sexta-feira, 30 de outubro de 2015
Música brasileira reduzida a uma linha de montagem
Qual a situação da música do Brasil? Sintonizando as chamadas "rádios populares", como FM O Dia, Nativa FM, Band FM e outras, observa-se a "melhoria" das músicas tocadas, seja de "pagode romântico", "sertanejo" e outros. Músicas "mais bonitas" e cantores mais "contidos". Até o "funk" passou por uma recauchutada sonora.
Evolução? Não, apenas um jogo de aparências. Tudo continua tão medíocre e mercadológico como antes. A diferença é que o mercado da bregalização musical brasileira consolidou um processo que veio desde 1998, quando a geração brega da Era Collor tornou-se um arremedo tendencioso e falso da MPB que conseguia fazer sucesso entre o grande público.
Naquela época, os risíveis nomes do "pagode" e "sertanejo" que bregalizavam nas paradas de sucesso de 1990-1992 passaram a fazer uma imitação da sonoridade pasteurizada que marcou a MPB em sua fase comercial dos anos 80. A ideia era fazer uma recauchutada visual, caprichar na iluminação dos palcos, nos trajes de gala e no aparato técnico, e brincar de "fazer MPB" em especiais da Rede Globo de Televisão.
Passadas duas gerações adiante, o que se ouve nas rádios pode parecer "música de qualidade", mas é apenas uma linha de montagem. "Melhora-se" o produto para agradar o freguês. São apenas mercadorias "melhoradas", mas artisticamente tão ocas e inexpressivas quanto antes. E, culturalmente, tão inúteis quando o nível de nutrição de um chiclete de bola.
O Brasil, com um rico patrimônio artístico-cultural e com movimentos musicais que misturavam tradição e modernidade, nacionalidade e cosmopolitismo - como a Bossa Nova e o Clube da Esquina - , sucumbe à mais baixa degradação cultural com a subordinação das várias modalidades artísticas ao comercialismo mais explícito.
O fato de haver uma geração de ídolos "assépticos" em relação às gerações anteriores, que se consagraram cantando sobre "a barata da vizinha", "entre tapas e beijos" e "pau que nasce torto nunca se endireita" e queriam mesmo assim tomar as rédeas da MPB, é apenas uma questão de mudança de regras de mercado, como se aplicasse o Programa de Qualidade Total.
Exemplo disso é o antes intransigente "funk carioca", que não admitia uma estrutura sonora que fosse além do formato MC-dançarino-DJ de vocal quase gritado e atitudes jocosas ou invocadas. Mesmo com a resistência de seus defensores, o "funk melody", espécie de cruzamento do "funk" com elementos da Jovem Guarda e do brega dançante, passou a prevalecer sobre o chamado "pancadão".
Anitta gravando com violoncelista e fazendo arremedo de reggae. Lexa aparecendo ao lado de banda com formato roqueiro ou junto a um piano. E isso, enquanto, em outros gêneros, "sertanejos universitários" usam cítaras, gravam com orquestra e "pagodeiros românticos" tentam caprichar nos arremedos de poesia e melodia de seus sucessos.
Não se trata de algo espontâneo. E, no entanto, é essa música que tenta hoje prevalecer no Brasil, prestes a mendigar seu destaque no chamado "concerto das nações" mais uma vez, através das Olimpíadas de 2016. A sucessão, em quantidades industriais, de ídolos "pagodeiros", "sertanejos" e funqueiros tenta ser minimizada com "gestões de qualidade", que apenas fazem evitar que os ídolos sejam extremamente parecidos.
No "funk", os ídolos tentam ir além do fetichismo e da "provocatividade", e as atuais gerações tentam fazer hoje o que rejeitavam radicalmente em fazer há dois anos atrás. Tentam agora "mostrar serviço" e aparecem até ao lado de ídolos de outros gêneros popularescos, enquanto uns tentam cortejar até roqueiros e emepebistas.
O Brasil passa por um processo de plastificação, criando uma estrutura sócio-cultural ao mesmo tempo higienizada e calculista, visando atender ao mercado turístico e ao consumismo de diversas classes sociais. Isso ocorre em claro prejuízo ao patrimônio cultural originalmente acumulado, já que este só é valorizado na forma do arremedo ou nas apreciações saudosistas ou museólogas.
Daí os múltiplos processos de "limpeza ideológica" feitos na música, no cinema, no teatro, nas artes plásticas, com o claro respaldo de uma mídia reacionária que tenta manipular o inconsciente coletivo. E, nesse clima que mistura ufanismo e consumismo, atualizando o "milagre brasileiro" da Era Médici para os contextos de hoje, até quem tem boa formação cultural acaba aderindo.
Daí a satisfação com que roqueiros e emepebistas têm com os poucos espaços que lhes restam. sejam programas de MPB em canais da TV paga ou webradios de rock difíceis de serem sintonizadas fora de casa. Acreditam que uma revolução cultural ocorrerá em seus ambientes fechados, enquanto suas expressões culturais são reduzidas a caricaturas, literalmente parodiadas pelo rádio FM - incluindo as chamadas "rádios rock" - e a chamada TV aberta.
A "paz social" que se desenvolve nisso tudo, às custas do apoio aos chefões midiáticos, como da Rede Globo, e de políticos de viés autoritário, como os do PMDB carioca - e não se fala necessariamente de Eduardo Cunha, mas de Eduardo Paes e seus consortes - , transforma o Brasil num verdadeiro país fictício, uma Disneylândia do politicamente correto e do consumismo pleno.
Tudo parece lindo e maravilhoso, edificante e progressista, mas é apenas uma embalagem bela de conteúdos ocos, vagos, falsos e tendenciosos. A espontaneidade não é um forte nessa fase em que o Brasil comete retrocessos, mesmo sutis, para permitir o consumismo fácil dos fregueses - que o jargão da grande mídia apelida de "clientes" - e o faturamento imediato e maior de investidores.
Daí a trilha sonora arrumadinha, não só de rádios "populares", mas como de caricatas "rádios rock" como a carioca Rádio Cidade (que enfoca o jovem roqueiro como se fosse um debiloide surgido no seriado Malhação) e 89 FM (a cada dia mais próxima da mentalidade popularesca da TV aberta), em que até canções piegas com arranjo grunge ou emocore são tocadas.
É uma forma de criar uma "diversidade bonitinha", com uma rede de relações incluindo publicitários, executivos de mídia, acadêmicos, dirigentes diversos (inclusive esportivos) e políticos dominantes. Uma "diversidade" que não incomode a plutocracia, uma "higienização" que se encaixa bem no Brasil sonhado por Chico Xavier, que recomendava o povo a "sofrer em silêncio".
Não podemos falar nem mobilizar. Reclamar é um ato antissocial. O que se deve fazer é baixar a cabeça, aceitar a derrota e consentir com todo o circo do consumismo e da espetacularização. Se discordamos, o jeito é correr para a adega mais próxima e tomar um licor com os amigos para contar piadas ou ver futebol carioca, posando de vitorioso antes da vitória, na televisão.
Se o "sertanejo" e o "funk" incomodam, o jeito é, mantendo-se cabisbaixo, aguentar a linguagem pop da Rádio Cidade e aceitar como "rock de qualidade" as baboseiras de arranjo grunge ou emo com vocalistas sonolentos ou com voz de quem tenta fazer força sem poder, e acreditar que isso é uma das maravilhas do planeta. Tudo em nome de um país "bonitinho" para turista ver.
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