grande assassino de grande repercussão a falecer foi Carlos Eduardo Nunes, o Cadu, que matou o cartunista Glauco Villas Boas (de personagens como Geraldão, Casal Neuras, Doy Jorge e Dona Marta). Ele teria sido assassinado devido a uma briga na prisão.

Na busca do Google, as tragédias dos homicidas, potenciais ou consumadas, só são noticiadas quando o criminoso não é ligado a um privilégio social. Quando o homicida é um privilegiado, em que pese seu crime ter comovido o país e o julgamento do mesmo ter sido noticiado em redes nacionais de televisão, sua tragédia quase nunca é noticiada.

É só perceber como a Agência O Globo noticiou os casos dos assassinatos da atriz Luz Del Fuego, em 1967, e da socialite Ângela Diniz, em 1976. Dois dois casos, o primeiro noticiou o paradeiro dos assassinos da atriz, que ao longo dos anos morreram assassinados. Eram dois pescadores que estavam de olho nos patrimônios da atriz, que era rica. Um morreu na prisão e outro, solto, numa emboscada.

No caso de Ângela Diniz, assassinada pelo playboy Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street, ligado a uma poderosa família de empresários, não se menciona o paradeiro dele, em tese com 83 anos de idade hoje. A notícia mais recente dele foi quando ele divulgou, em 2006, na imprensa seu livro Mea Culpa (que encalhou nas livrarias), no qual ele, livre da prisão, dava sua versão para o crime. A julgar pelo texto, não se sabe se Doca ainda está vivo ou se já morreu.

Por ironia, em 2016 o cantor canadense Leonard Cohen, nascido na mesma época que Doca, ao ser diagnosticado de séria doença, finalizou seu último álbum de estúdio e declarou "estar pronto para morrer". Faleceu pouco depois, ainda nesse ano. Pelo histórico de intenso tabagismo agravado pelo uso de cocaína, seria lógico que Doca estivesse, ao menos, em tratamento contra um câncer. Mas um texto que falou dessa hipótese foi definido pelo portal de "mídia independente" como "preconceituoso".

Doca é um dos três assassinos idosos com indícios de grave doença, e um de dois feminicidas (o outro, o ex-jornalista Antônio Pimenta Neves, foi noticiado como portador de câncer na próstata e diabetes). Fora do feminicídio, outro assassino idoso, o fazendeiro Darly Alves, mandante do assassinato do seringueiro Chico Mendes, apresentava constantes problemas de úlceras que o levaram várias vezes ao hospital.


TENSÕES DIVERSAS

O assassino em geral que é dotado de algum privilégio na sociedade não mata outra pessoa por uma simples questão de desabafo, tirando a vida de alguém e, depois disso, viver uma realidade zen, sobretudo sob a impunidade da justiça. Ele sofre pressões emocionais sérias, que o acompanham desde o desejo de tirar a vida do outro até depois de sofrer os efeitos sociais do crime cometido.

Há muito nervosismo e também a noção do risco de cometer um ato extremamente egoísta e danoso a outra pessoa e seus amigos, porque o criminoso tem noção do quanto o ato que quer cometer é extremamente errado e causará intensos prejuízos não só ao morto, mas àqueles que conviveram com ele. Contrariando a recomendação moral de não cometer o crime, o criminoso "esclarecido das coisas" fez justamente aquilo que não deveria fazer e sofre as consequências.

Recentemente, o assassinato da violonista Mayara Amaral, em Mato Grosso do Sul, pelo ciúme doentio do namorado músico Luiz Alberto Barros e dois comparsas com passagens na polícia por tráfico e roubo, abortou para sempre a conclusão de um trabalho de mestrado sobre mulheres violonistas e uma carreira musical de qualidade, um sério prejuízo para a cultura brasileira. Ela foi morta e ainda teve seu corpo queimado.

Em contrapartida, porém, se caso os três homicidas, por alguma brecha judicial, forem soltos da cadeia, há o risco do próprio mandante do crime, Luiz Alberto, ser morto pelos outros dois mediante uma briga, sobretudo quando, nestas ocasiões, o mandante quer sempre levar a melhor do que seus executores. E Luiz Alberto ainda seria um usuário de drogas, daí o contato com os comparsas.

É um risco que poderia acontecer ao ex-promotor de Atibaia, Igor Ferreira da Silva (que em 1998 mandou matar a esposa, Patrícia Aggio Longo, grávida), hoje solto, se o executor do crime também deixar a prisão, geralmente para acertar contas com o mandante que o deixou "na pior".

O assassino, na maioria das vezes consciente do erro que seu ato representa, sofre um violento impacto emocional já quando seu crime ainda era só um desejo. Depois de um homicídio, o organismo reage com um impacto comparável ao de uma única ingestão de crack, e doses pesadas de adrenalina são despejadas no sangue.

Com o ato consumado e com as consequências do crime cometido ocorridas, o assassino agrava suas pressões emocionais, o que influi no organismo que é seriamente abalado com isso, praticamente abreviando a expectativa de vida de um homicida de condições sociais relativamente prósperas.

Um homicida nessas condições tem, geralmente, de 15 a 20 anos de vida inferiores do que a expectativa de vida de um brasileiro comum, de 75 anos. Normalmente, estima-se em apenas 60 anos para um homicida dotado de um privilégio social completar seu ciclo de vida. Algo que choca a parcela da sociedade moralista que acredita que criminosos assim possam chegar "inteiros" aos 93 anos (!).

O ato cometido por um homicida provoca revolta em boa parte da sociedade. Sofre pressões emocionais contraditórias, alternando irritação com depressão e sentimentos de orgulho com os de vergonha. A reação acaba sendo bastante traumática, sobretudo pela noção do ato que ele tinha consciência de que não deveria ter cometido.

Estima-se que os males fatais mais potenciais para assassinos são câncer, infarto e acidentes de trânsito, quando os próprios assassinos pegam no volante e percorrem rodovias movimentadas. Em temos de convulsões sociais na Internet, redutos de profundo ódio, assassinos ricos e impunes estão entre os que mais recebem ameaças de morte nas redes sociais.

A ideia é, claro, ninguém matar os homicidas. É fundamental e justo que deixemos eles tanto viverem quanto morrerem em paz, independente do tempo de vida que alcançam. Mas se os homicidas, pela natureza dos seus atos e pelos contextos em que vivem, produziram sua própria tragédia, não se deve omitir isso, mesmo quando seus crimes foram feitos sobre "bandeiras morais" como "legítima defesa da honra" e "direito à propriedade".

Da mesma forma como não se pode dizer que ninguém se suicida por diversão - como acreditam os "espíritas" - , ninguém mata o outro por mero desabafo. E o homicídio, ato mais extremo do egoísmo humano, quase sempre traz ao seu autor as pressões sociais que abalam o organismo, fragilizando sua saúde. Ninguém tira a vida do outro e volta para a casa com a consciência tranquila, com toda a frieza que muitos cometem este crime.

E se a imprensa é capaz de noticiar falecimento, por infarto, de jogadores de pequenos times de futebol e anônimos morrendo durante treinos militares, por que não noticiar, se houver, as tragédias de homicidas que chamaram a atenção de todo o país com os crimes que cometeram?

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