domingo, 22 de janeiro de 2017

Apego a Chico Xavier é coisa mais perigosa do que se pode imaginar


As pessoas vivem presas em paradigmas religiosos. Fica fácil alguém virar ídolo através de uma retórica de palavras bonitas, um repertório moralista cheio de juízos de valor, pretensas frases de esperança e otimismo e uma fachada de bondade institucional feita para impressionar plateias e provocar comoções baratas.

Daí que elas não imaginam o caráter perigoso do endeusamento de um dos piores deturpadores da Doutrina Espírita no Brasil, o "médium" Francisco Cândido Xavier, que fará, no final de junho próximo, 15 anos de falecimento, criando um período de intensa fascinação obsessiva.

FASCINAÇÃO E SUBJUGAÇÃO

Chico Xavier é alvo e beneficiário de dois tipos de obsessão, bastante perigosos. As pessoas em geral sentem por Chico a chamada "fascinação obsessiva", uma espécie de submissão consciente que é perigosa pela rendição quase voluptuosa ao "médium", como se as pessoas caíssem num canto-de-sereia.

O jogo da aparência, movido pelo balé de palavras bonitas e por uma caridade paliativa que menos ajuda o próximo do que deslumbra o público, reflete essa cegueira emocional, o que revela uma insegurança moral nas pessoas que precisam de um ídolo religioso, ainda que associado a preocupantes fraudes e práticas duvidosas, para simbolizar uma "perfeição" que elas não conseguem por si mesmas buscar.

No capítulo 23 de O Livro dos Médiuns (tradução de José Herculano Pires, mais fiel ao texto original), intitulado "Da Obsessão", Allan Kardec cita o exemplo da relação do médium com o espírito, mas o processo de fascinação obsessiva pode ser de qualquer pessoa para qualquer pessoa. Kardec descreve assim o processo obsessivo que é conhecido como fascinação, no item 239:

"A fascinação tem conseqüências muito mais graves. Trata-se de uma ilusão criada diretamente pelo Espírito no pensamento do médium e que paralisa de certa maneira a sua capacidade de julgar as comunicações. O médium fascinado não se considera enganado. O Espírito consegue inspirar-lhe uma confiança cega, impedindo-o de ver a mistificação e de compreender o absurdo do que escreve, mesmo quando este salta aos olhos de todos. A ilusão pode chegar a ponto de levá-lo a considerar sublime a linguagem mais ridícula. Enganam-se os que pensam que esse tipo de obsessão só pode atingir as pessoas simples, ignorantes e desprovidas de senso. Os homens mais atilados, mais instruídos e inteligentes noutro sentido, não estão mais livres dessa ilusão, o que prova tratar-se de uma aberração produzida por uma causa estranha, cuja influência os subjuga.

            Dissemos que as conseqüências da fascinação são muito mais graves. Com efeito, graças a essa ilusão que lhe é conseqüente o Espírito dirige a sua vítima como se faz a um cego, podendo levá-lo a aceitar as doutrinas mais absurdas e as teorias mais falsas como sendo as únicas expressões da verdade. Além disso, pode arrastá-lo a ações ridículas, comprometedoras e até mesmo bastante perigosas".

Em outro trecho do mesmo item, Kardec parece adivinhar a idolatria que os brasileiros sentiriam por Chico Xavier, diante dos argumentos apresentados no parágrafo em questão. É surpreendente que toda a deturpação da Doutrina Espírita, incluindo os apelos à emoção que incluem tanto palavras bonitas como aparente filantropia. Eis o trecho que deixaria os chiquistas envergonhados, se soubessem o real sentido do alerta:

"As grandes palavras como caridade, humildade e amor a Deus servem-lhe de carta de fiança. Mas através de tudo isso deixa passar os sinais de sua inferioridade, que só o fascinado não percebe; e por isso mesmo ele teme, mais do que tudo, as pessoas que vêem as coisas com clareza. Sua tática é quase sempre a de inspirar ao seu intérprete afastamento de quem quer que possa abrir-lhe os olhos. Evitando, por esse meio, qualquer contradição, está certo de ter sempre razão".

Alguém não percebeu que muitos dos "apelos lindos" da "filosofia" (?!?!?!?!?!) de Chico Xavier sempre pediam para as pessoas nunca questionarem, não contestarem e não julgarem? Em suas obras, também se observa a criminalização do ato de pensar, quando ele ameaça os dogmas religiosos, daí termos como "tóxico do intelectualismo" e alegações dos chiquistas sobre a "overdose de raciocínio" que se revela um absurdo sem tamanho.

O próprio Chico Xavier fazia isso para salvar sua pele. A maior parte de seu trabalho "psicográfico" apresenta irregularidades fáceis de serem identificadas - a outra parte apresenta irregularidades mais sutis, mas sempre irregularidades - e a identificação das mesmas pode pôr em xeque-mate a reputação de um arrivista religioso que começou como pastichador de poemas e hoje é visto como um semi-deus.

Apegados a velhos valores moralistas, aliados a uma velha religiosidade, os brasileiros deixam passar isso. Criam em seu inconsciente uma ideologia ultraconservadora, apegada a velhos mitos e velhos dogmas, e isso favoreceu a reputação de Chico Xavier como "ícone da bondade", e muitos esquecem que essa concepção de "bondade", além de ser um subproduto da religião, beneficia mais o "benfeitor", pelo cartaz que recebe, do que o necessitado, que recebe poucos e frágeis benefícios.

Já o segundo tipo de obsessão é feita pelo meio jurídico e midiático. É a subjugação. Um tipo mais perigoso, entendido como uma obsessão semi-consciente, mas muito mais submissa e impulsiva, que soa como uma espécie de escravidão ao obsessor. Kardec trata do assunto no item 240.

"A subjugação é um envolvimento que produz a paralisação da vontade da vítima, fazendo-a agir malgrado seu. Esta se encontra, numa palavra, sob um verdadeiro jugo.

A subjugação pode ser moral ou corpórea. No primeiro caso, o subjugado é levado a tomar decisões freqüentemente absurdas e comprometedoras que, por uma espécie de ilusão considera sensatas: é uma espécie de fascinação. No segundo caso, o Espírito age sobre os órgãos materiais, provocando movimentos involuntários. No médium escrevente produz uma necessidade incessante de escrever, mesmo nos momentos mais inoportunos. Vimos subjugados que, na falta de caneta ou lápis, fingiam escrever com o dedo, onde quer que se encontre, mesmo nas ruas, escrevendo em portas e paredes.

A subjugação corpórea vai às vezes mais longe, podendo levar a vítima aos atos mais ridículos. Conhecemos um homem que, não sendo jovem nem belo, dominado por uma obsessão dessa natureza, foi constrangido por uma força irrestível a cair de joelhos diante de uma jovem que não lhe interessava e pedi-la em casamento. De outras vezes sentia nas costas e nas curvas das pernas uma forte pressão que obrigava, apesar de sua resistência, a ajoelhar-se e beijar a terra nos lugares públicos, diante da multidão. Para os seus conhecidos passava por louco, mas estamos convencidos de que absolutamente não o era, pois tinha plena consciência do ridículo que praticava contra a própria vontade e sofria com isso horrivelmente".

No caso brasileiro, o que existe é uma subjugação moral. A Justiça dos homens fica paralisada diante de qualquer hipótese de investigar uma fraude "espírita". Uma fraude na psicografia, na psicofonia, na pictopsicografia, nas "curas mediúnicas".

Mesmo quando irregularidades se mostram explícitas, como quadros que nem de longe refletem os estilos dos autores mortos alegados, mas, no caso de um mesmo "médium", seu estilo pessoal é facilmente identificado em pinturas supostamente de diferentes autores espirituais, não há o menor risco de haver sequer um inquérito ou uma investigação.

Criam-se até mesmo argumentos jurídicos que podem apresentar desculpas esfarrapadas dadas em "juridiquês": como por exemplo nas assinaturas, o porquê delas mostrarem apenas a caligrafia do "médium": "É porque o médium, como anfitrião da obra espiritual, se torna o responsável da assinatura, como um juiz assinando um auto, dispensando o espírito de assinar a sua própria obra, pois já lhe basta a pintura feita".

São argumentos absurdos, mas possuem uma roupagem associada à "lógica" e a "tecnicidade", trazendo uma visão falsamente objetiva das coisas. Aliás, é a partir dessa ilusão que temos um governo como o de Michel Temer, associado a um aparato de "tecnicidade", "moderação" e "técnica" que esconde práticas delinquentes que deixam o Brasil em estado de séria fragilidade institucional.

A subjugação permite que juízes, acadêmicos e jornalistas não mexam com os ídolos "espíritas". As fraudes são apenas "analisadas" só para fingir alguma polêmica, mas tudo é feito para garantir a impunidade absoluta aos ídolos "espíritas". Tudo para manter uma concepção conservadora de "bondade", linda como um conto de fadas, mas que na realidade pouco traz benefícios aos necessitados.

E ver que até a mãe e o filho de Humberto de Campos, Ana de Campos Veras e Humberto de Campos Filho, foram vítimas da fascinação obsessiva movida por Chico Xavier é chocante. E mostra o caráter muito perigoso do apego a um deturpador.

Não é difícil imaginar haver coincidência demais em tantos devotos de Chico Xavier que veem seus filhos ou outros entes morrerem de repente, em acidentes. Soa como uma grande maldição, que não deve ser minimizada pela consciência da vida espiritual, que aqui é encarada de maneira irresponsável, porque entender que o espírito vive no além-túmulo e existe reencarnação não é desculpa para jogarmos fora uma encarnação por causa de infortúnios e tragédias.

O grave deturpador que foi Chico Xavier, cujo "guia espiritual" foi o autoritário Emmanuel - segundo Kardec, espíritos autoritários são de natureza inferior - , que ainda se fazia valer da aparência física de caipira inocente, somada depois a de um velhinho frágil, representou o exemplo mais perigoso de obsessão, inspirando nas pessoas comuns a fascinação obsessiva e, nos meios jurídicos, intelectuais e jornalísticos, a subjugação.

Isso é tão perigoso que pessoas preferem ser prejudicadas do que abrir mão de seus ídolos religiosos. Cria-se um masoquismo sem necessidade, e muitos sucumbem à doença infantil do deslumbramento religioso, lembrando a metáfora de uma cidade cujo povo aceita a sua própria destruição, desde que seja mantida em pé a estátua de seu ídolo maior.

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