segunda-feira, 22 de maio de 2017

Chris Cornell e o suicídio "por acidente"

A BANDA DE ROCK DE SEATTLE, EUA, SOUNDGARDEN - Chris Cornell é o terceiro da esquerda para a direita, sem jaqueta.

Há poucos dias, faleceu o cantor e guitarrista Chris Cornell. Tendo feito sua carreira com eventuais trabalhos solo e à frente de bandas como Soundgarden, Audioslave e Temple of the Dog, o músico era um dos nomes do grunge que marcou a cidade de Seattle, no noroeste dos EUA, na década de 1990.

O grunge foi um movimento marcado pela tragédia, desde quando ainda não fazia sucesso. Em 1990, bem antes do sucesso do Nirvana, o vocalista de outra banda, Andrew Wood, do Mother Love Bone, foi encontrado morto. Meses depois, os remanescentes do grupo formaram o Pearl Jam com outro vocalista, Eddie Vedder, que, pelo jeito, deve ser um dos principais sobreviventes do gênero.

Em 1994, foi a vez de Kurt Cobain, o controverso líder da banda Nirvana, que maior sucesso teve no grunge. Em 2002, o vocalista do Alice In Chains, Layne Staley, faleceu. Até o "forasteiro" do gênero, o grupo Stone Temple Pilots (que não veio de Seattle, mas de San Diego, Califórnia), teve sua tragédia: o vocalista original e fundador da banda, Scott Weiland, faleceu por overdose aos 48 anos, em 2015.

A maioria dessas mortes se deu por overdose, mas Chris Cornell seguia tratamento contra as drogas. Ele tinha que tomar um remédio para ansiedade, Ativan, cujos efeitos colaterais seriam uma angústia e um estresse extremos, que provocam desejos suicidas.

Segundo sua viúva, Vicky Cornell, o marido parecia bem. Além de seguir naturalmente sua carreira musical, ele parecia um marido e um pai exemplar. Fora esses efeitos causados pelo remédio, que além do mal-estar o faziam ficar com a mania de balbuciar palavras, ele levava uma vida normal e se relacionava bem com os familiares e amigos. Musicalmente, parecia mais experiente e consolidado como músico e compositor.

Chris Cornell morreu por enforcamento, aos 52 anos. O falecimento comoveu o cenário roqueiro e até o veterano Jimmy Page, famoso pela banda Led Zeppelin, elogiou o músico. A perda do líder do Soundgarden chegou a ser considerada como o fim de um cenário que já havia sido mutilado por tantas tragédias, e que parece ter nas bandas Pearl Jam e Mudhoney seus últimos remanescentes.

O "espiritismo" brasileiro costuma ter uma má vontade com suicidas. A doutrina igrejeira brasileira considera o suicídio um "crime hediondo", enquanto considera o homicídio um "crime culposo", expressando um moralismo estranho, que culpabiliza a vítima e transforma o algoz num "agente involuntário" de uma suposta justiça moral.

NINGUÉM SE SUICIDA POR DIVERSÃO

Cada vez mais voltado à Teologia do Sofrimento, já que o "espiritismo" brasileiro regrediu a ponto de, hoje, estar reduzido a uma versão repaginada do velho Catolicismo jesuíta do Brasil-colônia (é constrangedor ver o legado de Kardec reduzido, no Brasil, a um "outro Catolicismo", apenas sem as formalidades da Igreja Católica propriamente dita), o "espiritismo" não consegue compreender que ninguém se suicida por diversão.

Mesmo o entretenimento macabro do Jogo da Baleia Azul reflete neuroses ocultas por trás. O idealizador do jogo declarou que queria fazer uma "limpeza social" na humanidade, ao incluir o suicídio como "etapa final". Mas quem se suicida é porque têm em sua mente dificuldades e angústias que consideram incapazes de superar.

Os "espíritas" é que, em seu moralismo, acabam incentivando o suicídio. Confundem desgraça com desafio, sofrimento com aprendizado, e ainda ficam felizes quando pessoas acumulam desgraças aqui e ali, dizendo, com um mal-disfarçado sadismo, para as pessoas fazerem mais preces para superar as suas dificuldades extremas.

O moralismo "espírita" fala até em "amar o sofrimento" e apelam à pessoa a "combater sua pior inimiga, que é ela mesma". Diante desse apelo, os "espíritas" deveriam tomar muito cuidado com as palavras, porque esse papo de "vencer a si mesmo" é, na prática, um apelo acidental ao suicídio. E como o angustiado extremo não vê diferença entre sofrer na vida ou no além-túmulo, ela vai se destruir mais ainda ao ouvir que ela é "inimiga de si mesma".

O "espiritismo" não consegue ver as razões do suicídio. Reprova o suicídio até com raivosa energia, mas não consegue ver as condições que levam a pessoa a se matar. Nem todos têm os mesmos interesses e vontades, e as pessoas não só são empurradas para enfrentar barreiras de difícil superação, mas também oportunidades erradas, pressões de conveniências e um quadro de injustiças e desigualdades que só permitem que as pessoas compactuem para "vencerem na vida".

O Brasil é um país desestruturado, marcado pelo profundo atraso social, com forças diversas querendo que haja retrocessos que "devolvam" a sociedade brasileira a cenários lamentáveis em que apenas uns poucos detém vantagens exorbitantes, enquanto outros estabelecem a negociação do cheiro de mofo com o ar puro, com vantagem maior ao primeiro.

É essa volta forçada a 1974, época de uma "democracia" castrada, que hoje causa a crise política em níveis extremos, uma crise que não é muito diferente ao "espiritismo" de postura "dúbia" que se tornou incapaz de disfarçar sua intenção em ser tão somente um "outro Catolicismo", mais informal porém muito mais conservador.

E é esse conservadorismo que faz com que os "espíritas" condenem o suicídio, mas de maneira contraditória apelam para as pessoas aguentarem as muitas desgraças acumuladas na vida e enfrentem obstáculos difíceis de serem superados. E é gozado que, para uma religião que defende a servidão e a submissão, seus membros ainda pedem para os sofredores fazerem mais preces. Com tanto trabalho que os infortunados têm na vida, que tempo eles terão para se recolherem para orar?

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