sábado, 28 de janeiro de 2017

Religião está semeando mais amargura e ódio do que amor entre as pessoas


A religião poderia ser válida como uma cultura que transmite fantasias e sonhos, e quando é expressa nos seus templos, pode se tornar um entretenimento saudável. Mas quando a religião interfere na realidade e quer intervir até mesmo na atividade intelectual e científica, cria sérios problemas.

O que um estudo que aponta que religião favorece o suicídio, manifestações de ódio contra a ex-primeira-dama Marisa Letícia e os juízos de valor de uma professora carioca e uma pediatra mato-grossense têm em comum? Muita coisa.

Uma pesquisa do Instituto Psiquiátrico de Nova York constatou que a religião é um fator que eleva o risco de pessoas deprimidas cometerem suicídio. É bom deixar claro que a pesquisa científica intrigou os cientistas, que pensavam que a religião ajudava as pessoas a saírem da depressão e evitarem o suicídio.

Normalmente, se costuma acreditar que a religião evita as pessoas de se suicidarem. Recentemente, um artigo do palestrante "espírita" Richard Simonetti, "Os que matam a esperança", falava da "vantagem" em acreditar em Deus, dentro da abordagem religiosa que descreve o autor.

No entanto, as seitas religiosas, que mais pedem para as pessoas aguentarem desgraças do que as ajudam a resolverem problemas na vida, cada vez mais estão estimulando o suicídio, em vez do contrário. E mesmo o "espiritismo", cada vez mais identificado pela Teologia do Sofrimento, mais contribui para estimular do que para intimidar o suicídio de alguém.

Uma pessoa passa por dificuldades extremas, daquelas que fazem com que uma pessoa não tenha controle sobre seu próprio destino e vira "brinquedo" das circunstâncias infelizes. Vai o "espírita" conhecer um caso do tipo e seu palestrante, "bondoso", pede para a pessoa "confiar em Deus" e "nunca reclamar da vida", sob a desculpa de "não atrair más energias" e o sugere para ver os passarinhos cantando na árvore, o rio correndo no seu curso etc.

Quando sofremos desgraças imensas, não é por preguiça. Em muitos casos, as pessoas se esforçam demais para nada, sobretudo na busca de um emprego em que o que aparece não está de acordo com sua vocação e está até relacionado a contextos infelizes (patrão prepotente, empresa corrupta etc.). E os sofredores já olham passarinhos na janela, rio correr, céu azul, se esforçam com alegria e fé, fazem jogo de cintura, semeiam otimismo etc. O que os "espíritas" aconselham o sofredor já fez.

O problema é quando tudo isso é feito em vão e as circunstâncias infelizes se acumulam e as barreiras da vida são intransponíveis. O "espírita", meio como um "amigo da onça", sugere para a pessoa "reavaliar seus desejos", "rever suas habilidades", pois, com seu juízo de valor, o conselheiro da hora alega que o sofredor "talvez não saiba o que quer na vida" e lhe aconselha uma "reforma íntima". É aí que o "espírita" cria, ainda que sem querer, as condições para o sofredor se matar.

Outro caso de falha religiosa está nas mensagens de ódio nas redes sociais, em que pessoas que se dizem "cidadãs de bem", "defensoras da Família" e devotas "do poder de Deus", praticam cyberbullying e difundem visões reacionárias que, não raro, revelam-se vingativas ou expressam preconceitos sociais muito cruéis.

As campanhas de ódio contra a ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva, mulher do ex-presidente Lula, que recentemente sofreu um acidente vascular cerebral, revelam que os reacionários, que costumam criminalizar tudo relacionado ao PT, em que Lula é criminalizado até por respirar, apelam para a "justiça divina" para o infortúnio sofrido pela professora aposentada Marisa.

Mas isso também cria juízos de valor como o da professora carioca Denise Oliveira, que definiu como "justiça divina" a morte de uma menina de dois anos por bala perdida. A menina era filha de um policial militar. A mensagem, publicada no Facebook, gerou péssima repercussão. Denise tentou se desculpar, mas os pais da menina resolveram processá-la na Justiça.

Um outro caso se deu em Rondonópolis, Mato Grosso. quando uma pediatra se recusou a atender uma criança por causa de outro juízo de valor. A menina foi vítima de estupro e a pediatra se recusou a atendê-la porque a menina "estava pagando" por erros de "vidas passadas". A médica chegou a dizer que a menina "passava uma energia sexual" para um tio que a estuprou. A pediatra, que foi processada, se declarou "espírita".

Grupos fascistas e terroristas existentes no mundo inteiro também revelam um modus operandi religioso. A Klu Klux Klan, grupo racista e fascista dos EUA, declara-se uma seita religiosa. O Estado Islâmico também. O nazi-fascismo se inspirou nos princípios do Catolicismo medieval e seus tiranos eram vistos como "messiânicos". Pessoas ultraconservadoras veem retrocessos ou arbitrariedades sociais como se fossem "fórmulas milagrosas".

A pós-verdade, que permitiu que, com base em apelos à emoção e argumentos duvidosos, que se aprovasse a saída da Grã-Bretanha da União Europeia e a vitória eleitoral do reacionário Donald Trump, para a Presidência dos EUA. É a mesma pós-verdade que vemos na religião, em que as convicções de caráter subjetivo e emocional tentam se sobrepôr à realidade objetiva dos fatos.

No "espiritismo", a pós-verdade teve atuação pioneira, protegendo o "médium" Francisco Cândido Xavier, que de um pastichador de livros ganhou uma reputação de semi-deus devido aos apelos à emoção. De fraude em fraude, de juízo de valor a juízo de valor, de conservadorismo a conservadorismo, o "médium" de Minas Gerais quis ser unanimidade em tudo, e os brasileiros aceitam numa boa, ignorando que seu método, o "apelo à emoção", é reconhecidamente uma falácia.

A religião cria fanatismos, moralismos severos, e faz as pessoas se iludirem da superioridade social que não têm. Mesmo os "espíritas" parecem confiar num caminho curto para o céu, se esquecendo que seus juízos de valor podem levar as pessoas ao suicídio, o que, para os palestrantes que ficam dizendo para ninguém se suicidar, é uma constatação constante. Imagine um "espírita" voltar ao mundo espiritual e tomar conhecimento que alguém se suicidou sob sua influência?

Manifestos de ódio e atos de violência e assassinatos cometidos por "gente de bem" geram efeitos drásticos até para seus autores. Homicidas que tinham noção do risco de seus atos e não conseguem sossego pessoal sequer na impunidade. Ou valentões digitais que sofrem atentados a bala depois de tanto ofender e brigar com desafetos. Ou pessoas fazendo juízo de valor em nome da religião, e que são processadas por danos morais.

Isso revela o quanto a submissão religiosa e o vício de reduzir a bondade a uma pequena obrigação institucional de um movimento religioso trazem muitos equívocos e riscos. O apego à religião como fenômeno acima da realidade objetiva está fazendo o Brasil agravar sua crise em níveis preocupantes, o que faz muitos especialistas falarem em convulsão social.

A submissão da fé e o império da pós-verdade - quando pessoas tentam malabarismos retóricos para justificar suas convicções - está criando sérios problemas para a humanidade no mundo inteiro, e principalmente no Brasil, em que tais ações crescem a cada dia, e podem trazer efeitos devastadores não só para as vítimas, mas também para seus algozes.

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