quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Espiritolicismo e a indevida apropriação dos personagens ilustres

O MÉDICO CARLOS CHAGAS É USADO POR ALGUMAS CORRENTES ESPIRITÓLICAS COMO A SUPOSTA IDENTIDADE DO ESPÍRITO ANDRÉ LUIZ.

O "Espiritismo à brasileira", sem recorrer a qualquer tipo de pesquisa científica, tem como uma das manias atribuir supostos personagens em suas encarnações e reencarnações, ou fazendo outras apropriações a outros personagens.

Virou uma grande bagunça. Tem livro ditado por um suposto Eça de Queiroz que narrava a vida espiritual de um suposto Getúlio Vargas. Tem Helil, que no livro Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, aparece como supostamente mais evoluído que um Jesus Cristo caricato, e ainda é atribuído ao Infante D. Henrique, militar português engajado nas expedições marítimas.

O próprio Coração do Mundo, Pátria do Evangelho tem autoria atribuída a um suposto Humberto de Campos, figura culta que, mesmo num contexto de intelectualidade aristocrática da época, nunca iria escrever uma obra dessas. E tem um suposto Olavo Bilac, em Parnaso de Além-Túmulo, que deve ter "esquecido" na Terra sua capacidade de fazer versos métricos.

Enquanto isso, a torcida do Flamengo, que hoje torce para a vitória na Copa do Brasil 2013, já havia perdido o campeonato da Taça André Luiz. Faustino Esporel, o ex-presidente do Clube, perdeu a chance de ser atribuído como o "verdadeiro (sic) André Luiz" para o médico Carlos Chagas, que teve um grande lobby na cúpula da FEB.

E o suposto Oswaldo Cruz, outro "possível" André Luiz, teria sido, segundo o suposto Humberto de Campos, o suposto Estácio de Sá. E ainda vieram livros caricatos atribuídos a Ayrton Senna e Raul Seixas. E teve Irineu Gasparetto fazendo uma imitação malfeita de John Lennon querendo se passar pelo espírito do próprio.

Muitas vezes são suposições, vindas de imaginações férteis, que andam manchando a mediunidade brasileira. O processo mediúnico virou um vale-tudo sem qualquer tipo de critério nem responsabilidade, e mesmo a "disciplina, disciplina, disciplina" que Emmanuel teria dito simplesmente não é seguida por muitos ditos médiuns.

Talvez por ser um dos poucos a apresentar caraterísticas bastante específicas e comparáveis, até pelos seus métodos e conceitos, Emmanuel é um dos poucos que podem ser considerados em atribuições reencarnatórias.

Emmanuel teria sido o Padre Manuel da Nóbrega, até pela habilidade de manipular crenças alheias para impor seu catolicismo medieval, sendo a indígena nos seus tempos de jesuíta, sendo a kardeciana, nos seus tempos de "orientador" de Chico Xavier.

Fora isso, o que se nota é um recreio de espíritos fanfarrões, seja na Terra - sobretudo a patota da FEB - , seja no além, que se divertem em dizer quem teria sido fulano, quem teria sido sicrano, etc, sem fazer uma verificação séria, isenta e imparcial.

Isso é muito grave, porque muitas famílias haviam recebido mensagens mediúnicas supostamente atribuídas a entes queridos que se foram, e que muito provavelmente não teriam sido de tais entes, mas de espíritos zombeteiros capazes de imitar algumas caraterísticas particulares de determinados desencarnados.

No século XIX, Allan Kardec era muito cauteloso com as mensagens mediúnicas. O grande professor nunca esqueceu de sua vocação científica, mesmo quando passou a codificar a Doutrina Espírita, e talvez até intensificou seu faro cientista com ela.

Quando colheu mensagens mediúnicas, Kardec sempre recorreu a diferentes médiuns, em diferentes locais, para verificar se a mensagem que recebia era realmente da identidade que o espírito supostamente atribuía.

Naquela época, os meios de comunicação eram mais precários que hoje. A fotografia mal começava a ser um fenômeno na sociedade mundial. Kardec escrevia no Livro dos Médiuns que a identidade do espírito desencarnado podia ser provada, mas não havia certeza absoluta de sua comprovação.

Hoje a tecnologia avançou muito, mas infelizmente a farra mística do espiritolicismo travou qualquer preocupação séria em levar a comunicabilidade com espíritos desencarnados - processo que é possível de ser realizado - para a pesquisa científica, na busca de técnicas e tecnologias para possibilitar esse contato com os espíritos do além.

Em vez disso, há vaidades e delírios que muitas vezes se apropriam indevidamente de espíritos do além. Até mesmo Bezerra de Menezes foi atribuído como o antigo cobrador de impostos Zaqueu, que havia recebido Jesus Cristo em sua casa, conforme registram os textos bíblicos.

Joana de Angelis, a "orientadora" de Divaldo Franco, também havia dito que teria sido Joana de Cusa, que vivia nos tempos cristãos. Ela também diz ter sido a Joana Angélica conhecida na História do Brasil. Já alguns lunáticos tentam dizer que ela teria sido também Joana d'Arc, pode?

O próprio Emmanuel tentou também dizer que foi um senador romano, usando o nome de Publio Lentulus só para dizer que esteve com Cristo. Pegou uma colinha num documento medieval, a Epístola Lentuli, que nem o catolicismo medieval admite autenticidade, mas o "nosso espiritismo" assina embaixo. Quanto à encarnações antigas, todo mundo queria ter vivido no período cristão.

Emmanuel acabou sendo desmascarado por historiadores sérios, porque cometeu gafes muito sérias no seu livro Há 2000 Anos, ao registrar em seu livro sua ignorância geopolítica, geográfica e sócio-cultural do Império Romano, inclusive o total desconhecimento das regras relacionadas às castas familiares dos políticos romanos.

A apropriação indevida de personagens passados, assim como suposições quanto a encarnações anteriores ou autoria de mensagens mediúnicas, desmoraliza todo o processo de divulgação da Doutrina Espírita. Sem ter cautela, tudo é feito na base do delírio, da imaginação fértil, ou mesmo de uma mediunidade imprudente, incapaz de avaliar quem realmente está falando "do lado de lá".

Isso, em vez de honrar os diversos personagens antigos, faz muitos deles ficarem preocupados lá no além, porque o festival de falsidades ideológicas acaba criando sérios problemas. Da mesma forma quando alguém viaja para bem longe e seus vizinhos ficam inventando coisas que esse alguém nunca fez nem teria sequer pensado em fazer.

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