sábado, 31 de outubro de 2015

Divergências dentro dos "espíritas" brasileiros já contrariam o CUEE


Posturas nobres e discursos serenos são inúteis. Lideranças "espíritas" que se afligem diante de uma multitude de críticas que a doutrina brasileira recebe procuram falar em "coerência de conduta" com todo o malabarismo discursivo a que têm direito.

Tentando forjar humildade, são esses líderes os "possuidores da verdade", não assumidos no discurso mas comprovados pela concepção ideológica que fazem do que eles entendem ser a "verdade": um misto de devoção religiosa, pretensa erudição intelectual e filantropia associada a um aparente contato com os pobres, além de mensagens supostamente fraternais e esperançosas.

Essa embalagem da "verdade", expressa em "boas palavras", "caridade sincera" e "moral elevada", apenas esconde um engodo de contradições, confusões e divergências graves, porque não pontuais e, frequentemente, com forte e danoso impacto, que é o "movimento espírita" brasileiro, cujas críticas não surgem pelo fruto da inveja e da cobiça, mas pela observação cautelosa e comparativa dos fatos.

Se os aspectos doutrinários do "espiritismo" brasileiro contrariam o Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos, que é um roteiro de investigações e cautelas a serem tomados diante dos fenômenos espíritas, desenvolvido com muito cuidado e critério por Allan Kardec, as divergências que se observam dentro da doutrina brasileira só reforçam e confirmam essa contrariedade.

A própria trajetória confusa de Francisco Cândido Xavier é típica. Ele é o anti-CUEE por excelência, às vezes usado como marionete da Federação "Espírita" Brasileira, em outras como traiçoeiro oportunista e usurpador do prestígio dos mortos. Em muitos casos Chico Xavier era mandado, mas em outros e não poucos ele fazia de propósito, e isso gerou muitos escândalos e confusões.

Daí as críticas duras e severas. Afinal, os mais renomados críticos literários não iriam reagir de forma enérgica a Parnaso de Além-Túmulo e Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho porque foram lançados por um "homem de bem". Tal alegação seria completamente ridícula, por razões bastante óbvias, mas renegadas pelos "injustiçados espíritas".

Isso porque as duas obras mostraram irregularidades graves de expressão poética, se comparados ao que os escritores fizeram em vida. Um Olavo Bilac que se esqueceu do rigor métrico dos versos? Uma Auta de Souza que deixou de escrever com sua habitual doçura de jovem menina? Um Humberto de Campos que deixou de ser membro da Academia Brasileira de Letras para se tornar um sacerdote do "Vaticano do além-túmulo"?

Críticos literários justificavam com análises e comparações, davam provas de seus pareceres e apresentavam argumentos para comprovar os pastiches identificados nos livros e textos de Chico Xavier que levam os nomes "espirituais" dos escritores. Se eles estavam revoltados, era com razão, afinal Chico Xavier tirava vantagem dos nomes de personalidades literárias que dizia evocar.

Os "espíritas" imploram, até chorando de raiva, que respeitemos Chico Xavier, mas ele em verdade nunca respeitou os mortos. Criava mensagens de próprio punho e creditava a autoria a eles. A manobra era jogar uma mensagem "positiva", de apelo religioso, para anestesiar as pessoas que acabam atribuindo autenticidade apenas porque a mensagem "fala de amor".

Isso expressa o alerta de Erasto, que havia falado dos inimigos da Doutrina Espírita, que se inseriam dentro dela e que procuravam enganar as pessoas justamente com os mais belos discursos, temperando a peçonha do engano e da mistificação com o mel de fácil e deliciosa digestão das palavras mais floridas e harmoniosas.

Ao confuso repertório de ideias e à podridão das intenções, cria-se um "multirão" de palavras arrumadas e unidas em prol de mascarar ideias ilógicas e intenções traiçoeiras com o mais belo e organizado discurso.

Por isso o discurso ideológico em torno de Chico Xavier, bem mais confuso do que Madre Teresa de Calcutá, em que o "médium" tinha seu mito trabalhado de forma atrapalhada pela mídia até mais ou menos 40 anos atrás, quando o exemplo de Malcolm Muggeridge, o falecido jornalista inglês, ensinou muito sobre o marketing religioso que o repórter da BBC fez com a missionária.

Daí que, de um paranormal sensacionalista entre 1932 e 1944 a um "porta-voz dos mortos" entre 1944 e 1975, Chico Xavier só passou a ser trabalhado para valer como um pretenso filantropo depois que produtores do jornalismo da Rede Globo viram Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God) que Muggeridge apresentou, reportou e co-produziu para a BBC.

Ninguém percebe que a imagem ideológica de Chico Xavier, trabalhada sob o mesmo roteiro de Muggeridge até nas tomadas em que o pretenso filantropo aparece ao lado de crianças e velhinhos carentes, e tudo isso para mascarar seu trabalho irregular e sua "caridade" ora meramente paliativa, ora sutilmente perniciosa.

O que ele fez com Humberto de Campos e com Irma "Meimei" de Castro é bastante deplorável. Chico Xavier, cujo Parnaso de Além-Túmulo foi criticado por um irônico Humberto de Campos em vida, se vingou e, depois que o autor morreu, transformou-o em "padre católico" a dizer chorosas baboseiras, distante do talento e da temática típicos do autor maranhense.

Quanto a Meimei, ver que Chico seduziu o viúvo dela, Arnaldo Rocha, para estar a seu lado é algo lamentável. Usurpar a memória de uma jovem professora, que, mesmo católica fervorosa, não se daria ao humilhante papel de reduzir-se a uma ideóloga da forma como se atribui aos livros e textos tidos como de sua autoria espiritual, é um processo leviano mascarado de caridade.

E aí vem Chico Xavier sendo promovido a "profeta" por uma corrente - corroborada por Divaldo Franco o pseudo-intelectual de trejeitos "professorais" - que queria ver o anti-médium transformado num "homem de 1001 utilidades", aspirante "intuitivo" a cientista, além de filósofo, analista político, sociólogo, psicólogo, astrônomo e o que vier por aí.

Nessa corrente, em que participam desde Geraldo Lemos Neto, que divulgou um sonho que Chico Xavier teria tido em 1969 e que virou a "previsão da Data-Limite", até Alexander Moreira-Almeida, integrante de um lobby de acadêmicos ligados a universidades de Juiz de Fora e São Paulo, além de membros da Associação Médico Espírita do Brasil (AME-Brasil), tenta empurrar o anti-médium para a intelectualidade, forçando o vínculo, já duvidoso, entre Chico e Allan Kardec.

Mas há também uma outra corrente encabeçada por "espíritas tradicionais" e que inclui o "médium" Ariston Teles (que diz receber Chico Xavier pela psicofonia), além de ser corroborada pelo "filho" do anti-médium, Eurípedes Higino, que quer apenas que Chico seja visto como filantropo e como consolador de pessoas.

Só esses dois conflitos, que se disputam feito um Fla X Flu "espírita", mostram o quanto o Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos é violado. Ele é desobedecido o tempo todo, mesmo quando manifestações de "diferentes lugares" acontecem no Brasil, como no caso de supostas mensagens de vítimas do trágico incêndio na boate Kiss, na cidade gaúcha de Santa Maria, em 2013.

Isso porque, apesar das mensagens serem difundidas em lugares diferentes - interiores de São Paulo e Minas Gerais - , elas possuem o vínculo nada recomendável pelos critérios de Allan Kardec, porque compartilham da mesma ideologia "espírita", dos mesmos métodos e interesses e ainda têm um vínculo histórico com a Federação "Espírita" Brasileira, por mais indireto que fosse.

O CUEE reprovaria Chico Xavier em praticamente tudo, do contrário que Alexander Moreira-Almeida, Jorge Cecílio Daher Jr. e companhia, que procuram forçar a inclusão do anti-médium no clube dos cientistas, como se ele tivesse sido um primo perdido do Stephen Hawking.

As trajetórias confusas, as atividades duvidosas, o legado contraditório, as disputas de interpretações divergentes, tudo isso contraria a essência da temática espírita que o Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos aconselha e defende. O "espiritismo" brasileiro faz tudo o que o CUEE queria evitar.

Por isso é que não faz sentido lideranças "espíritas" estufarem seus peitos e, aparentemente "entristecidos" com aquilo que definem ser "lamentável campanha contra as obras do bem", pedirem respeito à "coerência espírita". Quem são eles para falar em coerência diante de um festival de erros?

Esses erros foram tão grandes, bastante numerosos e muito graves, vários com ampla repercussão, que não dá para minimizá-los e dizer que são "casos isolados". E se Chico Xavier e Divaldo Franco participarem de muitos desses escândalos, a princípio com muito gosto e propósito, antes de encararem a vergonha por cada escândalo denunciado, é sinal de que o "espiriismo" é, definitivamente, a péssima morada para a coerência e o bom senso.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Música brasileira reduzida a uma linha de montagem


Qual a situação da música do Brasil? Sintonizando as chamadas "rádios populares", como FM O Dia, Nativa FM, Band FM e outras, observa-se a "melhoria" das músicas tocadas, seja de "pagode romântico", "sertanejo" e outros. Músicas "mais bonitas" e cantores mais "contidos". Até o "funk" passou por uma recauchutada sonora.

Evolução? Não, apenas um jogo de aparências. Tudo continua tão medíocre e mercadológico como antes. A diferença é que o mercado da bregalização musical brasileira consolidou um processo que veio desde 1998, quando a geração brega da Era Collor tornou-se um arremedo tendencioso e falso da MPB que conseguia fazer sucesso entre o grande público.

Naquela época, os risíveis nomes do "pagode" e "sertanejo" que bregalizavam nas paradas de sucesso de 1990-1992 passaram a fazer uma imitação da sonoridade pasteurizada que marcou a MPB em sua fase comercial dos anos 80. A ideia era fazer uma recauchutada visual, caprichar na iluminação dos palcos, nos trajes de gala e no aparato técnico, e brincar de "fazer MPB" em especiais da Rede Globo de Televisão.

Passadas duas gerações adiante, o que se ouve nas rádios pode parecer "música de qualidade", mas é apenas uma linha de montagem. "Melhora-se" o produto para agradar o freguês. São apenas mercadorias "melhoradas", mas artisticamente tão ocas e inexpressivas quanto antes. E, culturalmente, tão inúteis quando o nível de nutrição de um chiclete de bola.

O Brasil, com um rico patrimônio artístico-cultural e com movimentos musicais que misturavam tradição e modernidade, nacionalidade e cosmopolitismo - como a Bossa Nova e o Clube da Esquina - , sucumbe à mais baixa degradação cultural com a subordinação das várias modalidades artísticas ao comercialismo mais explícito.

O fato de haver uma geração de ídolos "assépticos" em relação às gerações anteriores, que se consagraram cantando sobre "a barata da vizinha", "entre tapas e beijos" e "pau que nasce torto nunca se endireita" e queriam mesmo assim tomar as rédeas da MPB, é apenas uma questão de mudança de regras de mercado, como se aplicasse o Programa de Qualidade Total.

Exemplo disso é o antes intransigente "funk carioca", que não admitia uma estrutura sonora que fosse além do formato MC-dançarino-DJ de vocal quase gritado e atitudes jocosas ou invocadas. Mesmo com a resistência de seus defensores, o "funk melody", espécie de cruzamento do "funk" com elementos da Jovem Guarda e do brega dançante, passou a prevalecer sobre o chamado "pancadão".

Anitta gravando com violoncelista e fazendo arremedo de reggae. Lexa aparecendo ao lado de banda com formato roqueiro ou junto a um piano. E isso, enquanto, em outros gêneros, "sertanejos universitários" usam cítaras, gravam com orquestra e "pagodeiros românticos" tentam caprichar nos arremedos de poesia e melodia de seus sucessos.

Não se trata de algo espontâneo. E, no entanto, é essa música que tenta hoje prevalecer no Brasil, prestes a mendigar seu destaque no chamado "concerto das nações" mais uma vez, através das Olimpíadas de 2016. A sucessão, em quantidades industriais, de ídolos "pagodeiros", "sertanejos" e funqueiros tenta ser minimizada com "gestões de qualidade", que apenas fazem evitar que os ídolos sejam extremamente parecidos.

No "funk", os ídolos tentam ir além do fetichismo e da "provocatividade", e as atuais gerações tentam fazer hoje o que rejeitavam radicalmente em fazer há dois anos atrás. Tentam agora "mostrar serviço" e aparecem até ao lado de ídolos de outros gêneros popularescos, enquanto uns tentam cortejar até roqueiros e emepebistas.

O Brasil passa por um processo de plastificação, criando uma estrutura sócio-cultural ao mesmo tempo higienizada e calculista, visando atender ao mercado turístico e ao consumismo de diversas classes sociais. Isso ocorre em claro prejuízo ao patrimônio cultural originalmente acumulado, já que este só é valorizado na forma do arremedo ou nas apreciações saudosistas ou museólogas.

Daí os múltiplos processos de "limpeza ideológica" feitos na música, no cinema, no teatro, nas artes plásticas, com o claro respaldo de uma mídia reacionária que tenta manipular o inconsciente coletivo. E, nesse clima que mistura ufanismo e consumismo, atualizando o "milagre brasileiro" da Era Médici para os contextos de hoje, até quem tem boa formação cultural acaba aderindo.

Daí a satisfação com que roqueiros e emepebistas têm com os poucos espaços que lhes restam. sejam programas de MPB em canais da TV paga ou webradios de rock difíceis de serem sintonizadas fora de casa. Acreditam que uma revolução cultural ocorrerá em seus ambientes fechados, enquanto suas expressões culturais são reduzidas a caricaturas, literalmente parodiadas pelo rádio FM - incluindo as chamadas "rádios rock" - e a chamada TV aberta.

A "paz social" que se desenvolve nisso tudo, às custas do apoio aos chefões midiáticos, como da Rede Globo, e de políticos de viés autoritário, como os do PMDB carioca - e não se fala necessariamente de Eduardo Cunha, mas de Eduardo Paes e seus consortes - , transforma o Brasil num verdadeiro país fictício, uma Disneylândia do politicamente correto e do consumismo pleno.

Tudo parece lindo e maravilhoso, edificante e progressista, mas é apenas uma embalagem bela de conteúdos ocos, vagos, falsos e tendenciosos. A espontaneidade não é um forte nessa fase em que o Brasil comete retrocessos, mesmo sutis, para permitir o consumismo fácil dos fregueses - que o jargão da grande mídia apelida de "clientes" - e o faturamento imediato e maior de investidores.

Daí a trilha sonora arrumadinha, não só de rádios "populares", mas como de caricatas "rádios rock" como a carioca Rádio Cidade (que enfoca o jovem roqueiro como se fosse um debiloide surgido no seriado Malhação) e 89 FM (a cada dia mais próxima da mentalidade popularesca da TV aberta), em que até canções piegas com arranjo grunge ou emocore são tocadas.

É uma forma de criar uma "diversidade bonitinha", com uma rede de relações incluindo publicitários, executivos de mídia, acadêmicos, dirigentes diversos (inclusive esportivos) e políticos dominantes. Uma "diversidade" que não incomode a plutocracia, uma "higienização" que se encaixa bem no Brasil sonhado por Chico Xavier, que recomendava o povo a "sofrer em silêncio".

Não podemos falar nem mobilizar. Reclamar é um ato antissocial. O que se deve fazer é baixar a cabeça, aceitar a derrota e consentir com todo o circo do consumismo e da espetacularização. Se discordamos, o jeito é correr para a adega mais próxima e tomar um licor com os amigos para contar piadas ou ver futebol carioca, posando de vitorioso antes da vitória, na televisão.

Se o "sertanejo" e o "funk" incomodam, o jeito é, mantendo-se cabisbaixo, aguentar a linguagem pop da Rádio Cidade e aceitar como "rock de qualidade" as baboseiras de arranjo grunge ou emo com vocalistas sonolentos ou com voz de quem tenta fazer força sem poder, e acreditar que isso é uma das maravilhas do planeta. Tudo em nome de um país "bonitinho" para turista ver.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Valor dos livros para colorir é um só: Ctrl + P


Na era do e-Book, é risível que, entre os livros mais vendidos no mercado literário - que deveria se voltar para textos - , estejam pelo menos três livros para colorir. Embora haja a promessa de um "entretenimento sem estresse", ele desvia o foco e escapa do propósito de estimular a leitura de livros, ainda tão deficitária e precária.

Em um contexto em que o tradicional jornal diário, o carioca Jornal do Brasil, há muito deixou de ter sua versão impressa, por que se tem que gastar cerca de R$ 30 por livros para colorir? Se para lermos uma notícia do dia, como nas antigas, temos que apelar para a impressora de computador, por que isso não é feito no caso de livros para colorir?

Em primeiro lugar, as páginas com desenhos em preto e branco são menos custosas de serem impressas nas multifuncionais. Gastam menos tinta e a carga de um cartucho de tinta preto e branco dá para imprimir um livro inteiro. Geralmente, só a capa é a cores, o que obriga uma impressão a cores de apenas duas páginas, o que é possível tendo um único cartucho a cores.

Se os livros impressos, cujo papel tem seu custo, já são gastos com material de péssima qualidade - é só perceber os "fogos-de-palha" literários que se acumulam nos sebos, com suas páginas já não mais amareladas, mas marrons de tão envelhecidas - , por que perder tempo lançando livros para colorir se suas páginas e capas podem ser tranquilamente baixados em impressora, através do computador?

É um aspecto surreal. O modismo de livros para colorir, posterior ao emergente modismo de biografias de cachorros com nomes ou sobrenomes de músicos estrangeiros - puxado por Marley e que chegou ao "John & George" que, em vez de se referir aos dois ex-Beatles, contava a história de um cidadão John com seu cãozinho George - , sinaliza a tendência da literatura água-com-açúcar de nossos dias.

Alguns dos best sellers literários, como O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, aviador francês que morreu durante a Segunda Guerra Mundial, e Kairós, do padre católico Marcelo Rossi, ganharam adaptações em livros para colorir. Isso é mau, porque uma lista de dez ou vinte mais vendidos acaba tendo metade ou um quarto monopolizada por esses livros.

A cultura brasileira já está degradada e o mercado literário tornou-se ao mesmo tempo rígido e estúpido, limitando-se a aceitar literatura água com açúcar ou estabelecendo um pacto com a visibilidade.

Vai uma subcelebridade e contrata um ghost writer para escrever um livro mas põe o crédito todo no "famoso" em questão e a editora aceita, publica e ele aparece entre os mais vendidos. Vai um anônimo estreando com um livro de honesta e abrangente transmissão de conhecimento e nem as editoras mais modestas se interessam em publicar.

No "espiritismo", observamos como seria se Nosso Lar ganhasse versão para colorir. E isso quando a doutrina brasileira só usa o artifício dos textos para deturpar o conhecimento, trazendo mistificação religiosa fantasiada de ciência, por meio de uma retórica confusa, contraditória mas altamente persuasiva.

Mas no Brasil vale tudo, quando o compromisso é sempre nivelar as coisas por baixo. Neste sentido, até a burocracia acadêmica ajuda: boa parte dos programas de pós-graduação são divagações semiológicas de inócuos e rotineiros hábitos cotidianos ou de fenômenos da moda, quase sempre descritivos e apologistas.

Só que a realidade mostra que os livros para colorir, o modismo literário do momento, nem deveriam ser levados a sério pelo mercado editorial, que perde tempo com eles. Até porque, se observarmos bem o contexto tecnológico atual, o único valor que um livro para colorir tem se reduz a uma fórmula conhecida na Informática: Ctrl + P, que quer dizer control and print (controle e impressão).

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Adoração a Chico Xavier prejudica atividades científicas


No país do anti-intelectualismo, ídolo religioso vira intelectual. A obsessão de uma boa parcela de brasileiros, entre "espíritas" e simpatizantes de outras crenças, por Francisco Cândido Xavier e sua confusa trajetória de contradições e erros graves, impede que a busca do verdadeiro conhecimento se efetive de forma adequada no Brasil.

O episódio recente da atribuição a Chico Xavier de supostas previsões sobre a existência de vida em Marte revela um aspecto constrangedor. Diferente do caso da aviação, em que o pioneirismo realmente valeu para Alberto Santos Dumont e não para os estadunidenses Wilbur e Orville Wright, só defendidos por seus compatriotas, o Brasil teve, no caso marciano, episódio mais risível.

Afinal comparar o pioneirismo de 80 anos atribuído a Chico Xavier e dois de seus supostos colaboradores - a mãe, Maria João de Deus, e um caricato Humberto de Campos que não confere com o original - e o de Percival Lowell em pelo menos 107 anos, é uma grande covardia e, também, uma grande piada.

Chico Xavier "previu" vida em Marte apenas em relatos romanescos, sem qualquer indício de veracidade científica, métodos ou fontes fidedignas de pesquisa. São relatos meramente especulativos, mas descritos como se fossem verdadeiros, sem apresentar provas nem qualquer tipo de embasamento científico.

Isso se torna ainda mais absurdo quando se constata que o tema da vida em Marte, com todos os aspectos atribuídos a Chico Xavier - como presença de água, canais artificiais, vida humana e civilizações avançadas - , já eram fartamente discutidos no século XIX, até por Camille Flamarion, amigo de Allan Kardec, astrônomo pelo menos citado por Divaldo Franco em palestras.

A adoração a Chico Xavier torna-se uma pedra no caminho não só da Doutrina Espírita, como para outras áreas do conhecimento científico. A figura do anti-médium prejudica diretamente a correta apreciação do pensamento de Allan Kardec, levianamente deturpado em suas ideias básicas e desprezado em outras ideias bem menos conhecidas.

Mas o prejuízo se estende pela via científica porque a adoração a Chico Xavier reflete o apego exagerado à religiosidade de matiz medieval que ainda mantém remanescentes no Brasil, em decorrência do Catolicismo português, que foi inserido na então colônia sul-americana com todos os moldes da Idade Média mantidos pela religião lusitana.

O Catolicismo português moldou a religiosidade "espírita" brasileira, o que significa que o pensamento religioso medieval ultrapassou duas barreiras, sendo uma relativa às transformações sócio-econômicas e políticas do século XVI e outra, às transformações do pensamento humanista nos séculos XVIII e XIX, destas quais floresceu o pensamento de Allan Kardec.

A religião lusitana, dessa forma, aproveitou a mania do Brasil em desenvolver coisas novas com bases velhas. Coisas que surgem para romper com estruturas arcaicas são introduzidas no país com o respaldo justamente do que é arcaico, que "adapta" a "novidade" à sua maneira, minimizando seu impacto transformador.

Aí, o "espiritismo" brasileiro, em vez de seguir o pensamento de Allan Kardec, segue o igrejismo católico português, sua base ideológica, já em aspectos podres do medievalismo. A única concessão foi combinar um moralismo católico-medieval com práticas hereges clandestinas, que se sobrepuseram sobre qualquer tentativa de estudar a sério a mediunidade.

A mania de os "espíritas" insistirem em entender daquilo que não conhecem, isto é, a mediunidade e a vida espiritual, também prejudica a ciência. Quando se supõe saber aquilo que, em verdade, desconhece, isso impede a pesquisa, porque ninguém vai procurar saber aquilo que supõe ter sabido, e a ignorância se traveste numa sabedoria e especialização que não existem nem jamais existiram.

O que se entende como "mediunidade" é um monte de mensagens tiradas da imaginação pessoal do respectivo "médium" cujo caráter fraudulento é mascarado por algum apelo religioso aqui e ali. O que se entende como "vida espiritual" é uma paisagem imaginária de enormes parques e grandes edifícios com pessoas vestindo pijamas brancos e limpinhos.

Entre fingimentos e especulações, os "espíritas" ainda fazem de conta que possuem profundo conhecimento doutrinário, fazendo com que a Ciência Espírita desfilasse em sua teoria, nunca praticada de fato, nos periódicos do "movimento espírita".

Isso é muito mal, porque prejudica os estudos verdadeiros sobre contatos com espíritos do além. Até a psicofonia é desmoralizada, reduzida a um espetáculo de falsetes comparável ao de humoristas imitando Sílvio Santos. E que envolve até mesmo gente dia como "tarimbada" como o anti-médium baiano Divaldo Franco, que como "psicófono" nunca passou de um concorrente frustrado do comediante e dublador Orlando Drummond.

Ninguém pesquisa coisa alguma. O teórico do Magnetismo, Franz Anton Mesmer, especialista da área que impulsionou Kardec a estudar os fenômenos espíritas, nunca teve livros traduzidos no Brasil. O próprio Kardec não é devidamente estudado, e os "espíritas" se tornam até repetitivos ao insistir nos mesmos trechos kardecianos que lhes agradam, reproduzidos em textos e palestras.

PIEGUICE - Foi dessa forma que "espíritas" comemoraram um suposto e duvidoso reconhecimento de Chico Xavier e o fictício André Luiz pelo meio científico.

Tudo vira devoção e deslumbramento, até quando envolve relações tendenciosas com a ciência. Publicamos um texto no qual cita uma comunicação por e-mail de vários "espíritas", entre os quais a já falecida Marlene Nobre, publicada em um blogue, Planeta Azul.

A pretexto de comemorarem um suposto reconhecimento científico de alegadas "previsões" de Chico Xavier e o fictício André Luiz sobre descobertas científicas, dado a instituições científicas de baixa expressividade no meio, os envolvidos nos e-mails trocados pareciam comemorar um milagre, e reagiram com a histeria de verdadeiros devotos igrejistas.

Um livro chegou a ser feito, e fotografado ao lado de coroas de flores. Não parecia a comemoração de um reconhecimento científico, mas o festejo de um milagre religioso. Os comentários foram deslumbrados, extremamente sentimentais e desprovidos de qualquer objetividade própria de apreciadores da ciência.

O lobby que cerca Chico Xavier dentro dos meios acadêmicos não contribui para o correto estudo científico de suas atividades. Pelo contrário, as pesquisas que pessoas como Giancarlo Lucchetti, Jorge Cecílio Daher Jr. e Alexander Moreira-Almeida fazem é tão somente uma roupagem, um verniz para autenticar as práticas irregulares e confusas do anti-médium.

Mesmo sob a intenção aparente de trazer Chico Xavier para a luz do conhecimento científico, eles adotam métodos bastante duvidosos e inadequados, alguns simplórios demais, outros bastante complicados e desnecessários. Um leigo faria bem melhor, comparando estilos de linguagem, caligrafia e outros fatores e tiraria a conclusão das fraudes que a suposta psicografia produziu.

A adoração, que vai aos níveis de apego desesperado e obsessão irredutível, a Chico Xavier, é um reflexo de um sistema educacional que transforma a ciência em algo repugnante e a religião, na medida em que é trabalhada como um conto-de-fadas para adultos, e isso faz com que os brasileiros deem maior preferência para a fé do que para o raciocínio questionador.

Daí o anti-intelectualismo que se torna uma "tradição" no país. Pessoas que condenam o "excesso de raciocínio", a "overdose de lógica", mas, dentro de uma mania do Brasil em mascarar as ideias pelo seu oposto, tentam dar "razões filosóficas" para seu anti-intelectualismo, tentando dar lógica à "falta de lógica" com seu repertório de desculpas esfarrapadas.

Por isso é que a adoração a Chico Xavier, reflexo desse contexto sócio-educacional, as atividades científicas são prejudicadas, já que, se o igrejismo chiquista se autoproclama "ciência", ninguém precisa desenvolver a verdadeira ciência.

Pesquisas questionadoras? Que nada, vale apenas acreditar nos mistérios da fé. Provas? A fé e a bondade são as provas mesmo na ausência de provas autênticas. Pesquisas na medicina? Nada disso, basta a cirurgia espiritual com tesoura e facão que resolve qualquer coisa. Equipes de cientistas ficam sem dinheiro, enquanto "centros espíritas" ficam nadando em fortunas.

A Ciência deixa de ser devidamente valorizada, porque o misticismo "espírita" se apropria de suas qualidades, mas dentro de práticas duvidosas e abordagens especulativas. Com isso, a atividade científica, já bastante desvalorizada no Brasil, é ainda mais desprezada, em que pese a bajulação habitual dos "espíritas" a seus personagens.

O ser humano desperdiça seu dom maior, que é o de raciocinar. A criminalização do senso crítico nos últimos anos prejudica as atividades intelectuais, científicas e artísticas, atrofia a cultura e a ciência, e prejudica seriamente o progresso de um país.

E todo esse desastre é estimulado quando uma personalidade religiosa de trajetória confusa e irregular é endeusada como se fosse o "maior dos brasileiros", diante de estereótipos de amor e bondade defendidos por gente incapaz de ser boa por conta própria.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

O chiquismo e seus estragos através da fé cega


O Brasil está em perigo. A fé cega das pessoas, presas em suas convicções pessoais, impede que o país perceba a sua própria realidade. Camuflando valores conservadores com suposta modernidade, muitos brasileiros confundem sua visão míope das coisas com originalidade.

É evidente que a desilusão bate na porta das pessoas que sonharam demais com suas fantasias. Chocadas com as revelações que põem em xeque convicções obtidas desde a tenra infância, as pessoas reagem alarmistas e se refugiam, feito baratas diante da primeira sombra humana que encontram, para suas zonas-de-conforto.

E isso vai desde o desmascaramento de um machismo mal-disfarçado por um erotismo "popular" que se autoproclama "feminista" até a religiosidade extrema de futuros fundamentalistas que, por enquanto, reagem de forma "calma" ou "menos agressiva".

Mas isso envolve vários aspectos. A consciência da realidade, em seu primeiro contato, irrita as pessoas, mesmo as mais cultas que, mesmo assim, não aguentam mais tanto raciocínio questionador, e fogem até de contestações que, em primeiro momento, manifestaram relativa concordância.

Tentando procurar algum vestígio de "anos dourados" ou de "prosperidade plena" até em valores e iniciativas que revelam ecos da ditadura militar - como o sistema de ônibus do Rio de Janeiro, a hidrelétrica de Belo Monte e a transposição do Rio São Francisco - , as pessoas preferem romper com os amigos do que abrir mão de suas convicções pessoais.

Daí que pessoas que questionam de forma aprofundada são discriminadas. E não são os "revoltados" do anti-petismo que não passam de conservadores brincando de fazer protesto com seu ativismo de sofá vestido de Seleção Brasileira de Futebol. São as pessoas que procuram expor a realidade, derrubando ilusões e crenças, "estragando" as festas dos que se julgam contentes.

Recentemente, um dos intelectuais da esquerda autêntica brasileira, Vladimir Safatle, cuja linha de pensamento se equipara a pensadores renomados como Noam Chomsky e o falecido Eric Hobsbawm, escreveu um artigo sofre o "fim da música", dizendo que "sertanejos" e funqueiros simbolizam uma sociedade conformista que não se encoraja a reagir aos privilégios das elites.

Safatle foi atacado por um colaborador do blogue Farofafá, comandado pelo jornalista adestrado (e amestrado) pela Folha de São Paulo, Pedro Alexandre Sanches. Chamado Acauam Oliveira, o colaborador chamou Vladimir Safatle pelo adjetivo pejorativo de "Vlad, o Moderno", título que mais parece parodiar apostos dados a czares russos, como Ivan O Terrível.

No espaço arranjado por Sanches - jornalista "livre" que se autoproclama "detrator da Rede Globo" mas compartilha da visão mercantil que a rede aborda sobre a "cultura popular" - , Acauam não consegue convencer ao questionar Safatle e parece prolixo e confuso ao definir os debates da cultura popular dentro de uma perspectiva que misture alhos com bugalhos, vanguardistas com bregas.

Esse é o tom da realidade que vivemos. A incoerência busca se argumentar, as pessoas querem raciocinar um argumento racional que justificasse o não-raciocínio. Querem ser racionais na sua irracionalidade e filosofam demais sobre suas mentiras e mistificações.

O próprio Brasil se recusa a pensar como se fazia no Primeiro Mundo desde a Antiguidade Clássica. O complexo de vira-lata voltou à moda, junto com outras doenças brasileiras como a memória curta, o jeitinho brasileiro e o golpe do baú, com a diferença que tais denominações estão em desuso, para não assustar a "criançada".

Daí uma série de hábitos e atitudes surreais, que se multiplicam nesse cotidiano confuso, desigual, cruel, atrapalhado, imprudente, hipócrita, oportunista e tendencioso em que vivemos. E faz sentido que as pessoas abandonam seus próprios amigos para ficar com as suas zonas-de-conforto exaltadas ritualmene no Facebook, YouTube, Instagram e outras mídias sociais.

São as pessoas que desprezam tudo que não lhes é ilusão e festa: se não são indivíduos capazes de ir de lugares distantes para aparecer nas boates onde elas estão e tomar cerveja, não servem para amigos. E, no âmbito religioso, deixam seus velhos da vida pessoal à deriva (como pais, mães, avôs e avós) porque o único velhinho que lhes presta, mesmo falecido, é Chico Xavier.

O chiquismo continua muito forte e mesmo o mito confuso de Francisco Cândido Xavier não é suficiente para que sua idolatria deixasse de ser intensa. Afinal, a própria sociedade brasileira é confusa, capaz de tomar como "feminismo" uma "boazuda" mostrar seus glúteos siliconados o tempo inteiro e "sensualizar" até em velório, e por isso qualquer absurdo se espera neste caso.

No YouTube, como alertamos, há muitos vídeos que tentam definir Chico Xavier como filantropo, profeta ou tudo o mais. De mensageiro dos mortos a descobridor de Marte, todo absurdo é atribuído a ele, com uma histeria que o faz acumular seguidores através do botão "curtir" para vídeos a ele favoráveis, e "descurtir", para aqueles que questionam o mito do anti-médium mineiro.

O chiquismo causa estragos, expandindo a já problemática fé-cega católica - que defende absurdos como o "mar que parte ao meio" das bíblias mal traduzidas ao longo dos séculos - para um pedantismo pseudo-científico, que só prejudica ainda mais as coisas, porque a roupagem "científica" e "intelectual" é feita para proteger a cegueira da fé dos esclarecimentos mais avançados.

O apego a Chico Xavier, uma teimosia que atinge até uma parcela dos que se julgam "kardecianos fiéis", torna-se muito prejudicial, porque, ao apoiar como "unanimidade" uma figura religiosa de valor bastante duvidoso e cuja trajetória foi marcada de muita confusão, erros graves e irresponsáveis e escândalos de grande repercussão, o Brasil está assinando um atestado de incoerência a si mesmo.

Daí o complexo de vira-lata. As pessoas não querem melhorias, querem se acomodar na sua imperfeição, confundindo autoconsciência com narcisismo. As pessoas rejeitam o questionamento, o raciocínio aprofundado, e se julgam felizes na sua ignorância, pressupondo nelas uma sabedoria que não existe e se revela improcedente.

É assustador ver que uma parcela influente da sociedade brasileira não quer melhorias, bastando se contentarem com os arbítrios das autoridades e tecnocratas sob o pretexto de que a "chuva de dinheiro" vai trazer a prosperidade para o Brasil, desde que o povo fique calado, vá beber cerveja e assistir a vídeos engraçados ou ler livros para colorir.

Se nem há 50 anos, quando a ditadura militar se proclamou definitiva, afastando as chances de devolver o poder aos civis através da sonhada campanha presidencial, os brasileiros se comportaram de maneira tão submissa. Ver que basta questionar profundamente a realidade para pessoas fugirem de alguém, numa época como a de hoje, com democracia vulnerável, mas consolidada e protegida por leis, é muito preocupante.

A ilusão de consumismo pleno, de alta tecnologia e de aparente liberdade faz a "boa sociedade" agir assim, entre um conformismo convicto e um reacionarismo festivo. Daí a escolha de uma personalidade confusa, contraditória e irregular como Chico Xavier como um sinônimo de uma ideia de "perfeição" que esses brasileiros "bovinos" acreditam: uma "perfeição" marcada por grandes imperfeições e pela complacência com os erros que acontecem no Brasil.

Essa fé cega, que se autoproclama "fé raciocinada" mas que de raciocinada nada tem, trava o progresso do país, um progresso que vai muito além da livre circulação de grandes somas de dinheiro e das promessas mirabolantes de autoridades que acham que podem fazer tudo.

Um país marcado pela demagogia, pela trilogia de mentiras, desmentiras e meias-verdades, só pode sucumbir a um atraso que nenhuma "chuva de dinheiro" consegue dissolver. Até porque os interesses das elites não convergem ao verdadeiro interesse público e o que teremos é mais uma vez um circo aberto de consumismo sem qualidade de vida, e sob a fé cega a Chico Xavier.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Novelas na TV e a pregação religiosa

A NOVELA "ESPÍRITA" ALÉM DO TEMPO, DA REDE GLOBO DE TELEVISÃO.

A Rede Globo e a Rede Record estabelecem uma sutil "guerra santa" em torno da audiência. A Record, de propriedade do "bispo" Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, é mais explícita, através de sua produção de novelas bíblicas. Mas a Globo investe no "catolicismo sem batina" através da sutil temática "espiritualista".

Várias novelas "espíritas" ou "espiritualistas" são produzidas pela Globo, não bastasse o fato de que ela, reinventando o mito de Francisco Cândido Xavier nos últimos 35 anos - nos mesmos moldes que Malcolm Muggeridge fez com Madre Teresa de Calcutá - , também investe na cinematografia "espírita" através da Globo Filmes.

Os próprios filmes "espíritas" têm linguagem e até elenco de novelas da Globo. Católica, a Globo até tentou explorar a religiosidade através da figura de Padre Marcelo Rossi, mas viu no "espiritismo" uma forma bem mais sutil e flexível de manipulação do inconsciente coletivo. Afinal, o "espiritismo" brasileiro é uma espécie de "catolicismo sem batina".

Desde que a Globo encampou a adaptação da novela A Viagem, em 1994, sucesso de Ivani Ribeiro que havia sido produzido pela TV Tupi em 1975, as novelas "espíritas" ou "espiritualistas" passaram a ser feitas, e a Federação "Espírita" Brasileira viu na emissora dos Marinho uma grande vitrine para seu igrejismo sobrenatural.

Recentemente, a novela em andamento é Além do Tempo, transmitida no horário das 18 horas. Ironicamente, sua protagonista, a bela atriz Alinne Moraes, declarou-se ateia. Embora a narrativa tivesse ecos leves de Em Algum Lugar do Passado (Somewhere in Time), produção estadunidense de 1980, ela é feita no entanto sob uma perspectiva mais próxima a Nosso Lar.

A NOVELA OS DEZ MANDAMENTOS, DA REDE RECORD.

Há que se convir que os estrangeiros costumam ser mais realistas no trato de temas da vida espiritual. Sem apresentarem conhecimentos definitivos sobre o assunto, já que ele ainda depende de muitas pesquisas, Embora de forma especulativa, pelo menos os roteiristas e escritores gringos não apelam para o pedantismo do que, no Brasil, acreditam que a colônia Nosso Lar "existe de verdade".

No âmbito "cristão", a Rede Record é mais explícita. Mas aí Hollywood é tão fantasiosa e surreal quanto as produções brasileiras. Os filmes estadunidenses que tratam de temas bíblicos - os maiores sucessos foram Os Dez Mandamentos (The Ten Commandments) e Ben Hur. ambos com Charlton Heston, que depois foi militante armamentista - , são tão ficcionais quanto os desenhos da Disney.

O que chama a atenção nem é pela suposta novidade das novelas bíblicas nem pelo fato de que a Record também usa a técnica de película, seguindo a tendência da Globo, que agora produz novelas com imagem de cinema e não mais de videoteipe, como era antes.

O que, na verdade, chama a atenção, depois que o sucesso de Os Dez Mandamentos chegou a prejudicar a audiência do Jornal Nacional, o famoso noticiário da Rede Globo, nos lares cariocas, é que a aceitação pública reflete o apego ao conservadorismo religioso.

Daí ser de constrangedor que o crítico cultural paulista, Pedro Alexandre Sanches, cria do direitista Projeto Folha, da Folha de São Paulo, mas "convertido" em um duvidoso e inverossímil "esquerdista", tenha festejado demais a audiência de uma novela bíblica só porque derrotou o noticiário da Globo. Sanches passou a posar de "inimigo da Globo" tentando agradar a esquerda que financia organizações em que ele, que comanda o portal Farofafá, está envolvido.

Afinal, o sucesso da novela da Record pouco tem a ver com a queda do "império romano" da Globo. Muito pelo contrário. A novela "espírita" Além do Tempo tem boa audiência, o que mostra que o quixotismo de Sanches, que, como um "Eduardo Cunha da cultura popular", defende a degradação e a subordinação da cultura brasileira às regras do mercado, não faz sentido algum.

E se a novela da Record a fez líder de audiência no horário não apenas nos lares paulistas mas também nos lares cariocas, isso é um sinal de alerta. Sinal de que o Rio de Janeiro, cada vez mergulhado em retrocessos sucessivos está também apegado a uma religiosidade cada vez mais conservadora. É o estado que deu de presente ao Legislativo federal a figura canhestra do deputado Eduardo Cunha.

Isso porque os cariocas ainda estão apegados ao poder da Globo. O Estado do Rio de Janeiro sofreu um surto de neoconservadorismo sob diversos aspectos. As pessoas costumam endeusar tecnocratas, autoridades e executivos. O sistema de ônibus segue diretrizes originárias da ditadura militar. O "funk" segue paradigmas do grotesco dos tempos do governo Ernesto Geisel.

E ainda prevalece o machismo erótico simbolizado por Solange Gomes e Mulher Melão, não bastasse o próprio "funk" simbolizar a degradação sócio-cultural do Estado que outrora lançou a Bossa Nova. O "funk" reduz o folclore popular a estereótipos consumistas e degradantes dignos da Disneylândia acrescidos de uma lógica de mercado da rede McDonald's.

É também o Rio de Janeiro onde internautas que possuem senso crítico são discriminados. Depois da onda de humilhação através da trolagem - que só terminou quando seus diversos membros foram desmascarados com campanhas racistas e com a adesão a movimentos como o fascista Revoltados On Line - , os internautas mais questionadores agora são boicotados pelos próprios seguidores nas mídias sociais.

É mais um surto neoconversador, que determina que a regra nas mídias sociais é "ser feliz demais", criar um "mar de rosas" digital e apelar para vídeos engraçados, fotos amistosas mostrando turmas reunidas em boates, selfies inofensivas, criando uma "paz social" para não incomodar os preparativos para as Olimpíadas de 2016.

Como se não bastasse, ainda há o fanatismo pelo futebol carioca, tomado como "moeda corrente" para as relações sociais, em que a regra é torcer para qualquer um dos quatro times - Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo - como uma obrigação para ser aceito por outras pessoas. Quem não torce por qualquer um destes times nem curte futebol tende a ser discriminado no Rio de Janeiro.

Essa "paz social" dá ênfase aos "livros para colorir", nas vídeocassetadas com animais, nos vídeos com crianças dublando cantores veteranos, entre tantas bobagens inócuas que prevalecem nas mídias sociais, diante de uma estranha necessidade de uma parcela de brasileiros de não querer mais "ser inteligente", acreditando que a inteligência já é um produto acabado e "já muito gasto".

A busca pelo entretenimento "água com açúcar" e a blindagem da fé faz dos cariocas um dos povos mais conservadores no Brasil. O Sul e Sudeste sinaliza esse neoconservadorismo sob diversos aspectos, tanto no fanatismo religioso, no reacionarismo político, na complacência com a decadência da cultura popular e na submissão aos tecnocratas.

O Rio de Janeiro torna-se a vitrine desse processo que faz com que regiões tidas como mais desenvolvidas e avançadas no país sofram surtos de retrocesso num momento em que Norte, Nordeste e Centro-Oeste começam a reagir contra décadas de dominação e retrocesso.

Só que os retrocessos no Sul e Sudeste representam um perigo para o país - vide a atuação ao mesmo tempo prepotente e irresponsável de Eduardo Cunha - , porque estas duas regiões ainda servem de referência para o país e o Rio, com todos os seus desastres, continua sendo uma vitrine para o resto do país.

Com o conservadorismo religioso manifesto pela boa audiência de duas novelas de redes de televisão rivais, não bastasse a mania de cariocas e fluminenses atribuírem valor divino até a decisões de tecnocratas, burocratas e executivos de mídia, o Rio de Janeiro expressa seu obscurantismo cada vez mais evidente e que pode botar o Brasil mais uma vez a perder.

Mas é compreensível que a "boa sociedade" queira essa "paz social". Irritada com tantos questionamentos que vê na Internet, ela se arma e se alarma com um arremedo de "felicidade" que expressa nas mídias sociais, até para disfarçar o peso na consciência de ter eleito um político inexpressivo, retrógrado e corrupto como Eduardo Cunha, ele mesmo um líder religioso.

domingo, 25 de outubro de 2015

"Espíritas" realmente leem os livros de sua doutrina brasileira?


Os "espíritas" da doutrina brasileira realmente leem os livros por ela publicados? A confusão mental que eles atribuem a seus contestadores na verdade existe nos próprios "espíritas", que fazem juras de amor inabalável a Allan Kardec mas praticamente o apunhalam pelas costas.

Um dos aspectos insólitos que se observa, nesta doutrina mais próxima do Vaticano do que de Lyon, é a instituição do livro como meio de expressão ideológica. E isso num país com pouco hábito de leitura como o Brasil, que chega a ter, pelo menos, três livros para colorir nas listas dos mais vendidos.

Sabe-se que Francisco Cândido Xavier, o adorado Chico Xavier de seus seguidores, fez muito menos, e muitíssimo menos, do que sua tão alardeada bondade tenta nos fazer crer. E sabemos que algumas de suas "bondades" se revelam traiçoeiras, como a apropriação da memória dos mortos através da falsa mediunidade, se promovendo às custas da tragédia alheia e fazendo falsidade ideológica.

Mas a atitude mais perniciosa de Chico Xavier é, sobretudo, através de seus livros. Ele simplesmente jogou no lixo as lições de Allan Kardec, através de um engodo literário dos mais confusos, e, como se isso não bastasse, nem todos os livros atribuídos ao anti-médium mineiro realmente foram escritos por ele.

Nos anos 80 e 90, por exemplo, muitos dos livros "de Chico Xavier" eram feitos por editores da FEB, porque o anti-médium, doente e cheio de compromissos, não poderia escrever ou "psicografar" 100% do que lhe é atribuída a autoria. Tanto que o que se reconhece popularmente como de sua lavra são livros publicados entre os anos 1930 e 1960, e alguma coisa dos anos 1970 e 1980.

Chico Xavier tornou-se uma das expressões máximas do Brasil que mascara as coisas, que diz uma coisa e faz outra, e onde os reacionários que violam as leis juram de joelhos que "respeitam as leis e o interesse público". É o país do jeitinho, da memória curta, reduto tardio mas certeiro do politicamente correto, em que as piores atitudes são sempre justificadas pela "melhor das intenções".

Daí ser compreensível que uma parcela de espíritas autênticos, mas ainda muito, muito ingênuos, ainda acredita que se possa aproveitar alguma coisa de Chico Xavier e Divaldo Franco na hipótese de recuperarmos as bases científicas kardecianas. É evidente que esta postura é confusa, mas é defendida por não pouca gente.

Eles até não conseguem esclarecer o que pode ser aproveitado dos dois. Falam apenas que eles "trabalham pela caridade", embora uma análise bem cuidadosa mostra que o trabalho filantrópico dos dois anti-médiuns é bem mais frouxo, precário e muito menos expressivo e bem menos transformador do que se supõe e se acredita.

Livros? Os espíritas que querem recuperar as bases kardecianas mas têm os corações ainda moles batendo por Chico e Divaldo não conseguem sequer explicar quais os livros servem para serem aproveitados na Doutrina Espírita. Só os mais famosos deles expressam deturpações sérias em relação ao pensamento de Kardec.

As obras de Chico Xavier, Divaldo Franco e de autores derivados não são mais do que engodos de moralismo religioso, narrativas especulativas sobre o mundo espiritual, manifestações de valores conservadores nem sempre de fácil leitura, com obras rebuscadas de um eruditismo falso e grosseiro, daí que nem seus defensores conseguem lê-los de forma atenta e dedicada, não bastassem tais obras apresentarem ideias contrárias ao que Allan Kardec tão trabalhosamente sistematizou.

Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho? O livro traz uma visão historiográfica do Brasil que já era risível em 1938, fruto de livros didáticos de terceira categoria. Nosso Lar? Ele supõe um mundo espiritual do qual a ciência não comprova como certo. E os livros de Divaldo? Ele tem razão quanto às crianças-índigo? Os kardecianos de coração mole não conseguem explicar.

As pessoas leem as pressas, de tal forma que, na imprensa cultural brasileira, por exemplo, aceitam um direitista como o colunista do Farofafá, Pedro Alexandre Sanches - tão devoto do "deus mercado" quanto Rodrigo Constantino - como se fosse "esquerdista" só porque ele, provavelmente sob a proteção de um pistolão nas fileiras petistas, foi trabalhar na Caros Amigos, Carta Capital e Fórum.

Daí que só pode dar "funk carioca" e "sertanejo pegação" como trilha-sonora do futuro "coração do mundo", já que a desinformação generalizada das pessoas, de pouca leitura e menos raciocínio crítico - sobretudo em tempos que a sociedade passou a contestar os contestadores - , faz com que o Brasil caia em verdadeiras armadilhas, aceitando a ratoeira por causa do queijo que está lá como isca.

Se um jornalista que, embora não muito badalado - Sanches perdeu a chance de triplicar sua já alta visibilidade nos meios sócio-culturais trabalhando na Rede Globo - , é muito influente e prestigiado pelos "peixes grandes", que define o futuro do folclore brasileiro através do indigesto cardápio das FMs "populares demais" controladas por políticos e latifundiários, a cultura brasileira só pode estar em crise, por mais que esta ideia seja renegada pela "moçada feliz" das mídias sociais.

E, no âmbito do "espiritismo", vemos as pessoas aceitarem que Humberto de Campos tenha "voltado a nos falar" na forma de um padre católico nas chorosas obras "espirituais" que levam seu nome. E isso é aceito porque poucos têm coragem de ler as obras originais de Humberto de Campos, escritor falecido há mais de 80 anos. Se está difícil até para ler Eu Fico Loko, diante de uma avalanche de livros para colorir...

O hábito de leitura, portanto, é ainda precário. Pessoas até passaram a ler mais e a antiga convicção de uma minoria que estufava o peito para dizer com orgulho que odiava ler livros hoje tornou-se ridícula e preconceituosa. Mas a qualidade da leitura ainda é sofrível e o mercado literário está mais voltado para o sensacionalismo do que para a relevância dos temas abordados.

Mesmo os livros de História precisam ser trabalhados como ficção, não como nos tempos do Segundo Império, quando se criou uma historiografia ufanista de heróis de contos-de-fadas montados a cavalo. O sensacionalismo de hoje está mais próximo do History Channel do que dos primórdios do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Dom Pedro II tem o rosto de Brad Pitt quando jovem e o de Anthony Hopkins quando idoso.

Daí que ninguém consegue entender o que é autêntico ou deturpado nos livros ou reportagens, nos documentários e monografias. Os brasileiros ainda leem pouco, os livros que fazem sucesso ainda são sofríveis - isso quando não se incluem os livros para colorir - e o raciocínio reflexivo se torna uma atitude antissocial de "desocupados rancorosos".

Por isso é que vemos um terreno fértil, ou melhor, estéril, para o contexto atual, em que pessoas ainda querem incluir Chico Xavier e Divaldo Franco no seleto clube do Espiritismo genuíno, só porque os dois eram "bonzinhos". Sem leitura nem raciocínio crítico, absurdos e posturas surreais acabam sendo adotadas e até prevalecendo. O Brasil perde muito com isso.

sábado, 24 de outubro de 2015

Câmara dos Deputados quer dificultar o já complicado acesso à pós-graduação


O funil dos cursos de pós-graduação se apertará cada vez mais. Foi aprovada, na Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda Constitucional que permite as universidades públicas de cobrar mensalidades para o ensino de pós-graduação, eliminando cada vez mais a democratização do acesso a cursos de Mestrado e Doutorado, entre outros.

A medida ainda depende de votação no Senado Federal para ser definitivamente aprovada. Embora seja apoiada por partidos governistas, parte da oposição também apoia a proposta. Boa parte de seus defensores integra a chamada "bancada BBB": "bala, boi e Bíblia" (armamentistas, ruralistas e evangélicos, respectivamente).

Segundo seus defensores, a medida "favorecerá" os investimentos em cursos de qualidade, tecnologia e laboratórios de pesquisa. A mesma segue uma visão tecnocrática de ensino superior, voltada apenas à formação técnica e profissional. A visão mercantilista é bastante clara.

"São cursos profissionalizantes, feitos por demanda que vem da empresa, de órgãos públicos, para a capacitação daquele trabalhador. Não é justo que a universidade, que já tem os seus cursos diminuídos, tenha de custear também cursos profissionalizantes", disse o deputado Cleber Verde (PRB-MA), relator da proposta, a partir de um projeto de Alex Canzani (PTB-PR).

Partidos que se opuseram à proposta e votaram contra, como PSOL, PC do B e REDE, enquanto o PT tornou facultativa a votação (seus deputados poderiam votar a favor), acusaram a proposta de abrir caminho para a privatização do ensino superior. Curiosamente, ela desenterra o fantasma trazido há 50 anos atrás, no período da ditadura militar.

O ministro da Educação do governo do general Castelo Branco, Flávio Suplicy de Lacerda, foi do mesmo Paraná de Alex Canzani, autor da proposta. Lacerda, em 1965, já anunciava a intenção em privatizar as universidades públicas e reduzir o ensino superior a um processo tecnocrático de formação profissional, eliminando dele sua vocação humanista.

Flávio foi reitor da Universidade Federal do Paraná, e sob sua gestão tecnocratas como Jaime Lerner, de perfil conservador e defensor do regime militar, se formaram. Lerner se filiou à ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e, como prefeito "biônico" (nomeado pelos militares) de Curitiba, estabeleceu um paradigma de transporte coletivo que nada tem de coletivo.

Redução de frotas de ônibus nas ruas, pintura padronizada para ninguém poder reconhecer a empresa prestadora de serviço e motoristas que cobram passagens e se dividem entre a direção e o troco, o "projeto Lerner" já deu a razão de ser da mentalidade tecnocrática que já prevalece nas universidades, em que o termo "interesse público" não passa de uma conversa para boi dormir.

Ironicamente, graças a Lerner e seu projeto decadente, que precisava "renascer" como pretensa novidade usando o Rio de Janeiro como vitrine - é o Rio do PMDB carioca que governa de forma autista em seus gabinetes e "exportou" Eduardo Cunha para a Câmara dos Deputados - , que outros universitários sofrem constantes atrasos no seu deslocamento através de ônibus.

Pois foi o projeto de privatização das universidades públicas que o "amado mestre" e ídolo de Jaime Lerner lançou, quando o Ministério da Educação e Cultura castelista fez uma parceria com a USAID, agência de desenvolvimento ligada ao governo dos EUA, que despertou a revolta estudantil que marcou história no Brasil entre 1966 e 1968.

TECNOCRACIA SEM INTERESSE PÚBLICO

O ensino de pós-graduação já possui os vícios tecnocráticos trazidos ainda do período do general Ernesto Geisel, dentro de um padrão "mais democrático" do que antes, mas mesmo assim bastante restritivo, em que o questionamento é desestimulado diante de uma suposta objetividade que está mais para complacência do que para contestação do "estabelecido".

Diferente das teses no exterior, o padrão das monografias brasileiras segue um caminho maçante de pesquisas que se perdem tentando "explicar" suas problemáticas "nada problemáticas", sendo mais um discurso rebuscado em que desfilam descrições de fontes alheias e investe em retóricas abstratas tipo "imaginário disso", "prolegômenos daquilo" e outros jargões intelectualoides.

Mestrado e Doutorado, no Brasil, já são setores bastante restritivos e anti-democráticos e, sendo ambientes estratégicos de promoção de visibilidade, já que muitos desses "pensadores" são formadores de opinião pública e influem em muitas diretrizes trazidas pela mídia e pelo poder público.

É só perceber o quanto as bancas acadêmicas e os diretores desses cursos fazem para banir mentes questionadoras dos cursos de Mestrado, um dos primeiros caminhos da evolução educacional da pós-graduação. Do contrário que acontece lá fora, os cursos de pós-graduação brasileiros dão preferência a projetos inócuos que não ameacem valores estabelecidos, sobretudo pela mídia e pelo mercado.

Os principais motivos dessa restrição - apoiada a uma norma de "objetividade de pesquisa" que equivocadamente vê o questionamento como "rebeldia juvenil" e, por isso, precisa ser "neutro" e "imparcial" nas teses em produção - variam das vaidades pessoais de professores de pós-graduação ao melindre com que se aplicam as bolsas de pesquisas públicas e até privadas.

Na cultura popular, é ilustrativo que haja intelectuais com diploma de Mestrado e Doutorado que se mostram complacentes com a degradação do setor, através de formas de expressão caricatas financiadas pelo latifúndio e pelo coronelismo midiático.

Ver que acadêmicos aceitam e até fazem monografias rebuscadas e prolixas "filosofando" sobre fenômenos da imbecilização cultural trazidos sobretudo pelas Organizações Globo e dar um tempero pseudo-libertário para cantores, duplas e conjuntos patrocinados por latifundiários envolvidos nas mortes de agricultores e ativistas sociais, é coisa muito, muito estranha.

E aí temos a mesma verborragia: "Analisamos o fenômeno conforme os desdobramentos disso e daquilo, fulano disse isso, mas sicrano disse aquilo, observa-se pessoas aderindo aqui e ali, houve polêmica aqui e acolá, mas concluímos que o fenômeno é pertinente na produção de sentidos e significados no imaginário coletivo e no contexto da realidade complexa em que vivemos".

Dá para perceber que figuras do nível de Noam Chomsky, Umberto Eco, Eric Hobsbawm e Christopher Hitchens não teriam equivalente brasileiro. Eles seriam barrados nas primeiras seleções do Mestrado, praticamente "no começo da festa". Eles se limitam a realizar atividades menores, como blogues, marginalizados pelo "mercado acadêmico da visibilidade".

Por outro lado, o que temos são intelectuais complacentes, que fingem estudar o problema para depois legitimá-lo como "produção válida de sentidos" dentro de desculpas bem organizadas, sobretudo levando como tese a aceitação de grandes parcelas da sociedade. Parece mais uma obra de ficção: o "mocinho" (o tema estudado) vive sua vida, enfrenta inimigos e ganha um final feliz.

A prioridade é sempre o trabalho meramente descritivo, já que a norma da pós-graduação brasileira é "não mexer nos problemas". Apenas eles são apreciados, cria-se um discurso "científico" e uma abordagem "objetiva" e tudo fica como está. As monografias só servem como enfeites, um mero desfile de discursos rebuscados e maçantes de teses absurdas que não podem ser questionadas.

Daí que o mercado "pira" quando antropólogos, historiadores e sociólogos dotados de muita visibilidade definem como "novo folclore" os "sucessos populares" das rádios FM "populares" (mas controladas por grupos oligárquicos em maioria regionais), enrolando as bancas acadêmicas com divagações "etnográficas" até para a "dança da boquinha da garrafa" e a "melô do créu".

E O "ESPIRITISMO" BRASILEIRO?

Para completar a tragicomédia da pós-graduação, temos o caso do "espiritismo". Há um núcleo na Universidade Federal de Juiz de Fora, chamado Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade de Saúde (NUPES), mas também há setores "espíritas" na Universidade de São Paulo, entre outras instituições.

O NUPES da UFJF é conhecido pejorativamente como "centro espírita" da instituição mineira. Uma amostra de como é a mentalidade tecnocrática, que domina os meios da pós-graduação, não se compromete com a produção de conhecimento são as pesquisas relacionadas à suposta mediunidade de Francisco Cândido Xavier.

Combinando desnecessárias análises de discurso, como avaliar quantas vezes determinadas palavras-chave foram mencionadas nas "cartas" trazidas por Chico Xavier, ou complicadas metodologias de averiguação das mensagens descritas, a equipe do dr. Alexander Moreira-Almeida, usando de um arremedo de questionamentos, legitima de forma precária a suposta mediunidade do mineiro.

Uma simples comparação poderia muito bem demolir a suposta mediunidade: as mensagens padronizadas e a caligrafia restrita ao "médium". Não há um indício real da personalidade do falecido e mesmo informações complexas podem ter sido colhidas pela equipe de colaboradores a serviço de Chico Xavier.

Um grande levantamento de dados é feito a partir de processos diversos, desde uma simples conversa de fim de doutrinária, quando as famílias dos mortos vão para os palestrantes nem que seja só para elogiar suas palestras e aí, "sem querer", lhes transmitem dados pessoais extras, até pesquisas em bibliotecas.

A "leitura fria" aparece como um processo dos "auxílios fraternos" em que os entrevistadores adotam uma linguagem intimista e fraternal, para envolver emocionalmente o entrevistado e fazê-lo dar informações mais sutis e entranhadas de seus entes falecidos, além de trazer, através de gestos e modos de linguagem, indícios que os "espíritas" depois irão inferir em dados novos subliminares.

As teses de pós-graduação julgam que a "leitura fria" é um processo "menor" e pouco provável, acreditando que basta "ler os textos" das cartas "psicografadas" e confrontar com os depoimentos dos familiares para que se aponte "veracidade" para essas missivas.

É um recurso muito simplório e sem eficiência. Afinal, as relações familiares nem sempre são iguais ou integradas entre si. Mães e pais podem desconhecer certos aspectos da vida do filho. Ou o filho pode, com toda a afeição e respeito que tem para um pai, não entender a natureza sócio-cultural de seu adorado genitor.

No caso da Legião Urbana, por exemplo, é até legítima a afeição que o jovem Giuliano Manfredini tem de seu pai, Renato Russo. Essa afeição é sincera e indiscutivelmente profunda. No entanto, Giuliano não conviveu artisticamente com o pai, que morreu quando o filho ainda era criança, e isso influenciou na sua incompreensão quanto aos referenciais artísticos da Legião Urbana.

Giuliano vivenciou o cenário do rock brasileiro dos anos 90, de qualidade bastante inferior e de referenciais culturais mais precários e superficiais em relação aos do tempo de seu pai. A geração de Renato Russo garimpava raridades alternativas. A de Giuliano se contentava com o rock que fazia sucesso nas rádios brasileiras comerciais (mesmo aquelas que se apoiavam pelo rótulo de "rádios rock"), frequentemente medíocre e previsível.

Daí que, na batalha jurídica da Legião Urbana, a causa, felizmente ganha, corresponde a dos músicos que vivenciaram toda a trajetória com Renato Russo (e, em parte, com o também já falecido Renato Rocha, apelidado Negrete ou Billy), o guitarrista Dado Villa-Lobos e o baterista Marcelo Bonfá. Neste sentido, o lado familiar não correspondeu ao entendimento aprofundado de certos aspectos da vida do ente falecido.

Daí que pode ser que a informação que uma mãe não saiba de um ente falecido pode ser de conhecimento do pai. Ou então ela é observada por um tio ou avó, ou então por um amigo. Aspectos desse porte não foram considerados no caso Jair Presente, jovem que morreu afogado no interior paulista, em 1974, criando um incidente que os "espíritas" tentaram abafar.

Chico Xavier lançou uma "primeira carta" atribuída a Jair com aquele mesmo tom igrejista, um mês após a morte do jovem. A mensagem parecia serena demais para um rapaz de vida agitada que parecia perturbado e mostrava as marcas pessoais do "médium", irregularidade muito conhecida nessa atividade que, no Brasil, é feita muito aquém das recomendações de Allan Kardec.

Os amigos que conviveram com Jair Presente perceberam muito bem a primeira carta quanto as cartas posteriores, que num extremo oposto mostravam um "Jair Presente" tresloucado, caricatural e forçadamente cheio de gírias, que indicavam um jovem perturbado demais, além do admissível para aquelas circunstâncias.

Até parecia que o "Jair Presente" da segunda e demais cartas tinha "cheirado pó" e "tomado ácido". Isso numa leitura apressada. Mas, percebendo bem, até o desfile de gírias era forçado demais mesmo para os padrões da juventude hippie, que influía nos paradigmas coloquiais da época. E o "Jair" tranquilo demais na primeira carta parecia um doido paranoico nas cartas posteriores.

Daí que os amigos de Jair reclamaram das cartas e a nenhuma delas atribuiu veracidade. Um dado curioso, mas que chocaria os "espíritas", é que Chico Xavier, normalmente conhecido como "a mansuetude personificada", ficou profundamente irritado com a reação dos amigos de Jair Presente.

São dados que a realidade acadêmica castradora não analisam ou, se dão alguma consideração, os minimizam e subestimam como coisas sem importância. E, como é de praxe nas correntes dominantes da pós-graduação, o trabalho dos "acadêmicos espíritas" segue o mesmo roteiro de fingir que questiona alguma coisa para depois reafirmá-la.

Com o fim da gratuidade nos cursos de pós-graduação, o que já está extremamente ruim, que é a castração ao pensamento questionador, se tornará ainda pior, já que, com as mensalidades, os cursos só serão acessíveis a pessoas com alto poder aquisitivo, mas raramente comprometidas com a produção honesta de conhecimento. O que já é pior pode se tornar ainda mais desastroso.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Nosso Lar trouxe "má atmosfera" para o Rio de Janeiro?


Por que tantos retrocessos na cidade do Rio de Janeiro? E por que eles acontecem sem o menor controle? Por que os plutocratas e tecnocratas mantém a supremacia do poder de decisão, mesmo quando contrariam o interesse público que dizem defender? E por que a degradação cultural corre solta, no Estado onde outrora havia a resistência das vanguardas culturais?

Outrora capital de modernidade, vanguarda cultural e significativo progresso urbano, mesmo com todos os problemas e imperfeições, o Rio de Janeiro de hoje sucumbe a uma decadência que não pode mais ser vista como um efeito natural da complexidade urbana pós-moderna. Os retrocessos que ocorrem atualmente chegam a nivelar a cidade a uma mentalidade provinciana e atrasada.

Ninguém percebe que o Estado do Rio de Janeiro também tem coronelismo (os banqueiros de bicho são os latifundiários fluminenses), tem pistolagem (capangas de bicheiros, milicianos, grupos de extermínio, traficantes) e uma grande multidão com mentalidade tipicamente rural e suburbana, mas não da forma típica de regiões modernas, mas equiparadas ao interior do Norte, por exemplo.

A mídia, a mobilidade urbana, o cenário cultural, tudo isso declinou. Infelizmente, muitos cariocas de elite não conseguem admitir isso, e ocorre uma onda de mau humor nas mídias sociais disfarçada de "felicidade" feita na marra, sem que alguém pudesse reclamar de problemas além de poucos manjados. Ter senso crítico virou ato antissocial nesses espaços digitais.

A "etiqueta social" determinada pelo status quo de cariocas e solidários de outros Estados mostra que se deve, em vez de falar da realidade, contar piadas, exaltar bebidas alcoólicas, falar de time de futebol, cultuar bobagens no WhatsApp, bancar o "engraçado" numa situação dessas.

Há um complexo de culpa dos cariocas influentes nas mídias sociais que elegeram Eduardo Cunha, o presidente da Câmara dos Deputados envolvido em corrupção e pautas reacionárias. Há também os preparativos para as Olimpíadas Rio 2016. Fingir um relativo "mar de rosas" virou moda, diante da combinação da consciência pesada e ansiedade por lucros pelo turismo.

Curiosamente, é nas mídias sociais que são publicadas mensagens apologistas a Francisco Cândido Xavier. O Chico Xavier dos fanáticos seguidores, com sua trajetória bastante confusa, iria mesmo influir na degradação social, até por ele ter sido ultraconservador, católico ortodoxo nas ideias (embora heterodoxo nos métodos), já que o "espiritismo" é conhecido por suas energias sombrias.

A confusa religião tem como uma das crendices acreditar na existência de uma suposta colônia espiritual sobre o céu do Rio de Janeiro, intitulada Nosso Lar, que seria "modelo" para outras supostas colônias. É risível que exista até uma "geografia" enumerando as colônias uma a uma.

O caráter confuso do "espiritismo" brasileiro, perdido entre as falsas juras de fidelidade a Allan Kardec e o igrejismo de Chico Xavier, faz com que até a abordagem de Nosso Lar também tenha seus pontos obscuros. Afinal, ele é o Paraíso ou o Purgatório? Está ou não vulnerável às forças "trevosas" do Umbral?

Tudo fica muito estranho e Nosso Lar, o livro, ainda mostra muita coisa do pensamento de Jean-Baptiste Roustaing, o primeiro deturpador da Doutrina Espírita, já lá na França. Presença de crianças, jardins e animais domésticos seguem muitas abordagens trazidas pelo livro roustanguista Os Quatro Evangelhos.

Claro que, aparentemente, a decadência do Rio de Janeiro não foi imediata. Mas até parece que a cidade se tornou mais turbulenta depois da publicação de Nosso Lar, em 1943. De certa forma, o caos político da antiga capital do Brasil junto à demolição de bairros populares que integravam o entorno da atual Av. Pres. Vargas, acelerando a favelização, ocorreu a partir de 1944.

O próprio empate jurídico do caso Humberto de Campos, que fez Chico Xavier não necessariamente ser inocentado, mas simplesmente não ter sido o culpado, mediante a incompreensão dos juízes da época quanto ao processo - eles entenderam que os mortos não eram detentores de direitos autorais - , contribuiu para o agigantamento de seu mito, reforçado só décadas depois pela Rede Globo.

Aí, vieram pesadas nuvens sobre o céu carioca, que se tornou uma cidade difícil, temperamental e caótica. Mas muita coisa moderna ainda havia, entre 1944 e 1989, porque houve um interesse coletivo em incrementar culturalmente a cidade e fortalecer seu urbanismo e sua diversidade, mesmo com o caos político e criminal que começava a se desenhar então.

Só que, dos anos 1990 para cá, a coisa desandou, e o Rio de Janeiro, gradualmente, foi se tornando uma cidade cada vez mais provinciana do qual o chamado "borogodó" (espécie de misto de glamour e senso de humor do comportamento carioca) não passa de uma caricatura de si mesmo.

O Rio de Janeiro sucumbiu a um retrocesso comandado pelo crime organizado, de um lado, e pela aliança de plutocratas e tecnocratas que desenham o cenário cultural carioca conforme suas convicções pessoais e suas obsessões de lucros. E isso com orquestras, lojas de discos, centros culturais e livrarias de grande valor fechando e as ruas cariocas trocando a alegria e variedade pela insegurança.

A chamada "boa sociedade" tenta fingir que isso não acontece e minimiza os retrocessos atribuindo a "problemas pontuais de modernidade urbana". Tentam fingir para si mesmos que os "anos dourados" continuam, que o "borogodó" será resgatado pelo "funk", que a Mulher Melão renovará o feminismo e que tanto faz livrarias, lojas de discos e centros culturais fecharem suas portas se o Maracanã continua fervendo e os quatro maiores times cariocas continuam vencendo seus jogos.

As nuvens pesadas trazidas por Nosso Lar, a fictícia cidade espacial com seu povo vestindo pijamas impecavelmente brancos, podem estar influindo nessa "má atmosfera.". E o pior é que o Rio de Janeiro continua servindo de "modelo" para o país, e seus retrocessos podem se propagar se algo não for feito, porque a modernidade carioca hoje não é mais do que uma sombra do que chegou a ser.

Isso é tão grave que muito do provincianismo que começa a ser questionado por nortistas e nordestinos está sendo reciclado no Rio de Janeiro como uma pretensa novidade. Através dessa manobra, os retrocessos serão "devolvidos" ao Norte e Nordeste como se fossem valores modernos, e o atraso brasileiro, que já se realimentava na Av. Paulista, agora busca sua reciclagem no Rio de Janeiro, o que será pior para o país.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

A influência do ilusionismo circense no "espiritismo" brasileiro

PHINEAS TAYLOR BARNUM, OU P. T. BARNUM, ARTISTA E EMPRESÁRIO DE CIRCO DOS EUA.

"Nasce um otário por minuto" é a famosa frase atribuída, embora para muitas fontes por erro, ao empresário e artista circense que viveu no século XIX, o estadunidense Phineas Taylor Barnum, ou P. T. Barnum, lembrado por promover suas brincadeiras (hoaxes) em seus museus. Teria sido um dos artífices do ilusionismo circense e foi sócio do circo que deu origem ao famoso Ringling Bros. Circus.

O ilusionismo, que explorava de forma sensacionalista aspectos pitorescos ou mágicos, tornou-se um dos maiores atrativos do espetáculo circense. E, a reboque disso, havia também o hipnotismo e a "leitura fria", recurso da Psicologia em que um entrevistador faz uma conversa "intimista" para envolver uma outra pessoa e fazê-la dar informações mais detalhadas e diversas.

Infelizmente, o "espiritismo" que se faz no Brasil nada tem da doutrina de Allan Kardec, por mais que seus líderes bajulem o professor lionês, em suas declarações chorosas, sobretudo na Internet. O "espiritismo" que se faz no Brasil é uma combinação de três práticas:

1) Valores ideológicos e crenças originários do Catolicismo português, introduzido no Brasil desde o período colonial e que, como a matriz, mantinha abordagens medievais até mesmo no decorrer do Segundo Império brasileiro;

2) Práticas hereges clandestinas, como práticas de feitiçaria e curandeirismo ocultistas, que se tornaram base nas atividades supostamente mediúnicas, na homeopatia e nas terapias adotadas pelo "espiritismo" brasileiro;

3) Técnicas de ilusionismo tardiamente adotadas para reforçar os arremedos de mediunidade praticados pelos "espíritas" brasileiros, inspirados em práticas circenses e em atividades como a Hipnose, as "tábuas Ouija" e as "mesas girantes", num passo para trás em relação às pesquisas de mediunidade trazidas por Allan Kardec.

Quanto ao ilusionismo, é necessário enfatizarmos isso, sobretudo pelo fato do "espiritismo" brasileiro ter feito o caminho inverso de Allan Kardec. O pedagogo, a partir da observação de fenômenos como as "mesas girantes" e as "tábuas Ouija", estabeleceu questionamentos e pesquisas que resultaram nos estudos sobre mediunidade.

Já os "espíritas" brasileiros fizeram o oposto. A partir da teoria mediúnica de Allan Kardec, eles regrediram para práticas pouco confiáveis que se nivelam justamente às "mesas girantes" e às "tábuas Ouija". Até mesmo os contatos com parentes mortos, através de Francisco Cândido Xavier e similares, se nivelaram às perguntas que os curiosos faziam às "tábuas Ouija", pela ansiedade mórbida e pelo sensacionalismo paranormal.

OTÍLIA DIOGO DEU SUA PISTA

O ilusionismo circense se complementou ao ocultismo sombrio, das práticas hereges clandestinas, que estabeleciam previsões e curas através de métodos misteriosos e duvidosos, sempre se valendo do sobrenatural e do pitoresco para a sua realização.

Os "espíritas" não gostam de serem associados à ideia do sobrenatural, mas mesmo as mensagens mediúnicas são feitas da mesma forma que o esoterismo ocultista, às escondidas, para que assim o "preparo" de supostas mensagens "espirituais" - ainda que seja uma suposta Cássia Eller falando de dragões cuspindo fogo nos umbrais - se elabore às escondidas do público.

Afinal, mediunidade é algo que quase ninguém sabe no Brasil. 99% dos que se dizem médiuns são incompetentes e quase não exercem esse dom. Criam mensagens da própria imaginação e atribuem aos entes mortos, ante técnicas discursivas que enfatizam o apelo religioso até para minimizar as suspeitas de fraude.

Só a ideia de temperar mensagens "espirituais" sempre com apelo religioso, sobretudo citando supostas conversões de quem foi ateu na Terra e "conheceu Jesus" nas esferas astrais do além-túmulo, já é em si uma prática de ilusionismo, feita para comover as pessoas e desviá-las de qualquer desconfiança de fraude.

Algumas técnicas de ilusionismo são feitas sob o rótulo de "mediunidade" e o caso Otília Diogo, que usou técnicas circenses como foi constatado pelos jornalistas de O Cruzeiro (que viram fantasias e instrumentos relacionados aos "personagens" que ela "encarnava", como a "irmã Josefa"), só trouxe pistas que levam a essa constatação.

Se nas chamadas psicografias existe a "colcha de retalhos" de forjar textos anti-doutrinários - Allan Kardec se envergonharia se lesse os livros de Chico Xavier - misturando plágios daqui e dali com criações do próprio "médium" e algum colaborador associado, invertendo o sentido de ghost writer com uma pessoa viva escrevendo por si mesma e botando o crédito de autoria a um morto, em outras práticas recursos circenses e até teatrais são utilizados.

Um exemplo disso foram as supostas materializações, em que se apela até mesmo para a alegoria infantil de representar um fantasma com um lençol ou vestido brancos é utilizada, enquanto se opta em colar fotos mimeografadas ou fotocopiadas de personalidades mortas que são coladas na parte do rosto dos modelos que os representam. Literalmente, umas cabeças-de-papel.

No caso de Otília Diogo, ela dispensou a "cabeça-de-papel" e alegou que cobriu o rosto porque a face da freira estava "desfigurada" e mostrá-la causaria horror aos espectadores. No entanto, ela usou outros recursos ilusionistas, se inspirando em práticas circenses para forjar a travessia pelas grades de uma jaula, depois de acorrentada e se desvencilhar "milagrosamente" das correntes.

A fraude foi denunciada, não sem a reação rancorosa dos "espíritas", que chegaram a fazer ameaças contra os repórteres investigativos de O Cruzeiro, depois que eles localizaram uma mala com as fantasias, em 1970. Ela estava sendo investigada por suas fraudes e, desmascarada, sumiu imediatamente.

Curiosamente, Chico Xavier, que assinava embaixo, literalmente, as fraudes de materialização, acompanhou Otília Diogo nos preparativos das fraudes e apoiou todo o processo. Ele aparece sorridente nos bastidores do espetáculo, e é risível que os chiquistas aleguem que "cúmplice não é culpado" para inocentar Chico de participação dessa fraude.

Mas há também a prática de "leitura fria", um dos recursos utilizados pela hipnose, prática usada em alguns espetáculos circenses. A "leitura fria" é uma manobra psicológica bastante sutil, que faz o interrogador colher o máximo de informações do interrogado, através de uma conversa "intimista".

CHICO XAVIER TINHA COLABORADORES QUE FAZIAM "LEITURA FRIA"

Na "leitura fria", cria-se uma conversa em que o tom afetivo dos comentários e perguntas, por parte do entrevistador, é feito para dar uma impressão de confiabilidade e intimidade para o entrevistado. Este, envolvido por esse clima forjado, passa a dar informações bem mais sutis sobre o tema ou a pessoa abordado, trazendo detalhes e, estando emocionalmente mais à vontade, reações psicológicas que servem para o entrevistador inferir novas informações a partir da emoção do entrevistado.

Chico Xavier muitas vezes entrevistava as pessoas e fazia "leitura fria" para colher dados mais complexos. Mas contava também com uma equipe de colaboradores, que pesquisavam desde fontes bibliográficas até os chamados "auxílios fraternos", nos quais a "leitura fria" era bastante utilizada. É muito comum tais entrevistadores adotarem um tom fraternal e intimista com seus atendidos.

Se Chico Xavier "não sabia" de informações complexas sobre pessoas falecidas, elas foram colhidas por seus colaboradores, e se aproveitava até mesmo dos gestos de entrevistados quando falavam de certas lembranças do ente falecido, e informações extras eram obtidas até quando os parentes dos mortos se dirigiam à mesa depois do fim de uma doutrinária.

Várias pessoas, dentro dos "centros espíritas", se envolveram em colher informações sobre os mortos. A atitude era vista como "inocente" e verossímil, os "espíritas" não escondiam que faziam isso, até para "conhecer melhor" aquele que faleceu.

Em princípio, parece salutar o amplo interesse dos membros desses "centros" em obter informações dos entes falecidos, mas o que está por trás disso é a necessidade de camuflar o despreparo para a prática mediúnica - quase nenhum "médium", no Brasil, tem concentração suficiente para evocar espíritos falecidos com honestidade - com um amplo repertório de informações.

Isso porque, quanto mais informações forem colhidas, mais fácil será forjar, com um máximo de verossimilhança possível, uma suposta mensagem espiritual, partindo de supostos médiuns que, em verdade, não possuem a concentração necessária para trazer mensagens espirituais autênticas.

Chico Xavier lia muito, e, quando fez Parnaso de Além-Túmulo, preferiu realizar pastiches literários diversos. A polêmica provocada na época era se ele era capaz de parodiar de uma só vez diversos estilos literários. Só que poucos percebem que, por trás dessa fraude editorial, remendada em cinco edições durante cerca de duas décadas, havia a colaboração de editores da FEB e de consultores literários.

Xavier mandou uma carta para Antônio Wantuil que indica essa hipótese, e Suely Caldas Schubert, mesmo com as intenções de divulgar as cartas do "médium" (sem, no entanto, apresentar as missivas em resposta), sem querer acabou "dedurando" esse lado sombrio das "psicografias" do mineiro, ao divulgar uma carta datada de 03 de maio de 1947:

"Faltam-me competência e possibilidade para cooperar numa revisão meticulosa, motivo pelo qual o teu propósito de fazer esse trabalho com a colaboração do nosso estimado Dr. Porto Carreiro é uma iniciativa feliz. Na ocasião em que o serviço estiver pronto, se puderes me proporcionar a “vista ligeira” de um volume corrigido, ficarei muito contente (...)". (In: SCHUBERT, Suely Caldas. Testemunhos de Chico Xavier. Rio de Janeiro: Editora da FEB, 2010).

Chico Xavier cita o membro da equipe editorial da Federação "Espírita" Brasileira, Luiz Carlos Porto Carreiro Neto, e descreve o trabalho que ele fez para a quinta edição do livro Parnaso de Além-Túmulo, de evidente revisão dos textos. Em claras palavras, Chico dá a entender que o trabalho tinha a participação de editores da FEB, e podemos inferir que eles ainda contavam com a ajuda de consultores literários.

Isso comprovou as acusações de católicos como Alceu Amoroso Lima, que apontaram a "infundada" tese de que Parnaso de Além-Túmulo era feita por editores da FEB. E é uma carta de Chico Xavier, com palavras dele e divulgada desde 1986 por uma "médium" admiradora do mineiro, que comprova isso. Os "espíritas" deram um tiro no próprio pé.

Com isso, mostramos que, no Brasil, quase ninguém entende de mediunidade espírita. Os "espíritas" até leem O Livro dos Médiuns e fingem concordar e compreender com tudo que está escrito nesse volume. Mas, na hora de praticar, sempre "dá um branco" e aí o ilusionismo e outras práticas são feitas para obter informações para forjar uma falsa mediunidade em mensagens verossímeis.

Como se vê, a mediunidade feita no Brasil é quase sempre uma ilusão.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

No Brasil, raciocinar é visto por muitos como um "mal"


Pode parecer surreal, mas o simples dom da espécie humana de raciocinar é amaldiçoado por uma influente parcela de brasileiros. A ideia de raciocinar de forma questionadora sobre diversas coisas rende um sério risco de perder amigos e ser visto como "chato e insuportável".

Infelizmente, existe a supremacia da estupidez sobre a coerência. Daí, por exemplo, a atitude irresponsável da trolagem na Internet, que ganha adesão imediata de um grande número de internautas. Quem questionar o "estabelecido" de repente é bombardeado por uma série de mensagens que, de início, são apenas irônicas e jocosas, mas depois viram sérias ameaças.

Segundo o falecido cineasta francês Claude Chabrol, "A estupidez é infinitamente mais fascinante do que a inteligência. A inteligência tem seus limites, a estupidez não". Sua frase, que o cineasta expressou como lamento, encaixa no contexto da mediocridade totalitária que atinge os brasileiros.

Sim, raciocinar é um "crime" e se, no Facebook, pessoas publicam memes de questionamentos mais profundos, seus seguidores - intitulados "amigos" - vão logo clicando a opção "Não quero ver isto", mostrando sua falta de paciência em aceitar a realidade dura em que vive.

E a relação França e Brasil não se limita pelo fato da declaração de Chabrol servir para definir o quadro brasileiro. A própria Doutrina Espírita, do pedagogo Allan Kardec, é surpreendentemente alvo dessa burrice não assumida no discurso, mas defendida de forma convicta na prática.

Observando vários fóruns na Internet, o cidadão médio que diz apreciar o Espiritismo fala que Kardec era "científico demais" e que o mal da Doutrina Espírita era esse "excesso de ciência" que a tornava incompreensível. Houve gente que criticava o fato de haver "razão demais" na doutrina kardeciana, e que a lógica não tinha as respostas para todas as coisas, mas sim a fé.

ORIGENS EDUCACIONAIS

É evidente que a origem disso tudo está pelo fato da religião se apresentar, nas infâncias das pessoas, de forma bem mais agradável do que a ciência. Isso acaba refletindo na fase adulta, mesmo quando as pessoas tentam usar da inteligência e de argumentos falsamente intelectualizados para justificar suas preferências pela fé e pelos mitos e dogmas.

O catecismo e outras formas de educação religiosa sempre mostraram a ideia de um paraíso a espera de quem morrer, assim como os mistérios e mitos da fé, com seus heróis, geralmente atraentes de alguma forma - mesmo que seja na imagem do "bom velhinho" de Chico Xavier - , e uma série de fantasias narradas de forma análoga a de contos de fadas.

Consta-se que a religião é uma espécie de "mundo da fantasia" que luta para exercer seu domínio sobre a realidade. Querendo ser "mais realistas que o rei", as religiões sempre põem a fé acima da lógica, usando o "mistério" como forma de ocultar contradições e aspectos improcedentes de suas doutrinas.

Já a ciência é sempre ensinada de forma um tanto tirânica e brutal. Um repertório de fórmulas de Física, Química e Matemática é empurrado sem que se explique as raízes filosóficas desses cálculos. A lógica torna-se um subproduto dessas ciências mal-ensinadas, e os alunos acabam tendo a má impressão de que o raciocínio lógico é sempre preso a um discurso prolixo e rebuscado e a fórmulas difíceis de serem usadas.

OS FALSOS INTELIGENTES

Só que, quando se chega à Universidade, as pessoas entram em contato com ambientes de reputação intelectual reconhecida, e aí procuram mascarar suas posturas conservadoras, seus preconceitos e suas neuroses de forma que tentam parecer "vanguardistas" e "progressistas" aos olhos dos outros.

E aí é que entra aquele discurso do internauta médio que acha que "não precisa raciocinar porque já nasceu inteligente". A inteligência é vista como se fosse num mercado em atacado. Quem absorve mais "informação" na Internet, é "muito inteligente", bastando apenas combinar uma capacidade mediana de argumentação e um senso de humor cáustico afeito a certo sarcasmo.

Claro que essa ideia de "inteligência" é um tanto duvidosa. Afinal, ver vídeos engraçados no YouTube também é "inteligência", assim como produzir blogues ofensivos contra alguém que contesta o "estabelecido". Mas a inteligência é muito diferente de uma mera caixa cerebral onde se consomem qualquer coisa vista nas redes digitais e isso pouca gente quer assumir.

Para piorar, existe um terrível cacoete, no Brasil, de pessoas que tentam argumentar sua estupidez usando arremedos de sabedoria. Tem-se desculpa para tudo, diz o anedotário popular, e isso se observa quando é constante a tendência de pessoas tentarem "filosofar" a sua mediocridade, para não dizer idiotice.

Tentam dizer que tal coisa é "medíocre" porque precisa atingir maior público, render mais dinheiro, porque o povo gosta, porque o Brasil vai crescer com isso e blablablá, blablablá. Acabam dando um tiro no pé, porque na tentativa de provarem que são "inteligentes", essas pessoas, aparentemente bastante influentes, acabam elas mesmas ficando chatas com esse discurso "cabeça".

A mediocridade sócio-cultural do "funk" já se serviu desse discurso "cabeça". Só que, do lado dos medíocres, quem "cabeceia" demais pelo "estabelecido" não é considerado "chato e insuportável". Até porque ninguém entende o que ele diz, só pesca algumas palavras e, se o discurso parece simpático, ninguém reclama. Se o "sistema" é favorecido com essa verborragia, tudo bem.

A burrice e a estupidez acabam se tornando convicções, defendidas com mãos de ferro não da forma discursiva, mas como práticas dissimuladas. São vistas como "nova lucidez" e acham que, por serem defeitos, são "mais humanos". "Errar é humano, insistir no erro é melhor ainda", é o que se resume do ideal desse status quo comportamental.

No "espiritismo", a burrice e a ignorância - sobretudo a ignorância que os ignorantes têm de sua própria ignorância - tornam-se blindagens para aceitar todo tipo de mistificação e deturpação. Diante dos bobos-alegres que se dizem "fiéis a Allan Kardec", mas preferem o igrejismo de Chico Xavier, não saber é um prato cheio para aceitar, sem queixumes, todas as confusões da doutrina brasileira que se afastou do pedagogo francês sem ao menos realizar uma ruptura formal com ele.

Uns chegam mesmo a reprovar o "excesso de lógica" de Allan Kardec. É a visão um tanto preconceituosa de que pensar traz insegurança e incômodo. No Brasil, é surreal mas constante o hábito de pessoas amaldiçoarem o ato de pensar, pela insegurança que este ato provoca ameaçando um sistema de privilégios comprometido com o desenvolvimento condicionado do país, com mais dinheiro do que qualidade de vida.

Até Chico Xavier dizia que o raciocínio questionador causava desunião. Ele sempre dizia para ninguém criticar, reclamar nem questionar. Os seguidores de Chico Xavier acham isso o máximo. Todos querem ser como a cadelinha que lambia o rosto do anti-médium.

Com piscinões de dinheiro, pistas exclusivas de lucratividade sem freio, grandes condomínios de granas investidos e hidrelétricas de dólares jorrando, o Brasil sempre sofreu a supremacia de uma visão em que o progresso do país depende do povo ficar com o bico calado. Fiquemos escravos da fantasia, e subordinemos a verdade às mentiras publicitárias, para não prejudicar a "chuva de dinheiros" a cair no país.

Faz sentido nosso país ser o "inferno astral" do humanismo. Não se pode ser humanista no Brasil. Afinal, ser humano é, sobretudo, usar livremente o raciocínio, e isso vai contra os desígnios da fé, que impõe limites ao ato de pensar. A espécie humana é dotada do dom particular de raciocínio, só que, infelizmente, esse dom é amaldiçoado por boa parte da população.

E ainda temos que acreditar que as pessoas que pensam assim são "as mais inteligentes"...