O FANATISMO POR FUTEBOL REVELA O CARÁTER BITOLADO OBTIDO PELOS CARIOCAS NOS ÚLTIMOS 25 ANOS.
Fanatismo por futebol, gosto musical restrito aos hits, obsessão por noitadas, eventual vício do cigarro, indisposição de reabastecer produtos nos mercados, visão conservadora da política. Tudo isso rebaixa o Rio de Janeiro e os demais Estados do Sul e Sudeste, antes redutos de modernidade e progresso, a antros do mais puro reacionarismo e até bitolamento sócio-cultural.
A decadência social, que faz com que o eixo Rio-São Paulo seja cenário de atos de truculência social e vandalismo, e redutos potenciais de candidatos do nível de Jair Bolsonaro, que se comprova dotado de profundos e perigosos preconceitos sociais, é uma realidade que muitos se recusam a admitir mas que se demonstra cada vez mais explícita e escancarada.
Nos últimos 25 anos, o Sul e Sudeste abriram mão de seus progressos sócio-culturais e sucumbiram a uma confusa guinada de atraso, em que se combinam a falsa simplicidade da bregalização cultural e a truculência obsessiva do reacionarismo ideológico. Funkeiros e "coxinhas" viram subprodutos, marcados por uma sociedade ao mesmo tempo permissiva demais e punitiva demais, sendo uma ou outra coisa de acordo com as conveniências do momento.
A decadência do Rio de Janeiro foi motivada por uma "cultura" pragmatista - de não querer o melhor, mas o "básico", como alguém que vai ao restaurante para pedir somente "arroz, feijão e carne" - que fez serem eleitos os piores políticos, trazendo uma péssima herança para o Brasil. Foi esse "pragmatismo" que fez o Rio se deteriorar não só na política, na segurança e nas finanças, mas também na cultura, sobretudo musical, no rádio e TV, na vida social e outros âmbitos.
O governo Michel Temer, por exemplo, se originou no Rio de Janeiro, apesar do presidente ser paulista. Ele se originou na eleição de Eduardo Cunha, que acompanhou a vitória eleitoral de políticos "pragmáticos" e falsamente modernos, como Eduardo Paes e Sérgio Cabral Filho. Foi Cunha que sabotou o governo Dilma Rousseff e se empenhou para tirá-la do poder.
Para piorar, o Rio elegeu também Flávio Bolsonaro, que tem no pai, o reacionário e preconceituoso Jair Bolsonaro, uma das maiores apostas do Estado para disputar a Presidência da República, representando mais uma ameaça que o "pragmatismo carioca" irá trazer para o país.
Culturalmente, o Rio de Janeiro que mostrou ao mundo a Bossa Nova e se tornou cenário de importantes movimentos da MPB e do Rock Brasil, sucumbiu à degradação do "funk carioca" (espécie de "Plano Temer" da música brasileira), surgida na Era Collor. O "funk" teve sua ascensão patrocinada, ao longo dos tempos, pelo próprio Eduardo Cunha (quando presidia a Telerj, dona de alguns clubes que abrigavam "bailes funk") e pelas Organizações Globo.
No rock, a "cultura pragmática" fez extinguir a Fluminense FM e sua programação de qualidade para abrir caminho a uma sub-clone da Jovem Pan com "vitrolão roqueiro": a Rádio Cidade, que teve que ser extinta, atingida por seus próprios erros, quando passou a divulgar um estereótipo idiotizado de fã roqueiro: aquele que bota língua para fora, faz sinal de demônio com as mãos, toca air guitar e só ouve uma música de cada banda de rock que diz curtir.
Em muitos casos, a coisa vai longe demais, como a Rádio Cidade, o ex-deputado Eduardo Cunha, Eduardo Paes, Sérgio Cabral Filho e os ônibus padronizados (a pintura padronizada já teve sua "sentença de morte" anunciada pelo atual secretário de Transportes, Fernando MacDowell, para este ano).
No último caso, o fato de diferentes empresas de ônibus terem a mesma pintura, confundindo os passageiros, só causou sérios problemas, que o discurso tecnocrático tentou abafar. A medida era repudiada pela população, o que fazia com que os pouquíssimos defensores dos "ônibus iguaizinhos", como uma minoria de busólogos, fizessem uma campanha de cyberbullying e uma página de ofensas ("Comentários Críticos") que reduziriam a busologia carioca num gabinete do então secretário de Transportes, Alexandre Sansão.
O Rio de Janeiro sofre uma série de graves problemas, que ultrapassam limites normais de imperfeição urbana. Importantes corredores viários são "bloqueados" por gigantescos complexos de favelas onde impera a criminalidade extrema (Complexos Alemão-Maré, no trecho Galeão-Centro, e Rocinha, no trecho Leblon-Barra), desafiando técnicos de urbanismo, segurança e qualidade de vida diante de tantos problemas de ordem policial, sócio-econômica, urbanística e habitacional.
Mas o mais grave disso tudo é que a chamada "boa sociedade" carioca - parcela que inclui a classe média, as elites e os chamados "pobres de direita" - está acomodada diante desse cenário desolador. A aparente felicidade que muitos cariocas e fluminenses em geral demonstram diante desse momento calamitoso é preocupante, tanto que as pessoas de fora do RJ já definem tal sensação como "despreocupação preocupante".
Isso porque as pessoas parece que pensam que, retrocedendo o Rio de Janeiro e o Brasil, se voltará para os tempos dourados de 1958. É essa a ilusão que move o cenário político e social do país hoje em dia, como se o Brasil colonial tivesse sido a fonte de felicidade para uma parcela de brasileiros, sobretudo do Sul e Sudeste.
A "cultura pragmática" ainda deixou o lazer dos cariocas e fluminenses mais restrito. A diversidade cultural deixou os cariocas limitados até nas opções de lazer, aceitando facilmente apenas os "bens culturais" impostos pela grande mídia (note-se o poder descomunal da Rede Globo), como o hit-parade musical (só as tais "músicas de sucesso") e poucas opções de lazer, superestimando o futebol.
Aliás, o fanatismo pelo futebol, que tanto orgulha os cariocas e fluminenses e faz com que torcedores gritem à noite incomodando o sono de quem quer acordar para trabalhar, é considerado uma chatice por quem vive fora do país, não bastasse a gritaria por um gol de um time carioca ser perigosa para o rendimento de quem teve o sono interrompido com tal poluição sonora, comum principalmente nas noites de quarta ou quinta-feira, vésperas de dias de trabalho, neste contexto de degradação do emprego.
O fanatismo pelo futebol, que regula as relações sociais no Estado do Rio de Janeiro, é considerado chato por quem vive fora pelo fato de ser um assunto monocórdico. É um problema comparável ao do personagem Howard, do seriado de TV Big Bang Theory, que queria falar para todo mundo e o tempo todo sobre suas façanhas como astronauta.
O carioca, quando vem falando sobre futebol o tempo todo, só é ouvido por outro carioca (ou por alguém de Niterói, São Gonçalo ou Baixada Fluminense, "papagaio de pirata" do carioquismo). Mas é só alguém de fora sair reclamando "Pô, você só fala nisso" ou "Hoje nem é dia de jogo e você já vem com esse papo?" para o carioca, se achando o "dono da verdade", sair irritado, provavelmente com vontade de fazer um blog ofensivo dedicado a seu desafeto.
Mas o carioca não é dono da verdade e o fanatismo pelo futebol chega mesmo a provocar assédio moral nos ambientes de trabalho e sociais. Aliás, assédio moral é uma constante no Grande Rio, em que houve até casos de universitários forçando um colega que não curte bebida alcoólica a "provar" um copo de cerveja.
Outro problema é o fumo. O fato de vários famosos, entre atores, músicos e jornalistas, morrerem relativamente cedo por consequência do fumo não convence muitos cariocas, que demonstram arrogância fazendo pose com o cigarro na mão, chegando a "fumar com os dedos" andando três quarteirões sem dar uma tragada, como se estivessem irritando os não-fumantes. Se conseguem andar três quarteirões sem tragar um cigarro, por que não decidem parar de fumar de uma vez?
O "pragmatismo" também impede que muitos produtos sejam reabastecidos em supermercados com eficácia, "sumindo" das prateleiras durante, pelo menos, duas ou três semanas. Ou o exigente mercado de trabalho cujo modelo de trabalhador a ser contratado é tão fantasioso que se molda em galãs como Malvino Salvador ou em humoristas como Danilo Gentili. E ainda tem o tal fanatismo pelo futebol!
Na vida amorosa, não há ambientes democráticos, havendo o monopólio das boates, o que significa tanto preços caros para alguém arrumar um amor e falta de segurança na volta para casa. Não há alternativas, como praças públicas, bibliotecas e nem há a sensibilidade necessária para casais se formarem por afinidade e sem precisar da máscara virtual das redes sociais, que muitas vezes revelam intrigas e malícias perigosas por trás de supostos contatos amorosos.
O Rio de Janeiro está desumano e precisa aprender, por exemplo, com a cidade de Salvador, que também passou por impasses semelhantes e, mesmo assim, nem tão decadentes como a Cidade Maravilhosa e seu respectivo Estado.
As pessoas deveriam sair do WhatsApp e do Facebook para estimular o contato pessoal além dos limites noturnos das boates da moda. Os cariocas e fluminenses deveriam ser menos agressivos, menos grosseiros, e repensar a vida pessoal e social, abrindo mão do Complexo de Superioridade que deixa o Rio de Janeiro naufragando em relação ao Brasil em geral.
A profunda crise que atinge o Rio de Janeiro é algo para pensar e não será resolvida por uma hipotética volta a 1958, mas na revisão profunda de valores e procedimentos que se encontram viciados e em solução de continuidade. Isso é ruim, porque já se tem a crise financeira que durará dez anos, e o risco é de haver uma crise sócio-cultural de mais de 20 anos, se nada for feito para conter isso.
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