sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

O gravíssimo equívoco, em dois versos, do poema atribuído a Casimiro de Abreu


Um defensor de Francisco Cândido Xavier até se esforçou, na sua campanha de querer que Parnaso de Além-Túmulo seja reconhecida como uma "obra autêntica" dos poetas do mundo espiritual. Mas, chamando a atenção o poema citado, "A Terra", atribuído ao espírito de Casimiro de Abreu, que o escritor alega ter "semelhanças mais impressionantes" com o estilo original, observa-se uma falha gravíssima que põe xeque-mate ao sonho do chiquista em ver o livro ser considerado autêntico.

O que o referido escritor, chamado Jorge Caetano Júnior, não esperava é que ele fez comparações usando apenas duas estrofes, entre o "poema espiritual" e um outro que Casimiro lançou em vida, "Saudades". Reproduzimos aqui apenas o suposto poema espiritual, pelo foco de nosso trabalho, e com o texto integral, para aprofundar nossa análise pois, do contrário que o autor alega, nós trabalhamos com bases teóricas, sim.

Tivemos boa vontade em analisar o poema "A Terra" e tentar enxergar alguma possibilidade de autenticidade. Buscamos ver semelhanças e diferenças, com base na teoria de que a veracidade de uma obra não se atribui necessariamente ao maior e mais convincente número de semelhanças, mas na ausência de uma diferença comprometedora.

Esquece Jorge do aviso do espírito Erasto, que já alertou sobre os deturpadores da Doutrina Espírita, como se já antecipasse as armadilhas deixadas por Chico Xavier e Divaldo Franco: "é mais válido rejeitar dez verdades do que aceitar uma única mentira".

Usando essa frase de Erasto para analisar as supostas obras mediúnicas, aplicamos esse conceito na ideia de que faz mais sentido rejeitar uma obra com muitas semelhanças do que aceitar uma única diferença que comprometa qualquer chance de veracidade.

E, vendo o poema em questão, identificamos ao menos uma diferença que simplesmente derruba qualquer chance de ver autenticidade à obra. A constatação é chocante para os adeptos de Chico Xavier, mas é realista e de acordo com a lógica e o bom senso. Vamos ao poema e depois aos comentários sobre os versos irregulares.

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A Terra - Francisco Cândido Xavier, atribuído ao espírito de Casimiro de Abreu

Aos pessimistas 

Se há noite escura na Terra, 
Onde rugem tempestades, 
Se há tristezas, se há saudades, 
Amargura e dissabor, 
Também há dias dourados 
De sol e de melodias,

Esperanças e alegrias, 
Canções de eterno fulgor! 
A Terra é um mundo ditoso, 
Um paraíso de amores, 
Jardim de risos e flores 
Rolando no céu azul. 
Um hino de força e vida 
Palpita em suas entranhas, 
Retumba pelas montanhas, 
Ecoa de Norte a Sul. 

Os sonhos da mocidade, 
As galas da Natureza, 
Livro de excelsa beleza 
Com páginas de esplendor, 
Onde as histórias são cantos 
De gárrulos passarinhos, 
Onde as gravuras são ninhos 
Estampados no verdor; 

Onde há reis que são poetas, 
E trovadores alados, 
Heróis ternos, namorados, 
Gargantas de ouro a cantar, 
Saudando a aurora que surge 
Como ninfa luminosa, 
A olhar-se toda orgulhosa 
No espelho do grande mar! 

Onde as princesas são flores, 
Que se beijam luzidias, 
Perfumando as pradarias
Com seu hálito de amor; 
Desabrochando às centenas, 
Na estrada onde o homem passa, 
Oferecendo-lhe graça, 
Sorrindo, cheias de olor. 

O dia todo é alvorada 
De doces encantamentos; 
A noite, deslumbramentos 
Da Lua, em seus brancos véus! 
A tarde oscula as estrelas, 
Os astros o Sol-nascente, 
O Sol o prado ridente, 
O prado perfuma os céus!... 

Quem vive num éden desses, 
É sempre risonho e forte, 
Jamais almeja que a morte 
Na vida o venha tragar; 
Sabe encontrar a ventura 
Nesse jardim de pujanças, 
E enche-se de esperanças 
Para sofrer e lutar. 

Se há noite escura na Terra, 
Abarrotada de dores, 
De lágrimas e amargores, 
De triste e rude carpir, 
Também há dias dourados 
De juventude e esplendores, 
De aromas, risos e flores, 
De áureos sonhos no porvir!...

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Na penúltima estrofe, verificamos os dois últimos versos que derrubam todo o poema. E isso com uma análise muito simples, tomando como critério o fato de que um texto é, acima de tudo, uma manifestação pessoal, sendo a irregularidade da suposta psicografia fácil para ser identificada por uma análise textual, quando um aspecto destoa do estilo pessoal do alegado autor espiritual.

Notem os seguintes versos:

"Sabe encontrar a ventura
Nesse jardim de pujanças,
E enche-se de esperanças
Para sofrer e lutar".

Com a mais absoluta certeza, conhecendo a personalidade de Casimiro de Abreu através de sua obra e dos dados biográficos deixados para nós, sabe-se que os dois versos grifados nunca refletiriam o pensamento pessoal do poeta ultrarromântico. Em nenhum momento. Diz-se isso com a mais absoluta segurança e mediante motivos bastante lógicos.

Os versos correspondem ao pensamento pessoal de Chico Xavier. Ele, como católico beato e ortodoxo em crenças, até por sua natureza de homem nascido no interior, numa cidade praticamente rural como era a mineira Pedro Leopoldo na primeira metade do século XX, era entusiasta da Teologia do Sofrimento, corrente medieval da Igreja Católica que, nas últimas décadas, teve como maior representante mundial Madre Teresa de Calcutá, muito comparada ao anti-médium mineiro.

Chico Xavier fazia apologia ao sofrimento humano em vários depoimentos. "Sofrer sem mostrar sofrimento", "o silêncio é a voz da sabedoria", "pelo silêncio é que Deus lhe ouve suas súplicas", "no pior dos sofrimentos, olhe a Natureza" são várias das ideias resumidas em vários de seus depoimentos e palestras.

Isso tudo é claramente a Teologia do Sofrimento, uma corrente que não tem apoio unânime entre os católicos, mas tornou-se uma tendência dominante, embora também não unânime, no "movimento espírita". Pelo menos de parte de Chico Xavier, identifica-se claramente, em suas próprias palavras, toda apologia ao sofrimento como "atalho para o Paraíso", que é a base ideológica da Teologia do Sofrimento.

Isso se choca com a natureza pessoal de muitos autores mortos usurpados por Chico Xavier. Observa-se, no caso de Casimiro de Abreu, que ele, como poeta ultrarromântico, que nunca viu no sofrimento humano um privilégio ou um "caminho para o Céu", mas um motivo para angústia e muita tristeza, que ele, em nenhum momento, seria capaz de escrever tais versos. Até porque é uma tolice achar que pode se ter esperança em obter sofrimento que, na verdade, é o "motor" do desespero.

Mesmo se considerarmos que Casimiro de Abreu mudasse seus valores humanos na vida espiritual, ele nunca escreveria coisas como "ter esperanças em sofrer". Feliz em obter desgraças? Esperança em sofrer? Não. Sem dúvida alguma, Casimiro seria incapaz de escrever tais versos, essa constatação nem vale ser questionada.

Afinal, os versos em questão refletem o pensamento de Chico Xavier, portador de uma ideologia ultraconservadora que nem de longe pode ser considerada "universal". A idolatria cega, fanática e doentia ao anti-médium mineiro, mesmo que mascarada por certos "relativismos" - como admitir que Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho foi ufanista ou que Emmanuel era muito autoritário e retrógrado -, não pode pressupor que a ideologia de Chico Xavier possa se unânime ou dominante.

Portanto, mais uma vez os chiquistas erraram. O poema "A Terra", com certeza, não foi escrito pelo espírito de Casimiro de Abreu porque, com todas as semelhanças que se podem haver em relação ao estilo original do autor, uma pequenina diferença comprometedora derruba qualquer chance de autenticidade.

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